TJMA - 0827527-66.2022.8.10.0001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete Do(A) Desembargador(A) Jose Luiz Oliveira de Almeida
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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17/05/2023 14:25
Baixa Definitiva
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17/05/2023 14:25
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para Instância de origem
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17/05/2023 14:24
Expedição de Certidão de trânsito em julgado.
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09/05/2023 00:10
Decorrido prazo de JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES em 08/05/2023 23:59.
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27/04/2023 00:13
Publicado Acórdão (expediente) em 26/04/2023.
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27/04/2023 00:13
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/04/2023
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25/04/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Sessão virtual do dia 13 a 20 de abril de 2023 Nº Único: 0827527-66.2022.8.10.0001 Recurso em Sentido Estrito – São Luís (MA) Recorrente : Jeminis Willy Rocha Chaves Advogados : Jéssica Cardoso de Oliveira (OAB MA 15.916) e Douglas William Santos Ferreira (OAB MA 13.680) Recorrido : Ministério Público Estadual Incidência Penal : Art. 121, § 2º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida EMENTA Processual Penal.
Recurso em Sentido Estrito.
Tentativa de homicídio qualificado.
Insurgência contra decisão de pronúncia.
Alegação de legítima defesa.
Descabimento.
Do pleito de reconhecimento do homicídio privilegiado.
Impossibilidade. pedido de desclassificação para lesão corporal.
Inviabilidade.
Juízo de probabilidade acerca do animus necandi.
Pleito subsidiário de Exclusão de qualificadora.
Não acolhimento.
Competência do Tribunal do Júri.
Recurso desprovido. 1.
A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, a exigir, tão somente, prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria.
Inteligência do art. 413, do Código de Processo Penal. 2.
Exigem-se, para o reconhecimento de excludente de ilicitude, provas contundentes e coesas da sua ocorrência. 3.
Sabe-se que o reconhecimento do homicídio privilegiado (§ 1º, do art. 121, do Código Penal) não pode ser avaliado neste momento, porquanto se trata de causa de diminuição de pena, a qual é vedada a análise pelo juiz da pronúncia, consoante o disposto no art. 7º, da Lei de Introdução do Código de Processo Penal: "O juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena". 4.
In casu, os elementos coligidos ao longo do sumário de culpa fornecem um juízo de probabilidade acerca do animus necandi, sendo, portanto, inviável a desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal grave, devendo a questão ser dirimida perante o Tribunal do Júri. 5.
Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, o afastamento de qualificadora na primeira fase do procedimento bifásico constitui medida excepcional, somente possível quando manifestamente improcedente, o que não ocorreu na espécie. 6.
Recurso conhecido e desprovido.
DECISÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, em negar provimento ao recurso interposto, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida (Relator), Francisco Ronaldo Maciel Oliveira (Presidente) e Vicente de Paula Gomes de Castro.
Presente pela Procuradoria-Geral de Justiça p Dr.
Joaquim Henrique de Carvalho Lobato.
São Luís (MA), 20 de abril de 2023.
DESEMBARGADOR Francisco Ronaldo Maciel Oliveira - PRESIDENTE DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida - RELATOR RELATÓRIO O Sr.
Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso em sentido estrito (id. 17216676 – p.01/02), manejado por Jeminis Willy Rocha Chaves, por intermédio de seus advogados, contra a decisão da Juíza de Direito da 2ª Vara do Tribunal do Júri do termo judiciário de São Luís/MA (id. 17216669 - p. 01/23), que o pronunciou pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2°, inciso II, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Da inicial acusatória (id. 17216534), extraio que: “[…] no dia 16/03/2012, por volta das 3h, no Posto de Gasolina, mais precisamente na conveniência ‘POWER’, que fica dentro deste posto localizado à Avenida Lourenço Vieira da Silva, Tirirical, o denunciado JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES, imbuído do propósito de matar (animus necandi), convergiu vontade e esforço para ceifar a vida de KLEISON CASTELO BRANCO ROCHA, fato este que não foi consumado por circunstâncias alheias a sua vontade.
Segundo se logrou a apurar, no dia e na hora correspondente ao evento criminoso, a vítima estava com dois amigos ingerindo bebida alcóolica dentro do carro, parados no estacionamento do Posto de Gasolina, pois estavam adquirindo as bebidas na conveniência ‘POWER’ que fica dentro do referido posto.
Assim, em determinada hora, a vítima foi com seu amigo ANASTÁCIO CAMELO SOBRINHO NETO, vulgo ‘LOURO’, comprar mais bebida, sendo que quando já estava voltando próximo à referida loja de bebidas, foi surpreendido com a abalroada de um veículo ASTRA, sendo que, neste momento, a vítima bateu na mala do veículo para que este parasse e não o atropelasse.
Após a parada do veículo, a vítima foi tomar satisfações com o denunciado JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES, perguntando se o mesmo não estava lhe vendo ou se estava doido.
Neste momento, o denunciado não reagiu, sendo que a vítima voltou para a conveniência.
Ato contínuo, após ter se armado com um canivete, JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES foi em direção a vítima, que ainda tentou se defender, mas foi atingida no braço esquerdo e na região abaixo do tórax.
O denunciado se evadiu do local e os amigos da vítima prestaram socorro e a levaram para o Hospital Socorrão II, onde foi submetida a cirurgia.
