TJRN - 0826337-56.2024.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
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Polo Ativo
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Polo Passivo
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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18/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0826337-56.2024.8.20.5001 Polo ativo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Polo passivo EDSON BARROSO DE SOUZA Advogado(s): MARJORIE CORTEZ GOMES DE SOUZA Apelação Criminal n° 0826337-56.2024.8.20.5001 Origem: 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal Apelante: Ministério Público Apelado: Edson Barroso de Souza Advogado: Marjorie Cortez Gomes de Souza (OAB/RN 7.804) Relator: Desembargador Glauber Rêgo Revisor: Desembargador Ricardo Procópio.
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
APELAÇÃO CRIMINAL.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
PECULATO E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.
DÚVIDA QUANTO À AUTORIA.
ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
RECURSO DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME Apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra sentença absolutória que julgou improcedente a denúncia oferecida contra policial civil acusado da prática dos crimes de peculato (art. 312 do CP) e falsificação de documento público (art. 297, §§ 1º e 2º do CP), em razão de suposta apropriação de valores recebidos a título de fiança criminal, acompanhada da apresentação de comprovante bancário não autêntico.
O juízo de primeiro grau absolveu o acusado com base no art. 386, VII, do CPP, por insuficiência de provas quanto à autoria delitiva.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO Definir se há elementos probatórios suficientes para a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público.
III.
RAZÕES DE DECIDIR O conjunto probatório colhido em juízo, embora confirme a materialidade do crime de peculato, não permite a formação de juízo seguro quanto à autoria delitiva atribuída ao acusado.
Os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo e o próprio interrogatório do réu demonstram que, embora coubesse ao escrivão a geração da guia de depósito, a efetivação do pagamento em instituição bancária era realizada por diversos policiais civis, havendo multiplicidade de agentes com acesso aos valores em espécie.
Não foram produzidas provas robustas e inequívocas de que tenha sido o acusado o responsável pela falsificação ou adulteração do comprovante de depósito apresentado nos autos, tampouco que tenha se apropriado dos valores em questão.
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido.
Tese de julgamento: Impossível a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público, pois, apesar de haver provas da materialidade, subsiste dúvida razoável sobre a autoria, a qual deve ser interpretada em favor do acusado.
A multiplicidade de agentes com acesso ao numerário inviabiliza a individualização segura da conduta delitiva.
A ausência de prova cabal da autoria delitiva atrai a aplicação do princípio do in dubio pro reo, impondo-se a absolvição com base no art. 386, VII, do CPP.
Prejudicado o pedido de decretação da perda do cargo público em razão da manutenção da absolvição penal.
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 312 e 297, §§ 1º e 2º; CPP, art. 386, VII.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp n. 2.036.209/RS, rel.
Min.
Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 28/08/2023.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em dissonância com o parecer da 2ª Procuradora de Justiça em substituição à 1ª Procuradoria de Justiça, conheceu e negou provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença, nos termos do voto do Relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado pelos Desembargadores RICARDO PROCÓPIO (Revisor) e SARAIVA SOBRINHO (Vogal).
Foi lido o acórdão e aprovado.
Foi lido o acórdão e aprovado.
RELATÓRIO Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público, em face da sentença oriunda da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal (Id. 32356571), que absolveu Edson Barroso de Souza da imputação da prática do crime de peculato (art. 312, caput, do Código Penal), com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Nas razões recursais (Id. 32356581), o órgão ministerial busca a reforma da sentença absolutória a fim de que o apelado seja condenado pela prática do crime do art. 312, caput, do Código Penal.
Em sede de contrarrazões (Id. 32356583), a defesa rebateu os fundamentos do recurso e pugnou pelo seu desprovimento, com a manutenção da sentença absolutória.
Instada a se manifestar, a 2ª Procuradora de Justiça em substituição à 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (Id. 32498763). É o relatório.
Ao Eminente Desembargador Revisor.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente apelo.
Todavia, após analisar detidamente todo o conteúdo probatório coligido nos autos, valorando-o conforme convicção própria, não consigo enxergar outra conclusão senão a adotada pelo Juízo de primeiro grau. É que a repetição de seus fundamentos com outras palavras, isto é, com discurso próprio, importaria em irremediável tautologia, exsurgindo contraproducente frente aos princípios da eficiência e da celeridade processual, insculpidos na Carta Magna.
