TJRN - 0800513-09.2024.8.20.5159
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Cornelio Alves
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Polo Ativo
Polo Passivo
Advogados
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
22/01/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800513-09.2024.8.20.5159 Polo ativo DEUSDETE MARTINS DE OLIVEIRA Advogado(s): ARMANDO FLORENTINO DE ARAUJO Polo passivo ASSOCIACAO BRASILEIRA DOS SERVIDORES PUBLICOS - ABSP Advogado(s): EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
LITIGÂNCIA PREDATÓRIA.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação Cível interposta por Deusdete Martins de Oliveira contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, por litigância predatória, com fundamento no art. 485, IV e VI, do CPC.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
A questão em discussão consiste em definir se a estratégia processual utilizada pelo Apelante configura litigância predatória e se a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV e VI, do CPC, foi medida adequada.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A litigância predatória consiste em prática que, por meios escusos, promove o abuso do direito de ação, sobrecarregando o sistema judiciário em detrimento dos princípios da boa-fé, da economia e da lealdade processuais. 4.
Ações pulverizadas ou fracionadas, ajuizadas com o intuito de dificultar a defesa do Réu e obter a cumulação de indenizações, violam os princípios da transparência, da lealdade, da boa-fé processual, da cooperação e da economia processual. 5.
O fracionamento da pretensão configura litigância predatória, justificando a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV e VI, do CPC. 6.
O magistrado de primeiro grau possui o poder-dever de observar e combater a litigância predatória, fazendo uso dos poderes e deveres conferidos pelo art. 139, III, do CPC. 7.
A Nota Técnica nº 01/2020, emitida pelo Centro de Inteligência do Poder Judiciário do Rio Grande do Norte, reconhece e combate a litigância predatória. 8.
O Ato Concertado de Cooperação Jurisdicional nº 01/2023, do Núcleo de Cooperação Judiciária do TJRN, visa combater a litigância predatória por meio de Núcleo próprio para análise de petições iniciais e documentos. 9.
O abuso do direito de ação e de defesa, como o ajuizamento de sucessivas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, configura ato ilícito, como assédio processual. 10.
Ações repetitivas, com peças e fundamentos genéricos, com interposição de processos em lotes, configuram abuso do direito de ação. 11.
O ajuizamento em massa de litígios que carregam pretensões frívolas prejudica o acesso à justiça do demandante probo, assoberba o Judiciário, escasseia seus recursos, diminui a qualidade e a celeridade da prestação jurisdicional e configura o processo como um "simulacro de processo". 12.
A litigância predatória configura abuso dos direitos fundamentais processuais, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar ilegalidades. 13.
O Réu deve ser condenado ao pagamento das custas e despesas processuais, em observância ao princípio da causalidade. 14.
A sentença recorrida encontra-se em consonância com a Recomendação nº 127/2022, do Conselho Nacional de Justiça, bem como com a Nota Técnica nº 01/2020, do Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do RN – CIJESP/TJRN.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 15.
Apelação Cível desprovida.
Tese de julgamento: 1.
A litigância predatrória configura abuso do direito de ação e viola os princípios da boa-fé, da economia e da lealdade processuais. 2.
O fracionamento da pretensão caracteriza litigância predatória, justificando a extinção do processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV e VI, do CPC. 3.
O magistrado possui o poder-dever de observar e combater a litigância predatória. 4.
Ações repetitivas, com peças e fundamentos genéricos e interposição de processos em lotes, configuram abuso do direito de ação. 5.
O ajuizamento em massa de litígios frívolos prejudica o acesso à justiça e sobrecarrega o Judiciário.
Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 5º, XXXV, LXXVIII e LV; CPC, art. 4º, 5º, 6º, 8º, 317, 375, 485, IV e VI, 139, III; Recomendação nº 127/2022, do Conselho Nacional de Justiça; Nota Técnica nº 01/2020, do Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do RN – CIJESP/TJRN.
Jurisprudência relevante citada: STJ - REsp: 1817845 MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019; STJ. 3ª Turma.
REsp 1.817.845-MS, Rel.
Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, Rel.
Acd.
Min.
Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por Deusdete Martins de Oliveira em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Umarizal/RN que, analisando a presente controvérsia, ajuizada pelo autor em desfavor da ABSP – Associação Brasileira dos Servidores Públicos, extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de “pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo” e “legitimidade ou de interesse processual”, com fundamento no art. 485, incisos IV e VI, do CPC, nos termos do comando judicial exarado ao Id. 28052659.
