TJRN - 0800354-62.2023.8.20.5107
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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07/02/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0800354-62.2023.8.20.5107 Polo ativo MPRN - 02ª Promotoria Nova Cruz e outros Advogado(s): Polo passivo ALLAN JUNIO FERNANDES Advogado(s): DAVID HAMILTON GOMES, LAYLA CAROLINA METZKER Apelação Criminal n° 0800354-62.2023.8.20.5107 Origem: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Nova Cruz.
Apelante: Ministério Público.
Apelado: Allan Junio Fernandes.
Advogado: David Hamilton Gomes Medeiros (OAB/RN nº 10.384).
Relator: Desembargador Glauber Rêgo.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIMES DE ESTELIONATO.
SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO DO ACUSADO PELA PRÁTICA DE TODOS OS CRIMES DE ESTELIONATO IMPUTADOS NA DENÚNCIA.
CABIMENTO.
AUTORIA E MATERIALIDADE DA PRÁTICA DELITIVA DEMONSTRADA EM DESFAVOR DAS OUTRAS SEIS VÍTIMAS (CAMINHONEIROS).
DEPOIMENTOS EM SEDE DE INQUÉRITO RESPALDADOS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO PRODUZIDO NO CURSO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
REQUERIMENTO DE APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES EM DETRIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA.
IMPOSSIBILIDADE.
CRIMES PRATICADOS COM LIAME VOLITIVO APTO A ENSEJAR A UTILIZAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA.
PLEITOS DE REFORMA DOSIMÉTRICA.
PRETENSÃO DE VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA "CULPABILIDADE" E "CONDUTA SOCIAL".
REFORMA NECESSÁRIA.
JUSTIFICATIVAS IDÔNEAS PARA TANTO FORAM APRESENTADAS PELA ACUSAÇÃO.
PLEITO DE DECOTE DA ATENUANTE DA CONFISSÃO.
RÉU QUE RECONHECEU O RECOLHIMENTO DE VALORES DAS VÍTIMAS EM JUÍZO.IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância parcial com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso ministerial, para condenar Allan Junio Fernandes pelo cometimento do delito previsto no art. 171, caput, do CP, em desfavor também das vítimas Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura, totalizando 12 (doze) crimes de estelionato cometidos, e assim majorar sua reprimenda ao quantum de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, mantendo incólume a sentença hostilizada em suas demais disposições, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto pelo Ministério Público em face da sentença prolatada, pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Nova Cruz/RN (ID Num. 21142934 - Pág. 1), que condenou ALLAN JUNIO FERNANDES pelo cometimento dos crimes tipificados no art. 171, caput, do Código Penal, na forma do art. 71, também do Código Penal, e absolveu quanto à imputação do crime descrito no art. 288, caput, do Código Penal.
O parquet de origem, em suas razões (ID Num. 21142937 - Pág. 1), busca: a condenação do acusado nas penas do art. 171 (12 vezes), na forma do art. 69, todos do Código Penal; a majoração da reprimenda aplicada, de modo a considerar na 1ª Fase da Dosimetria Penal a valoração negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade e da conduta social, previstas no art. 59 do Código Penal; e o afastamento da aplicação da atenuante da confissão espontânea na 2ª Fase da Dosimetria Penal (art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal), em razão do seu manifesto descabimento.
O apelado pugnou pela manutenção in totum da sentença recorrida (ID Num. 21142941 - Pág. 2).
Nesta instância (ID Num. 21428721 - Pág. 1), a 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo “CONHECIMENTO e PARCIAL PROVIMENTO do recurso interposto para que seja o réu seja condenado pela prática do crime de estelionato cometido contra as vítimas Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura, seja negativada a circunstância judicial “culpabilidade” e aplicada regra do concurso material de crimes em detrimento da continuidade delitiva.”. É o relatório.
Ao Eminente Desembargador Revisor.
VOTO Preenchido os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso. 1.
Pleito de condenação por 12 (doze) crimes de estelionato: Consoante relatado, o órgão ministerial de primeira instância requereu o reconhecimento do estelionato praticado em desfavor dos 06 (seis) caminhoneiros, os quais suportaram prejuízos financeiros decorrentes da conduta criminosa do réu, sendo eles: Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura.