Portanto, tomo como próprios os fundamentos utilizados pelo Juízo a quo na sentença hostilizada (Id. 32356571), fazendo a transcrição das partes que interessam e se integram ao presente voto.
In verbis: Partindo das referidas premissas e volvendo-me ao caso em apreço, observo que a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 312, caput, do Código Penal, encontra-se devidamente demonstrada por meio dos depoimentos e documentos acostados nos autos, especialmente no Termo de Fiança (fl. 22 do ID 119519100); na Guia de depósito judicial da fiança e o comprovante de pagamento (fl. 38 do Id 119519100); no ofício à fl. 24 do ID 119519106; na decisão à fl. 19 do ID 119519106, oriundo desta 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal, determinando a adoção de providências acerca dos fatos apurados nestes autos, e, ainda, no Processo Administrativo SEI n° 05510090.000635/2023-11.
Restou bastante provada a inexistência do depósito do valor correspondente a guia que não foi, naturalmente, recepcionada pelo banco do Brasil, que informou a divergência, inconsistência entre a linha digitável do boleto e àquela presente no comprovante, conforme Id.
Num. 119519110 (fls. 43/44).
Bem demonstrada a materialidade do delito imputado.
Resta, no entanto, avaliar os elementos de prova produzidos que dizem respeito à autoria do delito de peculato.
Conforme apurado, instaurou-se o Inquérito Policial nº 43/2024 – DECCOR a fim de apurar os fatos noticiados à fl. 19 do ID 119519106, oriunda desta 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal, que dava conta do possível cometimento do delito de peculato praticado, no dia 02 de dezembro de 2017, pelo escrivão da Polícia Civil Edson Barroso de Souza.
De fato, por ocasião dos procedimentos para o levantamento do valor depositado a título de fiança pelo então flagrado à época, Vitor Hugo Rodrigues Pires, a fim de que o valor fosse utilizado para o pagamento das custas processuais, dada a condenação do acusado, a secretaria da 8ª Vara Criminal oficiou o Delegado titular da 9ª DP, solicitando informações acerca do valor da fiança arbitrada a Vitor Hugo, por ocasião de sua prisão em flagrante, tendo em vista a inexistência de depósito na conta judicial referida na documentação.
O Delegado que atualmente exerce suas atribuições junto ao 9º Distrito Policial, João Paulo Pinho Cabral, instado acerca da informação de inexistência do depósito efetivo a ser objeto de levantamento na ação penal em comento, afirmou que não foi encontrado nenhum outro comprovante de pagamento diverso do que já se encontrava nos autos (fl. 13 do ID 119519106).
Assim foi que, após o juízo da 8ª Vara Criminal oficiar a Corregedoria Geral da Polícia Civil do RN, por meio do Ofício nº 0114035-45.2017.8.20.0001, ensejando a instauração do Processo SEI nº 05510090.000635/2023-11, e do Inquérito Policial de que tratam os presentes autos.
Tanto nas instâncias administrativas disciplinares quanto no seu depoimento nos autos do Inquérito Policial, Edson Barroso de Souza negou a apropriação dos valores em comento.
Em juízo, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e, ao final, interrogado o acusado.
A testemunha Leonardo Freitas de Moura, Delegado de Polícia Civil, narrou que, em algumas ocasiões, pode o Escrivão fazer o depósito, mas em regra, eram os agentes da Polícia Civil que iam ao banco fazer o recolhimento.
Apontou que Edson era muito organizado e tinha controle do cartório.
Referiu que, ao que sabe, chegando as guias pagas com os comprovantes, se procede a juntada no inquérito.
Aludiu que os flagrantes eram recebidos, e passava-se para o Escrivão cumprir os procedimentos.
O trâmite era de emissão de guia pelo Escrivão e entrega ao chefe de investigação para proceder ao depósito, que poderia ser pelo próprio chefe de investigação ou por outro policial.
Finalizou afirmando que, durante sua gestão, não recorda de problemas com agentes, quanto ao desaparecimento de algo.
Não viu que Edson praticasse qualquer fraude.
A testemunha Urubatã Pereira de Sena, Agente de Polícia Civil, referiu que quando chega fiança das centrais de flagrante, é passado para o delegado e ele passa para o Escrivão.
