TJDFT - 0731812-76.2025.8.07.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete do Exmo. Sr. Desembargador Teofilo Rodrigues Caetano Neto
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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16/09/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Órgão: 1ª Turma Cível Número do processo: 0731812-76.2025.8.07.0000 Classe judicial: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: BRB BANCO DE BRASILIA S.A.
AGRAVADA: RAQUEL DA SILVA OLIVEIRA ALVES Relator: Desembargador Teófilo Caetano Vistos etc.
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo BRB - Banco de Brasília S/A em face da decisão que, nos autos da ação de obrigação de fazer que fora aviada em seu desfavor pela agravada – Raquel da Silva Oliveira Alves –, deferira em parte o pedido de tutela provisória de urgência de natureza antecipatória por ela formulado, cominando à casa bancária a obrigação negativa de abster-se de realizar descontos em sua conta bancária à guisa de pagamento das parcelas originárias dos mútuos e contratos celebrados entre os litigantes.
De seu turno, objetiva o agravante, mediante a agregação de efeito suspensivo à irresignação, o sobrestamento da decisão vergastada e, alfim, a desconstituição do decisório, determinando-se a continuidade dos descontos que mensalmente empreende na conta bancária da consumidora.
Como sustentação material hábil a aparelhar a pretensão reformatória que veiculara, argumentara, em suma, que o débito automático em conta corrente decorre de cláusula contratual previamente pactuada entre as partes, tratando-se de modalidade de pagamento expressamente autorizada pela parte agravada e essencial à formalização do mútuo bancário firmado.
Pontuara que, nos contratos de empréstimo bancário, a cláusula que prevê o desconto automático das parcelas diretamente na conta corrente do contratante constitui expressão legítima da autonomia privada e da liberdade contratual, tratando-se de faculdade lícita, firmada de maneira consciente, que confere maior garantia de adimplemento ao credor e melhores condições contratuais ao devedor, como taxas de juros reduzidas.
Verberara que o procedimento para cancelamento de aludida autorização é regulado pela Resolução BACEN nº 4.790/2020, cujo artigo 9º condiciona referido cancelamento ao não reconhecimento, por parte do correntista, da autorização previamente concedida, aduzindo que, no caso em apreço, a agravada não alegara desconhecer ou impugnar a autorização contratual, sendo, portanto, inaplicável a hipótese de cancelamento unilateral da forma de pagamento.
Destacara a necessidade de observância do disposto nos artigos 421 e 421-A do Código Civil, que consagram os princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória dos contratos - pacta sunt servanda -, da função social e da excepcionalidade da intervenção judicial nas relações privadas, daí defluindo que, inexistindo qualquer vício de consentimento ou cláusula abusiva, afigurar-se-ia indevida a interferência judicial que modifique obrigações livremente assumidas.
Asseverara que, sob essa realidade, a decisão agravada, ao suspender os descontos contratuais, findara por vulnerar o equilíbrio contratual, frustrando legítimas expectativas do credor e conferindo à agravada indevido benefício, em manifesta contrariedade à boa-fé objetiva e ao princípio do venire contra factum proprium, amplamente repelido pela jurisprudência.
Pontificara que, de conformidade com recente precedente desse sodalício – Acórdão nº 1719193, da relatoria da Desembargadora Gislene Pinheiro –, “apenas as dívidas constituídas após a revogação serão por ela alcançadas, não se abrindo ao consumidor, sob pena de evidente violação à boa-fé objetiva, a prerrogativa de unilateralmente revogar a permissão para descontos em sua conta quando já celebrada a operação de crédito e ainda existente valores não adimplidos”.
Concluíra pontuando que a modalidade de pagamento pactuada resulta em benefícios para o devedor, com melhores condições de pagamento e taxas de juros mais favoráveis, ante a maior garantia de pagamento, o que contribui para o controle da dívida, fato de conhecimento da Agravada.
Diante dessas circunstâncias, assinalara que, patenteada a plausibilidade do direito que vindica, a decisão devolvida a reexame afigura-se desprovida de sustentação, devendo, portanto, ser reformada, o que legitima, inclusive, a agregação de efeito suspensivo ao recurso que interpusera, suspendendo-se a decisão agravada, porquanto revestira-se de verossimilhança a argumentação que alinhara.
