TJRN - 0800159-04.2025.8.20.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Dilermando Mota
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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12/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0800159-04.2025.8.20.0000 Polo ativo MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA Advogado(s): PAULO CESAR DE LUCENA LEANDRO Polo passivo MUNICIPIO DE NATAL Advogado(s): Agravo de Instrumento nº 0800159-04.2025.8.20.0000 Processo de Origem nº 0812431-96.2024.8.20.5001 Agravante: Medeiros e Martins Empreendimentos Imobiliários Ltda Agravado: Município do Natal Relator: Desembargador Dilermando Mota Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IPTU.
MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO.
AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA.
AVALIAÇÃO INDIVIDUAL.
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ISONOMIA TRIBUTÁRIAS.
PROVIMENTO DO RECURSO.
I.
Caso em Exame: - Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido de tutela de urgência para suspensão da exigibilidade de crédito tributário referente ao IPTU, cuja base de cálculo foi majorada pelo Município de Natal através de avaliação individual do imóvel.
II.
Questão em Discussão: - A questão em discussão consiste em saber se: (i) a majoração da base de cálculo do IPTU através de avaliação individual, sem edição de lei específica, viola o princípio da legalidade tributária; e (ii) se tal procedimento ofende o princípio da isonomia tributária.
III.
Razões de Decidir: - A majoração da base de cálculo do IPTU sem edição de lei em sentido formal viola o princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I, da Constituição Federal. - A avaliação individual do imóvel, sem critérios objetivos previamente estabelecidos em lei, confere discricionariedade indevida ao auditor fiscal, violando o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, CF). - O Supremo Tribunal Federal firmou tese em repercussão geral (Tema 211) no sentido de que a majoração do valor venal dos imóveis para efeito da cobrança de IPTU exige edição de lei em sentido formal, ressalvada apenas a atualização monetária.
IV.
Dispositivo: - Agravo de instrumento provido para suspender a exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU e à Taxa de Lixo dos exercícios de 2018 a 2025. - Tese de julgamento: A majoração da base de cálculo do IPTU através de avaliação individual do imóvel, sem edição de lei específica e critérios objetivos previamente estabelecidos, viola os princípios da legalidade e da isonomia tributárias. ____________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 150, I e II; CTN, arts. 97, IV, § 1º, 142, parágrafo único, e 148.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE 648245, Rel.
Min.
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 01.08.2013; STF, ARE 876047 AgR-segundo, Rel.
Min.
Celso de Mello, Segunda Turma, j. 21.08.2018.
ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao Agravo de Instrumento, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
Vencido o Des.
Cornélio Alves.
Foi lido e aprovado o acórdão.
RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal, que nos autos de nº 0812431-96.2024.8.20.5001, proposta em desfavor do MUNICÍPIO DE NATAL, indeferiu pedido de tutela de urgência que visava a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU.
Nas razões de ID 139691959, o agravante alega que o Município de Natal elevou indevidamente o valor venal do imóvel de R$ 18.024,38 para R$ 546.520,00, gerando majoração desproporcional do IPTU, sem respaldo legal ou técnico que justifique tal aumento.
O agravante aduz que não houve modificação estrutural relevante no imóvel que justificasse a alteração da base de cálculo, tendo sido realizada apenas a instalação de uma cobertura simples para proteção de veículos.
Sustenta que a avaliação individual realizada pelo Município viola o princípio da legalidade tributária e da isonomia, pois foi feita sem critérios objetivos previamente estabelecidos em lei.
Argumenta ainda que a existência dos débitos questionados impede o usufruto do desconto de 16% no pagamento antecipado do IPTU de outros imóveis de sua propriedade, cujo prazo se encerra em 10/01/2025, o que lhe causará prejuízo financeiro imediato.
Por conseguinte, pugna pela concessão de tutela antecipada recursal para suspender a exigibilidade dos débitos discutidos, referentes ao IPTU e à Taxa de Lixo dos exercícios de 2018 a 2025, bem como para que tais débitos não impactem nos demais imóveis de sua propriedade.
Foi deferida a antecipação da tutela recursal (ID 28794589).
Nas contrarrazões (ID 28922198), a parte agravada rechaça as teses do recurso, pugnando pelo seu desprovimento.
O Ministério Público se manifestou pelo não interesse no feito (ID 28960198). É o relatório.
VOTO Preenchidos os pressupostos, conheço do recurso.
Na situação em exame, pretende a agravante a reforma da decisão que indeferiu pedido de tutela de urgência que visava a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU.
Analisando os autos, compreendo que a irresignação merece acolhimento.
De início, verifico que a probabilidade do direito está evidenciada pela aparente violação a duas das principais limitações constitucionais ao poder de tributar: i) a legalidade tributária, prevista no art. 150, I, da Constituição Federal, que impõe vedação aos entes tributantes exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; e ii) a isonomia, prevista no art. 150, II, da CF, que estabelece vedação aos entes tributantes instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
O Código Tributário Municipal, a partir das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 171/2017, passou a estabelecer como parâmetro prioritário na definição da base de cálculo do IPTU o procedimento de "avaliação individual" do imóvel e, somente quando este não for utilizado, é que se poderá adotar os critérios fixados pela Planta Genérica de Valores e da Tabela de Preços da Construção.
