TJRN - 0102004-49.2017.8.20.0144
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
21/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0102004-49.2017.8.20.0144 Polo ativo JOSE EDSON DA SILVA ALVES FILHO Advogado(s): PAULO CESAR FERREIRA DA COSTA registrado(a) civilmente como PAULO CESAR FERREIRA DA COSTA Polo passivo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Apelação Criminal nº 0102004-49.2017.20.0144 Origem: Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Santo Antônio/RN Apelante: José Edson da Silva Alves Filho Advogado: Dr.
Paulo César Ferreira da Costa – OAB/RN 3.864 Apelado: Ministério Público Relator: Desembargador Glauber Rêgo Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
APELAÇÃO CRIMINAL.
LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE.
ROUBO SIMPLES.
EXCLUDENTES DE ILICITUDE.
LEGÍTIMA DEFESA.
ESTADO DE NECESSIDADE.
CONFIGURAÇÃO.
ABSOLVIÇÃO.
RECURSO PROVIDO.
I.
CASO EM EXAME Apelação Criminal interposta por acusado em face da sentença condenatória proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Santo Antônio/RN, que o condenou pelos crimes de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP) e roubo simples (art. 157, caput, do CP), fixando pena total de 9 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime fechado, além de 10 dias-multa.
A defesa postulou a absolvição por legítima defesa quanto do crime de lesão corporal e, alternativamente, o reconhecimento da forma privilegiada do tipo (art. 129, § 4º, do CP); bem como, a absolvição do roubo por estado de necessidade ou reconhecimento de atenuante genérica.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a conduta do apelante ao desferir facada contra a vítima que resultou em sua morte configura legítima defesa; (ii) estabelecer se a subtração do veículo para fins de socorro médico configura roubo ou está amparada por estado de necessidade.
III.
RAZÕES DE DECIDIR O réu age em legítima defesa ao reagir a agressão injusta, atual e iminente perpetrada pela vítima, que o atacou de surpresa com soco pelas costas, sem qualquer provocação prévia.
O uso da faca pelo réu constitui meio necessário e moderado para repelir a agressão, pois a facada foi desferida no braço — região não vital —, sem indícios de continuidade da violência após neutralização da ameaça.
O perigo enfrentado pelo réu após a briga, com sangramento visível e ausência de socorro, caracteriza estado de necessidade atual e inevitável, justificando a utilização de veículo alheio subtraído como único meio disponível para buscar atendimento médico urgente.
A finalidade da conduta foi exclusiva de autopreservação, sem ânimo de assenhoramento definitivo do bem, o que afasta a tipicidade penal do roubo em razão da excludente de ilicitude prevista no art. 24 do CP.
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recurso provido.
Tese de julgamento: “Age em legítima defesa o agente que reage a agressão atual e injusta mediante o uso moderado dos meios disponíveis”. “A subtração de veículo com o único fim de buscar socorro médico imediato por agente ferido em situação emergencial caracteriza estado de necessidade e afasta a ilicitude penal da conduta”.
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 24, 25, 129, § 3º, 157, caput; CPP, art. 386, VI.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp nº 2.093.963/BA, Rel.
Min.
Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. 19.02.2025; STF, ARE 1396540/CE, Rel.
Min.
Luiz Fux, j. 31.08.2022.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conheceu e deu provimento ao recurso da defesa, absolvendo o réu das imputações relativas aos crimes do art. 129, § 4º, do CP (art. 25 do CP c/c art. 386, VI, do CPP) e ao art. 157, caput, do CP (art. 24 do CP c/c art. 386, VI, do CPP); tudo nos termos do voto do Relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado por DRA ÉRIKA PAIVA (Juíza convocada) (Revisor) e pelo Desembargador SARAIVA SOBRINHO (Vogal).
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por José Edson da Silva Alves Filho em face da sentença oriunda do Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Santo Antônio/RN (ID 31865466), que o condenou pela prática dos crimes previstos no art. 129, §3º, e art. 157, caput, ambos do Código Penal, a uma pena total de 9 (nove) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa, em regime fechado.