O instrumento afigura-se correta e adequadamente instruído. É o relatório.
Decido.
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo BRB - Banco de Brasília S/A em face da decisão que, nos autos da ação de obrigação de fazer que fora aviada em seu desfavor pela agravada – Raquel da Silva Oliveira Alves –, deferira em parte o pedido de tutela provisória de urgência de natureza antecipatória por ela formulado, cominando à casa bancária a obrigação negativa de abster-se de realizar descontos em sua conta bancária à guisa de pagamento das parcelas originárias dos mútuos celebrados entre os litigantes.
De seu turno, objetiva o agravante, mediante a agregação de efeito suspensivo à irresignação, o sobrestamento da decisão vergastada e, alfim, a desconstituição do decisório, determinando-se a continuidade dos descontos que mensalmente empreende na conta bancária da consumidora.
De acordo com o reportado, o objeto deste agravo cinge-se à aferição da viabilidade de ser cominada ao agravante, em sede de tutela provisória de urgência de natureza antecipatória, a obrigação de interromper os descontos que mensalmente realiza na conta corrente da agravada, decorrentes das prestações originárias dos contratos de mútuo que firmaram, sob o fundamento de que o artigo 6º da Resolução nº 4.790/2020 do Banco Central assegura à titular da conta bancária o direito de cancelar a autorização de débitos automáticos em conta corrente, a despeito do contratado.
Assim pontuada a matéria devolvida a reexame, passo a examinar o pedido liminar.
Convém registrar, de início, que sobeja que, consoante restara incontroverso nos autos, a agravada firmara contratos de mútuo com o agravante, restando ajustado que as parcelas devidas em pagamento aos empréstimos seriam descontadas diretamente na conta corrente de sua titularidade[1].
Como é cediço, o contrato de mútuo fomentado sob a modalidade de débito automático em conta, via do qual as prestações são implantadas diretamente na conta corrente da mutuária, traduz prática amplamente utilizada, porquanto simplifica a forma de cumprimento das obrigações contratuais, e, diante da aparente redução do risco de inadimplemento, os juros remuneratórios normalmente são fixados em patamar inferior ao praticado nos mútuos sem aludida previsão.
A título meramente ilustrativo, deve ser assinalado que, tratando-se de empréstimo sem as salvaguardas decorrentes do crédito consignado, as prestações não estão sujeitas à limitação e, contando o contratado com cláusula que autoriza o decote das prestações em ativos recolhidos em conta do mutuário ou do garantidor, a casa bancária está legitimada a valer dessa autorização sem limitação.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, resolvendo o REsp nº 1.877.113 – SP, sob a fórmula dos recursos repetitivos, fixara tese no sentido de que a limitação equivalente à margem consignável não se aplica aos contratos cujas prestações são implantadas em conta corrente, ainda que se trate de conta salário. É o que retrata a ementa abaixo reproduzida: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DE EMPRÉSTIMO COMUM EM CONTA-CORRENTE, EM APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 10.820/2003 QUE DISCIPLINA OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE.
RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM FIXAÇÃO DE TESE REPETITIVA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1.
A controvérsia inserta no presente recurso especial repetitivo está em definir se, no bojo de contrato de mútuo bancário comum, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta-corrente, é aplicável ou não, por analogia, a limitação de 35% (trinta e cinco por cento) prevista na Lei n. 10.820/2003, que disciplina o contrato de crédito consignado em folha de pagamento (chamado empréstimo consignado). ... 8.
Tese Repetitiva: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento. 9.
Recurso especial provido.” (REsp 1877113/SP, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2022, DJe 15/03/2022) – grifos e destaques nossos.
Conforme se infere da tese emanada do precedente qualificado acima reproduzido, fixara a Corte Superior que a cláusula contratual que estabelece o desconto em conta corrente, como forma de pagamento de empréstimo comum, afigura-se lícita, não sobejando possível que seja sujeitada à limitação legal de 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos do mutuário e/ou do fiador/avalista.
Com efeito, traçara o provimento individualizado evidente distinção entre o empréstimo consignado, cuja limitação legal estabelecera o legislador justamente com o escopo de assegurar a subsistência digna do tomador do mútuo, diante da sistemática de sua operacionalização, e o que denominara “empréstimo comum”, a saber, aquele tomado pelo mutuário mediante expressa autorização de desconto em sua conta corrente.
