TJRN - 0801650-26.2024.8.20.5159
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Lourdes de Azevedo
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
03/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0801650-26.2024.8.20.5159 Polo ativo MARIA DE LOURDES CAIANA SANTANA Advogado(s): HUGLISON DE PAIVA NUNES Polo passivo BANCO BRADESCO S/A Advogado(s): CARLOS AUGUSTO MONTEIRO NASCIMENTO “Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
LITIGÂNCIA PREDATÓRIA.
FRACIONAMENTO ARTIFICIAL DE DEMANDAS.
INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL.
RECURSO DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação Cível interposta em face de sentença da Vara Única da Comarca de Umarizal, que extinguiu, sem resolução do mérito, Ação Declaratória de Cobrança Indevida c/c Repetição de Indébito e Danos Morais ajuizada contra o Banco Bradesco S.A., com fundamento no artigo 485, IV e VI, do CPC, por reconhecer a existência de múltiplas ações idênticas entre as mesmas partes, caracterizando fracionamento indevido da demanda.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
A questão em discussão consiste em verificar se houve litigância predatória pelo fracionamento artificial da causa de pedir em múltiplas demandas semelhantes, com o objetivo de dificultar a defesa da parte adversa e obter vantagem indevida no processo.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A fragmentação da causa de pedir em múltiplas ações, quando possível a cumulação em um único processo, configura abuso do direito de ação, contrariando os princípios da boa-fé processual, lealdade, cooperação e economia processual. 4.
A prática de litigância predatória compromete a eficiência do Poder Judiciário, sobrecarregando-o com demandas artificiais e dificultando a prestação jurisdicional a quem realmente necessita. 5.
O juiz detém o poder-dever de reprimir condutas que afrontem a dignidade da Justiça, nos termos do artigo 139, III, do CPC, podendo extinguir processos que evidenciem ausência de interesse processual, conforme previsto no artigo 485, VI, do CPC. 6.
A jurisprudência pátria reconhece e combate a prática de demandas predatórias, considerando-a como uso abusivo do direito de ação e possível configuração de assédio processual.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 7.
Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1.
O fracionamento artificial de demandas, quando possível a cumulação em uma única ação, caracteriza abuso do direito de ação e litigância predatória, violando os princípios da boa-fé processual, lealdade e economia processual. 2.
O magistrado tem o poder-dever de reprimir práticas que comprometam a dignidade da Justiça, podendo extinguir processos que revelem ausência de interesse processual, nos termos do artigo 485, VI, do CPC.
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 4º, 5º, 6º, 8º, 139, III, e 485, IV e VI.
CF/1988, art. 5º, XXXV.
Jurisprudência relevante citada: TJMG, Ap.
Civ. 1.0000.23.169309-4/001, Rel.
Des.
Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, j. 19/10/2023; TJMG, Ap.
Civ. 1.0000.23.091864-1/001, Rel.
Des.(a) Lílian Maciel, 20ª CÂMARA CÍVEL, j. 18/10/2023; STJ, REsp 1.817.845, 3ª Turma.
A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora, que integra o Acórdão.
R E L A T Ó R I O Apelação Cível interposta por Maria de Lourdes Caiana Santana, em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Umarizal que, nos autos da Ação Declaratória de Cobrança Indevida c/c Repetição de Indébito e Danos Morais, ajuizada pela ora apelante em desfavor do Banco Bradesco S.A., julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, IV e VI, do Código de Processo Civil, em razão de ter sido verificada a existência de mais de um processo envolvendo as mesmas partes, com narrativas idênticas, os quais poderiam ter sido apresentados numa única demanda.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta que as demandas apontadas, na sentença hostilizada, não possuem o mesmo pedido e causa de pedir e estão embasadas em contratos diferentes, de modo que não há litispendência.
Requer, assim, o conhecimento e provimento do apelo, para que seja dado prosseguimento à pretensão inaugural.
A parte apelada não apresentou contrarrazões, conforme certificado no ID 29750621. É o relatório.
