TJDFT - 0704284-25.2025.8.07.0014
1ª instância - Vara Civel do Guara
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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15/09/2025 18:44
Juntada de Petição de apelação
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27/08/2025 03:06
Publicado Sentença em 27/08/2025.
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27/08/2025 03:06
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/08/2025
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26/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 1VARCIVGUA Vara Cível do Guará Número do processo: 0704284-25.2025.8.07.0014 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: EDUARDO DONIZETE PATRICIO REU: BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA SENTENÇA I.
RELATÓRIO Trata-se de Ação de Revisão de Contrato para Restabelecimento de Equilíbrio Contratual – Aplicação de Taxa Média do BACEN e Reparação Civil, proposta por EDUARDO DONIZETE PATRICIO, devidamente qualificado nos autos, em face de BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A., também qualificado.
O processo foi distribuído em 06 de maio de 2025 à Vara Cível do Guará, tramitando sob o rito do Procedimento Comum Cível, com valor de causa atribuído em R$ 30.342,52 (trinta mil, trezentos e quarenta e dois reais e cinquenta e dois centavos).
A parte autora, pensionista, teve deferido o benefício da justiça gratuita e o processo possui nível de sigilo público.
Na peça inaugural, o autor alegou ser correntista do banco requerido e ter celebrado um Contrato de Empréstimo Pessoal de número *42.***.*97-15 (o mesmo CPF do autor) em 13 de março de 2025.
As condições do contrato incluíam uma taxa de juros remuneratórios contratada de 20,83% ao mês, distribuída em 12 parcelas de R$ 445,21, totalizando um valor financiado de R$ 1.749,39 e um montante total a pagar de R$ 5.342,52.
O demandante sustenta que a taxa de juros aplicada se revela abusiva e excessiva, contrastando significativamente com a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações semelhantes, que seria de 5,93% ao mês na época da contratação.
Argumentou que a prática de juros tão elevados configura onerosidade excessiva, desequilíbrio contratual, e viola os princípios da razoabilidade, boa-fé e as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Ademais, o autor apontou que, embora o contrato fosse formalmente de empréstimo pessoal, as características de fato, como o desconto direto das parcelas de sua conta corrente onde recebe o benefício previdenciário, conferem ao réu garantias similares às de um empréstimo consignado, sem, contudo, observar a legislação pertinente, gerando desequilíbrio na relação.
O demandante pleiteou a tramitação prioritária em razão de sua condição de idoso.
Preliminarmente, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita, que foi deferida por este Juízo.
Pugnou pela validade de sua assinatura digital na procuração e declaração de pobreza, conforme a Medida Provisória 2.200-2/2001 e o Código de Processo Civil.
Manifestou interesse na adesão ao “Juízo 100% Digital” e declarou desinteresse na realização de audiência de conciliação.
Por fim, requereu a inversão do ônus da prova, invocando a natureza consumerista da relação e sua hipossuficiência frente à instituição financeira.
No mérito, solicitou a procedência da demanda para reconhecer a abusividade da taxa de juros, adequando-a à taxa média de mercado do Banco Central do Brasil, a restituição simples dos valores cobrados a maior, estimados em R$ 2.848,18 (dois mil, oitocentos e quarenta e oito reais e dezoito centavos), bem como a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), além das custas processuais e honorários advocatícios.
Este Juízo, em decisão proferida em 07 de maio de 2025, deferiu a justiça gratuita e recebeu a petição inicial.
No mesmo ato, e com base em estatísticas que indicavam baixa taxa de conciliação no CEJUSCGUA e em observância ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CR/1988 e art. 4º do CPC/2015), decidiu por não designar, de início, a audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, ressalvando a possibilidade de designação ulterior.
Ato contínuo, foi determinada a citação do Banco Mercantil do Brasil S.A. para apresentar resposta.
O Banco Mercantil do Brasil S.A. apresentou contestação em 06 de junho de 2025.
Em resumo, o réu defendeu a improcedência integral da demanda.