Destarte, o paradigmático julgado assentara que, na hipótese de empréstimo a incidir diretamente em conta corrente, há plena autonomia da contratante e/ou seu fiador, inclusive para revogar o assentimento antanho concedido à instituição.
Sob essa realidade, notadamente sob o prisma da autonomia da vontade e do descabimento de intersecção judicial, a importar evidente dirigismo contratual, à guisa de, substituindo o legislador, preservar-se a subsistência digna do mutuário, restara fixada a tese representada pelo Tema 1.085/STJ.
Confira-se, por pertinente, elucidativo excerto extraído do voto condutor do acórdão em apreço, verbis: “Veja-se que, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário.
Nesses empréstimos, o desconto automático que incide sobre numerário existente em conta-corrente, devida e previamente autorizado pelo mutuário, como corolário da autonomia de vontade dos contratantes, decorre da própria obrigação assumida pela instituição financeira no bojo do contrato de conta-corrente de administração de caixa, procedendo, sob as ordens do correntista, aos pagamentos de débitos por ele determinados, desde que verificada a provisão de fundos a esse propósito.
Observe-se que, por meio do contrato de conta-corrente, a instituição financeira ‘mantém para o cliente um serviço de caixa, comprometendo-se à prática dos atos e negócios jurídicos solicitados [pelo correntista] em troca da manutenção de provisão de fundos” (Fazzio Júnior, Waldo.
Manual de Direito Comercial. 21 Edição.
São Paulo: Atlas, 2020. p. 459) – grifos nossos. (...)”[2] Firmara o provimento, ademais, que a impossibilidade de intersecção na forma do gerenciamento do correntista quanto às movimentações que empreende em sua conta bancária, a par de emprestar vigência ao primado da autonomia da vontade, decorre da própria gênese obrigacional assumida pela instituição bancária nos contratos de tal natureza, pois sua atuação cinge-se à consecução das determinações exaradas pelo correntista, que, reprise-se, possui a faculdade legal de, desejando, revogar as autorizações de débito automático outrora concedidas, consoante o figurino legal.
Assinala-se que, conquanto a ementa do provimento acima transcrito remeta à Lei nº 10.820/2003, que, de sua vez, dispõe sobre a autorização para descontos de prestações em folha de pagamento dos empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, fica patente que a resolução alcança os servidores públicos, conforme se infere do item 2 da própria ementa do REsp nº 1.877.113 – SP, acima reproduzida.
Alinhada essa ressalva, deve ser destacado que os mútuos fomentados pelo agravante contemplaram autorização para efetivação de desconto em conta corrente, o que se dessume dos extratos bancários que a agravada coligira aos autos[3].
A despeito da autorização contratada, inexiste óbice para que a mutuária revogue a autorização que concedera ao agravante para promover os descontos das prestações em sua conta corrente, porquanto assim lhe é assegurado pela normatização originária da autoridade monetária.
Em consonância com a Resolução nº 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional, restara autorizado aos correntistas, a qualquer momento, cancelar a autorização de débitos em conta corrente, como se extrai do abaixo reproduzido, in verbis: “Art. 1º Esta Resolução estabelece procedimentos para autorização e cancelamento de autorização de débitos em conta de depósitos e em conta de registro de que trata a Resolução nº 3.402, de 6 de setembro de 2006 (conta-salário). (...) Art. 3º A realização de débitos nas contas mencionadas no art. 1º depende de prévia autorização do seu titular. (...) DO CANCELAMENTO DA AUTORIZAÇÃO DE DÉBITOS Art. 6º É assegurado ao titular da conta o direito de cancelar a autorização de débitos.
Parágrafo único.
O cancelamento da autorização de débitos em conta pode ser formalizado na instituição depositária ou por meio da instituição destinatária. (...)” Conforme se infere dos preceitos trasladados, restara assegurado à correntista revogar, a qualquer momento, a autorização para o débito em conta anteriormente por ele concedida.
Destarte, afigura-se possível à correntista/mutuária promover o cancelamento da autorização para desconto de prestações em conta provenientes de transações cujo débito automático outrora autorizara, não havendo que se falar na hipótese em dirigismo contratual contra legem ou violação do pacta sunt servanda. É que, diante da regulamentação originária do Conselho Monetário Nacional, conquanto deva-se observar o princípio da autonomia privada de cada um dos contratantes, pode ser cancelada, a qualquer tempo, a autorização conferida às instituições financeiras de realizarem de débitos em contas de pagamento.