Em seu interrogatório, somente no ano de 2019, JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES confessou a autoria delitiva, entretanto disse que estava se defendendo das investidas da vítima que, supostamente, começaram primeiro, fls. 44-45. [...]” (Caixa alta no original).
Ao final do sumário de culpa, o réu foi pronunciado na forma acima explicitada, o que desafiou o manejo do presente recurso em sentido estrito, em cujas razões (id. 17216687), requer, em síntese: i) o reconhecimento da legítima defesa; e, ii) subsidiariamente, a desclassificação para homicídio privilegiado ou para lesão corporal grave ou homicídio simples.
Em contrarrazões, o Ministério Público de primeiro grau pugna pelo desprovimento do recurso (id. 17216694).
Na fase destinada ao juízo de retratação, o juízo de base manteve a decisão de pronúncia em todos os seus termos (id. 17216695).
Em seu parecer, a procuradora de justiça Regina Lúcia de Almeida Rocha opina “desprovimento do presente recurso, devendo ser mantida a decisão de pronúncia, pelos seus próprios fundamentos” (id. 20009280). É o que cabia relatar.
VOTO O Sr.
Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Consoante relatado na denúncia, no dia 16/03/2012, por volta das 3h, no posto de gasolina, localizado à avenida Lourenço Vieira da Silva, Tirirical, nesta cidade, o denunciado Jeminis Willy Rocha Chaves, tentou matar Kleison Castelo Branco Rocha, com o uso de um canivete, atingindo-lhe no braço e na barriga, em razão da vítima ter reclamado quando o acusado quase o atropelou.
Em decorrência de tais fatos, Jeminis Willy Rocha Chaves foi pronunciado por incidência comportamental no artigo 121, § 2°, inciso II, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Irresignado, o réu ingressou na via recursal e, nas razões recursais, requer, em síntese: i) o reconhecimento da legítima defesa; e, ii) subsidiariamente, a desclassificação para homicídio privilegiado ou para lesão corporal grave ou homicídio simples.
Estabelecido o ponto do inconformismo, passo a analisá-lo, doravante, porém, antes de me debruçar no cotejo analítico das provas amealhadas no caderno processual, imperioso tecer algumas considerações acerca da natureza jurídica da decisão vergastada. 1.
Da natureza da decisão de pronúncia Como é de sabença, a decisão de pronúncia consubstancia-se num juízo de admissibilidade da acusação, na qual o julgador, convencendo-se acerca da existência do crime e dos indícios suficientes de autoria (art. 413, do CPP1), encerra a primeira fase do procedimento bifásico do júri, para, somente em seguida, submeter o acusado a julgamento perante o juízo natural constitucionalmente estabelecido, o Tribunal do Júri Popular.
Confira-se a orientação pretoriana a respeito do tema: “[...] A decisão de pronúncia, no procedimento especial do Tribunal do Júri, configura mero juízo de admissibilidade da acusação, fundada na comprovação da materialidade da conduta e na existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, conforme as disposições do art. 413, caput e § 1º, do CPP.
Precedentes. [...]2” É de ver-se, portanto, que a decisão de pronúncia é marcada, em essência, por um juízo de probabilidade acerca da autoria delitiva, não se exigindo certeza a esse respeito, conclusão que compete, tão somente, ao juízo natural da causa, o Tribunal do Júri Popular, por força de expresso mandamento constitucional3.
As lições de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar4 delineiam essa questão com muita lucidez, das quais apanho o seguinte fragmento, litteris: “[...] A decisão de pronúncia tem a natureza de uma decisão interlocutória mista não terminativa. É mista porque encerra uma fase sem por fim ao processo. É não terminativa por não decidir o meritum causae, nem extinguir o feito sem resolução de mérito (se julgasse o mérito seria definitiva).
Não há através dela julgamento do mérito condenatório da ação penal.
Apenas há juízo de admissibilidade da acusação.
Enquanto para o recebimento da denúncia se faz preciso um suporte probatório mínimo, para a pronúncia se requer um suporte probatório mais robusto, médio, que, no entanto, não é equivalente ao conjunto probatório que se exige para a condenação.
Na decisão de pronúncia não há juízo de certeza do cometimento do crime, porém é mister que haja possibilidade da acusação, ou seja, o contexto processual deve evidenciar que os fatos estão aptos ao julgamento pelos leigos, seja para absolver, seja para condenar o acusado.
Se, de plano, o juiz vê que não há possibilidade de condenação válida, mercê da insuficiência probatória, não deverá pronunciar o acusado. É o que dispõe explicitamente o art. 414, CPP, ao dizer que "não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado", ressalvando que, "enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova" (parágrafo único).
Note-se que vigora, nesta fase, a regra do in dubio pro societate: existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular. É o júri o juiz natural para o processamento dos crimes dolosos contra a vida.
Não deve o juiz togado substitui-lo, mas garantir que o exercício da função de julgar pelos leigos seja exercido validamente.