Preliminarmente, arguiu a impossibilidade de revisão de cláusulas contratuais bancárias "de ofício", citando a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No mérito, o banco argumentou que a contratação foi realizada por livre e espontânea vontade do autor, com plena ciência das condições pactuadas, sem qualquer vício de consentimento.
Sustentou que o empréstimo pessoal não consignado é uma modalidade de alto risco financeiro, dada a ausência de garantias e eventual falta de liquidez do devedor, o que justifica taxas de juros mais elevadas.
O demandado invocou a Súmula 382 do STJ, segundo a qual a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não configura abusividade, e a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal (STF), que afasta a limitação da Lei de Usura para instituições financeiras.
Defendeu o princípio da conservação dos negócios jurídicos e a transparência das cláusulas contratuais.
Afirmou que a taxa média do Banco Central do Brasil serve apenas como um referencial e não como um limite obrigatório para as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, que podem ser livremente pactuadas, e que o próprio Banco Central reconhece que a taxa média não é um balizador de abusividade.
Argumentou que a onerosidade excessiva não se configurou, pois não houve evento imprevisível ou extraordinário que alterasse substancialmente o cenário financeiro da parte autora.
Asseverou a inexistência de má-fé em sua conduta e, portanto, a inviabilidade de repetição de indébito sem prova de erro ou coação.
Negou a ocorrência de danos morais, alegando que o mero dissabor decorrente da cobrança de juros, mesmo que contestados, não configura abalo à personalidade passível de indenização.
Por fim, impugnou a inversão do ônus da prova, afirmando que a hipossuficiência do autor não seria técnica, mas econômica, e que a verossimilhança das alegações não restou comprovada.
Subsidiariamente, o réu requereu que, caso haja condenação, os juros remuneratórios sejam limitados a 1,5 (uma vez e meia) ou ao dobro da taxa média do BACEN, citando o Recurso Especial 1.061.530/RS do STJ.
O autor apresentou réplica à contestação em 04 de julho de 2025.
Na manifestação, reiterou os termos da inicial, rebatendo as alegações do réu.
O autor contestou a preliminar invocada pelo réu, esclarecendo que sua demanda não busca a análise de ofício de abusividade, mas sim uma revisão judicial provocada e com pedido específico.
Reafirmou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a abusividade das taxas de juros, reiterando a discrepância entre a taxa contratada e a média do BACEN.
Argumentou que a condição de pensionista e idoso do autor o torna hipervulnerável, merecendo proteção especial.
Manteve o pedido de danos morais, entendendo que a conduta do réu, ao impor cláusulas abusivas, viola a dignidade da pessoa humana e a boa-fé objetiva, configurando dano moral in re ipsa.
Por fim, ratificou a necessidade da inversão do ônus da prova e seu desinteresse na conciliação e na produção de mais provas.
Após a réplica, em 18 de julho de 2025, foi proferida certidão intimando as partes a especificarem as provas que pretendiam produzir.
Em resposta, em 12 de agosto de 2025, a parte autora, por seus advogados, requereu o julgamento antecipado da lide, reiterando os pedidos da inicial.
Na mesma data, o réu também informou que não possuía mais provas a produzir, pugnando pelo julgamento do feito no estado em que se encontrava.
Vieram os autos conclusos para sentença.
II.
FUNDAMENTAÇÃO A.
Das Preliminares e Prejudiciais Antes de adentrar ao exame do mérito da controvérsia, impõe-se a análise das questões preliminares e prejudiciais levantadas pelas partes ou passíveis de exame de ofício. 1.
Da Justiça Gratuita O benefício da justiça gratuita foi deferido à parte autora em decisão inicial, com base nos documentos e declaração de pobreza apresentados, não havendo qualquer modificação fática ou probatória que justifique a revisão de tal medida.
A parte ré, em sua contestação, não impugnou especificamente a concessão do benefício, limitando-se a um pedido genérico de condenação em sucumbência, observando-se o art. 98 do CPC, o que implica reconhecimento tácito da validade da concessão. 2.