Sustenta em suas razões recursais: a) de início, ter direito a concessão da gratuidade judiciária por insuficiência financeira; b) a impossibilidade de extinção do feito, não se tratando, o caso, de advocacia predatória, mas de exercício constitucional de seu direito à prestação jurisdicional; c) que “apesar da existência de conexão entre as ações acima citadas, a real verdade dos fatos é que, a presente ação fora ajuizada primeiro, cumprindo todos os requisitos necessários como a legislação o ampara, e apenas visando tumultuar e se aventurar no judiciário, o R.
Causídico do processo de N.º 0800632-67.2024.8.20.5159, onde somente ajuizou a ação no dia 06 de junho de 2024, ação conexa, devendo, pois, essa demanda se manter extinta” e; d) a nulidade do julgado de origem por cerceamento do autor no seu direito de ser intimado para saneamento em caso de eventual vício, antes da extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 317 do CPC.
Requer, ao final, o acolhimento da tese recursal para anular o julgado de origem, determinando-se, em consequência, o retorno dos autos ao primeiro grau para continuação do feito, com o respectivo aprofundamento probatório (Id. 28052660).
Apesar de intimada, a associação deixou de apresentar suas contrarrazões, conforme atestado em certidão de Id. 28052665.
Desnecessidade de intervenção do Órgão Ministerial, nos termos do art. 127 da CF/88, dos arts. 176 e 178 do CPC, da Recomendação Conjunta nº 001/2021-PGJ/CGMP, das Recomendações nº 34/2016 e nº 57/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público. É o relatório.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.
O propósito recursal cinge-se em aferir a existência de conduta processual predatória e, em consequência, a possibilidade de anulação da decisão extintiva proferida na origem sob esse fundamento.
Pois bem, o caso em debate revela, verdadeiramente, uma estratégia de engenho advocatício que tem por escopo diluir a suposta pretensão da parte autora no maior número possível de ações (fracionamento da pretensão).
Esse método, também denominado “modelo de negócio”, traz, muitas vezes, grandes benefícios aos demandantes e seus patronos, porque incrementa as chances de, ao menos em uma das ações, por exemplo, ocorrer a revelia ou deixar a instituição demandada de apresentar provas - em especial o contrato firmado entre as partes - que possam refutar as alegações autorais, sobretudo no âmbito das relações de consumo, onde se tem a possibilidade da inversão do ônus da prova.
Deflui do álbum processual que a parte autora lançou mão de uma prática que tem se tornado comum no Poder Judiciário, qual seja, o ajuizamento de ações de forma fracionada e pulverizada, as quais poderiam ser aglutinadas em um único processo.
Consoante se observa do caderno processual, as ações ajuizadas pelo mesmo autor, com poucos dias de diferença; causa de pedir (cobrança de encargo/tarifa) e pedidos idênticos, diferenciando-se, tão somente, quanto a natureza dos descontos, que se referem a nomenclaturas diversas fundadas em contratos próprios, mas vinculados à mesma conta bancária.
Seguramente, tal prática – a fragmentação da pretensão – vem acarretando embaraços à atividade jurisdicional, sobretudo nas Comarcas de menor porte, desprovidas de maiores recursos materiais e humanos.
A pulverização ou fracionamento de demandas consiste em artifício que viola, frontalmente, os princípios da transparência, da lealdade, da boa-fé processual, da cooperação e da economia processual, uma vez que, sendo possível solucionar o conflito em um único processo, a parte opta por ingressar com várias ações, movimentando desnecessariamente o judiciário, com o nítido propósito de dificultar a defesa dos réus e obter a cumulação de indenizações.
Conforme se deixou antever em linhas pretéritas, tal manobra ocasiona entraves à função jurisdicional, obstaculizando o regular fluxo dos demais processos e, ainda, forçando as unidades judiciais a elevarem substancialmente a carga de trabalho e os custos materiais, situação que, a toda evidência, reflete no aumento do acervo processual e no tempo de duração das ações, em prejuízo dos jurisdicionados que, de maneira séria e responsável, buscam a tutela de um direito legítimo e concreto.
Ressalte-se, por oportuno, que as balizas processuais encontram-se expressamente previstas no CPC, consoante se observa nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º: “Art. 4º.
As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º.
Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º.
Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (...) Art. 8º.
Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência".
Nessa ótica, a conclusão encampada na sentença encontra-se ancorada na demonstração inequívoca de que a presente se caracteriza como uma demanda predatória, justificando-se, assim, a extinção do feito, conforme intelecção do art. 485, incisos IV e VI do CPC, ante a ausência de pressupostos à constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e interesse processual.
A propósito do tema, não é demasiado salientar que, à luz do disposto no art. 375, do CPC, deve o Julgador aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, nesse contexto, ninguém melhor do que o Magistrado a quo para observar e combater o fenômeno da litigiosidade predatória.
Em verdade, o Juízo primevo deu fiel interpretação e correta aplicação à norma legal, fazendo uso adequado dos poderes e deveres que lhe são conferidos pelo art. 139, III, do CPC, in verbis: Art. 139.