Alegou ainda que o Juízo a quo não mencionou na sentença a razão pela qual os crimes em face de tais vítimas não restaram configurados, mas destacou que os ofendidos em questão somente foram ouvidos durante a fase inquisitorial, tendo em vista que são todos caminhoneiros, residentes em outras comarcas e não foram localizados durante a instrução processual, o que não justifica a “absolvição implícita” conferida pelo juízo processante.
Antecipo que o pleito do parquet merece ser acolhido.
Inicialmente, destaco que o Superior Tribunal de Justiça já formou entendimento no sentido de que “De fato, o art. 155 do Código de Processo Penal não admite a prolação de um decreto condenatório fundamentado exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal (com contraditório e ampla defesa).
O juiz pode se utilizar da prova extrajudicial para reforçar seu convencimento, desde que corroborada por provas produzidas durante a instrução processual ou desde que essas provas sejam repetidas em juízo, o que não se verificou na hipótese.” (HC n. 793011 - SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, decisão monocrática, julgada em 03/02/2023.).
Logo, existem provas que justificam a condenação do acusado pelo delito capitulado no art. 171, caput, do CP, tendo como vítimas os caminhoneiros Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura.
Explico melhor.
Consta da denúncia que (ID Num. 21142781 - Pág. 4): “...Entre os dias 12 e 16 de julho de 2018, em diversos locais deste município de Nova Cruz, ALLAN JUNIO FERNANDES, RENAN MACIEL VIEIRA, PEDRO VINÍCIOS DE BRITO MARQUES, BRUNO FRANCISCO VIEIRA SILVA e VITOR CAMPOS XAVIER, associados entre si para o fim específico de cometer crimes, obtiveram vantagens ilícitas consistentes em serviços de secretária e pagamentos em dinheiro e em cartão de crédito, em prejuízo às vítimas ALINE FIRMINO DA SILVA RODRIGUES, LUANA SAMARA RODRIGUES ALVES, JOSÉ HAROLDO FIRMINO DA SILVA, JOÃO MARIA FÉLIX DE SOUZA, AUGUSTO LUCAS DE ARAÚJO, ANTÔNIO CLÉCIO OLIVEIRA PEDROSA, GILBERTO VENTURIN, DORALÉCIO MARTINS, AMAURI ANTÔNIO CRYSTANI, ROBSON RONALDO DA SILVA, NELSON PEREIRA DE SOUZA e LUIZ CARLOS SEGURA, induzindo-as a erro, mediante ardil consistente na conversa enganosa de que estavam instalando uma transportadora em Nova Cruz e reunindo pessoas para trabalhar em tal estabelecimento (...)”.
Compulsando os autos, verifico a existência de depoimentos perante a autoridade policial de todas as vítimas mencionadas, os quais descrevem minuciosamente a conduta do réu, da seguinte forma: Depoimento de Augusto Lucas de Oliveira em Delegacia: “QUE trabalha como caminhoneiro, esclarecendo que foi solicitado por um agenciador de carga para se deslocar até esta cidade de Nova Cruz/RN para fazer um transporte de uma carga (produtor da TRAMONTINA) desta cidade de Nova Cruz/RN para a Vila Maria na cidade de São Paulo/SP, e que receberia o valor de RS 13.000.00 (Treze mil reais) pelo frete, livre das despesas: Que veio para a cidade de Nova Cruz/RN na data de ontem (16/07/2018), para um galpão onde estaria armazenado toda a carga, juntamente com mais três caminhoneiros (GILBERTO, CLÉCIO e DORALÉCIO) que também iriam realizar o transporte da carga, e que chegando no referido galpão, nesta cidade de Nova Cruz/RN se deparam com mais quatro caminhoneiros: Que mantiveram contato com um popular, o qual disse chamar-se "ALAN JUNIOR" o qual estava acompanhado de mais quatro populares (RINAN, PEDRO VINICIOS, BRUNO e VITOR), Que o "ALAN JUNIOR" lhe pediu a quantia de R$ 455.00 (Quatrocentos e cinquenta e cinco