Da Dispensa da Audiência de Conciliação A parte autora, na petição inicial, manifestou expressamente seu desinteresse na realização de audiência de conciliação, conforme faculdade prevista no artigo 319, inciso VII do Código de Processo Civil.
Tal manifestação foi reiterada na réplica.
A decisão inicial proferida por este Juízo, aliás, já havia considerado as estatísticas do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania do Guará (CEJUSCGUA), que apontavam um percentual de homologação inferior a 10%, e, em observância ao princípio da razoável duração do processo, não designou a audiência inaugural.
A ausência de prejuízo ou de pedido subsequente de conciliação por qualquer das partes, somada à concordância expressa em requerer o julgamento antecipado da lide, valida a dispensa, não havendo óbice ao prosseguimento. 3.
Da Validade da Assinatura Digital A parte autora trouxe aos autos procuração e declaração de pobreza assinadas digitalmente, utilizando a certificadora ZapSign com protocolo A1 ICP-Brasil, o que garante a autenticidade e integridade dos documentos, com validação de dados como telefone e geolocalização.
A validade jurídica de documentos eletrônicos e assinaturas digitais é amplamente reconhecida pelo ordenamento jurídico, em especial pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001 e pelo Código de Processo Civil, que em seu artigo 105, § 1º, expressamente prevê a possibilidade de procuração assinada digitalmente.
Não houve impugnação específica ou fundamentada por parte do réu quanto à autenticidade da assinatura digital do autor, de modo que os documentos eletrônicos apresentados são considerados válidos e eficazes para os fins legais. 4.
Do Juízo 100% Digital A parte autora expressou interesse na adoção do “Juízo 100% Digital”, nos termos da Resolução n. 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça.
Embora este juízo tenha acolhido o pedido tácito ao tramitar o processo eletronicamente, a natureza específica do juízo 100% digital, que prevê atos processuais exclusivamente por meio eletrônico e remoto, inclusive audiências, é uma faculdade da parte, e não uma preliminar impeditiva do julgamento.
Consideradas as manifestações das partes em requerer o julgamento antecipado da lide, a questão da modalidade de condução do processo resta prejudicada, salvo para fins de intimação. 5.
Da Preliminar Suscitada pelo Réu (Aplicação da Súmula 381 do STJ) A parte ré, em sede preliminar de contestação, invocou a Súmula 381 do STJ, segundo a qual "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas".
Argumenta que tal vedação visa a impedir que a parte autora transfira a responsabilidade da análise contratual para o julgador, e em observância ao princípio da não surpresa.
Contudo, a interpretação dessa súmula deve ser contextualizada.
A vedação ao conhecimento de ofício se aplica em situações nas quais a parte não argui explicitamente a abusividade ou não formula pedido revisional.
No presente caso, o autor, EDUARDO DONIZETE PATRICIO, ingressou com Ação de Revisão de Contrato, cujo objeto principal é justamente a alegação de abusividade das taxas de juros remuneratórios aplicadas.
Há, portanto, uma clara provocação da parte, com pedido específico de revisão contratual e com a devida exposição dos motivos que, segundo o autor, configuram a abusividade.
A própria parte autora, em réplica, esclareceu que sua demanda não busca análise ex officio, mas sim a revisão judicial provocada pelo consumidor lesado, mediante ação própria e com pedido específico, assegurado o contraditório e a ampla defesa a ambas as partes.
Assim, não se está diante de uma situação em que o magistrado estaria agindo por iniciativa própria para reanalisar o contrato.
Ao contrário, a análise da abusividade decorre de uma provocação expressa da parte litigante, devidamente formulada e contraposta em contraditório pelo réu.
Desse modo, a preliminar arguida pelo réu não encontra respaldo no caso concreto, e a sua rejeição é medida que se impõe, permitindo o exame do mérito. 6.
Da Inversão do Ônus da Prova A parte autora requereu a inversão do ônus da prova, fundamentando-se na natureza consumerista da relação jurídica, na verossimilhança de suas alegações e na sua hipossuficiência técnica frente à instituição financeira.