V O T O Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
De início, observa-se que a sentença registrou que a parte autora, ora apelante, propôs outras demandas judiciais com base em narrativa quase idêntica (valores indevidamente descontados em sua conta bancária), bem como que “a autora poderia ter manejado apenas uma ação, sem que houvesse qualquer prejuízo para a defesa de seus interesses” e o processo foi extinto sem resolução do mérito (artigo 485, IV e VI, do CPC).
Com efeito, verifica-se que as ações apontadas no r. decisum discutem a cobrança de valores debitados em conta corrente da parte apelante, provenientes de tarifas bancárias, e em todas as demandas, a parte autora postulou indenização por danos materiais e morais decorrentes de tais cobranças.
Ou seja, os processos envolvem as mesmas partes (ou pessoas jurídicas do mesmo conglomerado) e possuem a mesma causa de pedir e pedidos semelhantes, cuja única diferença é o fato de que os descontos se referem a nomenclaturas e possíveis contratos distintos, porém realizados na mesma conta.
Nesse passo, cinge-se o presente recurso em examinar a possibilidade de a parte autora diluir sua pretensão inicial – que poderia ser cumulada em uma única demanda - no maior número possível de ações, mediante o fracionamento da causa de pedir, utilizando-se do Poder Judiciário para conseguir vantagens indevidas ou várias indenizações decorrentes da mesma relação jurídica.
Esse método, assemelhado a um “modelo de negócio”, muitas vezes traz grandes benefícios à parte e a seus patronos porque aumenta suas chances de, ao menos em uma das ações, por exemplo, ocorrer revelia ou a instituição financeira demandada deixar de apresentar provas, em especial o contrato assinado, a refutar as alegações da parte autora, sobretudo nas relações de consumo que se tem em seu favor a inversão do ônus da prova.
O uso de tal prática tem se tornado comum: o ajuizamento de ações, de forma fracionada e pulverizada, que poderiam ser aglutinadas em um único processo.
Isso causa prejuízos ao Judiciário e contraria o princípio da lealdade processual, ante o uso da Justiça para obter vantagem indevida. É um artifício, portanto, que viola frontalmente os princípios da transparência, da lealdade, da boa-fé, da cooperação e da economia processual.
Sendo assim, a pulverização ou o fracionamento de demandas não pode ser admitida.
Se é possível solucionar o conflito em um único processo, não há razão a justificar o ingresso de várias ações com o nítido propósito de dificultar a defesa dos réus e obter a cumulação de indenizações, confiando, muitas vezes, que em algumas haverá deficiência de defesa ou até mesmo total ausência de contestação dos pedidos.
Sobre o tema, veja-se os artigos 4º, 5º, 6º e 8º do Código de Processo Civil: Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Desse modo, o exercício abusivo do direito de acesso à justiça pode e deve ser reprimido pelo Judiciário, e o ajuizamento em massa de litígios, de maneira indevida, prejudica o acesso de quem realmente necessita de intervenção judicial para solucionar alguma questão, eis que assoberba os tribunais, influindo na qualidade da prestação jurisdicional.
Por conseguinte, restando demonstrado que a presente demanda se caracteriza como artificial e predatória, correta a conclusão do magistrado de primeira instância, ao extinguir o feito sem resolução do mérito, especialmente pela dicção do artigo 485, inciso VI, do CPC (ausência de interesse processual).
De fato, a ação em exame apresenta forte carga de litigiosidade artificial e essa conclusão, também, encontra abrigo no artigo 375 do diploma processual civil, que impõe ao juiz aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, e ninguém melhor do que ele para observar e combater tal fenômeno, o que fez com maestria o magistrado singular.
A sentença, portanto, deu fiel interpretação e correta aplicação à norma legal, fazendo uso adequado dos poderes e deveres conferidos ao julgador pelo artigo 139, III, do CPC: “Art. 139.
O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I ( …) II ( …) III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias” (negrito acrescido).