reais) para comprar trinta e cinco cintas, no valor de RS 13.00 (treze reais) cada uma. para fazer a amarração da carga. e como é obrigação do caminhoneiro ter as cintas, o declarante foi até o Banco Bradesco, juntamente com o RENAN e lá sacou a quantia de R$ 500.00 (Quinhentos reais) e deu no "ALAN JUNIOR" o dinheiro solicitado por ele (R$ 455.00): Que os outros caminhoneiros também tiveram que desembolsar dinheiro para comprar as cintas, inclusive o AMAURI. chegou a passar o seu cartão em uma máquina fornecida por RENAN: Que estranhou porque não existia nenhuma carga no referido galpão: Que então resolveram acionar a Polícia Militar o informar o ocorrido: Que tomaram conhecimento através dos Policiais Militares, de que o proprietário daquele galpão conhecido por DOUTOR DA BEBIDA" também teria sido vítima daquela quadrilha. onde o "ALAN JUNIOR" teria alugado o galpão e ainda teria pego uma quantia em dinheiro emprestado com ele (DOUTOR DA BEBIDA): Que não realizou o frete. consequentemente não recebeu nenhum valor referente ao frete. e ainda teve o prejuízo do óleo do seu deslocamento da cidade de Mossoró/RN até Nova Cruz/RN: Que os Policiais Militares conseguiram localizar e prender quatro participantes dessa quadrilha.” (ID Num. 21142781 - Pág. 28).
Nesses mesmos termos foram os depoimentos de Antonio Clecio Oliveira Pedrosa (ID Num. 21142781 - Pág. 30), Gilberto Venturin (ID Num. 21142781 - Pág. 32), Doraclécio Martins (ID Num. 77180359 - Pág. 53); Luiz Carlos Segura (ID Num. 21142781 - Pág. 42) e Amauri Antônio (ID Num. 21142781 - Pág. 36), isto é, de que foram contratados para fazer um carregamento de produtos, e que Allan Junio exigiu a cada um deles a quantia de R$ 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco reais), para comprar cintas de amarrar cargas, tendo os ofendidos fornecido os valores requeridos.
Ademais, assim aduziu o também caminhoneiro Nelson Pereira de Souza em Juízo: “...Que é caminhoneiro; Que no momento dos fatos estava com os caminhoneiros Robson Ricardo da Silva e Luiz Carlos Segura; Que a abordagem foi assim: ele ofereceu carga pra gente; Que fosse lá em Nova Cruz para carregar, estavam eu e mais outros motoristas no dia do acontecido, ele pedia para que dessem dinheiro, para que ele pudesse comprar cintas de amarrar carga; Que ficamos 3 (três) dias sem ele voltar, só os meninos comandando a gente lá; Que não teve ameaça, só foi na dele que a gente entrou; ele disse que essa carga era cadeiras escolares; que seriam transportadas de Nova Cruz para São Paulo, em Taubaté; na época, ele ofereceu R$ 9.000,00 (nove mil reais) para carga e descarga mais diárias; Que ele pediu dinheiro para comprar cintas de segurança para segurar carga; o Robson estava sem dinheiro; eu dei seiscentos para dividir entre nós; Que dei para o Allan, R$ 600,00 (seiscentos reais); Que 3 dias depois, um rapaz do Rio Grande do Sul, não lembro o nome dele, puxou o nome da transportadora; Que que não existia isso, que não tinha nenhum agenciador no Rio Grande do Norte; Que ele desconfiou e chamou a polícia; Que o Allan já não estava mais ali, estava no hotel onde pegaram; Que ele falou que pegou o dinheiro para comprar cintas, e acabou sumindo; tinha outras pessoas envolvidas nesses golpe, estava com a gente no barracão, onde eles alugaram para colocarem os caminhões...” (ID Num. 21142934 - Pág. 21).
Por sua vez, embora os depoimentos inquisitoriais das vítimas não tenham sido reproduzidos em Juízo, tem-se que o próprio réu, em Juízo, deu detalhes acerca do esquema das cintas, nos seguintes termos: “...