Os artigos em discussão, então, estão assim prescritos, verbis: “Art. 24 – A avaliação dos imóveis, para efeito de apuração do valor venal, quando não realizada de forma individual, conforme previsto no art. 25, será determinada, anualmente, pelo Poder Executivo, de conformidade com os critérios estabelecidos neste Código, através da Planta Genérica de Valores de Terrenos e da Tabela de Preços de Construção que estabelecem os valores unitários do metro quadrado de terreno por face de quadra dos logradouros públicos e por tipo de construção, respectivamente, constantes das Tabelas VII e VIII, em anexo. (Redação dada pela Lei Complementar Nº 171 de 30/11/2017) §1º A Planta Genérica de Valores de Terrenos e a Tabela de Preços de Construção são decretados pelo Poder Executivo, até o dia 31 de dezembro de cada exercício, para vigorar de 1º de janeiro a 31 de dezembro do exercício seguinte. §2º- A Fazenda Municipal realiza o lançamento do IPTU com base na Planta Genérica de Valores de Terrenos e Tabela de Preços de Construção vigentes no exercício anterior, atualizadas monetariamente quando essas não forem decretadas até a data prevista no parágrafo anterior.” “Art. 25 – O valor venal do imóvel, assim entendido o valor que este alcançaria para compra e venda à vista, segundo as condições do mercado, será obtido através de avaliação individual e, na falta desta, através da Planta Genérica de Valores de terrenos e da tabela de preços da construção, utilizando-se a metodologia de cálculo prevista nesta Lei. (Redação dada pela Lei Complementar Nº 171 de 30/11/2017) A interpretação que vem sendo conferida aos referidos dispositivos não estão, contudo, atendendo a exegese mais adequada dos parâmetros constitucionais que orientam a Administração Tributária e a atividade de lançamento.
Sobre a matéria, ainda é preciso esclarecer que a interpretação do Administrador Público, e de forma ainda mais restrita, a do Administrador Tributário, deve ser fidedigna ao bloco de juridicidade que vincula toda a sua atividade, de modo que, no caso concreto, os referidos dispositivos do CTM também estão sendo utilizados pelo Fisco Municipal em detrimento das expressas previsões contidas no Código Tributário Nacional, especificamente os arts. 97, IV e § 1.º, 142, parágrafo único e 148, verbis: “Art. 97.
Somente a lei pode estabelecer: (...) IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.” “Art. 142.
Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único.
A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” “Art. 148.
Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”.
Neste sentido, importa destacar que o aumento de tributo, nos termos do art. 150, I, da Constituição Federal, somente pode se dar pela via legislativa, ou seja, por lei específica, dispositivo esse que se aplica a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, norma que foi reproduzida de forma idêntica na Constituição do Estado, em seu art. 95, I, verbis: "Art. 95.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça" Ainda, a própria Lei Orgânica do Município igualmente estabelece vedação à instituição ou majoração de tributo sem a correspondente previsão legal, conforme segue: Art. 8.º.
Ao Município é vedado: (...) IV - instituir ou aumentar tributo sem Lei que o estabeleça; Trata-se, assim, de clara norma constitucional de reprodução obrigatória relativa à limitação ao poder de tributar, regulada por rígidos princípios, os quais não podem ser esquecidos pelo administrador público, sequer na interpretação de sua atividade, plenamente vinculada, como previsto no art. 142, parágrafo único do CTN.
A atividade administrativa de lançamento, então, por ser vinculada, não permite espaço para qualquer discricionariedade do administrador público, que apenas deve cumprir as determinações impostas pelo legislador, de acordo com a interpretação consentânea com as balizas próprias da atividade desenvolvida.
A esse respeito, lembre-se que "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça" é uma das principais limitações constitucionais ao poder de tributar imposto ao Poder Público e considerado cláusula pétrea em proteção ao contribuinte como decorrência da máxima "no taxation without representation", a qual preleciona que nenhuma cobrança será imposta sem a devida autorização pelos representantes do povo.
Disso decorre que nenhum tributo será criado ou majorado sem lei em sentido estrito, ainda que se permita a alteração das alíquotas do II, IE, IPI, IOF e CIDE-Combustíveis por ato do Poder Executivo, conforme art. 153, § 1.º; art. 177, § 4.ª, I, b, da Constituição Federal, e do ICMS-monofásico sobre combustíveis, que são definidas por convênio, de acordo com art. 155, § 4.º, IV, também da Constituição e que, por óbvio, não representam a específica hipótese dos autos.
A exigência de obediência ao princípio da legalidade tributária, entendido na estrita legalidade, decorre do princípio democrático, de modo que ainda que se trate de majoração de base de cálculo e não da criação do tributo em si, tal possibilidade, por ter sido ampliada em lei local interpretada em desconformidade com a Constituição Federal, viola, como dito, duas das principais garantias do contribuinte, previstas nos dispositivos constitucionais referenciados. É nesta perspectiva que o Código Tributário Nacional, em seu art. 97, inciso IV, impõe que a base de cálculo do tributo somente pode ser estabelecida por lei, de modo que, em relação ao IPTU, é plenamente possível, e admitido jurisprudencialmente, que a simples atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, com índices oficiais de correção monetária, possa ser feita por meio de decreto municipal, uma vez que a atualização não implica em majoração de tributo, sendo permitida a sua atualização por ato infralegal, como se vê do § 2.º do dispositivo supracitado.