O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [..] III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias.
Nessa linha de cognição, esta Corte Estadual vem reconhecendo o poder-dever do Magistrado de repelir demandas predatórias, inclusive em idêntico caso ao aqui tratado.
Veja-se: “PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
MULTIPLICIDADE DE AÇÕES DA AUTORA.
VEDAÇÃO À CONDUTA DA PARTE QUE ASSIM PROCEDE POR INFRINGIR NORMA CONSTITUCIONAL (ART. 5° LXXVIII) QUE ASSEGURA AO DEMANDANTE PROBO O DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DA SUA TRAMITAÇÃO E OS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA, COOPERAÇÃO, LEALDADE, ECONOMIA E BOA-FÉ PROCESSUAIS.
INTERESSE DE AGIR E DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS AUSENTES.
INCIDÊNCIA DA RECOMENDAÇÃO Nº 127/2022 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E NOTA TÉCNICA Nº 01/2020 DO CENTRO DE INTELIGÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO RN - CIJESP/TJRN.
LITIGIOSIDADE ARTIFICIAL EXAUSTIVAMENTE COMPROVADA MEDIANTE INSERÇÃO, NA SENTENÇA, DE DADOS EXTRAÍDOS DO PJe E GPS-JUS QUE ATESTARAM O CRESCIMENTO EXPONENCIAL E IMOTIVADO DE DEMANDAS COM CARACTERÍSTICAS DE DEMANDA PREDATÓRIA E ASSÉDIO PROCESSUAL (REsp 1.817.845).
DEVER DO MAGISTRADO DE REPRIMIR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA (ART. 139, III, CPC) SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I – Comprovado que a parte utilizou o processo em flagrante abuso do direito de demandar, na mera busca pela condenação da instituição financeira ré nas verbas de sucumbência, congestionando o Poder Judiciário com ações fragmentadas e idênticas em face do mesmo demandado, a extinção do processo por ausência de interesse processual não acarreta a menor lesão ao princípio constitucional do acesso à Justiça e da inafastabilidade da Jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal).
II - O exercício abusivo do direito de acesso à justiça pode e deve ser reprimido pelo Judiciário e o ajuizamento em massa de litígios que portam pretensões frívolas, prejudica o acesso à justiça do demandante probo, assoberba o Judiciário, escasseia seus recursos, diminui a qualidade e a celeridade da prestação jurisdicional e faz do processo “um simulacro de processo." (STJ - REsp: 1817845/MS Relator: Ministra Nancy Andrighi, j. 10/10/2019, 3ª Turma, DJe 17.10.2019) III - "O processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos da cidadania" (STJ - REsp nº 65.906/DF, Rel.
Min.
Sávio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, Dj. 02.03.1998).
IV - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL, 0800699-55.2023.8.20.5001, Des.
Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 24/11/2023, PUBLICADO em 24/11/2023).
Não destoa o entendimento dos Tribunais pátrios: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - IRREGULARIDADE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO.
Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça.
A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo.” (TJMG - Ap.
Civ. 1.0000.23.169309-4/001, Rel.
Des.
Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, j. em 19/10/2023, pub. da súmula em 19/10/2023) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - NOTA TÉCNICA Nº 01/2022 EMITIDA PELO CIJMG - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - VICIO DE REPRESENTAÇÃO - AUSENCIA DE PODERES VÁLIDOS - PRESSUPOSTO DE VALIDADE INOCORRENTE - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. - A nota técnica nº 01/2022 - emitida pelo CIJMG - aponta parâmetros para identificação de demandas predatórias e orienta boas práticas de gestão de processos judiciais para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória.” (TJMG - Ap.
Civ. 1.0000.23.091864-1/001, Relatora: Des.(a) Lílian Maciel, 20ª CÂMARA CÍVEL, j. em 18/10/2023, pub. da súmula em 19/10/2023) “Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça.
A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo.” (TJMG - Ap.
Cív. 1.0000.22.107335-6/002, Rel.
Des.
Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, J. em 05/10/2023, pub. da súmula em 06/10/2023) Ainda no que pertine à temática, é notório que a implementação do “Juízo 100% digital”, pelo CNJ, também trouxe, como consequência da redução do custo para o ajuizamento das ações judiciais, o aumento vertiginoso de demandas indenizatórias em massa, com petições padronizadas, elaboradas em mídias digitais, que narram fatos idênticos e que, em muitos casos, sequer consta a qualificação da parte autora.
Realce-se, por especial importância, que este Eg.
Tribunal de Justiça é reconhecido como um dos precursores no combate às demandas dessa natureza, como se vê da Nota Técnica nº 01/2020, emitida pelo Centro de Inteligência do Poder Judiciário do Rio Grande do Norte.