Que nessa época, eu tinha ficado 3 (três) meses atrás, antes de acontecer isso daí, preso, em Natal, por causa da falsidade ideológica; Que na época morava em João Pessoa; Que eu tinha vendido um caminhão, que tinha na época; Que tinha alugado galpão em Nova Cruz, do rapaz da bebida; Que não me lembro o nome; Que eu iria pegar umas cargas para fazer distribuição: Que era um negócio na época; De umas carteiras de escola, eu jogava no galpão e fazia a distribuição: Que eu arrumei uma pessoa em João Pessoa, fui para Nova Cruz; Que eu coloquei essas pessoas; Que essas pessoas não tinha nada de errado: Que coloquei elas no hotel aluguei o galpão. coloquei elas para trabalhar, fui em um escritório de contabilidade em Nova Cruz, Que não recordo o nome, mas na época em que fui, paguei a firma certinho: Que os caminhões que foram carregar, precisava ter cinta, aquelas cintas de amarrar carga: Que eu pagava o frete do caminhão e não o frete da cinta; Que era obrigatório pelo valor do frete; Que eles pegaram e não tinha cinta; Que eles pediram para um rapaz que trabalhava pra mim para ser se eu podia trazer de João Pessoa a cinta; Que eu falei, posso, não tem problema nenhum. na época era uns 40 e poucos reais e lá em Nova Cruz era uns 70 e poucos reais, o dinheiro que foi pego desses negócios. das pessoas para comprar as cintas foi referente a isso; (...) Que o que aconteceu no meio disso aí, por causa de uma cinta que teve que comprar, acho que 35 (trinta e cinco) cintas por carreta para colocar.
Que o rapaz pediu um favor, e achou que era de noite e não tinha chegado a mercadoria: Que a pessoa iria sumir, mas estava tudo certo, mas estava todo mundo no hotel da cidade. no galpão tinha gente, tinha caminhão no galpão na espera para carregar. foi isso que aconteceu, mas não deu tempo. era recente, acho que foram 3 a 4 dias: Que estava começando a movimentar. (...) Que falei para ele o preço certinho, e você vai arrumar algumas pessoas para trabalhar Que ele fez só o que eu falei: Que procurou o pessoal para trabalhar, Que não devolvemos esse dinheiro das cintas para os caminhoneiros, porque no mesmo dia, o pessoal foram presos e depois en não tive mais contato; Que não devolveu; Que tinha umas cadeiras escolares para transportar, (ID Num. 21142934 - Págs. 09-11) Por fim, ressalto a fala do policial Paulo Vieira do Nascimento, proferida no inquérito: “QUE na data de ontem (16/07/2018). se encontrava de serviço na VTR RP 804. juntamente com os CB's GOLSON TORRES e LIRA. quando por volta das 21:40 hs quando realizavam patrulhamento de rotina pelo centro desta cidade de Nova Cruz/RN, e que ao patrulharem pelas proximidades do CAIC foram abordados por alguns caminhoneiros. identificados por AUGUSTO.
NELSON AMAURI, GILBERTO e CLECIO, que se encontravam em frente a um galpão pertencente a um comerciante desta cidade de Nova Cruz/RN, conhecido por "DOUTOR DA BEBIDA, momento em que estes caminhoneiros informaram que foram lesados por cinco pessoas, dentre eles um conhecido por "JUNIOR" e outro conhecido por "RENAN" contudo todos estavam juntos, segundo os caminhoneiros citados, o "JUNIOR" e o "RENAN" solicitaram dinheiro para comprar uma cinta para fazer o amarração da carga. inclusive o caminhoneiro AMAURI passou o seu cartão no valor de R$ 1.000,00 (Hum mil reais) na máquina fornecida por "RENAN"(...) (ID Num. 21142781 - Pág. 18).
Logo, verifica-se na presente hipótese que, por serem corroboradas por provas produzidas durante a instrução processual, notadamente o interrogatório do réu, pode este Julgador utilizar da prova extrajudicial para reforçar seu convencimento, e assim condenar Allan Junio Fernandes pelo cometimento do delito previsto no art. 171, caput, do CP, em desfavor das vítimas Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura. É importante corrigir ainda erro ocorrido na sentença.