Todavia, o in dubio pro societate deve ser aplicado com prudência, para evitar que acusados sejam pronunciados sem um suporte probatório que viabilize o exame válido da causa pelos jurados. ” (Destaquei.) Por conseguinte, convencionou-se, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, que esta fase preambular, de mera admissibilidade da acusação, é norteada pelo aforismo in dubio pro societate, significando, em essência, que eventuais dúvidas emergentes do sumário da culpa resolvem-se em favor da sociedade, competindo, pois, aos juízes leigos, dirimi-las, soberanamente, ao tomarem assento no Conselho de Sentença para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
No entanto, é importante destacar que, hodiernamente, a doutrina mais consentânea vem advertindo para a necessidade de se compatibilizar a exegese do art. 413, do CPP, com o postulado constitucional da presunção de inocência, o que se traduz numa postura judicante mais cautelosa diante de um cenário probatório que enseje dúvida a respeito da autoria delitiva.
Nessa linha de intelecção, é salutar trazer a lume a observação de Guilherme de Souza Nucci, que reconhece o in dubio pro societate não como um princípio jurídico, mas como um critério norteador da atividade cognitiva do juiz, que, diante da denominada dúvida razoável, isto é, aquela extraída de provas que podem dar ensejo tanto para a condenação quanto para a absolvição, deve pronunciar o acusado, para que essa dúvida seja dirimida pelo Conselho de Sentença.
Confira-se: “[…] A expressão in dubio pro societate (na dúvida, em favor da sociedade) é mais didática do que legal.
Não constitui um princípio do processo penal, ao contrário, o autêntico princípio calca-se na prevalência do interesse do acusado (in dubio pro reo).
Mas tem o sentido eficiente de indicar ao juiz que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, porém de admissibilidade.
Por isso, se houver dúvida razoável, em lugar de absolver, como faria em um feito comum, deve remeter o caso à apreciação do juiz natural, constitucionalmente recomendado, ou seja, o Tribunal do Júri.
Em suma, não devem seguir a júri os casos rasos em provas, fadados ao insucesso, merecedores de um fim, desde logo, antes que se possa lançar a injustiça nas mãos dos jurados; merecem ir a júri os feitos que contenham provas suficientes tanto para condenar como para absolver, dependendo da avaliação que se faça do conjunto probatório.
Essa é a dúvida razoável.
Exemplo: uma testemunha afirma que o réu matou a vítima; outra nega veementemente.
Qual é a mais crível versão? Essa dúvida deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença e não pelo magistrado togado.
Entretanto, se as provas são fracas, não há testemunhas presenciais e somente existe uma confissão extrajudicial do réu, por evidente, consagra-se a carência absoluta para sustentar qualquer condenação, sendo o caso de impronúncia.5 É, portanto, necessário realçar os contornos da dicção legal do art. 413, do CPP, ao estatuir que ‘o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação’.” (Destaquei.) O legislador não emprega termos inúteis ou vazios de sentido.
Ou seja, o art. 413, do CPP, deixa claro que, para pronunciar o acusado, os indícios devem ser suficientes, isto é, claros, objetivos, seguros e coerentes.
A propósito, confira-se as profícuas lições de Edilson Mougenot: “[...] O juiz pronunciará o réu caso se convença da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, dando os motivos de seu convencimento.
Até 1941 – ano da promulgação do CPP – as legislações anteriores cobravam para a pronúncia, a par da prova da materialidade delitiva, a presença de “indícios veementes” de autoria, expressão que, a partir de então, substituiu-se por “indícios suficientes”, fórmula agora mantida na edição da nova lei.
A ‘suficiência dos indícios’ é, pois, menos do que a ‘veemência indiciária’ – que pode haver, evidentemente, mas não é conditio sine qua non para a pronúncia –, mas, inquestionavelmente, é mais que um simples ou ‘mero indício’.
Há aqui, uma ascensão na escala probatória, que nasce da simples suspeita e conjectura, passa por indícios e daí, aos ‘indícios suficientes’, até indícios veementes e à certeza conclusiva pelo raciocínio dedutivo.
Note-se, a propósito, que certeza e verdade não são sinônimos.
A teor de antigas lições, a verdade está no fato, a certeza, na cabeça do juiz.
Assim, pode-se estar certo de algo que, a rigor, não seja verdadeiro.
Cobrou, pois, a lei, no que se refere à pronúncia, um majus em relação à presença de um simples indício, e um minus em relação à veemência desses.
Por isso mesmo, à evidência, não exigiu certeza nesta fase.
Donde concluir que a pronúncia não deve conter uma análise profunda do meritum causae.
Assim, nessa decisão ‘apenas se reconhece a existência de um crime e a presença de suficientes indícios da responsabilidade do réu, apontando-se a direção a ser seguida pela ação penal’.
Na dúvida, cabe ao juiz pronunciar-se, encaminhando o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da causa.
Nessa fase vigora a máxima in dubio pro societate. […]” 6” No mesmo passo, Supremo Tribunal Federal, no julgamento no Agravo em Recurso Extraordinário 1.067.392/CE, de relatoria do Min.
Gilmar Mendes, delimitou os contornos jurídicos do in dubio pro societate, adotando as bases teóricas dos standards probatórios, que foram delineadas com bastante lucidez na ocasião do julgamento, assim ementado: “[...] Penal e Processual Penal. 2.
Júri. 3.
Pronúncia e standard probatório: a decisão de pronúncia requer uma preponderância de provas, produzidas em juízo, que sustentem a tese acusatória, nos termos do art. 414, CPP. 4.