O caso em análise aparenta configurar, em juízo preliminar, possível ofensa às limitações ao poder de tributar, uma vez que os critérios de cálculo utilizados não foram claramente disponibilizados por meio de atos infralegais, havendo indícios de que foi conferida significativa margem de discricionariedade ao auditor fiscal na definição do montante tributável através do procedimento de avaliação individual.
Tal situação, em cognição sumária própria deste momento processual, sugere potencial desconformidade com os princípios que regem a atividade tributária.
Contrariamente, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, nem mesmo o imóvel posterior à edição de Planta Genérica de Valores pode ter a base de cálculo arbitrada ou fixada sem parâmetro legalmente previsto, apenas com base em avaliação individual, conforme segue: “Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA.
NÍTIDO OBJETIVO DE REDISCUTIR A MATÉRIA.
CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA.
ANÁLISE DE PRÉVIA DE PROVAS E DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS.
SÚMULA 279 DO STF.
EVENTUAL AFRONTA À CONSTITUIÇÃO SERIA INDIRETA.
CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO.
EXISTÊCIA DE ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF.
DESNECESSIDADE.
TRIBUTÁRIO.
IPTU.
BASE DE CÁLCULO.
IMÓVEL QUE SURGIU APÓS A LEI QUE PREVÊ A PLANTA GENÉRICA DE VALORES.
AVALIAÇÃO INDIVIDUAL REALIZADA POR MEO DE DECRETO.
AFRONTA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL (ART. 150, I, DA CF).
ENTENDIMENTO FIXADO EM PRESCEDENTE COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) III – Essa Corte, no julgamento de feito com repercussão geral reconhecida, RE 648.245/MG, Rel.
Min.
Gilmar Mendes, reiterou seu entendimento no sentido de que, com base no princípio da reserva legal (art. 150, I, da CF), somente por lei em sentido formal é possível instituir, alterar ou majorar a base de cálculo do IPTU, cabendo apenas sua atualização por meio de decreto, desde que em patamar inferior aos índices inflacionários oficiais de correção monetária.
IV – É inconstitucional decreto que, pela primeira vez, estabelece os valores (avaliação individual) que servem de base de cálculo para exigir o IPTU sobre os imóveis descritos nos autos, ainda que se trate de bem que surgiu após a lei que prevê a planta genérica de valores que servem de base para cálculo do imposto.
V – Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 820303 ED, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014) Não se olvide que, em se tratando de Administração Tributária, somente se permite o que for expressamente previsto em lei, de modo que, havendo imposição constitucional e legal para que a base de cálculo do tributo seja definida por lei, bem como para que a majoração do tributo igualmente seja veiculada por meio de lei específica, a interpretação que confere ao administrador público municipal a adoção de critérios discricionários em procedimento de avaliação individualizada caracteriza, em verdade, indevido arbitramento capaz de ensejar o reconhecimento da nulidade dos lançamentos realizados sob tais parâmetros.
Até mesmo a Planta Genérica de Valores, prevista como parte integrante da Lei de instituição do tributo e que possui todos os critérios para aferição da base de cálculo, conferindo situação de isonomia entre os contribuintes residentes em uma mesma área, de acordo com valores unitários de mercado considerados o terreno e a construção, em atenção ao princípio da legalidade estrita que rege a Administração Tributária, somente é considerada lícita após a sua devida edição por meio de lei específica e a sua respectiva publicidade, uma vez que os critérios a serem utilizados pelo administrador na sua atuação de ofício devem ser previamente conhecidos e publicizados.
Ademais, ainda que seja veiculada majoração de base de cálculo por decreto que, porventura, indique todos os critérios necessários para conferir a publicidade necessária ao atendimento dos comandos constitucionais, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento tranquilo no sentido de que “(...) É incompatível com a Constituição da República a majoração da base de cálculo do imposto predial e territorial urbano (IPTU), sem prévia edição de lei em sentido formal, por ser vedada a sua atualização, por ato do Poder Executivo, em percentual superior aos índices oficiais.
Precedentes” (ARE 876047 AgR-segundo, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 21/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-233 DIVULG 31-10-2018 PUBLIC 05-11-2018).
O referido entendimento, destaque-se, é matéria há muito definida em precedente vinculante pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do leading case RE n.º 648245 (Tema 211), em que restou firmada a tese segundo a qual “A majoração do valor venal dos imóveis para efeito da cobrança de IPTU não prescinde da edição de lei em sentido formal, exigência que somente se pode afastar quando a atualização não excede os índices inflacionários anuais de correção monetária".
Do mesmo modo, o STJ possui jurisprudência tranquila sobre a matéria, tendo em vista a impossibilidade de atualização acima da correção monetária, uma vez que “(...) conforme sedimentado na Súmula n. 160 do STJ, é pacífico no âmbito do STJ o entendimento segundo o qual, com exceção da correção monetária do valor venal, não se pode majorar a base de cálculo do IPTU sem a edição de lei.