Os Tribunais também reconhecem o poder-dever do juiz de reprimir demandas predatórias.
Eis alguns julgados recentes: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - IRREGULARIDADE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO.
Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça.
A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo”. (TJMG - Ap.
Civ. 1.0000.23.169309-4/001, Rel.
Des.
Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, j. em 19/10/2023, pub. da súmula em 19/10/2023). “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NEGATIVAÇÃO INDEVIDA - NOTA TÉCNICA Nº 01/2022 EMITIDA PELO CIJMG - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - VICIO DE REPRESENTAÇÃO - AUSENCIA DE PODERES VÁLIDOS - PRESSUPOSTO DE VALIDADE INOCORRENTE - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. - A nota técnica nº 01/2022 - emitida pelo CIJMG - aponta parâmetros para identificação de demandas predatórias e orienta boas práticas de gestão de processos judiciais para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória. (TJMG - Ap.
Civ. 1.0000.23.091864-1/001, Relatora: Des.(a) Lílian Maciel, 20ª CÂMARA CÍVEL, j. em 18/10/2023, pub da súmula em 19/10/2023). “Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça.
A capacidade processual e a representação judicial das partes constituem pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Tendo o procurador dado ensejo à movimentação indevida do aparato judicial, pelo princípio da causalidade, cabível sua condenação ao pagamento das custas e despesas do processo”. (TJMG - Ap.
Cív. 1.0000.22.107335-6/002, Rel.
Des.
Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, J. em 05/10/2023, pub. da súmula em 06/10/2023).
Com as facilidades criadas pelo CNJ por meio “Juízo 100% digital”, que gerou como consequência o baixo custo financeiro para ajuizar cada demanda, para quem exerce a nobilitante função da advocacia, essa prática alcançou atualmente proporções geométricas mediante a confecção de petições padronizadas, elaboradas em mídias digitais, que narram fatos idênticos, muitas vezes sem sequer constar a qualificação do(a) autor(a).
Nesse contexto, surgiu o "demandismo judicial", "demandas predatórias", “litigiosidade artificial”, “demandas fabricadas”, "demandas frívolas”, “loteria judicial”, Sham Litigation (falso litígio) ou "fake lides".
Tem-se, ainda, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que: “Entrar na Justiça com sucessivas ações desprovidas de fundamentação idônea, intentadas com propósito doloso e abusivo, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa e levar ao reconhecimento do assédio processual” (Entendimento adotado pela 3ª Turma, no REsp 1.817.845). É indubitável, portanto, que as demandas predatórias causam o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação; o esgotamento dos recursos dos Tribunais (humanos e materiais, muitas vezes já insuficientes); impede o cidadão que tem uma demanda concreta e legítima de receber a prestação jurisdicional em tempo razoável.
Do ponto de vista processual, o princípio constitucional do acesso à Justiça e da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal) deve ser mitigado, pois o juiz de origem, nesse caso, agiu nos limites da lei e de acordo com o ordenamento jurídico, de modo a afastar a proliferação de demandas deste quilate.
Feitos tais registros, conclui-se que a sentença se coaduna com as normas de regência e com a jurisprudência pátria, a implicar a atitude da parte autora em violação aos princípios norteadores do processo civil, conforme demonstrado, razão pela qual o entendimento adotado no r. decisum deve ser mantido.
Ante o exposto, voto por desprover o apelo.
Natal, data registrada no sistema.
Desembargadora Maria de Lourdes Azevêdo Relatora Natal/RN, 26 de Maio de 2025. -
14/05/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Segunda Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0801650-26.2024.8.20.5159, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 26-05-2025 às 08:00, a ser realizada no 2ª CC Virtual (Votação Exclusivamente PJE).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 13 de maio de 2025. -
07/03/2025 10:44
Recebidos os autos
-
07/03/2025 10:44
Conclusos para despacho
-
07/03/2025 10:44
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
07/03/2025
Ultima Atualização
01/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Outros documentos • Arquivo
Outros documentos • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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