Nas razões recursais (ID 31865475), o apelante requer: a) a absolvição quanto ao crime de lesão corporal seguida de morte, sob a alegação de legítima defesa; alternativamente, o reconhecimento da forma privilegiada do crime (art. 129, §4º, do CP); b) a absolvição do crime de roubo, por ausência de dolo (estado de necessidade - “utilizou-se do automóvel como único meio disponível para se dirigir ao hospital, local em que chegou logo em seguida e foi atendido”); alternativamente, o reconhecimento da atenuante inominada prevista no art. 66 do CP, “diante das circunstâncias excepcionais que envolveram a conduta do recorrente”.
Em sede de contrarrazões (ID 31865481), o Ministério Público de primeiro grau rebateu os argumentos defensivos e pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo, no que foi seguido pelo parecer da 1ª Procuradoria de Justiça (ID 32124390). É o relatório.
Ao Eminente Revisor.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.
No tocante ao crime de lesão corporal seguida de morte, o acusado sustenta ter agido em legítima defesa.
Com razão.
Durante a instrução criminal, na parte que interessa, a testemunha Willian Amaral da Silva Albuquerque relatou que viu o acusado José Edson sair do banheiro e, ao retornar, com sangramento na boca, comentou que havia levado um soco.
Em seguida, aproximou-se dele (réu) a vítima Jordão da Silva, que teria partido para cima do acusado, causando confusão generalizada.
Disse que não presenciou a facada, nem ouviu comentários sobre o esfaqueamento, apenas soube depois do falecimento.
Mencionou que a briga teria origem em desentendimento anterior entre a vítima e o primo do acusado, conhecido como “Neguinho da Água”.
Afirmou que José Edson tentou retirar o primo da confusão e mandá-lo para casa, mas retornou com os sinais da agressão.
Destacou que a vítima Jordão da Silva foi atrás do réu e chegou já agredindo e a briga generalizou-se.
Disse que saiu do local por não estar bebendo e não viu ninguém ferido naquele momento.
Não soube dizer se as partes estavam embriagadas e conhecia apenas de vista a vítima.
Atalas Damião Aurino da Rocha relatou que viu a vítima Jordão da Silva sair do banheiro e agredir o réu José Edson pelas costas, com um soco que pode ter acertado o rosto ou a nuca.
Em seguida, José Edson, que já estava com uma faca, revidou com uma facada.
Disse que os dois já haviam brigado momentos antes naquele mesmo dia e que a confusão envolvia um primo do acusado.
Afirmou que o réu José Edson correu em direção ao posto sangrando nas pernas, enquanto a vítima Jordão fugiu para outro lado.
Não soube precisar onde a faca atingiu a vítima nem o que ocorreu depois.
Relatou que ambos haviam ingerido bebida alcoólica, mas José Edson estava mais embriagado.
Por fim, confirmou que viu o acusado sair com a faca, mas não soube dizer o que ele fez depois disso.
As demais testemunhas não presenciaram os fatos relacionados à lesão corporal.
Acerca deste delito, o acusado asseverou em juízo que estava em uma festa e havia ingerido bebida alcoólica.
Relatou que, ao ir ao banheiro, presenciou a vítima agredindo seu primo e, ao intervir, levou um soco na boca.
Após mandar o primo embriagado para casa, retornou à mesa e decidiu também ir embora devido ao sangramento.
No trajeto, encontrou a vítima com mais três indivíduos, que passaram a agredi-lo.
Disse que, durante as agressões, foi ferido no joelho e, sentindo ardência e sangramento, sacou uma faca apenas para se defender, sendo a vítima quem o atacou.
Alega que agiu em legítima defesa.
Após o ocorrido, foi para casa e, por estar perdendo muito sangue, pediu ajuda ao vigia do posto, mas não foi atendido.
Pois bem.
Para o adequado deslinde da causa, releva fazer um corte na dimensão do tempo acerca dos fatos trazidos a exame: a) primeiramente, houve uma briga/confusão entre o primo do réu (“Neguinho da Água”) e a vítima Jordão da Silva, o que motivou o acusado intervir para retirar o seu parente da confusão, nada havendo que se apreciar sobre esse ponto, porquanto sem consequências penais relevantes no presente feito; b) no segundo momento, já quando o réu estava chegando em sua mesa na festa, em que a vítima Jordão da Silva chega repentinamente pelas costas do acusado, agredindo-o com um soco, e a consequente resposta do réu ao desferir-lhe a facada no braço.