A respeito: AgRg no AREsp 66.849/MG, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/12/2011; AgRg no AREsp 5.910/GO, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/08/2011; AgRg nos EDcl no REsp 952.132/RS, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/09/2009; REsp 209.443/PR, Rel.
Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 22/03/2004. 5.
Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 719.474/SP, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015).
Assim, no que concerne à majoração de tributo, assim entendido os valores cobrados de um exercício financeiro para o outro além dos índices oficiais de atualização monetária, somente são exigíveis quando expressamente indiquem os fundamentos e os critérios legais de cálculo do tributo pela autoridade tributária de acordo com o regime jurídico-tributário a que se subsomem.
Por fim, ainda importa mencionar que há aparente violação da isonomia no proceder da Administração Tributária, uma vez que a adoção de avaliação individualizada alheia a critérios legais definidos para contribuintes em uma mesma situação fática e jurídica, sugere, em análise preliminar, potencial ofensa à igualdade material tributária, evidenciando ainda mais a ausência de parâmetro legal para cálculo do tributo devido.
Acerca da igualdade tributária, registre-se que a isonomia imposta pelo art. 150, II, da CF impede que haja diferenciação tributária entre contribuintes que estejam em situação equivalente, ou seja, veda a discriminação arbitrária, uma vez que não confere qualquer espaço para simples privilégios em favor de tais ou quais contribuintes, como demonstra existir na hipótese presente.
A violação à isonomia capaz de autorizar a desconstituição do ato inconstitucional surge precisamente quando o tratamento diferenciado é criado para distinguir, sem qualquer parâmetro justificável, contribuintes que se encontram em situação equivalente, criando discriminação incompatível com o Estado Democrático de Direito e as premissas decorrentes do princípio republicano.
Como limitação constitucional ao poder de tributar, a isonomia substancial é alçada à garantia constitucional voltada para proteger o contribuinte de arbítrio e abusos do ente tributante, sendo certo que “(...) algumas dessas limitações constitucionais ao poder de tributar constituem cláusulas pétreas, por se inserirem no contexto dos direitos e garantias individuais, em especial no que toca aos princípios da igualdade tributária e da vedação ao confisco.” (Excerto do voto condutor do Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, quando do julgamento, pelo STF, do RE 573675, mar/09).
Relembro, também, que toda a legislação tributária, por força do disposto no art. 96 do CTN, possui finalidade integrativa e deve ter seu conteúdo e alcance restritos às normas em que encontram seu fundamento de validade, motivo pelo qual, inexistindo lei local a instituir a majoração do tributo, não poderia ato infralegal ou ato administrativo discricionário (avaliação individual) determinar o aumento questionado em desacordo com as normas constitucionais que representam cláusula pétrea do contribuinte, de observância obrigatória e cuja desobediência tem o condão de desobrigar o administrado.
Com isso, o ato administrativo que representa majoração tributária indevida, em valores muito superiores a simples atualização monetária se insere no rol dos que maculam a norma constitucional, federal e estadual, e inclusive a Lei Orgânica do próprio município, motivo pelo qual não pode ser reconhecida como válida, impondo-se o reconhecimento da nulidade do lançamento questionado.
Tal circunstância, em juízo de cognição sumária, indica a probabilidade de invalidade do lançamento questionado, sem prejuízo de análise mais aprofundada quando do exame do mérito da causa.
O perigo da demora manifesta-se de múltiplas formas no caso em análise.
Em primeiro plano, há risco iminente decorrente da incidência contínua de encargos moratórios sobre o débito questionado, incluindo juros, multa e correção monetária, o que pode ampliar significativamente o passivo tributário da agravante enquanto se discute a própria legitimidade da cobrança.
Além disso, a manutenção da exigibilidade do crédito tributário permite ao Município adotar medidas coercitivas de cobrança, como o ajuizamento de execução fiscal, com a possibilidade de constrição patrimonial através de penhora online, indisponibilidade de bens e outras medidas executivas que podem comprometer severamente a atividade empresarial da agravante.
A situação é ainda mais grave considerando que as restrições fiscais decorrentes do débito impugnado comprometem a regularidade da atividade econômica da agravante, impedindo a obtenção de certidões de regularidade fiscal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, confirmando a decisão liminar (ID 28794589), para determinar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU e à Taxa de Lixo dos exercícios de 2018 a 2025, relativos ao imóvel situado na Rua Bela Vista, Lote 111, Quadra 4 (Inscrição Imobiliária 1.006.0056.01.0199.0000.4, Sequencial 30082501), nos termos do art. 151, V do Código Tributário Nacional, bem como para que o Município de Natal se abstenha de inscrever em dívida ativa os débitos ora questionados enquanto perdurar a suspensão de sua exigibilidade, determinando ainda a expedição de certidão positiva com efeito de negativa em favor da agravante, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional, em relação aos débitos objeto desta demanda. É como voto.