O réu, por sua vez, opôs-se à inversão, alegando que a hipossuficiência em discussão não seria econômica, mas sim técnica, e que a parte autora não se desincumbiu de provar o fato constitutivo de seu direito, além de não estarem presentes os requisitos da verossimilhança ou hipossuficiência para justificar tal medida.
A relação jurídica estabelecida entre as partes, envolvendo um empréstimo concedido por instituição financeira a um indivíduo, é, inegavelmente, uma relação de consumo, conforme o entendimento consolidado na Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) prevê, em seu artigo 6º, inciso VIII, como direito básico do consumidor, "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".
No presente caso, a verossimilhança das alegações da autora sobre a abusividade dos juros é indicada pela acentuada diferença entre a taxa contratada de 20,83% ao mês e a taxa média de mercado de 5,93% ao mês, conforme o próprio autor demonstra com base nos dados do Banco Central do Brasil.
Tal disparidade, por si só, já aponta para onerosidade excessiva.
Quanto à hipossuficiência, esta não se restringe apenas à capacidade econômica, mas abrange, de forma mais ampla, a hipossuficiência técnica ou informacional.
O autor, um pensionista, sem conhecimento aprofundado em finanças ou economia, encontra-se em posição desvantajosa em relação à instituição financeira, que detém todo o conhecimento técnico e os dados necessários para demonstrar a legalidade e razoabilidade dos encargos aplicados.
A condição de idoso do autor reforça sua hipervulnerabilidade no mercado de consumo, o que demanda uma proteção ampliada pelo sistema jurídico.
Considerando-se a natureza da relação, a aparente desproporção das taxas e a manifesta disparidade de informações e capacidade técnica entre as partes, mostra-se cabível e adequada a inversão do ônus da prova, nos termos do CDC, para que o Banco requerido demonstre a regularidade e a não abusividade dos juros e encargos contratados.
B.
Do Mérito 1.
Da Revisão de Juros Remuneratórios e Onerosidade Excessiva A controvérsia central do presente feito gravita em torno da alegada abusividade da taxa de juros remuneratórios estabelecida no Contrato de Empréstimo Pessoal de número *42.***.*97-15, celebrado entre as partes em 13 de março de 2025.
O autor sustenta que a taxa de 20,83% ao mês é exorbitante quando comparada à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) para o período, que seria de 5,93% ao mês.
O demandante alega que tal discrepância gera onerosidade excessiva e desequilíbrio contratual, em desrespeito aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, conforme os artigos 421 e 422 do Código Civil e os artigos 4º, III, 39, IV e XIII, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O réu, por sua vez, argumenta que a contratação foi livre e consciente, e que a taxa de juros reflete o alto risco da operação de empréstimo pessoal não consignado, que carece de garantias adicionais.
O Banco Mercantil do Brasil S.A. invoca as Súmulas 382 do STJ e 596 do STF, afirmando que a estipulação de juros acima de 12% ao ano não é, por si só, abusiva, e que as instituições financeiras não se submetem à Lei de Usura.
Além disso, defende que a taxa média do BACEN é meramente um referencial, não um limite legal para as instituições, e que a onerosidade excessiva não se configurou por ausência de evento imprevisível e extraordinário.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme o Recurso Especial nº 1.061.530/RS, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/73, com repercussão geral), oferece a baliza interpretativa para a questão.
Neste precedente, restou assentado que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto".
A mesma Corte Superior esclareceu que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é um "referencial útil para o controle da abusividade", mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso.
Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer a prioristicamente um teto para a taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual fixo em relação à taxa média.
No entanto, o próprio julgado reconheceu que a jurisprudência tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia ou ao dobro da média.
No caso dos autos, a taxa de juros contratada pelo autor foi de 20,83% ao mês, Id 234778061.
Em contrapartida, a taxa média divulgada pelo BACEN para a modalidade seria de 5,93% ao mês.