Como bem mencionou o Parquet em sede de apelação, "observa-se que o juízo a quo considerou como vítima a testemunha arrolada pela acusação Francisco de Oliveira Junior, deixando de reconhecer os crimes praticados contra 06 (seis) caminhoneiros, os quais suportaram prejuízos financeiros decorrentes da conduta criminosa do réu".
De fato, em que pese a denúncia tenha pugnado pela condenação por estelionatos cometidos em desfavor de Aline Firmino, Luana Samara, José Haroldo, João Maria Felix, Augusto Lucas, Antônio Clécio, Gilberto Venturin, Doraclécio Martins, Amauri Antônio, Robson Ronaldo, Nelson Pereira e Luiz Carlos Segura, totalizando 12 (doze) vítimas, e tenha arrolado como testemunha Francisco de Oliveira Júnior, a sentença a quo estipulou que Francisco de Oliveira seria uma das vítimas, e por isso considerou o cometimento de 07 (sete) estelionatos, tendo como ofendidos João Maria Félix, Aline Firmino da Silva, Luana Samara Rodrigues Alves, Robson Ronaldo da Silva, Nelson Pereira de Souza, José Haroldo Firmino e Francisco de Oliveira Júnior.
Todavia, no intuito de evitar julgamento extra petita e em atenção ao princípio da congruência, tendo em vista que o Parquet desde a denúncia e ainda em sede de apelação segue sustentando a necessidade de condenação por 12 (crimes) de estelionato, é necessário reformar a sentença a quo também nesse ponto, para que subsistam apenas as condenações por estelionatos cometidos em desfavor de Aline Firmino, Luana Samara, José Haroldo, João Maria Felix, Robson Ronaldo, Nelson Pereira (seis crimes/vítimas), que somados às condenações realizas acima (tendo como vítimas Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura), totalizam 12 (doze) crimes de estelionato, número que destaco para fins de majoração da pena em razão da continuidade delitiva. 2.
Do pedido de aplicação do concurso material de crimes em detrimento da continuidade delitiva: O órgão ministerial arguiu que merece reforma a consideração, pelo Juízo a quo, da continuidade delitiva dos crimes perpetrados pelo acusado, pois haveria existência de concurso material de crimes, bem como que a habitualidade criminosa é circunstância impeditiva do reconhecimento da continuidade delitiva, conforme dispõe o Informativo de Jurisprudência nº 682 do Supremo Tribunal Federal.
Entendo que tal pleito não merece acolhimento.
Sem embargo o argumento de que "Allan Junio Fernandes é contumaz na prática de estelionato, consoante o depoimento da testemunha Uliam Walker de Lima, que também foi alvo de Allan Junio, contra quem utilizou o mesmo modus operandi", sabe-se que o STJ assim tem estabelecido: "(...) 2.
O crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes parcelares que o formam, para fins específicos de aplicação da pena.
Para a sua aplicação, a norma extraída do art. 71, caput, do Código Penal exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: I) pluralidade de condutas; II) pluralidade de crime da mesma espécie; III) e condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras (conexão temporal, espacial, modal e ocasional). 3.
Adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e a jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito de ordem subjetiva, qual seja, a unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame volitivo entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente.
Dessa forma, diferenciou-se a situação da continuidade delitiva da delinquência habitual ou profissional, incompatível com a benesse. (AgRg no HC 769044 / SC, Rel.
Ministro Ribeiro Dantas, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2023, DJe 17/03/2023)".
Nesse sentido, deve-se manter a aplicação do crime continuado (art. 71 do CP) em detrimento do concurso material (art. 69 do CP), pois da leitura dos autos denota-se claramente que há liame volitivo entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido os estelionatos subsequentes continuação do primeiro, ocorridos entre os dias 12 e 16 de julho de 2018 no município de Nova Cruz, os quais resultaram de um plano previamente elaborado pelo agente, não havendo que se falar em concurso material. 3.
Pedido de majoração da reprimenda aplicada: O Ministério Público requer ainda a valoração negativa das circunstâncias culpabilidade e conduta social, as quais se revelam desfavoráveis no presente caso.