Desembargador Dilermando Mota Relator L Natal/RN, 14 de Abril de 2025. -
02/04/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Primeira Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0800159-04.2025.8.20.0000, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 14-04-2025 às 08:00, a ser realizada no Primeira Câmara Cível (NÃO VIDEOCONFERÊNCIA).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 1 de abril de 2025. -
12/02/2025 03:36
Decorrido prazo de MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA em 11/02/2025 23:59.
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12/02/2025 01:15
Decorrido prazo de MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA em 11/02/2025 23:59.
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23/01/2025 10:34
Conclusos para decisão
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23/01/2025 09:57
Juntada de Petição de parecer
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22/01/2025 09:04
Publicado Intimação em 21/01/2025.
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22/01/2025 09:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 14/01/2025
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21/01/2025 14:55
Expedição de Outros documentos.
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21/01/2025 14:15
Juntada de Petição de contrarrazões
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21/01/2025 06:42
Publicado Intimação em 21/01/2025.
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21/01/2025 06:42
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 14/01/2025
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14/01/2025 13:10
Juntada de documento de comprovação
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14/01/2025 12:57
Expedição de Ofício.
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14/01/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gabinete do Desembargador Dilermando Mota AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 0800159-04.2025.8.20.0000 AGRAVANTE: MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA ADVOGADO(A): PAULO CESAR DE LUCENA LEANDRO AGRAVADO: MUNICIPIO DE NATAL ADVOGADO(A): Relator: Desembargador Dilermando Mota DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por MEDEIROS E MARTINS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal, que nos autos de nº 0812431-96.2024.8.20.5001, proposta em desfavor do MUNICÍPIO DE NATAL, indeferiu pedido de tutela de urgência que visava a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU.
Nas razões de ID 139691959, o agravante alega que o Município de Natal elevou indevidamente o valor venal do imóvel de R$ 18.024,38 para R$ 546.520,00, gerando majoração desproporcional do IPTU, sem respaldo legal ou técnico que justifique tal aumento.
O agravante aduz que não houve modificação estrutural relevante no imóvel que justificasse a alteração da base de cálculo, tendo sido realizada apenas a instalação de uma cobertura simples para proteção de veículos.
Sustenta que a avaliação individual realizada pelo Município viola o princípio da legalidade tributária e da isonomia, pois foi feita sem critérios objetivos previamente estabelecidos em lei.
Argumenta ainda que a existência dos débitos questionados impede o usufruto do desconto de 16% no pagamento antecipado do IPTU de outros imóveis de sua propriedade, cujo prazo se encerra em 10/01/2025, o que lhe causará prejuízo financeiro imediato.
Por conseguinte, pugna pela concessão de tutela antecipada recursal para suspender a exigibilidade dos débitos discutidos, referentes ao IPTU e à Taxa de Lixo dos exercícios de 2018 a 2025, bem como para que tais débitos não impactem nos demais imóveis de sua propriedade.
Junta documentos. É o relatório.
Decido.
Conheço do agravo, uma vez preenchidos seus requisitos extrínsecos de admissão.
A teor do disposto nos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Na situação em exame, pretende a agravante a concessão de tutela de urgência voltada à suspensão da exigibilidade dos débitos de IPTU e Taxa de Lixo, bem como seus efeitos sobre outros imóveis de sua propriedade.
Mister ressaltar que em se tratando de Agravo de Instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, aos requisitos aptos à concessão da medida sem, contudo, adentrar a questão de fundo da matéria.
Desse modo, em uma análise perfunctória, própria desse momento processual, entendo que os pedidos do agravante merecem acolhimento.
De início, verifico que a probabilidade do direito está evidenciada pela aparente violação a duas das principais limitações constitucionais ao poder de tributar: i) a legalidade tributária, prevista no art. 150, I, da Constituição Federal, que impõe vedação aos entes tributantes exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; e ii) a isonomia, prevista no art. 150, II, da CF, que estabelece vedação aos entes tributantes instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
O Código Tributário Municipal, a partir das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 171/2017, passou a estabelecer como parâmetro prioritário na definição da base de cálculo do IPTU o procedimento de "avaliação individual" do imóvel e, somente quando este não for utilizado, é que se poderá adotar os critérios fixados pela Planta Genérica de Valores e da Tabela de Preços da Construção.
Os artigos em discussão, então, estão assim prescritos, verbis: “Art. 24 – A avaliação dos imóveis, para efeito de apuração do valor venal, quando não realizada de forma individual, conforme previsto no art. 25, será determinada, anualmente, pelo Poder Executivo, de conformidade com os critérios estabelecidos neste Código, através da Planta Genérica de Valores de Terrenos e da Tabela de Preços de Construção que estabelecem os valores unitários do metro quadrado de terreno por face de quadra dos logradouros públicos e por tipo de construção, respectivamente, constantes das Tabelas VII e VIII, em anexo. (Redação dada pela Lei Complementar Nº 171 de 30/11/2017) §1º A Planta Genérica de Valores de Terrenos e a Tabela de Preços de Construção são decretados pelo Poder Executivo, até o dia 31 de dezembro de cada exercício, para vigorar de 1º de janeiro a 31 de dezembro do exercício seguinte. §2º- A Fazenda Municipal realiza o lançamento do IPTU com base na Planta Genérica de Valores de Terrenos e Tabela de Preços de Construção vigentes no exercício anterior, atualizadas monetariamente quando essas não forem decretadas até a data prevista no parágrafo anterior.” “Art. 25 – O valor venal do imóvel, assim entendido o valor que este alcançaria para compra e venda à vista, segundo as condições do mercado, será obtido através de avaliação individual e, na falta desta, através da Planta Genérica de Valores de terrenos e da tabela de preços da construção, utilizando-se a metodologia de cálculo prevista nesta Lei. (Redação dada pela Lei Complementar Nº 171 de 30/11/2017) A interpretação que vem sendo conferida aos referidos dispositivos não estão, contudo, atendendo a exegese mais adequada dos parâmetros constitucionais que orientam a Administração Tributária e a atividade de lançamento.