Concentrando a atenção neste segundo momento, concluo que, efetivamente, agiu o réu em legítima defesa própria, nos termos do art. 25 do CP: “Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
A agressão perpetrada pela vítima Jordão da Silva se revela injusta, na medida em que não há nos autos qualquer elemento que demonstre que o acusado José Edson tenha provocado ou ameaçado a vítima antes do soco que sofreu pelas costas.
Pelo contrário, as provas apontam que o réu, ao retornar do banheiro, foi surpreendido com um golpe desferido pelas costas, sem qualquer comportamento agressivo prévio que justificasse tal ataque.
Nem mesmo a intervenção do réu, momentos antes, para retirar o seu primo de uma confusão serve para configurar a “justificativa” da agressão da vítima contra o réu, porquanto, o entrevero entre o primo do réu e a vítima já havia se encerrado e não há notícias de que o réu, naquele momento ou até ter levado um soco da vítima, tenha agredido ou provocado a vítima Jordão da Silva (aliás, nem houve tempo e oportunidade para isso).
A agressão da vítima Jordão da Silva contra o réu foi atual, na medida em que se consumou de forma imediata e repentina, atingindo o acusado pelas costas.
A testemunha Atalas Damião Aurino da Rocha confirma que o soco foi desferido no momento em que o réu se encontrava de costas, evidenciando o caráter inesperado, atual e presente da violência.
A conduta da vítima Jordão da Silva se voltou diretamente contra direito próprio do acusado — sua integridade física —, sendo ele o destinatário do soco, o que autoriza a reação defensiva nos termos da lei penal.
Também estão presentes, no caso em estudo, a utilização dos meios necessários e o seu uso moderado para a repulsa à agressão.
Ainda que se tratasse de uma arma branca e que não houvesse notícias de que a vítima Jordão da Silva estivesse armada, a resposta não se deu com desproporcionalidade flagrante, sobretudo considerando as provas demonstrando que o réu foi surpreendido pelas costas com um soco e já havia sido lesionado na boca pela vítima Jordão da Silva momentos antes.
Ademais, as agressões do acusado contra a vítima foram dirigidas ao braço (região não vital) e não há indícios de continuidade das investidas do réu ou de perseguição após a facada letal (a vítima faleceu “por choque hemorrágico devido a rotura da artéria braquial esquerda, devido a ferimento penetrante no braço esquerdo produzido por arma branca” - vide conclusão do laudo necroscópico em Id 31865427 - Pág. 10).
Todo esse cenário demonstra certa contenção no uso da força, especialmente considerando o potencial lesivo de que dispunha o réu no momento dos fatos.
Acrescente-se que a vítima, inclusive, teria conseguido sair do local e ser levada ao hospital, o que corrobora a tese de que a resposta do réu foi imediata, proporcional e que cessou com a neutralização do risco.
Nesse ponto, urge salientar que não se pode exigir do indivíduo, no calor dos acontecimentos, sendo atacado de surpresa, seguido de um cenário de confusão generalizada, uma precisão cirúrgica ou matemática para eleger os meios necessários e proporcionais para repelir a injusta agressão.
Na esteira dos esclarecimentos do professor e jurista Guilherme Nucci, “Meios necessários são os eficazes e suficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor dano possível ao atacante.
Não se exige, no contexto da legítima defesa, tal como se faz no estado de necessidade, a fuga do agredido, já que a agressão é injusta.
Pode ele enfrentar a investida, usando, para isso, os meios que possuir ao seu alcance, sejam eles quais forem.
Na ótica de Roxin, ‘a necessidade da defesa não está vinculada à proporcionalidade entre o dano causado e o impedido.
Assim, pois, quem somente pode escapar de uma surra apunhalando o agressor, exerce a defesa necessária e está justificado pela legítima defesa ainda que a lesão do bem jurídico causado pelo homicídio seja muito mais grave do que a que teria sido produzida pela surra’ (Derecho penal – parte general, p. 632) (…) Como lembra Marcello Jardim Linhares, ‘a escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção mecânica entre os bens em conflito’, nem tampouco a paridade absoluta de armas.