A diferença entre a taxa contratada e a média de mercado é de 14,9% ao mês.
A taxa do contrato é aproximadamente 3,5 vezes a taxa média.
Essa disparidade não pode ser ignorada.
Embora o réu alegue alto risco na operação, o autor, em réplica, trouxe um elemento que minimiza essa justificativa: o desconto das parcelas ocorre diretamente de sua conta corrente onde recebe o benefício previdenciário.
Esta prática, em termos práticos, confere ao credor uma segurança de recebimento que se assemelha às garantias de um empréstimo consignado, mitigando consideravelmente o risco de inadimplência normalmente associado a empréstimos pessoais sem garantia explícita.
A condição de pensionista e idoso do autor também deve ser levada em consideração, caracterizando sua hipervulnerabilidade e a necessidade de proteção contra práticas que resultem em endividamento excessivo.
A despeito da liberdade de contratação e da não vinculação absoluta à taxa média do BACEN, a abusividade pode ser caracterizada quando a taxa pactuada destoa de maneira manifesta e desarrazoada da média, sem justificativa plausível.
A taxa de 20,83% ao mês, que representa um valor quase 3,5 vezes maior que a média de mercado para o período, e considerando a forma de desconto da parcela que oferece ao banco uma garantia de recebimento, desborda da razoabilidade e configura uma vantagem excessiva ao fornecedor em detrimento do consumidor, colocando-o em desvantagem exagerada, nos termos do artigo 51, § 1º, do CDC.
Nesse cenário, acolhe-se a tese subsidiária apresentada pela própria parte ré, que requereu a limitação dos juros remuneratórios a 1,5 (uma vez e meia) ou ao dobro da taxa média do BACEN, conforme a interpretação do REsp 1.061.530/RS.
Tal medida proporciona um equilíbrio entre a liberdade econômica e a proteção do consumidor, coibindo a abusividade sem desconsiderar os riscos inerentes à operação e as particularidades do mercado financeiro.
Assim, os juros remuneratórios deverão ser limitados a 1,5 (uma vez e meia) a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para a modalidade de empréstimo pessoal não consignado (ou a modalidade que melhor se assemelhe a essa operação com desconto em benefício previdenciário), na data da contratação, ou seja, em 13 de março de 2025. 2.
Da Repetição do Indébito Reconhecida a abusividade dos juros remuneratórios e a consequente necessidade de adequação do contrato, a restituição dos valores cobrados a maior é uma consequência lógica e necessária para restabelecer o equilíbrio contratual.
A parte autora requereu a restituição simples dos valores, calculando o montante controvertido em R$ 2.848,18 (dois mil, oitocentos e quarenta e oito reais e dezoito centavos).
O réu, de forma subsidiária, concordou com a restituição simples, caso haja condenação, aduzindo a ausência de má-fé em sua conduta.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 42, parágrafo único, prevê a restituição em dobro do indébito.
Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem interpretado que a repetição em dobro exige a comprovação da má-fé do credor, ou seja, que a cobrança indevida tenha sido feita de forma consciente e deliberada, o que não se verifica no mero fato de cobrar juros em patamar superior ao que se considera abusivo, sem outros elementos que configurem dolo ou malícia.
A ausência de má-fé, como alegado pelo réu, é o que fundamenta a restituição na forma simples.
Considerando que a cobrança dos juros foi realizada com base em cláusulas contratuais livremente pactuadas (ainda que posteriormente consideradas abusivas em parte), e na ausência de elementos probatórios que demonstrem má-fé da instituição financeira, a restituição deverá ocorrer na forma simples.
Os valores a serem restituídos ou compensados deverão ser apurados em fase de liquidação de sentença, levando em conta a diferença entre a taxa de juros contratada e a taxa ora arbitrada (1,5 vezes a taxa média do BACEN na data da contratação), com a devida correção monetária desde cada desembolso e juros de mora a partir da citação.
Alternativamente, poderá haver o ajuste imediato das parcelas vincendas, a ser definido na fase de cumprimento. 3.