Sobre a matéria, ainda é preciso esclarecer que a interpretação do Administrador Público, e de forma ainda mais restrita, a do Administrador Tributário, deve ser fidedigna ao bloco de juridicidade que vincula toda a sua atividade, de modo que, no caso concreto, os referidos dispositivos do CTM também estão sendo utilizados pelo Fisco Municipal em detrimento das expressas previsões contidas no Código Tributário Nacional, especificamente os arts. 97, IV e § 1.º, 142, parágrafo único e 148, verbis: “Art. 97.
Somente a lei pode estabelecer: (...) IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.” “Art. 142.
Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único.
A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” “Art. 148.
Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial”.
Neste sentido, importa destacar que o aumento de tributo, nos termos do art. 150, I, da Constituição Federal, somente pode se dar pela via legislativa, ou seja, por lei específica, dispositivo esse que se aplica a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, norma que foi reproduzida de forma idêntica na Constituição do Estado, em seu art. 95, I, verbis: "Art. 95.
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça" Ainda, a própria Lei Orgânica do Município igualmente estabelece vedação à instituição ou majoração de tributo sem a correspondente previsão legal, conforme segue: Art. 8.º.
Ao Município é vedado: (...) IV - instituir ou aumentar tributo sem Lei que o estabeleça; Trata-se, assim, de clara norma constitucional de reprodução obrigatória relativa à limitação ao poder de tributar, regulada por rígidos princípios, os quais não podem ser esquecidos pelo administrador público, sequer na interpretação de sua atividade, plenamente vinculada, como previsto no art. 142, parágrafo único do CTN.
A atividade administrativa de lançamento, então, por ser vinculada, não permite espaço para qualquer discricionariedade do administrador público, que apenas deve cumprir as determinações impostas pelo legislador, de acordo com a interpretação consentânea com as balizas próprias da atividade desenvolvida.
A esse respeito, lembre-se que "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça" é uma das principais limitações constitucionais ao poder de tributar imposto ao Poder Público e considerado cláusula pétrea em proteção ao contribuinte como decorrência da máxima "no taxation without representation", a qual preleciona que nenhuma cobrança será imposta sem a devida autorização pelos representantes do povo.
Disso decorre que nenhum tributo será criado ou majorado sem lei em sentido estrito, ainda que se permita a alteração das alíquotas do II, IE, IPI, IOF e CIDE-Combustíveis por ato do Poder Executivo, conforme art. 153, § 1.º; art. 177, § 4.ª, I, b, da Constituição Federal, e do ICMS-monofásico sobre combustíveis, que são definidas por convênio, de acordo com art. 155, § 4.º, IV, também da Constituição e que, por óbvio, não representam a específica hipótese dos autos.
A exigência de obediência ao princípio da legalidade tributária, entendido na estrita legalidade, decorre do princípio democrático, de modo que ainda que se trate de majoração de base de cálculo e não da criação do tributo em si, tal possibilidade, por ter sido ampliada em lei local interpretada em desconformidade com a Constituição Federal, viola, como dito, duas das principais garantias do contribuinte, previstas nos dispositivos constitucionais referenciados. É nesta perspectiva que o Código Tributário Nacional, em seu art. 97, inciso IV, impõe que a base de cálculo do tributo somente pode ser estabelecida por lei, de modo que, em relação ao IPTU, é plenamente possível, e admitido jurisprudencialmente, que a simples atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, com índices oficiais de correção monetária, possa ser feita por meio de decreto municipal, uma vez que a atualização não implica em majoração de tributo, sendo permitida a sua atualização por ato infralegal, como se vê do § 2.º do dispositivo supracitado.
O caso em análise aparenta configurar, em juízo preliminar, possível ofensa às limitações ao poder de tributar, uma vez que os critérios de cálculo utilizados não foram claramente disponibilizados por meio de atos infralegais, havendo indícios de que foi conferida significativa margem de discricionariedade ao auditor fiscal na definição do montante tributável através do procedimento de avaliação individual.
Tal situação, em cognição sumária própria deste momento processual, sugere potencial desconformidade com os princípios que regem a atividade tributária.
Contrariamente, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, nem mesmo o imóvel posterior à edição de Planta Genérica de Valores pode ter a base de cálculo arbitrada ou fixada sem parâmetro legalmente previsto, apenas com base em avaliação individual, conforme segue: “Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA.