A cláusula convencionada nesse sentido, portanto, guardando observância à regulação editada, traz ínsita essa previsão, ou seja, de que a autorização perdurará enquanto permitida pela correntista.
Em suma, a revogação da autorização de débito automático encerra direito potestativo assegurado à correntista/mutuária, não sofrendo modulação ou mitigação em razão do convencionado. À correntista, nessa situação, é sempre assegurada a faculdade de revogar a autorização concedida, ainda que via contratual, pois assim lhe é assegurado pela normatização editada pelo órgão competente, ao qual o contrato bancário deve guardar deferência.
E assim, aferido, na espécie, que a agravada revogara a autorização para descontos referentes aos mútuos individualizados em sua conta bancária no dia 2 de junho de 2025[4], tendo a instituição bancária manifestado dissentimento quanto ao pleito formulado pela correntista, perdurando os descontos, imperativa a interseção judicial[5].
Com efeito, há que ser consignado que a Resolução n. 4.790/2020 do BACEN não fixara qualquer requisito para a revogação da autorização dos descontos em conta corrente, não sobejando cabível a exegese segundo a qual apenas os mutuários que firmaram contratos posteriores à vigência da norma individualizada podem ser por ela beneficiados.
Demais disso, o direito resguardado à correntista já estava inserto nas regulamentações antecedentes, consoante se afere do cotejo da evolução da normatização correlata, a saber, as Resoluções nº 4.771/2019 (art. 6º) e nº 3.695/2009 (art. 3º), todas editadas pelo Conselho Monetário Nacional.
Outrossim, a invocação da ressalva inserta no parágrafo único do artigo 9º do normativo individualizado - Resolução BACEN n. 4.790/20 - tem merecido exegese dissonante da destinação do regramento, implicando desconsideração, ou seja, negativa de vigência ao disposto no caput do sobredito preceptivo e no artigo 6º do mesmo ato regulador.
Conforme aludido preceptivo, a condição para revogação da autorização de débito automático somente é aplicável quando, em se tratando de operações de crédito, dirigida à instituição depositária, ou seja, ao banco que intermedia o recebimento, não se aplicando quando endereçada ao próprio banco destinatário do pagamento.
Veja-se a literalidade de aludido preceptivo: “Art. 9º O cancelamento da autorização de débitos referente a operações de que trata o art. 4º deve ser solicitado pelo titular por meio da instituição destinatária, observado o disposto no caput do art. 6º.
Parágrafo único.
O cancelamento de que trata o caput pode ser realizado na instituição depositária, caso o cliente declare que não reconhece a autorização.” -destaquei e grifei.
Ou seja, a condição à qual se reporta o parágrafo único transcrito acima somente é aplicável quando o cancelamento é endereçado à instituição depositária, que não se confunde com a instituição destinatária do pagamento.
O próprio normativo, para diferenciar as situações, conceitua o que é instituição destinatária e instituição depositária, conforme dispõe o artigo 2º, caput e incisos, da resolução em tela, cujo conteúdo é o seguinte: “Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se: I - instituição depositária: instituição financeira detentora da conta a ser debitada; e II - instituição destinatária: instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil destinatária dos recursos referentes ao débito em conta ou detentora da conta a ser creditada.” Emerge latente da exegese sistemática dos dispositivos cotejados a seguinte constatação: ao titular da conta e detentor da condição de mutuário é resguardado o direito subjetivo de cancelar a autorização de débitos automáticos a qualquer tempo e independentemente de justificativa, quando endereçada a postulação ao banco destinatário dos recursos objeto dos abatimentos (arts. 2º, 4º, 6º e 9º, caput); somente quando a solicitação é endereçada à instituição depositária, ou seja, quando não é a destinatária dos recursos objeto dos abatimentos, é que o cancelamento deverá ser motivado na declaração de que o correntista/mutuário não reconhece a autorização (parágrafo único do artigo 9º).
Eis a exegese sistemática dos dispositivos em compasso, inclusive com a diferenciação técnica entre instituições depositária e destinatária.