Quanto à culpabilidade, afirma que “observa-se que Allan Junior premeditou o crime, arquitetando toda a estratégia a ser utilizada na prática do estelionato, que, para execução, coordenou verdadeira equipe, a qual não se tem ainda juízo formado acerca da responsabilidade penal, uma vez que processados em processo diverso.”, além do grande número de vítimas e da aparente existência de empresa legal que criou, inclusive instalando uma “falsa sede” na cidade, o que excederia o grau de reprovabilidade “normal” do tipo.
De fato, a reprovabilidade do comportamento praticado no caso dos autos é intensa, sobretudo porque foram diversas vítimas, o crime foi profundamente premeditado, tendo o réu se desdobrado para dar aparência de legalidade a suas condutas, ao sustentar de forma consistente a versão de que estava instalando uma transportadora em Nova Cruz e reunindo pessoas para trabalhar em tal estabelecimento, valendo-se do intuito honesto de conseguir ocupação lícita dos ofendidos para obter vantagens indevidas em detrimento destas.
Nesse sentido também opinou o órgão ministerial de segundo grau, ao informar que “acerca da premeditação do delito, ressalte-se o Superior Tribunal de Justiça tem considerado tal elemento como argumento idôneo para a valoração negativa da circunstância judicial culpabilidade” (ID Num. 21428721 - Pág. 10).
Ademais, outra circunstância judicial que mereceria ser valorada negativamente na dosimetria, segundo o MP, seria a conduta social do sentenciado, pois “o recorrido mostrou que também tem uma conduta social reprovável, valendo-se do falseamento da verdade com obtenção de vantagem inclusive em suas relações interpessoais, lesando todos aqueles que com ele se relacionam.”.
Em seguida, cita o apelante “reportagens que narram o fato de Allan Junio ter se passado por Delegado da Polícia Federal na intenção de ludibriar uma mulher da cidade de Soledade com quem manteve um relacionamento.
Causa ainda maior perplexidade o fato de que o relacionamento iniciou enquanto estava custodiado em estabelecimento prisional na cidade de Solânea/PB, do qual ele fugiu levando consigo a referida mulher e seus filhos (ID95295903 - Pág. 73-77).
Além disso, conforme consta em suas declarações prestadas em seu interrogatório judicial, o próprio Allan Junio confessa que já foi preso e processado por outros fatos, inclusive por falsidade ideológica na cidade de Natal/RN.”.
De fato, consta nos autos que o acusado detém conduta social negativa, sendo fato público e notório, noticiado ao longo de 10 (dez) minutos de reportagem no programa “Cidade Alerta” (vídeo acostado ao ID 21142796), que o réu Allan Junio apresentava conduta reprovável na comunidade em que estava inserido, criando narrativas fáticas absurdas para ludibriar diversas pessoas ao seu entorno e auferir vantagens indevidas, merecendo valoração negativa a referida circunstância.
Por fim, o órgão ministerial pugnou pelo afastamento da atenuante da confissão espontânea, reconhecida em favor do acusado na sentença condenatória.
Nesse ponto, a sentença atacada não merece reparo, pois o réu de fato reconheceu o recolhimento de valores das vítimas, tendo, entretanto, aduzido que inexistia intenção de lesar quaisquer dos ofendidos.
Todavia, conforme entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a confissão ainda que parcial ou qualificada deve ser considerada para fins de redução da pena: “PENAL E PROCESSUAL PENAL.
RECURSO ESPECIAL.
ROUBO.
INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 545/STJ.
PRETENDIDO AFASTAMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO, QUANDO NÃO UTILIZADA PARA FUNDAMENTAR A SENTENÇA CONDENATÓRIA.
DESCABIMENTO.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 65, III, "D", DO CP.
PROTEÇÃO DA CONFIANÇA (VERTRAUENSSCHUTZ) QUE O RÉU, DE BOA-FÉ, DEPOSITA NO SISTEMA JURÍDICO AO OPTAR PELA CONFISSÃO.
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 10.
Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, "d", do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.” (REsp nº 1972098/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/06/2022, DJe de 30/8/2023, grifos inseridos).
Nesse sentido, mantida a aplicação da atenuante da confissão.
Passo a efetuar a nova dosimetria da pena do réu. 4.