Dos Danos Morais O autor pleiteou indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), alegando que a conduta do réu, ao impor cláusulas abusivas e gerar endividamento desproporcional, violou a dignidade da pessoa humana e a boa-fé objetiva, causando abalo moral e psicológico.
O réu, por sua vez, negou a ocorrência de danos morais, sustentando a ausência de ato ilícito e que os fatos narrados configuram mero dissabor ou aborrecimento, insuscetíveis de indenização por dano à personalidade.
A mera cobrança de juros em patamar considerado abusivo, por si só, não é suficiente para configurar dano moral indenizável.
Para tanto, seria necessário demonstrar que tal conduta resultou em grave violação a direitos da personalidade, causando angústia, sofrimento ou constrangimento que extrapole o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano, inerente às relações contratuais e aos possíveis litígios daí decorrentes.
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente se manifestado no sentido de que o simples descumprimento contratual, ainda que com cobrança de encargos excessivos, não enseja dano moral, salvo situações excepcionais em que se demonstre efetiva lesão a atributos da personalidade do indivíduo.
A jurisprudência citada pelo autor refere-se a casos específicos que, além da abusividade de juros, poderiam envolver outras circunstâncias, como negativação indevida ou situação de vulnerabilidade extremada, com prejuízos diretos e comprovados à dignidade da pessoa, o que não se amolda à narrativa contida nos autos do presente processo.
Apesar de reconhecer a condição de hipervulnerabilidade do autor como idoso e pensionista, e a onerosidade excessiva dos juros, os elementos apresentados não demonstram que a conduta do banco tenha provocado uma ofensa à sua personalidade que justifique a indenização pleiteada.
A revisão contratual e a restituição dos valores indevidamente pagos são as medidas adequadas para recompor o equilíbrio e reparar o prejuízo material sofrido.
Não há, nos autos, elementos que permitam concluir que o autor tenha sofrido grave abalo psicológico ou qualquer ofensa à sua honra e imagem que vá além do dissabor de uma contratação desvantajosa que será devidamente corrigida pela via judicial.
Dessa forma, o pedido de indenização por danos morais não merece acolhimento. 1.
Identificação dos Dados Fundamentais do Contrato e Taxas Envolvidas O processo em questão, tombado sob o número 0704284-25.2025.8.07.0014, da Vara Cível do Guará, versa sobre uma Ação de Revisão de Contrato para Restabelecimento de Equilíbrio Contratual, com aplicação da taxa média do Banco Central e pedido de reparação civil.
O autor, EDUARDO DONIZETE PATRICIO, pensionista, move a demanda contra o BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA.
De acordo com o descritivo apresentado na petição inicial, o contrato de empréstimo pessoal número *42.***.*97-15 foi celebrado em 13/03/2025.
A taxa de juros contratada foi de 20,83% ao mês (a.m.).
O valor do financiamento foi de R$ 1.749,39, a ser pago em 12 parcelas de R$ 445,21, totalizando R$ 5.342,52.
O autor alega que a taxa de juros aplicada é manifestamente abusiva, por estar muito acima da média de mercado.
Em contraposição, indica que a taxa média do Banco Central (BACEN) para o mesmo período era de 5,93% a.m., resultando em uma diferença de 14,9%.
Com base nessa comparação, o autor aponta um valor controvertido de R$ 2.848,18, caso a taxa de juros seja adequada à média do BACEN. 2.
A Proposta Alternativa de Limitação dos Juros Na sua contestação, o réu, Banco Mercantil do Brasil S.A., embora defenda a legalidade e a não abusividade das taxas contratadas, argumenta, de forma subsidiária, que, caso o entendimento seja pela revisão, os juros sejam limitados a 1,5 (uma vez e meia) ou ao dobro da taxa média do BACEN, para a mesma modalidade de empréstimo pessoal não consignado e na mesma época da contratação.
Tal pleito se funda no entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme o Recurso Especial 1.061.530/RS (2008/0119992-4).