Disse que quase que todas as guias vem para o setor de investigação, para alguém ir depositar.
Apontou que algumas que não vinham, eram feitas pelo Escrivão.
Referiu desconhecer que alguém do setor de investigação haja fraudado guia.
Apontou que ele próprio foi depositar valores várias vezes.
Também o foram Nilton e outros colegas.
Disse que recebia de Barroso a guia e o valor, e passava para os colegas, ou ele mesmo o fazia.
Quanto a afirmação do Edson de que algum policial pode ter feito o ilícito, refuta.
Quando chegou a notícia do fato relacionado a Edson foi uma surpresa grande.
Finalizou afirmando que jamais soube de irregularidade na conduta de Edson.
Nicoly Fernanda Félix de Melo, estagiária do 9º Distrito Policial à época dos fatos, afirmou que não manuseava valores nem emitia guias de depósito, cuidava de TCO’s e intimações.
No tocante a guias de depósito de fiança e valores apreendidos, era com Edson.
Ela não tinha acesso.
Disse que não se recorda de presenciar ele delegar atribuição de emissão de guia para alguém, nem desconfiava de ocorrência de desvio de valores de fiança ou de valores aprendidos, posto que Edson era elogiado pelos colegas de trabalho.
O acusado, por seu turno, negou que tenha se apropriado dos valores determinados neste processo, e que haja falsificado guias.
Disse que emitia a guia, e grampeava o dinheiro para o setor de investigação, pois os policiais faziam o depósito, e traziam o comprovante.
Conferia a guia que ele emitira e o comprovante de pagamento do valor correspondente.
Somente conferia o valor, e não os dados da guia.
Inicialmente, cumpre esclarecer que para prolação do decreto condenatório é indispensável que estejam plenamente demonstradas nos autos a materialidade do crime e a comprovação de que o réu cometeu os fatos atribuídos a ele na denúncia.
Feito o registro, em que pese demonstrada a materialidade do delito narrado na exordial acusatória, no que concerne à autoria do crime de peculato, realço que a hipótese bem apresentada é de insuficiência de provas para a condenação, em consonância com o art. 386, VII, do CPP.
In casu, os indícios que ampararam o oferecimento da denúncia não se converteram em provas cabais, aptas a embasarem a condenação.
Tudo o que se tem até aqui são os elementos de prova da fase extrajudicial, que não se confirmaram, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, com vigor suficiente a assegurar que o réu se apropriou de valores mantidos sob sua guarda.
Quando ouvido perante juízo, Edson Barroso de Souza detalhou o procedimento que adotava, no exercício do seu cargo de escrivão de polícia civil, ao receber valores em espécie, seja referente ao pagamento de fianças, seja proveniente de apreensões, tendo dito, em síntese, que gerava e imprimia a guia de depósito, anexava o dinheiro, e passava para o setor de investigação, para que algum policial fizesse o depósito.
Acrescentou que, feito o depósito, recebia de volta a guia e o comprovante, conferindo a correspondência do valor constante na guia com o valor depositado, mas, não o fazia no tocante a linha digitável do comprovante, de modo a se certificar de que era a mesma da guia.
Logo, sendo esse o procedimento adotado, a acusação não se desincumbiu do ônus da prova que indicasse como e em que momento o acusado praticou as condutas delitivas contra si imputadas.
Ademais, a guia de recolhimento, gerada pelo escrivão Edson Barroso, nas dependências do cartório da delegacia, permaneceu hígida e não foi objeto de falsificação.
A multiplicidade de pessoas que tinham acesso ao dinheiro, foi devidamente atestada nos autos através dos depoimentos testemunhais e do próprio interrogatório do acusado.
Urubatã Pereira e Leonardo Freitas, ex-colegas de trabalho do acusado, afirmaram, de maneira uníssona, que cabia ao réu emitir as guias de depósito e que os valores ficavam com ele, Edson Barroso, até o momento em que ele emitia a guia e repassava juntamente com o valor a ser depositado, seja pelo Chefe de Investigações, seja por algum outro policial civil lotado na delegacia.
Não há discussão, de igual modo, no que toca à pessoa que gerava a guia, o próprio Escrivão ora denunciado.