Inadmissibilidade in dubio pro societate: além de não possuir amparo normativo, tal preceito ocasiona equívocos e desfoca o critério sobre o standard probatório necessário para a pronúncia. 5.
Valoração racional da prova: embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, pois a valoração racional da prova é imposta pelo direito à prova (art. 5º, LV, CF) e pelo dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). 6.
Critérios de valoração utilizados no caso concreto: em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relato obtido somente na fase preliminar e a testemunha não presencial, que, não submetidos ao contraditório em juízo, não podem ser considerados elementos com força probatória suficiente para atestar a preponderância de provas incriminatórias. 7.
Dúvida e impronúncia: diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, impõe-se a impronúncia dos imputados, o que não impede a reabertura do processo em caso de provas novas (art. 414, parágrafo único, CPP).
Primazia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF e art. 8.2, CADH). 8.
Função da pronúncia: a primeira fase do procedimento do Júri consolida um filtro processual, que busca impedir o envio de casos sem um lastro probatório mínimo da acusação, de modo a se limitar o poder punitivo estatal em respeito aos direitos fundamentais. 9.
Inexistência de violação à soberania dos veredictos: ainda que a Carta Magna preveja a existência do Tribunal do Júri e busque assegurar a efetividade de suas decisões, por exemplo ao limitar a sua possibilidade de alteração em recurso, a lógica do sistema bifásico é inerente à estruturação de um procedimento de júri compatível com o respeito aos direitos fundamentais e a um processo penal adequado às premissas do Estado democrático de Direito. 10.
Negativa de seguimento ao Agravo em Recurso Extraordinário.
Habeas corpus concedido de ofício para restabelecer a decisão de impronúncia proferida pelo juízo de primeiro grau, nos termos do voto do relator.7“ (Enfatizamos.) Portanto, entendo que o aforisma in dubio pro societate, enquanto critério jurídico norteador da pronúncia, só é capaz de legitimá-la num cenário probatório de prevalência da prova incriminatória, ou no mínimo, ante a existência da dúvida razoável, que se concretiza pela existência de duas vertentes probatórias aptas a ensejarem tanto a condenação quanto a absolvição.
Por outro lado, imputações sem lastro, desprovidas de sustentação em elementos de convicção que ensejem ao menos a probabilidade da acusação, não devem ser levadas a diante.
Assentadas essas considerações de ordem dogmática, passo, doravante, ao exame de mérito, consignando, de logo, que autoria e materialidade delitiva são incontroversas. 2.
Do pedido de reconhecimento da legítima defesa Sustenta a defesa que o recorrente agiu amparado pela excludente da legítima defesa, pois “[…] o autor foi provocado pela vítima., dando esta causa a toda confusão posta […]”.
Apesar das alegações da defesa, adianto que as provas amealhadas durante a instrução do sumário da culpa não fornecem a certeza necessária de que o recorrente agiu acobertado pelo manto da excludente de ilicitude da legítima defesa, conforme passo a demonstrar.
O art. 25, do CPB, assim dispõe: Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
A fim de subsidiar a compreensão da controvérsia jurídica ora posta, trago a lume os preclaros ensinamentos Cezar Roberto Bitencourt, citando as lições de Welzel: “[...] Welzel definia a legítima defesa como ‘aquela requerida para repelir de si ou de outro uma agressão atual e ilegítima.
Seu pensamento fundamental é que o Direito não tem porque ceder ante o injusto’.
A legítima defesa, nos termos em que é proposta pelo nosso Código Penal, exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente; elemento subjetivo; animus defendendi.
Este último é um requisito subjetivo; os demais são objetivos. [...]”8 Portanto, a legítima defesa, para sua exata configuração, norteia-se a partir dos requisitos previstos no citado art. 25, do CPB, tendo como parâmetro objetivo o homo medius, sem, contudo, descurar das circunstâncias que norteiam o caso concreto. É o que passo a fazer, doravante, a partir do cotejo analítico das alegações da defesa com as provas coligidas.
A materialidade delitiva está evidenciada pelo laudo de exame de corpo de delito indireto (id. 17216536 – p.18), que atesta que a vítima “[…] apresentava duas lesões corto-incisas causadas por instrumento pérfuro-cortante, sendo uma no braço e outra no abdômen […]” e pelo exame indireto de lesão corporal que concluiu pelo perigo de vida da vítima (id. 17216540 – p.03/04).
Com relação à autoria, de igual maneira, vejo que dos autos assomam indícios que se mostram suficientes para manter a pronúncia do recorrente, não assomando, na espécie, a excludente de ilicitude alegada.
Na audiência realizada em 19/04/2022 (id. 17216653 – p. 01/02), foram ouvidas a vítima Kleison Castelo Branco e as testemunhas Anastácio Camelo Sobrinho Neto e Tiago Vale Oliveira, bem como interrogado o recorrente, cujos depoimentos registrados no id´s. 17216654 –66 adiante transcrevo.