NÍTIDO OBJETIVO DE REDISCUTIR A MATÉRIA.
CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA.
ANÁLISE DE PRÉVIA DE PROVAS E DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS.
SÚMULA 279 DO STF.
EVENTUAL AFRONTA À CONSTITUIÇÃO SERIA INDIRETA.
CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO.
EXISTÊCIA DE ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF.
DESNECESSIDADE.
TRIBUTÁRIO.
IPTU.
BASE DE CÁLCULO.
IMÓVEL QUE SURGIU APÓS A LEI QUE PREVÊ A PLANTA GENÉRICA DE VALORES.
AVALIAÇÃO INDIVIDUAL REALIZADA POR MEO DE DECRETO.
AFRONTA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL (ART. 150, I, DA CF).
ENTENDIMENTO FIXADO EM PRESCEDENTE COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) III – Essa Corte, no julgamento de feito com repercussão geral reconhecida, RE 648.245/MG, Rel.
Min.
Gilmar Mendes, reiterou seu entendimento no sentido de que, com base no princípio da reserva legal (art. 150, I, da CF), somente por lei em sentido formal é possível instituir, alterar ou majorar a base de cálculo do IPTU, cabendo apenas sua atualização por meio de decreto, desde que em patamar inferior aos índices inflacionários oficiais de correção monetária.
IV – É inconstitucional decreto que, pela primeira vez, estabelece os valores (avaliação individual) que servem de base de cálculo para exigir o IPTU sobre os imóveis descritos nos autos, ainda que se trate de bem que surgiu após a lei que prevê a planta genérica de valores que servem de base para cálculo do imposto.
V – Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 820303 ED, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014) Não se olvide que, em se tratando de Administração Tributária, somente se permite o que for expressamente previsto em lei, de modo que, havendo imposição constitucional e legal para que a base de cálculo do tributo seja definida por lei, bem como para que a majoração do tributo igualmente seja veiculada por meio de lei específica, a interpretação que confere ao administrador público municipal a adoção de critérios discricionários em procedimento de avaliação individualizada caracteriza, em verdade, indevido arbitramento capaz de ensejar o reconhecimento da nulidade dos lançamentos realizados sob tais parâmetros.
Até mesmo a Planta Genérica de Valores, prevista como parte integrante da Lei de instituição do tributo e que possui todos os critérios para aferição da base de cálculo, conferindo situação de isonomia entre os contribuintes residentes em uma mesma área, de acordo com valores unitários de mercado considerados o terreno e a construção, em atenção ao princípio da legalidade estrita que rege a Administração Tributária, somente é considerada lícita após a sua devida edição por meio de lei específica e a sua respectiva publicidade, uma vez que os critérios a serem utilizados pelo administrador na sua atuação de ofício devem ser previamente conhecidos e publicizados.
Ademais, ainda que seja veiculada majoração de base de cálculo por decreto que, porventura, indique todos os critérios necessários para conferir a publicidade necessária ao atendimento dos comandos constitucionais, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento tranquilo no sentido de que “(...) É incompatível com a Constituição da República a majoração da base de cálculo do imposto predial e territorial urbano (IPTU), sem prévia edição de lei em sentido formal, por ser vedada a sua atualização, por ato do Poder Executivo, em percentual superior aos índices oficiais.
Precedentes” (ARE 876047 AgR-segundo, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 21/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-233 DIVULG 31-10-2018 PUBLIC 05-11-2018).
O referido entendimento, destaque-se, é matéria há muito definida em precedente vinculante pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do leading case RE n.º 648245 (Tema 211), em que restou firmada a tese segundo a qual “A majoração do valor venal dos imóveis para efeito da cobrança de IPTU não prescinde da edição de lei em sentido formal, exigência que somente se pode afastar quando a atualização não excede os índices inflacionários anuais de correção monetária".
Do mesmo modo, o STJ possui jurisprudência tranquila sobre a matéria, tendo em vista a impossibilidade de atualização acima da correção monetária, uma vez que “(...) conforme sedimentado na Súmula n. 160 do STJ, é pacífico no âmbito do STJ o entendimento segundo o qual, com exceção da correção monetária do valor venal, não se pode majorar a base de cálculo do IPTU sem a edição de lei.
A respeito: AgRg no AREsp 66.849/MG, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/12/2011; AgRg no AREsp 5.910/GO, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/08/2011; AgRg nos EDcl no REsp 952.132/RS, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/09/2009; REsp 209.443/PR, Rel.
Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 22/03/2004. 5.
Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 719.474/SP, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015).
Assim, no que concerne à majoração de tributo, assim entendido os valores cobrados de um exercício financeiro para o outro além dos índices oficiais de atualização monetária, somente são exigíveis quando expressamente indiquem os fundamentos e os critérios legais de cálculo do tributo pela autoridade tributária de acordo com o regime jurídico-tributário a que se subsomem.
Por fim, ainda importa mencionar que há aparente violação da isonomia no proceder da Administração Tributária, uma vez que a adoção de avaliação individualizada alheia a critérios legais definidos para contribuintes em uma mesma situação fática e jurídica, sugere, em análise preliminar, potencial ofensa à igualdade material tributária, evidenciando ainda mais a ausência de parâmetro legal para cálculo do tributo devido.