Assente que muito raramente, em função da própria natureza da atividade, Escrivão, que necessariamente tem que se achar presente quando das lavraturas de flagrante, ou mesmo oitivas e interrogatório em inquéritos instaurados por Portaria, se desloque o Escrivão a Bancos ou correspondentes bancários pra proceder a depósito de fiança.
Natural que a discussão acerca da autoria delitiva, o debate, as teses antagônicas dizem respeito a emissão da guia com linha digitável diversa, estranha, e, pois, que não chegou a ser objeto do depósito perante a instituição bancária ou a ela destinada.
Importa referir que não se cuida aqui de discutir de quem era a responsabilidade pela geração da guia, pela guarda dos valores até o momento do pagamento, da efetivação do depósito.
O acusado reconhece esta responsabilidade, esta atribuição.
Aqui, se cuida de perquirir acerca da autoria criminosa, se de forma efetiva há provas de que o acusado gerou a guia que foi para os autos, sem correspondente depósito, ou o fez terceira pessoa, dentre as tantas que faziam os depósitos, policiais civis.
O acusado, vê-se no seu interrogatório até mesmo se cobra, se martiriza acerca da sua não percepção de irregularidade na guia que foi juntada aos autos, mencionando que, dado o volume de trabalho e as rotinas da Delegacia de Polícia, limitava-se, ao receber a conferir se ocorrera a autenticação do valor correspondente àquele estabelecido a título de fiança, abstendo-se de detida conferência de todos os registros que havia na guia de depósito, o que contribuiu para que não percebesse irregularidades, até o momento em que o juízo confirmou perante a instituição bancária a ausência de depósito e a divergência da linha digitável.
Neste cenário, o interrogatório do acusado e os depoimentos das testemunhas se complementam e são capazes de reconstruir em minúcias a rotina do fluxo de ações no âmbito da delegacia.
Todavia, nenhuma luz foi lançada sobre a indicação certeira e inabalável do verdadeiro autor do crime aqui apurado.
Ressalto que não se pode afirmar, categoricamente, que o acusado não praticou o crime imputado na denúncia.
Mas, igualmente, pelo cenário probatório delineado nos autos, não há como asseverar, sem sombra de dúvidas, que praticou.
Após a instrução, remanesce um quadro inconclusivo acerca da autoria delitiva.
A dinâmica relatada por testemunhas e pelo próprio interrogado não permite juízo de convencimento de que aquele depósito relativo a fiança paga pelo então investigado VITOR HUGO RODRIGUES PIRES, cujo roteiro foi o mesmo, teve seu valor desviado pelo acusado, ou por um dos agentes policiais encarregados de tornar efetivo o depósito do numerário.
As tarefas, como amplamente debatido, eram divididas e embora fosse atribuição do Escrivão gerar a guia, tornar efetivo o depósito era tarefa não raro executada pelos policiais civis.
Não é possível afastar a possibilidade de que pessoa diversa do acusado haja gerado a guia que não teve depósito efetivo do numerário, devolvendo-a ao Escrivão ora acusado, Edson Barroso, que, por inadvertência, desatenção ou mesmo negligência, limitando-se a cotejar, tão só o valor, haja juntado aos autos respectivos.
Volvendo a atenção para a denúncia e o conteúdo da imputação o que se tem é incerteza quanto ao fato objeto da narrativa do Ministério Público, no sentido de que foi o acusado que expediu a guia inautêntica, falseada, que não foi objeto de depósito efetivo perante a instituição bancária.
Com efeito, ressaiu da instrução que tanto a autoria pode ser atribuída ao acusado, como também a conduta criminosa pode ter sido de autoria diversa, sendo o acusado logrado, enganado, ludibriado quanto ao efetivo depósito por terceiro, colega que integrava a lotação da unidade policial.
Neste contexto, frente a sistemática de trabalho e a forma como era procedida a geração da guia e, ao depois, realizado o depósito, forçoso admitir que não repercute na imputação e na prova da autoria o fato de ser de responsabilidade do acusado Edson Barroso a guarda dos valores até que fosse providenciado o depósito, como aludiu o titular da acusação.
Não há notícia do desaparecimento de valores do Cartório.