Utilizam-se as armas da razão (ob. cit., p. 343-344).
O agressor pode estar, por exemplo, desarmado e, mesmo assim, a defesa ser realizada com emprego de arma de fogo, se esta for o único meio que o agredido tem ao seu alcance.
O direito não deve ceder ao injusto, seja a que pretexto for alegou estar sendo espancado e já lesionado (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de direito penal – 16. ed. – Rio de Janeiro: Forensse, 2020. pp. 353-354) (Destacou-se).
Nessa ordem de considerações, diante da análise dos elementos constantes nos autos, verifica-se que a conduta do acusado José Edson subsume-se integralmente aos requisitos da legítima defesa própria, consoante previsão do art. 25 do Código Penal, motivo pelo qual deve ser absolvido do crime do art. 129, § 4º, do CP, nos termos do art. 386, VI, do CPP.
Nesse sentido, mutatis mutandis, colaciono o seguinte julgado: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.
LEGÍTIMA DEFESA.
EXCLUDENTE DE ILICITUDE DEMONSTRADA.
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA RESTABELECIDA.
NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL.
I.
CASO EM EXAME 1.
Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo em recurso especial e deu provimento ao recurso especial, para restabelecer a sentença absolutória proferida pelo juízo de primeiro grau, reconhecendo a excludente de ilicitude da legítima defesa em favor do acusado.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) verificar se a decisão de primeiro grau, que reconheceu a excludente de ilicitude da legítima defesa, encontra respaldo nas provas constantes nos autos; e (ii) decidir se o caso deve ser submetido ao Tribunal do Júri, ou se a absolvição sumária é cabível.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
O juízo de primeiro grau absolve sumariamente o réu ao reconhecer, com base nas provas coligidas, que este agiu em legítima defesa, amparado pelo art. 25 do Código Penal, diante de agressões injustas iniciadas pela vítima em contexto de luta corporal. 4.
Testemunhas presenciais relatam de forma uníssona que a vítima iniciou as agressões físicas e que havia histórico de ameaças, xingamentos e provocações constantes contra o réu, motivadas por ciúmes, corroborando a tese defensiva. 5.
O réu utiliza meios moderados e necessários para repelir a injusta agressão, valendo-se de um canivete de porte eventual, sem animus necandi, conforme analisado pelo juízo monocrático. 6.
A decisão do Tribunal de Justiça do Estado reformou a absolvição sob o fundamento de que subsistiriam dúvidas quanto à legítima defesa, sendo necessária a análise pelo Tribunal do Júri.
Todavia, ao examinar o recurso especial, conclui que as provas constantes dos autos são suficientes para demonstrar a excludente de ilicitude, tornando desnecessário o julgamento pelo Conselho de Sentença.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 8.
Agravo regimental desprovido”. (AgRg no REsp n. 2.093.963/BA, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025, DJEN de 24/2/2025.) Quanto ao delito de roubo simples, a defesa busca a sua absolvição argumentando que “o uso momentâneo do automóvel, com a manutenção da faca por instinto de autoproteção, ocorreu em contexto de urgência médica e emocional, completamente incompatível com a tipicidade subjetiva do delito de roubo”.
Igualmente razão assiste ao acusado.
Sabe-se que o estado de necessidade “É o sacrifício de um interesse juridicamente protegido, para salvar de perigo atual e inevitável o direito do próprio agente ou de terceiro, desde que outra conduta, nas circunstâncias concretas, não fosse razoavelmente exigível” (NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de direito penal – 16. ed. – Rio de Janeiro: Forensse, 2020. pp. 334).
Na parte que diz pertinência ao delito patrimonial, a instrução criminal demonstrou que o réu subtraiu o veículo da vítima João Maria Ximenes e se dirigiu ao hospital para ser atendido prontamente em razão das lesões sofridas na briga envolvendo Jordão da Silva.
A vítima João Maria Ximenes de Lima, relatou que estava dentro do carro, no posto, por volta das 3h40 da madrugada, quando viu José Edson se aproximar correndo, visivelmente nervoso e melado de sangue.
Ao tentar impedi-lo de entrar na área isolada do posto, Edson sacou uma faca e avançou contra ele, o que o fez correr.