Considerando que, no caso, o agravante detém a condição de instituição destinatária dos pagamentos ultimados via débitos automáticos, atuando, ademais, como instituição depositária, pois a conta na qual são realizados os débitos é mantida sob sua gestão, o cancelamento manifestado pela agravada não se condiciona à manifestação de que não reconhece a autorização inserta no contrato.
Ao contrário, o cancelamento, manifestado diretamente ao banco destinatário, encerra verdadeiro direito potestativo, não estando submetido a nenhuma condição.
Essa apreensão, inclusive, encontra eco na tese firmada pela Corte Superior e no precedente dela originário adiante ementado: “DESCONTO DE MÚTUO FENERATÍCIO EM CONTA-CORRENTE.
AGRAVO INTERNO.
JULGAMENTO AFETADO PARA PACIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO STJ.
DESCONTO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL EM FOLHA E DESCONTO EM CONTA-CORRENTE.
HIPÓTESES DIVERSAS, QUE NÃO SE CONFUNDEM.
APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
IMPOSSIBILIDADE.
CONTRATO DE CONTA-CORRENTE.
CARACTERÍSTICA.
INDIVISIBILIDADE DOS LANÇAMENTOS.
DÉBITO AUTORIZADO.
REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, COM TODOS OS CONSECTÁRIOS DO INADIMPLEMENTO.
FACULDADE DO CORRENTISTA, MEDIANTE SIMPLES REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1.
Em se tratando de mero desconto em conta-corrente - e não compulsório, em folha, que possui lei própria -, descabe aplicação da analogia para aplicação de solução legal que versa acerca dos descontos consignados em folha de pagamento. 2.
No contrato de conta-corrente, a instituição financeira se obriga a prestar serviços de crédito ao cliente, por prazo indeterminado ou a termo, seja recebendo quantias por ele depositadas ou por terceiros, efetuando cobranças em seu nome, seja promovendo pagamentos diversos de seu interesse, condicionados ao saldo existente na conta ou ao limite de crédito concedido.
Cuida-se de operação passiva, mediante a qual a instituição financeira, na qualidade de responsável/administradora, tem o dever de promover lançamentos. 3.
Por questão de praticidade, segurança e pelo desuso do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o cliente centraliza, na conta-corrente, todas suas rendas e despesas pessoais, como, v.g., salário, eventual trabalho como autônomo, rendas de aluguel, luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, seguro, eventuais prestações de mútuo feneratício, tarifa de manutenção de conta, cheques, boletos variados e diversas despesas com a instituição financeira ou mesmo com terceiros, com débito automático em conta. 4.
Como incumbe às instituições financeiras, por dever contratual, prestar serviço de caixa, realizando operações de ingresso e egressos próprias da conta-corrente que administram automaticamente, não cabe, sob pena de transmudação do contrato para modalidade diversa de depósito, buscar, aprioristicamente, saber a origem de lançamentos efetuados por terceiros para analisar a conveniência de efetuar operação a que estão obrigadas contratualmente, referente a lançamentos de débitos variados, autorizados e/ou determinados pelo correntista. 5.
Consoante o art. 3º, § 2º, da Resolução do CMN n. 3.695/2009, com a redação conferida pela Resolução CMN n. 4.480/2016, é vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósito e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente.
O cancelamento da autorização referida no caput deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira do pedido pertinente. 6.
Com efeito, na linha da regulamentação conferida à matéria pelo CMN, caso não tenha havido revogação da autorização previamente concedida pelo correntista para o desconto das prestações do mútuo feneratício, deve ser observado o princípio da autonomia privada, com cada um dos contratantes avaliando, por si, suas possibilidades e necessidades, vedado ao Banco reter - sponte propria, sem a prévia ou atual anuência do cliente - os valores, substituindo-se ao próprio Judiciário. 7.
Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1500846/DF, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 01/03/2019) Idêntico é o entendimento perfilhado por esta Casa de Justiça, consoante se depreende dos precedentes ora ementados: “APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
MÚTUO FENERATÍCIO.
DESCONTO DA PRESTAÇÃO EM CONTA CORRENTE.
LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO CONSUMIDOR.
JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO.
LIBERDADE DE CONTRATAR.
DESCONTOS AUTORIZADOS.
EXIGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO BANCO EM SENTIDO CONTRÁRIO.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.
No novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, prestigiou-se a liberdade de contratar e a autonomia de vontade das partes, em especial o regramento emanado do Conselho Monetário Nacional, no que diz respeito à autorização dada aos bancos pelos clientes, para acesso e pagamento de dívidas vinculados ao saldo nas contas-correntes. 2.
De acordo com o art. 3º, § 2º, da Resolução do CMN n. 3.695/2009, com a redação conferida pela Resolução CMN n. 4.480/2016, é vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósito e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente. 3.
Logo, o cancelamento dessa autorização deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira da respectiva comunicação (AgInt no REsp 1500846/DF, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 01/03/2019). 4.
O que se verificou foi uma guinada na jurisprudência da Corte Superior, que passou a reconhecer a legalidade dos descontos das prestações dos contratos de mútuo diretamente na conta corrente do mutuário, desde que autorizado, independentemente desse débito resultar na supressão integral da renda do trabalhador, não sendo bastante igualmente sua insurgência pela via judicial e para alcançar os efeitos da resolução do CMN. 5.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (Acórdão 1276748, 07113115720198070018, Relator: LUÍS GUSTAVO B.
DE OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 20/8/2020, publicado no DJE: 2/9/2020.
Pág.: Sem Página Cadastrada.) “APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR.
EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS.
AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO MENSAL EM CONTA CORRENTE.
REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO.
POSSIBILIDADE.
ART. 3º, §2º, DA RESOLUÇÃO Nº 3.695/2009 DO CMN.
CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE.
AFASTADA.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
PRECEDENTES.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1.
Em homenagem ao princípio do pacta sunt servanda, é lícito o desconto efetuado pelo banco/apelante na conta corrente da apelada enquanto durar a autorização. 2.
Não há ilegalidade nos descontos realizados em conta corrente decorrentes de contrato de empréstimo, desde que devidamente autorizados pelo tomador e enquanto durar a autorização.
Nesse sentido, é o disposto no art. 3º, §2º, da Resolução nº 3.695/2009 do CMN, o qual prevê que a autorização para débito em conta corrente pode ser cancelada a qualquer momento pelo correntista.
Precedentes. 3.
Não se está a rediscutir as cláusulas contratuais e os encargos assumidos pelas partes, tanto é que, caso a autora não efetue o adimplemento dos seus débitos, a instituição financeira poderá cobrá-los pelos meios legais existentes. 4.
Correta a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para afastar os descontos em conta corrente da autora ante a revogação da autorização tal, conforme disposto no art. 3º, §2º, da resolução nº 3.695/2009 do CMN 5.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Sentença mantida.” (Acórdão 1226296, 07048203420198070018, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 29/1/2020, publicado no DJE: 6/2/2020.
Pág.: Sem Página Cadastrada.) “DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
IMPUGNAÇÕES.
GRATUIDADE DE JUSTIÇA.
REJEIÇÃO.
VALOR DA CAUSA.
PEDIDO.
CONTRARRAZÕES.
NÃO CONHECIMENTO.
JUÍZO FAZENDÁRIO.
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PESSOA.
LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO.
BANCO PRIVADO.
INVIABILIDADE.
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO.
DÉBITO.
CONTA CORRENTE.
LIMITAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
A parte contrária poderá requerer a revogação do benefício relativo à gratuidade de justiça, desde que comprove o desaparecimento dos requisitos que geraram sua concessão.
O manejo de contrarrazões não constitui instrumento adequado a questionar os termos da sentença que, expressamente, decide o incidente de impugnação ao valor da causa.
A competência para processar e julgar ações de que é parte o CARTÃO BRB é das Varas Cíveis, segundo jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça, devendo ser declarada a ilegitimidade daquela Instituição Privada, pois o rol de competência da Vara da Fazenda Pública, imposto pelo artigo 26, da Lei nº 11.697/08, é taxativo, não sendo possível excepcionar a regra de competência absoluta, fixada em lei, em decorrência de litisconsórcio passivo facultativo. É lícito o desconto em conta corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem.
Precedentes. É direito potestativo do correntista revogar, a qualquer tempo, a autorização de débito em sua conta corrente, nos termos do artigo 3º, § 2º, da Resolução CMN nº. 3.695/2009.