Ao revés, a apropriação criminosa, a conduta dolosa de apropriação do valor em espécie, do dinheiro a ser depositado a título de fiança, teria se dado a partir da geração da guia, ou ao revés da substituição da guia gerada pelo acusado por guia fraudulenta, dando-se o apossamento dos valores, seja pelo acusado, ou por terceiro encarregado do depósito.
Este cenário não permite a formação de um juízo de certeza necessário à condenação. É sabido que o Direito Processual não se compraz para fins de prova e reconhecimento da autoria, com juízo de probabilidade, de possibilidade quanto à autoria que se lhe imputa.
A moderna dogmática Penal e Processual Penal exige a convicção plena do julgador, base ética indeclinável.
Em outras palavras, a dúvida milita sempre em favor do acusado, eis que a presunção de inocência é corolário de um Estado de Direito democrático.
A hipótese desenhada é de insuficiência de provas, de modo a se invocar o princípio in dubio pro reo.
Aplicável o art. 386, VII, do CPP.
Efetivamente, impõe-se, para a prolação de um juízo condenatório, que as provas se mostrem coesas, firmes e seguras.
A condenação exige certeza, do crime, em sua materialidade, e da autoria.
Não basta a probabilidade desta ou daquela, exige-se certeza de fatos evidentes, indiscutíveis.
Havendo dúvida, a absolvição é medida que se impõe.
A condenação exige certeza da autoria, não satisfazendo simples suspeitas ou indícios autorizativos da propositura e do recebimento da denúncia.
A prova da autoria não guarda relação com contexto de suposta e pretensa responsabilidade objetiva, decorrente da função exercida pelo acusado e de sua obrigação legal, por se inserir no âmbito de suas atribuições gerar a guia e zelar pela regularidade de depósito.
O juízo de convicção quanto à autoria exige mais que a presunção e um juízo de probabildiade, de possibilidade de autoria.
Logo, à luz das provas colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, constata-se que não restou demonstrado, de forma inequívoca, que o acusado tenha se apropriado do valor correspondente à fiança arbitrada a Vitor Hugo Rodrigues Pires.
Embora seja incontroverso que competia ao escrivão a geração da guia de depósito, os depoimentos prestados pelo Delegado Leonardo Freitas de Moura (Id. 32356566) e pelo Policial Urubatã Pereira de Sena (Id. 32356565) confirmam que o procedimento padrão consistia na entrega da guia e do numerário ao setor de investigação, cabendo a outro servidor que estivesse disponível, e não ao escrivão, a efetivação do depósito.
O próprio acusado, ao ser interrogado, afirmou que conferia tão somente o valor constante no comprovante devolvido, sem atentar para a linha digitável, em que o banco constatou a inconsistência entre a linha digitável e o comprovante apresentado.
Portanto, foram uníssonos no sentido de que cabia ao réu emitir as guias de depósito, mas o depósito na instituição financeira, devido à logística, cabia qualquer policial da delegacia que estivesse disponível para realizar atarefa naquele momento.
Aliás, nenhum dos colegas de trabalho ouvidos em juízo atribuiu conduta dolosa ao acusado, o que foi confirmado pela estagiária de pós-graduação ouvida no Id. 32356564.
Dessa forma, bem concluiu o Juízo a quo que entre o momento em que a guia, acompanhada pelo valor em espécie, sai do domínio apelado e retorna acompanhada de respectivo comprovante de pagamento, para o acusado juntá-la aos autos do IP, outras pessoas teriam condições idênticas a do acusado e poderiam, querendo, promover uma adulteração/falsificação do referido comprovante e eventualmente apropriar-se dos valores.
Assim, verifica-se a fragilidade do conjunto probatório amealhado, subsistindo, portanto, conjuntura de substancial dúvida acerca da autoria delitiva, reclamando a incidência do princípio do in dubio pro reo.
A propósito, transcrevo acórdão desta Câmara Criminal em situação similar: Penal e Processual Penal.
Absolvição.
Apelação criminal interposta pelo Ministério Público.
Pretensa reforma da sentença para condenar o réu pelos crimes de peculato e falsificação de documento público.
Não acolhimento.
Manutenção da absolvição como medida que se impõe.
Recurso conhecido e desprovido.I.
Caso em exame 1.
O Ministério Público de primeiro grau pleiteou a condenação do acusado pelos crimes de peculato e falsificação de documento público, sob o argumento de que restaram suficientemente comprovadas a autoria e as materialidades delitivas.II.