Em seguida, viu Edson entrar em seu carro e tentar dar partida; ao tentar tirar a chave, Edson apontou novamente a faca, obrigando-o a recuar e deixar que levasse o veículo.
Disse que Edson não falou nada e aparentava ter ingerido bebida alcoólica.
Ligou para a polícia e foi informado que o carro havia sido encontrado em frente ao hospital com sangue no tapete.
Afirmou que, em nenhum momento, Edson lhe pediu socorro ou explicou sua intenção.
José Izau dos Santos Duarte disse que recebeu o pedido de ajuda da vítima João Maria Ximenes que tinha acabado de ser roubada e que ligou para a polícia.
Afirmou que os policiais prenderam o réu no hospital.
Ouviu falar que antes de cometer o roubo, o réu tinha se envolvido em uma briga de faca com a vítima Jordão da Silva.
Já o policial Charlles Paulo relatou que estava no pelotão quando soube de um roubo envolvendo um homem armado com faca que havia rendido o vigia de um posto de combustível e levado um carro baú.
Pouco depois, o vigilante do hospital informou que um homem esfaqueado havia chegado nesse mesmo veículo.
A equipe foi até o local e encontrou José Edson aguardando atendimento.
Ao ser informado de que outra pessoa também fora esfaqueada, ligaram os fatos e detiveram Edson, levando-o a Nova Cruz para atendimento e lavratura do flagrante.
Segundo ele, Edson não confessou formalmente, mas comentou com terceiros que esfaqueou a vítima e usou o carro para se socorrer.
Acrescentou que conhece Edson desde criança e que este sempre criava confusão em festas, geralmente armado com faca.
Adite-se que a testemunha Atalas Damião Aurino da Rocha relatou que viu o acusado correr depois da confusão com Jordão da Silva em direção ao posto sangrando nas pernas.
A esposa da vítima Jordão da Silva também se referiu ao fato de que o réu foi preso no hospital quando recebia atendimento médico, porquanto também ficou ferido por um corte de faca na perna.
Assim, as provas demonstram que o réu estava ferido quando abordou a vítima João Maria Ximenes e que foi encontrado logo depois, no hospital, pela polícia.
Nada obstante o dolo de subtrair o veículo seja inegável, há circunstância de fato que autoriza, excepcionalmente, a conduta do réu, qual seja, o estado de necessidade previsto no art. 24 do CP (“Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”).
A assertiva da vítima João Maria Ximenes de que o réu não lhe falou que precisava de ajuda e a informação trazida pelo policial Charlles Paulo e Silva de que o acusado costumava andar armado na localidade, arrumando confusão, não obstam o reconhecimento da excludente de ilicitude.
Isso porque, no caso em debate, o perigo a que estava exposto o acusado era atual, concreto e iminente, decorrente das lesões físicas sofridas na briga com a vítima Jordão da Silva.
Dita conclusão é confirmada pela vítima João Maria Ximenes ao relatar que o réu José Edson se encontrava visivelmente ferido e melado de sangue quando invadiu o posto onde trabalhava.
Já o policial Charlles Paulo afirmou que o acusado chegou ao hospital dirigindo o veículo subtraído, apresentando ferimentos e aguardando atendimento médico.
Tais circunstâncias revelam situação em que a integridade física do réu estava ameaçada, caracterizando o perigo atual exigido pelo art. 24 do CP.
Também não há nos autos qualquer indicativo de que o acusado tenha voluntariamente se colocado na situação de perigo.
A origem da lesão foi uma agressão praticada por terceiro (Jordão da Silva), em contexto de confusão anterior, e não resulta de comportamento doloso ou preordenado do réu.
Ainda que tenha havido embate físico prévio, os depoimentos evidenciam que o acusado José Edson foi surpreendido com um soco e foi lesionado (pernas sangrando) situação que não podia controlar ou prever.
Portanto, a geração do perigo decorreu de fatores alheios à sua vontade, preenchendo o segundo requisito da excludente.
Verifica-se, ainda, a proporcionalidade do sacrifício entre o bem jurídico violado (patrimônio) e aquele a ser preservado (integridade física) pela conduta excepcionalmente admitida pela lei.