Da nova dosimetria da pena do réu: Considerando que ALLAN JUNIO FERNANDES restou condenado pelo cometimento dos crimes tipificados no art. 171, caput, na forma do art. 71, todos do Código Penal, em desfavor das vítimas João Maria Felix, Aline Firmino da Silva, Luana Samara Rodrigues Alves, Robson Ronaldo da Silva, Nelson Pereira de Souza, José Haroldo Firmino, Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura (os seis últimos no segundo grau de jurisdição), totalizando 12 (doze) vítimas, passo a efetuar uma dosimetria da pena para todas as condenações, a qual se aplicará a todos os outros estelionatos cometidos, para posterior majoração motivada pela continuidade delitiva.
Na primeira fase da dosimetria da pena do crime de estelionato, assim valoro as circunstâncias judiciais: a culpabilidade do réu excede o tipo penal, nos termos expostos acima, tornando-se negativa; os antecedentes do acusado, que são bons, visto que não há sentença transitada em julgado contra si; a conduta social do acusado, que valoro negativamente, nos termos expostos acima; a personalidade do réu, que presumo boa, uma vez que não há como auferir tal informação da exclusiva análise dos autos; os motivos do crime, que são ínsitos ao tipo penal; as circunstâncias, que não são expressivas a ponto de valorar; as consequências do crime, que se mostram comuns ao tipo penal; e analisando por fim o comportamento da vítima, que não influenciou a conduta do agente.
Desta feita, ao adotar a fração de 1/8 a incidir entre o intervalo das penas mínima e máxima, fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão, com base no art. 59 do CP, e pagamento de 12 (doze) dias-multa.
Com relação à segunda fase dosimétrica, há a atenuante da confissão a ser considerada, pelo que reduzo a pena em 1/6, restando a reprimenda intermediária estabelecida em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, além de pagamento de 10 (dez) dias-multa, que torno definitiva, ante a inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição de pena.
Partindo do fato de que se trataram de 12 (doze) delitos de estelionato, mantendo a aplicação do art. 71 do CP e tomando por base a pena acima, de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, além de pagamento de 10 (dez) dias-multa, realizo o acréscimo na fração de 2/3, consoante Súmula 659 do STJ, pelo o que se aplica para todos os crimes de estelionato em continuidade delitiva, ao final, a pena de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto.
Diante do exposto, em consonância parcial com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, dou parcial provimento ao recurso do ministério público, e assim condeno Allan Junio Fernandes pelo cometimento do delito previsto no art. 171, caput, do CP, em desfavor também das vítimas Augusto Lucas de Araújo, Antônio Clécio Oliveira Pedrosa, Gilberto Venturin, Doralécio Martins, Amauri Antônio Crystani e Luiz Carlos Segura, totalizando 12 (doze) crimes de estelionato cometidos, ao passo em que majoro sua reprimenda ao quantum de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, mantendo incólume a sentença hostilizada em suas demais disposições. É como voto.
Natal, data da assinatura do sistema.
Desembargador GLAUBER RÊGO Relator Natal/RN, 5 de Fevereiro de 2024. -
19/12/2023 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Câmara Criminal Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0800354-62.2023.8.20.5107, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (votação exclusivamente pelo PJe) do dia 05-02-2024 às 08:00, a ser realizada no Sala de Sessão da Câmara Criminal.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 18 de dezembro de 2023. -
11/12/2023 08:34
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Gilson Barbosa na Câmara Criminal
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22/09/2023 09:14
Conclusos para decisão
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20/09/2023 09:41
Juntada de Petição de parecer
-
12/09/2023 15:58
Expedição de Outros documentos.
-
11/09/2023 19:10
Proferido despacho de mero expediente
-
11/09/2023 11:01
Conclusos para decisão
-
11/09/2023 11:00
Redistribuído por sorteio em razão de incompetência
-
08/09/2023 14:56
Declarada incompetência
-
29/08/2023 14:45
Recebidos os autos
-
29/08/2023 14:45
Conclusos para despacho
-
29/08/2023 14:45
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
11/09/2023
Ultima Atualização
06/02/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
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SENTENÇA • Arquivo
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DECISÃO • Arquivo
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DESPACHO • Arquivo
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