A vítima Kleison Castelo Branco Rocha declarou em juízo, verbo ad verbum: “[…] Que não conhecia o acusado; que estava em uma conveniência no posto; que chegou na conveniência e foi comprar uma bebida; que estava tomando as bebidas com uns amigos no posto; que depois retornou na conveniência quando veio um carro de ré; que o carro bateu nele; que caiu no chão; que bateu na porta mala do carro pra perguntar o que estava acontecendo; que seu amigo lhe puxou pra o lado; que levantou e foi indagar ao motorista o que estava acontecendo; que o acusado não falou nada; que entrou na conveniência; que quando saiu o acusado passou o canivete no seu braço esquerdo; que quando virou o acusado desferiu as facadas no seu abdômen; que teve que fazer uma cirurgia por causa da lesão; que ainda deu um soco no acusado; que sentiu uma forte cãibra na barriga; que foi aí que percebeu que estava esfaqueado; que primeiro foi na UPA, mas por causa da gravidade da lesão não pode ser atendido; que foi encaminhado para o Socorrão II; que depois destes fatos não olhou mais o acusado; que acredita que o acusado deveria estar sobre efeito de entorpecentes ou álcool; que já faz aproximadamente 10 anos destes fatos; que tinha ingerido bebida alcoólica neste dia; que os fatos aconteceram por volta de 03 às 03:30 da manhã; que trabalhava como vigia no tempo dos fatos; que frequentava esse posto; que depois destes fatos o posto fechou; que foi por volta de 04 a 5 vezes na delegacia; que estava com uns amigos no posto; que estes fatos aconteceram em um dia de semana; que passou 04 dias no hospital; que trabalha no hospital hoje em dia; que tinha outras pessoas no posto; que essas pessoas estavam sentadas na mesa; que quando foi falar com o acusado pra saber o que tinha acontecido, o mesmo não falou nada; que o acusado estava sozinho no carro; que quando chegou o acusado estava com os vidros do carro baixo; que estava com Anastácio indo para a conveniência; que não lembra se foi no IML; que passou quatro dias internados no hospital Socorrão II; que o acusado nada falou no momento dos fatos. [...]” A testemunha Anastácio Camelo Sobrinho Neto relatou perante a autoridade judicial, in litteris: “[...] Que estava acompanhado da vítima; que lembra vagamente desses fatos; que estava descendo do carro; que veio um carro de ré na direção da vítima; que o carro atingiu a vítima; que puxou a vítima pelo braço; que o carro continuou vindo; que a vítima a perguntou para o motorista do carro o que estava acontecendo se não estava vendo ele lá atrás; que não lembra se a vítima caiu; que continuaram bebendo no local; que estavam em uma conveniência; que não teve discussão; que não chegou a olhar quem estava dentro do carro; que tinha outro amigo deles no local; que na saída da conveniência o motorista veio do carro e cortou a vítima; que prestou socorro à vítima; que o acusado primeiro cortou o braço e depois abaixo do umbigo da vítima; que não recorda se o acusado desferiu os golpes e fugiu; que prestou logo socorro na vítima; que não lembra da fisionomia do acusado; que não lembra se teve qualquer discussão do acusado e vítima; que levou a vítima para o hospital; que não lembra se teve qualquer discussão do dois; que lembra que a vítima perguntou para o motorista do carro ‘você não estava me vendo aqui, tá cego’; que a vítima percebeu que estava sangrando ficou nervosa; que tinha ingerido bebida alcoólicas no dia; que o amigo deles Welton também estava no dia com eles; que não lembra se os fatos aconteceram em um fim de semana ou durante a semana; que não lembra se prestou depoimento na delegacia; que conhece a vítima por volta de 17 anos; que cresceu junto da vítima; que não observou se o acusado estava acompanhado de outra pessoa; que não lembra se a vítima não ameaçou o acusado com uma garrafa; que acha que foram dois golpes que o acusado desferiu na vítima. [...]” A testemunha Tiago Vale Oliveira relatou em juízo, verbis: “[…] Que no dia do crime estava trabalhando na região do Renascença como taxista; que depois combinou de tomar uma cerveja com o acusado no posto; que cada um foi no seu carro; que foram pegar o carro pra colocar os carros perto do posto; que quando olhou viu uma confusão; que o acusado furou a vítima; que o carro de Jeminis chegou primeiro no posto; que tinha um canivete no carro do acusado; que Jeminis era taxista também; que viu várias pessoas discutindo com o acusado; que já trabalhavam de taxista um certo tempo; que nunca tinha olhado a vítima; que havia outras pessoas no local. [...]” Interrogado em juízo, o acusado Jeminis Willy Rocha Chaves afirmou, ipsis litteris: “[...] Que não é verdadeira essa acusação como narrado na denúncia; que desferiu os golpes na vítima; que foi chegando ao posto de gasolina pra estacionar dando uma ré; que quando se espantou viu uma pessoa batendo na porta mala do seu carro; que essa pessoa foi na porta do passageiro perguntando se tava louco; que ele lhe xingava e falava que ia lhe quebrar; que pediu desculpas para a vítima; que a vítima não aceitou suas desculpas; que a vítima começou a lhe xingar; que saiu do carro com o canivete; que apontou o canivete para a vítima e disse ‘cara vai pra lá que eu não quero confusão’; que a vítima estava com uma garrafa de cerveja na mão e tentou lhe atingir; que pra defender desferiu um golpe na vítima; que só fugiu, pois tinham várias pessoas no local dos fatos; que ficou com medo e fugiu; que pediu desculpas para a vítima; que Tiago estava chegando pra estacionar o carro do lado do seu; que Tiago chegou já estava nos últimos momentos do acontecido; que estava trabalhando no dia dos fatos; que a vítima aparentava estar embriagada, pois estava muito alterada; que já era mais de meia-noite quando os fatos aconteceram; que tinha outras pessoas no posto; que tinha duas pessoas juntas com a vítima; que o pessoal do posto não lhe conhecia; que pediu desculpas para a vítima; que a vítima não aceitou suas desculpas e deu volta no carro; que a vítima tentou lhe atingir com uma garrafa; que tinha um canivete no carro; […].” Pois bem.