A jurisprudência citada pelo próprio réu aponta que, para se aferir a abusividade, "a jurisprudência (...) tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (...), ao dobro (...) ou ao triplo (...) da média".
Contudo, o Banco também realça que a taxa média do BACEN funciona como um referencial, e não como um limite absoluto, visto que incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco, não havendo regramento legal que estabeleça um teto. 3.
O Cálculo da Nova Taxa de Juros de 1,5 Vezes a Média do BACEN Com base na proposta alternativa apresentada pelo réu e nos dados fornecidos na petição inicial, o cálculo para a nova taxa de juros, limitada a 1,5 vezes a taxa média do BACEN, é realizado da seguinte forma: · Taxa Média do BACEN (mensal): 5,93% · Multiplicador proposto: 1,5 Assim, a nova taxa de juros seria: Nova Taxa = Taxa Média BACEN × 1,5 Nova Taxa = 5,93% × 1,5 = 8,895% ao mês.
Esta taxa de 8,895% ao mês representaria o limite alternativo para os juros remuneratórios, caso o juízo acolha o entendimento de que a taxa contratada é abusiva e opte por aplicar o parâmetro de "uma vez e meia" a média de mercado, conforme sugerido pelo próprio Banco Mercantil do Brasil S.A. e alinhado com a tese do Recurso Especial 1.061.530/RS. 4.
Contextualização e Implicações Jurídicas da Nova Taxa Calculada A taxa calculada de 8,895% a.m. situa-se significativamente abaixo da taxa de 20,83% a.m. inicialmente pactuada.
Caso esta taxa seja aplicada, o contrato seria readequado, visando o restabelecimento do equilíbrio contratual buscado pelo autor.
A discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários é recorrente e envolve a conciliação de princípios.
Por um lado, o princípio da livre iniciativa e a autonomia da vontade permitem que as instituições financeiras pactuem livremente suas taxas, não estando sujeitas à Lei de Usura ou a um tabelamento de juros pelo Banco Central.
O próprio STJ, por meio da Súmula 382, estabelece que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não configura abusividade.
A Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal (STF) corrobora que as instituições financeiras não se sujeitam às limitações da Lei de Usura.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável às instituições financeiras, conforme a Súmula 297 do STJ.
A legislação consumerista busca o equilíbrio nas relações de consumo, conferindo ao consumidor direitos básicos, como a informação e a clareza sobre os produtos contratados, e possibilitando a revisão contratual em casos de onerosidade excessiva ou cláusulas abusivas.
O autor, no caso em análise, alega hipossuficiência e hipervulnerabilidade, dada sua condição de idoso e pensionista, o que intensificaria a necessidade de proteção.
A inversão do ônus da prova, solicitada pelo autor e defendida com base na verossimilhança e hipossuficiência, visa facilitar a defesa de seus direitos.
O REsp 1.061.530/RS, citado por ambas as partes, reconhece que a revisão das taxas de juros remuneratórios é admitida em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade seja cabalmente demonstrada, capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1º, do CDC).
O Tribunal Superior de Justiça enfatiza que a taxa média de mercado é um referencial útil, mas não um limite absoluto, e que a abusividade deve ser aferida de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, considerando diversos fatores como o custo de captação, o valor e o prazo do financiamento, a renda do cliente, as garantias ofertadas, o relacionamento prévio, o perfil de risco, e a forma de pagamento.
A alegação do autor de que as características de fato do contrato, com desconto direto do benefício previdenciário, conferem garantias típicas de empréstimo consignado, apesar de ser classificado como pessoal, é um ponto relevante para a avaliação do risco e da razoabilidade da taxa de juros.
Se o empréstimo de fato possui uma garantia mitigadora de risco, a justificativa para juros exorbitantes, baseada em um suposto "alto risco" de operações sem garantia, como alegado pelo réu, poderia ser fragilizada.