Acerca da igualdade tributária, registre-se que a isonomia imposta pelo art. 150, II, da CF impede que haja diferenciação tributária entre contribuintes que estejam em situação equivalente, ou seja, veda a discriminação arbitrária, uma vez que não confere qualquer espaço para simples privilégios em favor de tais ou quais contribuintes, como demonstra existir na hipótese presente.
A violação à isonomia capaz de autorizar a desconstituição do ato inconstitucional surge precisamente quando o tratamento diferenciado é criado para distinguir, sem qualquer parâmetro justificável, contribuintes que se encontram em situação equivalente, criando discriminação incompatível com o Estado Democrático de Direito e as premissas decorrentes do princípio republicano.
Como limitação constitucional ao poder de tributar, a isonomia substancial é alçada à garantia constitucional voltada para proteger o contribuinte de arbítrio e abusos do ente tributante, sendo certo que “(...) algumas dessas limitações constitucionais ao poder de tributar constituem cláusulas pétreas, por se inserirem no contexto dos direitos e garantias individuais, em especial no que toca aos princípios da igualdade tributária e da vedação ao confisco.” (Excerto do voto condutor do Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, quando do julgamento, pelo STF, do RE 573675, mar/09).
Relembro, também, que toda a legislação tributária, por força do disposto no art. 96 do CTN, possui finalidade integrativa e deve ter seu conteúdo e alcance restritos às normas em que encontram seu fundamento de validade, motivo pelo qual, inexistindo lei local a instituir a majoração do tributo, não poderia ato infralegal ou ato administrativo discricionário (avaliação individual) determinar o aumento questionado em desacordo com as normas constitucionais que representam cláusula pétrea do contribuinte, de observância obrigatória e cuja desobediência tem o condão de desobrigar o administrado.
Com isso, o ato administrativo que representa majoração tributária indevida, em valores muito superiores a simples atualização monetária se insere no rol dos que maculam a norma constitucional, federal e estadual, e inclusive a Lei Orgânica do próprio município, motivo pelo qual não pode ser reconhecida como válida, impondo-se o reconhecimento da nulidade do lançamento questionado.
Com isso, o ato administrativo que resultou em aparente majoração tributária expressiva, em valores que superam significativamente a mera atualização monetária, aponta, em análise preliminar, para desconformidade com as normas constitucionais, federais e estaduais, bem como com a Lei Orgânica do próprio município.
Tal circunstância, em juízo de cognição sumária, indica a probabilidade de invalidade do lançamento questionado, sem prejuízo de análise mais aprofundada quando do exame do mérito da causa.
O perigo da demora manifesta-se de múltiplas formas no caso em análise.
Em primeiro plano, há risco iminente decorrente da incidência contínua de encargos moratórios sobre o débito questionado, incluindo juros, multa e correção monetária, o que pode ampliar significativamente o passivo tributário da agravante enquanto se discute a própria legitimidade da cobrança.
Além disso, a manutenção da exigibilidade do crédito tributário permite ao Município adotar medidas coercitivas de cobrança, como o ajuizamento de execução fiscal, com a possibilidade de constrição patrimonial através de penhora online, indisponibilidade de bens e outras medidas executivas que podem comprometer severamente a atividade empresarial da agravante.
A situação é ainda mais grave considerando que as restrições fiscais decorrentes do débito impugnado comprometem a regularidade da atividade econômica da agravante, impedindo a obtenção de certidões de regularidade fiscal.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal para determinar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao IPTU e à Taxa de Lixo dos exercícios de 2018 a 2025, relativos ao imóvel situado na Rua Bela Vista, Lote 111, Quadra 4 (Inscrição Imobiliária 1.006.0056.01.0199.0000.4, Sequencial 30082501), nos termos do art. 151, V do Código Tributário Nacional, bem como para que o Município de Natal se abstenha de inscrever em dívida ativa os débitos ora questionados enquanto perdurar a suspensão de sua exigibilidade, determinando ainda a expedição de certidão positiva com efeito de negativa em favor da agravante, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional, em relação aos débitos objeto desta demanda.
Intime-se o Agravado para, querendo, oferecer resposta ao presente recurso, sendo-lhe facultado juntar as cópias que entender convenientes.
Oficie-se o juízo a quo, enviando-lhe cópia de inteiro teor dessa Decisão para fins de conhecimento.
Em seguida, encaminhem-se os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins.
Cumpridas as diligências, à conclusão.
Publique-se.
Data registrada digitalmente.
Desembargador Dilermando Mota Relator -
13/01/2025 10:57
Expedição de Outros documentos.
-
13/01/2025 10:54
Expedição de Outros documentos.
-
11/01/2025 13:11
Concedida a Antecipação de tutela
-
10/01/2025 08:48
Juntada de Petição de comprovante de pagamento de preparo de custas para agravo de instrumento
-
10/01/2025 07:54
Conclusos para decisão
-
10/01/2025 07:54
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/01/2025
Ultima Atualização
22/04/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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