A autonomia privada fundamenta a relação contratual, ainda que limitada pela função social, não podendo o contratante comportar-se de maneira contraditória, livremente contraindo mútuo no seu interesse e, posteriormente, socorrendo-se do Poder Judiciário para obter a limitação dos débitos em sua conta bancária, ainda que seja utilizada para o recebimento de salário.
O contrato de conta corrente é contabilidade em que se registram lançamentos de créditos e débitos referentes às operações bancárias, conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos, pelo próprio correntista ou por terceiros, de modo que é incompatível com a relação contratual/contábil vedar os descontos ou mesmo limitar, visto que na conta-corrente também são lançados descontos de terceiros, inclusive instituição financeira, que ficam à margem do que fora decidido sem isonomia, atingindo apenas um credor (REsp 1.586.910/SP).” (Acórdão 1180190, 07081013220188070018, Relator: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 19/6/2019, publicado no DJE: 28/6/2019.
Pág.: Sem Página Cadastrada.) A argumentação aduzida pelo agravante, portanto, não está revestida de suporte material passível de revestir de verossimilhança o que deduzira e de plausibilidade a pretensão que nesta instância revisora formulara, obstando, conseguintemente, que seja revogada a tutela provisória de urgência deferida nos autos originários em seu desfavor.
Sob essa realidade, ao menos nesse ambiente de análise perfunctória, é que deve ser mantida a ilustrada decisão devolvida a reexame, que cominara ao agravante a obrigação negativa de, desde a intimação, abster-se de promover quaisquer descontos originários dos contratos de empréstimo firmados pela agravada com previsão de desconto automático em conta bancária.
Alinhadas essas considerações, indefiro o efeito suspensivo postulado, recebendo e processando o agravo de instrumento apenas no efeito devolutivo.
Comunique-se à ilustrada prolatora da decisão arrostada.
Acudida essa providência, à agravada para, querendo, contrariar o recurso no prazo legalmente assinalado para esse desiderato.
Intimem-se.
Brasília-DF, 11 de setembro de 2025.
Desembargador TEÓFILO CAETANO Relator [1] ID Num. 240742892, ID Num. 240742894, ID Num. 240746045, ID Num. 240746046, ID Num. 240746047, ID Num. 240746048, ID Num. 240746049, ID Num. 240746052, ID Num. 240746053, ID Num. 240746054, ID Num. 240746055, ID Num. 240746056 e ID Num. 240746065 (fls. 38/60 e 66), Ação Cominatória nº 0703210-42.2025.8.07.0011. [2] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=141009050&num_registro=202000406103&data=20220315&tipo=51&formato=PDF.
Acesso em: 21 de mai. 2025. [3] Extratos bancários IDs 230312494; 230314596; 230314598; 230314600 e 230314601 (fls. 31/38) – autos originários. [4] - ID Num. 240746065 (fl. 66), Ação Cominatória nº 0703210-42.2025.8.07.0011. [5] - ID Num. 240746066 (fl. 68), Ação Cominatória nº 0703210-42.2025.8.07.0011. -
15/09/2025 07:23
Recebidos os autos
-
15/09/2025 07:23
Recebido o recurso Sem efeito suspensivo
-
12/09/2025 02:16
Decorrido prazo de BRB BANCO DE BRASILIA S.A. em 11/09/2025 23:59.
-
04/09/2025 02:16
Publicado Despacho em 04/09/2025.
-
04/09/2025 02:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 03/09/2025
-
03/09/2025 14:25
Conclusos para Relator(a) - Magistrado(a) TEOFILO RODRIGUES CAETANO NETO
-
03/09/2025 14:05
Juntada de Petição de petição
-
31/08/2025 18:41
Recebidos os autos
-
31/08/2025 18:41
Proferido despacho de mero expediente
-
06/08/2025 14:44
Juntada de Certidão
-
04/08/2025 12:30
Conclusos para Relator(a) - Magistrado(a) TEOFILO RODRIGUES CAETANO NETO
-
04/08/2025 12:23
Recebidos os autos
-
04/08/2025 12:23
Remetidos os Autos (outros motivos) da Distribuição ao 1ª Turma Cível
-
04/08/2025 11:31
Remetidos os Autos (outros motivos) para Distribuição
-
04/08/2025 11:31
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
04/08/2025
Ultima Atualização
16/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Documento de Comprovação • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Agravo • Arquivo
Outros Documentos • Arquivo
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