Das provas acima reproduzidas, não me parece assomar, a toda evidência, que o recorrente tenha agido em legítima defesa, com o intuito de repelir injusta e iminente agressão do ofendido, porquanto não há nos autos qualquer prova a sustentar a versão da defesa de que a vítima portava algum tipo de arma (uma garrafa) quando do fato delituoso, diferente do acusado que já trazia consigo uma arma branca em seu carro.
Ademais, a discussão e ameaça por parte da vítima, supostamente ocorridas, que antecederam aos golpes de faca, ainda carecem de maiores esclarecimentos, sendo conflitantes as versões do autor e da vítima quanto a existência delas.
Ou seja, todos esses elementos geram, no mínimo, uma dúvida razoável sobre o uso moderado dos meios para repelir a agressão, que, de rigor, deve ser solucionada pelo juízo competente do Tribunal do Júri.
Assim, entendo que, comprovada a materialidade delitiva, há sim, ademais, indícios suficientes de autoria do crime de homicídio, não sendo possível aferir, de forma inequívoca, a legítima defesa alegada, o que impede o seu reconhecimento nesta fase processual (judicium accusationes).
Noutro dizer, pairam dúvidas se o recorrente, de fato, agiu sob a excludente de ilicitude aduzida no recurso, de modo que compete ao Tribunal do Júri dirimir esta questão, sobretudo porque, na fase destinada à pronúncia, a dúvida razoável, como no caso, se resolve a favor da sociedade9, na esteira da jurisprudência dos nossos pretórios, exaustivamente expostas nas premissas dogmáticas do voto.
Por estas razões é que reconhecer a existência de legítima defesa, sem provas contundentes de que o recorrente tenha agido sob o pálio dessa excludente, seria subtrair do júri matéria da sua competência, posto que, na hipótese, incide a máxima in dubio pro societate, ou seja, havendo dúvida razoável acerca das provas produzidas conduz à pronúncia, a favor da sociedade.
Não é demais ressaltar que a decisão de pronúncia, ao rejeitar a tese defensiva, não significa um juízo conclusivo sobre essa questão, mas apenas que deixou o seu exame ao Conselho de Sentença, a quem compete julgar os delitos dolosos contra a vida.
Nesses termos, reputo inviável reconhecer a excludente de ilicitude alegada nas razões recursais, passando doravante à análise dos pleitos subsidiários de desclassificação. 3.
Do pedido de desclassificação para homicídio privilegiado Sustenta a defesa que a vítima, embriagada e em maior número de pessoas, passou a proferir provações em face do autor, iniciando com xingamentos e agressões físicas, o que justifica o reconhecimento do privilégio previsto no §1º, do art. 121 do CPB para sua conduta. É sabido que a tese de desclassificação do homicídio qualificado para o homicídio privilegiado é matéria a ser decidida pelo Conselho de Sentença, por exigir o exame mais aprofundado do elemento subjetivo do agente infrator.
Em outras palavras, não é o momento processual oportuno para analisar se o réu cometeu o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou sob domínio de violenta emoção, após supostamente ter sido provocado pela vítima, ainda mais, no caso dos autos, nos quais sequer há o teor das supostas provocações.
Descabe ao juiz da pronúncia ou ao tribunal, em grau de recurso, emitir juízo de valor acerca de circunstâncias do crime, tais como agravantes e atenuantes, ou causas de diminuição e aumento, sendo certo que a ocorrência da causa especial de diminuição de pena do homicídio privilegiado é matéria estranha à decisão de admissibilidade da acusação e deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, conforme disciplina o art. 7º do Decreto-lei n. 3931/41 (Lei de Introdução ao Código de Processo Penal), in verbis: “O juiz da pronúncia, ao classificar o crime, consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição da pena”.
Assim, inviável o acolhimento do pleito defensivo. 4.
Do pedido de desclassificação para lesão corporal grave É cediço que o pleito desclassificatório somente tem lugar ao se constatar, de plano e sem quaisquer digressões ou conjecturas, a ausência da intenção de matar ou ao menos da assunção desse risco, na esteira do entendimento jurisprudencial pacífico, como se vê da ementa a seguir transcrita: PROCESSO PENAL.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
HOMICÍDIO QUALIFICADO.
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
DOLO EVENTUAL.
DESCARACTERIZAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2.
No que se refere à desclassificação da conduta, convém assinalar que a decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria.
A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade - in dubio pro societate. 3.
Havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional. 4.
O entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça deve ser mantido, na medida em que as circunstâncias fáticas traçadas no aresto impugnado permitem submeter a acusação ao crivo do Conselho de Sentença, tendo em vista que o paciente, após ingerir bebida alcoólica, estava conduzindo veículo automotor, realizando manobras arriscadas e perigosas, como "cavalinho de pau" e "racha". 5.