Mais recentemente, em outubro de 2023, o Núcleo de Cooperação Judiciária – NUCOOP, vinculado à Vice-Presidência, ex vi do Ato Concertado de Cooperação Jurisdicional n° 01/2023, estabeleceu o Protocolo de Cooperação Judicial para o tratamento e combate às demandas predatórias, com a criação de Núcleo próprio para tratar as ações que tramitarem nas Unidades do 11°, 12° e 13° Juizado Especial Cível da Comarca de Natal, mediante análise minuciosa da petição inicial e documentos que a acompanham.
Ainda no âmbito desta Corte, sobreleva ressaltar as ponderações feitas por esta Corte Estadual quando do julgamento da Apelação Cível nº 0800208-59.2023.8.20.5159: “[...] O que rechaço, deste modo, é o exercício desenfreado, repetitivo, com peças e fundamentos genéricos, com a interposição de processos em lotes, que, a meu sentir, demonstram ato ilícito de abuso do direito de ação. É importante salientar que a figura do abuso de direito é mais conhecida e estudada no Brasil sob a perspectiva do direito material e, sobretudo, no âmbito do direito privado.
No entanto, embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.
Assim, conforme entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, o ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. (STJ. 3ª Turma.
REsp 1.817.845-MS, Rel.
Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, Rel.
Acd.
Min.
Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019) Saliento, por fim, que não merecem retoques a condenação do próprio advogado ao adimplemento das custas processuais.
Conforme esclarecido na sentença, deve ser aplicado o princípio da causalidade, extraído a partir do art. 85 do CPC, ou seja: arca com as custas e com os honorários advocatícios a parte que deu causa, indevidamente, à demanda.
No caso vertente, quem deu azo à movimentação indevida de todo o aparato do Poder Judiciário estatal foi o próprio patrono da parte autora, o qual, desde a petição inicial, não se preocupou em cumprir seu dever legal de advogado, em nítido abuso do direito do acesso à justiça.” A propósito, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça: "Ocorre que o ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo.
O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar suas vilezas.
O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. É preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo." (STJ - REsp: 1817845 MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019) Também no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a litigância predatória é objeto de inúmeras medidas, v.g., a publicação da Portaria nº 389 de 04/11/2022, que institui Grupo de Trabalho com o objetivo de apresentar propostas para o enfrentamento da litigância predatória associativa; a disponibilização de banco de decisões e notas técnicas, através da “Rede de Informações sobre a Litigância Predatória”; a estipulação da Diretriz Estratégia 7, da Meta 5, que visa regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória; a realização de seminários sobre o tema etc.
No caso concreto, sob o enfoque do direito processual constitucional (constitucionalização do processo), agiu o Magistrado a quo de acordo com o ordenamento jurídico, sistematicamente interpretado à luz dos preceitos constitucionais de acesso à justiça (art. 5º, XXXV), da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), todos sopesados frente ao combate à litigância predatória.
Nessa rota, forçoso concluir que a sentença encontra-se em perfeita consonância com a Recomendação nº 127/2022, do Conselho Nacional de Justiça, bem assim com a Nota Técnica nº 01/2020, do Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do RN – CIJESP/TJRN.
Afinal, como bem pontuado pelo saudoso Min.
Sávio de Figueiredo Teixeira, que, no século passado, já se preocupava com problemas como este, sempre é salutar lembrar que "O processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos da cidadania" STJ.
REsp nº 65.906/DF, Quarta Turma, Dj: 02.03.1998.
Logo, entende-se acertada a fundamentação expendida na sentença, eis que o fracionamento de ações, devidamente comprovado nos autos, pode ser caracterizado como litigiosidade predatória.
Pelo exposto, conheço e nego provimento ao apelo interposto, mantendo-se, o julgado de origem pelos seus próprios termos.
Inexistindo arbitramento de honorários pela instância ordinária, deixo de aplicar a majorante prevista no §11 do art. 85 do CPC/15, nos termos da interpretação conferida pelo STJ nos EDcl no AgInt no AREsp 1.040.024/GO, Rel.
Min.
Nancy Andrighi, DJe 31/8/2017. É como voto.
Natal/RN, data de registro no sistema Desembargador Cornélio Alves Relator Natal/RN, 16 de Dezembro de 2024. -
06/12/2024 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Primeira Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0800513-09.2024.8.20.5159, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 16-12-2024 às 08:00, a ser realizada no Primeira Câmara Cível (NÃO VIDEOCONFERÊNCIA).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 4 de dezembro de 2024. -
12/11/2024 13:53
Recebidos os autos
-
12/11/2024 13:53
Conclusos para despacho
-
12/11/2024 13:53
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
12/11/2024
Ultima Atualização
26/12/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
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