Assim, embora formalmente presente o dolo de subtração do veículo, a conduta do réu encontra fundamento jurídico legítimo no estado de necessidade, pois ele utilizou o carro exclusivamente para ser atendido no hospital, na medida em que estava ferido, sangrando e sem meios alternativos viáveis de socorro imediato.
Além disso, não houve intenção de subtração patrimonial nem ânimo de assenhoramento definitivo do bem.
O acusado não guardou/escondeu o veículo e nem pretendeu obter qualquer vantagem pecuniária com o bem.
Simplesmente estacionou o carro no hospital para ser atendido.
Trata-se, assim, de situação em que o sacrifício do direito de propriedade alheia não era razoável exigir-se, diante do risco à integridade física do agente, devendo se registrar que “A inexigibilidade de conduta diversa caracteriza-se quando age o autor de maneira típica e ilícita, mas não merece ser punido, pois, naquelas circunstâncias fáticas, dentro do que revela a experiência humana, não lhe era exigível um comportamento conforme o ordenamento jurídico.
No caso, o autor comete um fato típico e ilícito, persiste a antijuridicidade, porém, naquelas circunstâncias, o ato não pode ser censurado pois não se exigia do autor que agisse conforme o Direito” (STF.
ARE 1396540/CE.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
Relator: Min.
LUIZ FUX (Presidente).
Julgamento: 31/08/2022.
Publicação: 01/09/2022).
Dessa forma, mostra-se juridicamente inexigível conduta diversa, o que afasta a ilicitude da ação, justificando a absolvição do réu quanto à imputação do crime previsto no art. 157, caput, do CP, com fundamento no art. 24 do Código Penal e no art. 386, VI, do CPP.
Resta prejudicada a análise dos demais pleitos recursais, tendo em vista as conclusões absolutórias quanto aos dois crimes atribuídos ao réu.
Diante do exposto, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conheço e dou provimento ao recurso da defesa, absolvendo o réu das imputações relativas aos crimes do art. 129, § 4º, do CP (art. 25 do CP c/c art. 386, VI, do CPP) e ao art. 157, caput, do CP (art. 24 do CP c/c art. 386, VI, do CPP); tudo nos termos da fundamentação acima. É como voto.
Natal, data e hora do sistema.
Desembargador GLAUBER RÊGO Relator Natal/RN, 18 de Agosto de 2025. -
06/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0102004-49.2017.8.20.0144, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 18-08-2025 às 08:00, a ser realizada no Sala de Sessão da Câmara Criminal.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 5 de agosto de 2025. -
18/07/2025 13:27
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Ricardo Procópio na Câmara Criminal
-
01/07/2025 18:31
Conclusos para julgamento
-
01/07/2025 16:04
Juntada de Petição de petição
-
18/06/2025 10:33
Expedição de Outros documentos.
-
18/06/2025 10:32
Juntada de termo
-
17/06/2025 14:58
Proferido despacho de mero expediente
-
17/06/2025 10:00
Recebidos os autos
-
17/06/2025 10:00
Conclusos para despacho
-
17/06/2025 10:00
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
17/06/2025
Ultima Atualização
21/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Decisão / Despacho • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 0800245-17.2025.8.20.5127
Cleanto de Sousa
Facta Financeira S.A. Credito, Financiam...
Advogado: Adeilson Ferreira de Andrade
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 17/04/2025 08:50
Processo nº 0804868-90.2025.8.20.5106
Alexsandro Jose Soares Gurgel
Companhia Energetica do Rio Grande do No...
Advogado: Wagner Soares Ribeiro de Amorim
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 10/03/2025 15:33
Processo nº 0800960-25.2025.8.20.5300
Francisco Rodrigues Dantas
Estado do Rio Grande do Norte
Advogado: Edyanne Alyne Araujo da Silva
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 09/02/2025 18:04
Processo nº 0809235-60.2025.8.20.5106
Maria de Lourdes dos Santos Bezerra
Associacao Beneficente e Cultural Backma...
Advogado: Joao de Sousa Duarte Neto
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 06/05/2025 13:28
Processo nº 0102004-49.2017.8.20.0144
Mprn - Promotoria Santo Antonio
Jose Edson da Silva Alves Filho
Advogado: Paulo Cesar Ferreira da Costa
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 24/12/2017 00:00