Habeas corpus não conhecido.10 (Sem destaques no original.) In casu, não ficou inequivocamente demonstrada a ausência de animus necandi a evidenciar a pretendida desclassificação, pois a defesa do recorrente, embora tenha sustentado que a instrução criminal apontou para a não intenção homicida, pois a vítima ficou internada apenas 04 (quatro) dias e que o acusado não atingiu região vital do ofendido (abdômen), caminhou em sentido antípoda ao exame indireto de lesão corporal de id. 17216540 – p. 03/04, ao atestar que “[…] a lesão do estômago justifica o perigo de vida devida à peritonite que seria decorrente do extravasamento do conteúdo gástrico na atividade abdominal [...]” elemento probatório suficiente, por si só, para rechaçar o pleito defensivo.
Ademais, destaco que o acusado golpeou a vítima por duas vezes, primeiramente no braço e depois no abdômen, onde ficam localizados vários órgãos vitais, sendo dedutível, até mesmo para os menos instruídos, que uma facada naquela área fatalmente colocará em grave risco a pessoa, elementos que geram uma dúvida razoável quanto a presença do dolo de matar, a ser dirimida em sede apropriada. À vista disso, não se mostra plausível o acolhimento do pleito desclassificatório, eis que não há nos autos prova inconteste da ausência de animus necandi por parte do recorrente, devendo tal questão ser submetida ao crivo do Conselho de Sentença. 5.
Do afastamento da qualificadora do motivo fútil Como é de sabença, só é lícito o afastamento das qualificadoras, em sede de juízo de admissibilidade da acusação, quando se revelarem manifestamente improcedentes, ou na hipótese de estarem totalmente dissociadas dos autos.
Caso contrário, havendo indícios de sua caracterização, amparados em elementos concretos, devem as mesmas ser preservadas, para que sejam submetidas a análise pelos juízes leigos.
Nessa linha de compreensão, o Superior Tribunal de Justiça11 já assentou, reiteradamente, que “a exclusão de qualificadoras constantes na pronúncia somente pode ocorrer quando manifestamente improcedentes, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri, juiz natural para julgar os crimes dolosos contra a vida".
A defesa argumenta, em seu arrazoado, que a qualificadora do motivo fútil é manifestamente improcedente, pois o recorrente foi provocado pela vítima, sendo que a resposta do acusado foi apenas no sentido de inibir o intento do ofendido.
Em que pesem tais alegações, entendo que caberá ao soberano Conselho de Sentença avaliar e valorar os aspectos fáticos da referida qualificadora.
Segundo restou apurado no sumário da culpa, devidamente exposto alhures, as testemunhas que presenciaram os fatos dão lastro à versão acusatória, ao apontar que a atitude do pronunciado decorreu da reclamação da vítima que quase foi atropelado por ele, havendo uma aparente desproporcionalidade e injustiça entre o motivo e a conduta.
Diante dessa conjuntura fática, exsurgem elementos concretos que dão respaldo à qualificadora do motivo fútil, consubstanciada na prática delitiva movida por uma reclamação da vítima que o próprio acusado deu causa, o que pode se caracterizar como motivação idônea para este desiderato, ou seja, para o reconhecimento da qualificadora em comento.
Por conseguinte, caberá ao Tribunal do Júri avaliar, soberanamente, a sua caracterização ou não.
A propósito, colaciono elucidativo julgado do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: RECURSO ESPECIAL.
PENAL E PROCESSUAL PENAL.
TRIBUNAL DO JÚRI.
PRONÚNCIA.
DUPLA TENTATIVA DE HOMICÍDIO.
ERRO NA EXECUÇÃO.
DOLO EVENTUAL.
INDÍCIOS MÍNIMOS.
SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA.
NECESSIDADE.
QUALIFICADORAS.
MOTIVO FÚTIL.
JUÍZO DE VALOR ACERCA DA MOTIVAÇÃO.
COMPETÊNCIA DOS JURADOS.
RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA.
QUESTÃO FÁTICA CONTROVERSA.
DECOTE DA QUALIFICADORA.
IMPOSSIBILIDADE.
INCOMPATIBILIDADE COM O DOLO EVENTUAL.
PERIGO COMUM.
EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1.
Esta Corte Superior de Justiça possui a compreensão de que é possível a configuração do dolo eventual na conduta de agente que realiza disparos de arma de fogo em via pública movimentada, pois é crível que ele possuía condições de prever e consentir com a possibilidade de atingir fatalmente pessoas diversas daquela contra quem despejava a sua fúria. 2.
Verificando-se que a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias pode configurar, em tese, hipótese de dolo eventual, não é possível subtrair a imputação de tentativa de homicídio doloso supostamente praticado pelo Recorrido contra a vítima Cassiane Rutiele de Farias do exame pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. 3.
Compete apenas ao Conselho de Sentença realizar juízo valorativo acerca da banalidade ou da gravidade da motivação dos crimes imputados, devendo a pronúncia limitar-se a aferir a existência de elementos mínimos nos autos aptos a sustentar objetivamente a tese acusatória, o que se verifica efetivamente presente no caso em apreço. 4.
A jurisprudência desta Corte Superior entende não ser incompatível a qualificadora do motivo fútil com o dolo eventual, pois o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta capaz de colocar em risco a vida da vítima. 5.