Em suma, a aplicação da taxa de 8,895% a.m. resultante do cálculo de "uma vez e meia" a média do BACEN representa uma possível via para a readequação contratual, considerando-se a proteção do consumidor e o restabelecimento do equilíbrio na relação jurídica, sem desconsiderar os argumentos do réu sobre a natureza referencial da taxa média e a liberdade de precificação, mas buscando um ponto de conciliação entre esses princípios antagônicos, conforme orientação do próprio Superior Tribunal de Justiça.
III.
DISPOSITIVO Ante o exposto, e em tudo o mais que dos autos consta, rejeito as preliminares suscitadas e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, com fulcro no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, para: 1.
Limitar os juros remuneratórios aplicados ao Contrato de Empréstimo Pessoal de número *42.***.*97-15, celebrado em 13 de março de 2025, à taxa de 1,5 (uma vez e meia) a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para a modalidade de empréstimo pessoal não consignado, 8,895% a.m. 2.
Condenar o BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A. à restituição simples dos valores pagos a maior pelo autor em razão da aplicação da taxa de juros abusiva ora revisada.
Os valores deverão ser apurados em fase de liquidação de sentença, mediante cálculo da diferença entre o que foi efetivamente pago com a taxa contratada e o que seria devido com a taxa ora estabelecida, corrigidos monetariamente pelo IPCA desde cada desembolso e acrescidos de juros de mora pela Selic, ao mês a partir da data da citação.
Alternativamente, poderá ser realizado o ajuste imediato das parcelas vincendas, a ser igualmente definido em fase de cumprimento de sentença. 3.
Rejeitar o pedido de indenização por danos morais, por ausência de comprovação de ofensa aos direitos da personalidade que extrapole o mero dissabor.
Considerando a sucumbência recíproca, mas não equivalente, e o acolhimento parcial dos pedidos, as custas processuais serão proporcionalmente distribuídas na seguinte forma: 70% (setenta por cento) a serem arcadas pelo réu e 30% (trinta por cento) a serem suportadas pelo autor.
No tocante aos honorários advocatícios, condeno o BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A. ao pagamento de honorários em favor dos advogados da parte autora, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (valor da restituição do indébito apurado em liquidação de sentença), nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Condeno o autor, EDUARDO DONIZETE PATRICIO, ao pagamento de honorários em favor dos advogados do réu, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído ao pedido de danos morais (R$ 25.000,00), nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
A exigibilidade da cobrança dos honorários advocatícios e das custas processuais em desfavor do autor fica suspensa, em razão da concessão do benefício da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC).
Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos, arquivem-se os autos, com as cautelas de estilo.
Documento datado e assinado pelo(a) magistrado(a) conforme certificação digital.
Alex Costa de Oliveira Juiz de Direito -
22/08/2025 22:47
Recebidos os autos
-
22/08/2025 22:47
Julgado procedente o pedido
-
19/08/2025 16:29
Conclusos para julgamento para Juiz(a) ALEX COSTA DE OLIVEIRA
-
12/08/2025 15:34
Juntada de Petição de petição
-
12/08/2025 14:35
Juntada de Petição de petição
-
22/07/2025 03:13
Publicado Certidão em 22/07/2025.
-
22/07/2025 03:13
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 21/07/2025
-
18/07/2025 12:11
Juntada de Certidão
-
04/07/2025 14:10
Juntada de Petição de petição
-
12/06/2025 03:04
Publicado Certidão em 12/06/2025.
-
12/06/2025 03:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 11/06/2025
-
10/06/2025 15:00
Juntada de Certidão
-
06/06/2025 15:58
Juntada de Petição de contestação
-
07/05/2025 11:25
Recebidos os autos
-
07/05/2025 11:25
Expedição de Outros documentos.
-
07/05/2025 11:25
Gratuidade da justiça concedida em parte a EDUARDO DONIZETE PATRICIO - CPF: *42.***.*97-15 (AUTOR)
-
07/05/2025 09:42
Conclusos para decisão para Juiz(a) ALEX COSTA DE OLIVEIRA
-
06/05/2025 17:55
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
06/05/2025
Ultima Atualização
15/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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