Questão em discussão2.
Há duas questões em discussão: (i) a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público; e (ii) por consequência da condenação, a determinação de perda do cargo público.III.
Razões de decidir 3.
Após analisar detidamente todo o conteúdo probatório coligidos nos autos, e em que pese os argumentos elencados pelo Ministério Público, não é possível enxergar outra conclusão senão a adotada pelo Juízo de primeiro grau, entendendo não haver provas cabais de que tenha o recorrido cometido os delitos que lhes foram imputados.4.
Não é possível concluir, com absoluta certeza, que o réu, valendo-se da função de Escrivão da Polícia Civil do Estado do RN, apropriou-se de dinheiro de que tinha a posse em razão do seu cargo público e, após, objetivando ocultar o delito por ele praticado, falsificou documento público, consistente de comprovante do Banco do Brasil, entidade paraestatal, cujo conteúdo atestava, falsamente, a realização de depósito judicial do dinheiro de que ele tinha se apropriado.5.
A existência de indícios não é suficiente para atestar que a conduta de um indivíduo incide no preceito primário de um delito.
Não se olvida que os crimes de peculato e falsificação de documento público geralmente ocorrem na clandestinidade, mas ao mesmo tempo é cediço que para haver a condenação de um agente são necessárias provas contundentes de que suas atitudes configuram efetivamente, de modo indiscutível, o cometimento de delitos, o que não restou demonstrado no caso em tela.6.
Bem concluiu o Juízo a quo que entre o momento em que a guia, acompanhada pelo valor em espécie, sai do domínio apelado e retorna acompanhada de respectivo comprovante de pagamento, para o acusado juntá-la aos autos do IP, outras pessoas teriam condições idênticas a do acusado e poderiam, querendo, promover uma adulteração/falsificação do referido comprovante.
IV.
Dispositivo e tese 7.
Recurso conhecido e desprovido.Tese de julgamento: 1.
Impossível a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público, pois, apesar de haver provas dando conta da materialidade de ambos os crimes, existem dúvidas válidas sobre a autoria delitiva, prevalecendo estas em favor do acusado. 2.
Prejudicado o pedido de perda de cargo público, considerando o não acolhimento do pleito condenatório.Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 312 e 297, § § 1º e 2º; CPP, art. 386.
VII.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp n. 2.036.209/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 28/8/2023.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em dissonância com o parecer da 1.ª Procuradoria de Justiça, conheceu e negou provimento ao apelo ministerial, restando inalterada a sentença fustigada, tudo nos termos do voto do Relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado pelos Desembargadores DR.
ROBERTO GUEDES (Juiz Convocado- Revisor) e SARAIVA SOBRINHO(Vogal). (APELAÇÃO CRIMINAL, 0818310-89.2021.8.20.5001, Des.
GLAUBER ANTONIO NUNES REGO, Câmara Criminal, JULGADO em 21/10/2024, PUBLICADO em 22/10/2024) Nessa ordem de considerações, pois, é que entendo como insubsistentes as razões do apelo, sendo impositiva a manutenção da sentença.
Diante do exposto, em dissonância com o parecer da 2ª Procuradora de Justiça em substituição à 1ª Procuradoria de Justiça, conheço do apelo e nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação acima. É como voto.
Natal/RN, data do sistema.
Desembargador Glauber Rêgo Relator Natal/RN, 12 de Agosto de 2025. -
31/07/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0826337-56.2024.8.20.5001, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 12-08-2025 às 08:00, a ser realizada no Sala de Sessão da Câmara Criminal.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 30 de julho de 2025. -
27/07/2025 07:35
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Ricardo Procópio na Câmara Criminal
-
18/07/2025 14:12
Conclusos para julgamento
-
18/07/2025 10:24
Juntada de Petição de petição
-
15/07/2025 11:25
Expedição de Outros documentos.
-
15/07/2025 11:25
Juntada de termo
-
14/07/2025 15:50
Proferido despacho de mero expediente
-
10/07/2025 15:39
Recebidos os autos
-
10/07/2025 15:39
Conclusos para despacho
-
10/07/2025 15:39
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/07/2025
Ultima Atualização
14/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Petição • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
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