Havendo minimamente a possibilidade de a vítima haver sido surpreendida com a conduta do Acusado, é necessário submeter esta tese fática ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que é a instância competente para aferir se a circunstância narrada na denúncia dificultou ou não a defesa da vítima Pablo Portes da Silva. 6.
Conforme o entendimento que prevalece nesta Corte Superior, o elemento surpresa capaz de dificultar a defesa da vítima é próprio do dolo direto, não sendo compatível com o dolo eventual, pois neste o resultado morte não é diretamente desejado pelo agente. 7.
A Corte de origem ressaltou haver diversos elementos, nos autos, que sustentam a acusação de que os disparos foram efetuados em via pública com grande circulação de pessoas, razão pela qual deve ser mantida a incidência da qualificadora referente ao perigo comum. 8.
Recurso especial parcialmente provido para restabelecer a pronúncia do Recorrido como incurso no art. 121, § 2.º, incisos II, III e IV, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal (vítima Pablo Fortes da Silva) e como incurso no art. 121, § 2.º, incisos II e III, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal (vítima Cassiane Rutiele de Farias). (REsp n. 1.779.570/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 27/8/2019.) (Destaquei.) Portanto, caberá ao eg.
Tribunal do Júri Popular analisar, em definitivo, a caracterização ou não da qualificadora do motivo fútil, levando em consideração o contexto fático subjacente. 4.
Dispositivo Com as considerações supra, de acordo com o parecer ministerial, nego provimento ao presente recurso, para manter a decisão de pronúncia, em todos os seus termos.
Comunique-se o inteiro teor deste decisum aos familiares da vítima, em observância ao que prescreve o art. 201, § 2º, do Código de Processo Penal12. É como voto.
Sala das sessões virtuais da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, das 15h do dia 13 às 14h59min de 20 de abril de 2023.
DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida-RELATOR 1 Art. 413.
O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. 2 AgRg no HC 483.918/PI, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 01/04/2019. 3 Art. 5º.
Omissis.
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; 4 Curso de Direito Processual Penal. 12.
Ed.
JusPodivm, 2017. p. 1239. 5 NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de Processo Penal Comentado. 13. ed.
Forense, 2014, p. 777. 6 BONFIM, Edislson Mougenot.
Código de Processo Penal Anotado. 4. ed.
Saraiva, 2012, p. 1193. 7 ARE 1067392, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/03/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 01-07-2020 PUBLIC 02-07-2020 8BITENCOURT, Cezar Roberto.
Manual de Direito Penal. 6. ed.
Saraiva, 2000, v. 1, p. 261. 9Revogado art. 408 e atual art. 413 do Código de Processo Penal. 10 HC 536.339/RJ, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019. 11 AgRg no AREsp 1741363/PR, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 3/11/2020, DJe 16/11/2020. 12 O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.” -
24/04/2023 16:45
Enviado ao Diário da Justiça Eletrônico
-
24/04/2023 16:42
Conhecido o recurso de JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES (REQUERENTE) e não-provido
-
21/04/2023 17:18
Juntada de Certidão
-
21/04/2023 16:56
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
-
20/04/2023 14:53
Decorrido prazo de JESSICA CARDOSO DE OLIVEIRA em 18/04/2023 23:59.
-
20/04/2023 14:37
Juntada de parecer
-
03/04/2023 14:21
Conclusos para julgamento
-
03/04/2023 14:21
Expedição de Comunicação eletrônica.
-
27/03/2023 14:12
Recebidos os autos
-
27/03/2023 14:12
Remetidos os Autos (outros motivos) para secretaria
-
27/03/2023 14:12
Pedido de inclusão em pauta virtual
-
09/09/2022 12:28
Juntada de parecer
-
05/09/2022 09:43
Conclusos ao relator ou relator substituto
-
05/09/2022 09:43
Juntada de Certidão
-
03/09/2022 10:50
Decorrido prazo de ESTADO DO MARANHAO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA em 31/08/2022 23:59.
-
17/08/2022 04:12
Decorrido prazo de JEMINIS WILLY ROCHA CHAVES em 16/08/2022 23:59.
-
10/08/2022 01:30
Publicado Despacho (expediente) em 10/08/2022.
-
10/08/2022 01:29
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 09/08/2022
-
09/08/2022 08:36
Expedição de Comunicação eletrônica.
-
09/08/2022 00:00
Intimação
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Nº Único: 0827527-66.2022.8.10.0001 Recurso em Sentido Estrito – São Luís (MA) Recorrente : Jeminis Willy Rocha Chaves Advogada : Jéssica Cardoso de Oliveira (OAB MA 15916) Recorrido : Ministério Público Estadual Incidência Penal : Art. 121,§ 2º, II, c/c art. 14, II, do CP Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida Despacho - O Sr.
Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para emissão de parecer, no prazo de 10 (dez) dias, conforme art. 671, do RITJMA.
São Luís(MA), data do sistema.
DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida-RELATOR -
08/08/2022 13:12
Enviado ao Diário da Justiça Eletrônico
-
08/08/2022 12:51
Proferido despacho de mero expediente
-
23/05/2022 15:27
Recebidos os autos
-
23/05/2022 15:27
Conclusos para despacho
-
23/05/2022 15:27
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
23/05/2022
Ultima Atualização
24/04/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
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