TJRN - 0819653-18.2024.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. Des. Joao Reboucas Na Camara Civel
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Polo Ativo
Polo Passivo
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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26/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0819653-18.2024.8.20.5001 Polo ativo MARIA ELENILDE FERREIRA TAVARES Advogado(s): FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO Polo passivo HUMANA ASSISTENCIA MEDICA LTDA Advogado(s): MARCUS VINICIUS DE ALBUQUERQUE BARRETO Apelação Cível nº 0819653-18.2024.8.20.5001.
Apelante: Maria Elenilde Tavares.
Advogada: Dra.
Flávia da Câmara Sabino Pinho Marinho.
Apelada: Humana Assistência Médica LTDA.
Advogado: Dr.
Marcus Vinícius de Albuquerque Barreto.
Relator: Juiz Convocado Cícero Macedo.
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO À SAÚDE.
APELAÇÃO CÍVEL.
PLANO DE SAÚDE.
NEGATIVA DE CUSTEIO DE MEDICAMENTO PRESCRITO PARA GESTANTE COM TROMBOFILIA.
USO DOMICILIAR E AUSÊNCIA NO ROL DA ANS.
CLÁUSULA ABUSIVA.
DANO MORAL CONFIGURADO.
CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de fornecimento, por plano de saúde, do medicamento “enoxaparina sódica”, na dosagem de 60 mg, prescrito a gestante diagnosticada com trombofilia, para uso durante toda a gestação e até 45 dias após o parto.
A autora também pleiteou indenização por danos morais, sob o argumento de que a negativa comprometeu sua saúde e gerou angústia emocional, sobretudo por já possuir histórico de aborto espontâneo.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) definir se é abusiva a recusa de cobertura de medicamento prescrito para tratamento de gestante com trombofilia, sob a justificativa de uso domiciliar e ausência no rol da ANS; (ii) estabelecer se a negativa indevida de cobertura gera direito à compensação por danos morais.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, vedando cláusulas que imponham desvantagem excessiva ao consumidor ou que restrinjam direitos fundamentais, especialmente quando comprometem o objeto do contrato — a promoção da saúde (CDC, art. 51, IV, § 1º, II). 4.
A jurisprudência consolidada do STJ admite que o rol da ANS é exemplificativo, não exaustivo, permitindo a cobertura de tratamentos que, embora não previstos, sejam essenciais à saúde do paciente e indicados por profissional habilitado, especialmente em casos de risco gestacional (REsp 1975341/SC, AgInt no REsp 1.904.349/SP). 5.
A cláusula que exclui medicamento de uso domiciliar revela-se abusiva quando este é indispensável, prescrito por especialista e relacionado à doença coberta pelo plano, como no caso da enoxaparina sódica para prevenção de eventos tromboembólicos em gestante com trombofilia. 6.
A recusa imotivada da operadora em fornecer o medicamento comprometeu a continuidade e a segurança da gestação, violando a dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III), o direito à vida e à saúde da consumidora e de seu feto. 7.
A negativa indevida de cobertura em momento de extrema vulnerabilidade enseja reparação por dano moral, presumido diante do abalo psíquico gerado, nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte, sendo fixado o valor indenizatório em R$ 5.000,00, em conformidade com precedentes análogos.
IV.
DISPOSITIVO 8.
Recurso conhecido e provido.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 5º, X; CDC, arts. 6º, I, 47, 51, IV, § 1º, II; Lei nº 9.656/1998, art. 10, § 10 (com redação da Lei nº 14.307/2022).
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1975341/SC, Rel.
Min.
Antônio Carlos Ferreira, j. 30.09.2022; STJ, AgInt no REsp 1.904.349/SP, Rel.
Min.
Raul Araújo, j. 10.05.2021; STJ, AgInt no AREsp 1.433.371/SP, Rel.
Min.
Maria Isabel Gallotti, j. 24.09.2019; TJRN, AC nº 0812735-95.2024.8.20.5001, Rel.
Des.
Sandra Elali, j. 19.12.2024; TJRN, AC nº 0851343-02.2023.8.20.5001, Rel.
Des.
Cláudio Santos, j. 19.06.2024.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores da Primeira Turma da Segunda Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por Maria Elenilde Tavares em face da sentença proferida pelo Juízo da 9ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Obrigação de Fazer ajuizada em desfavor da Humana Assistência Médica LTDA, julgou improcedente o pedido inicial que visava determinar o plano de saúde o custeio e fornecimento do medicamento enoxaparina sódica (60 mg).
Em suas razões, a parte apelante alega que foi diagnosticada com trombofilia e sua médica assistente prescreveu a medicação pleiteada a fim de garantir a manutenção de sua gravidez considerada de alto risco.
Argumenta que a ausência do medicamento implica sério risco à sua vida e à do nascituro, apontando, inclusive, histórico gestacional anterior com complicações e óbito do feto.
Destaca que o pedido foi negado administrativamente pelo plano de saúde apelado sob a justificativa de que o medicamento não está incluído no rol da ANS e seria de uso domiciliar, não se enquadrando nas coberturas obrigatórias, argumento acatado pelo juízo a quo.
Assevera que a jurisprudência pátria entende que tais exclusões contratuais, quando configuram restrição de tratamento de doença coberta, são consideradas abusivas e nulas de pleno direito, por afrontarem o disposto no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Argumenta a enoxaparina sódica foi incorporada ao SUS desde o ano de 2018, com parecer favorável técnico-científico do Ministério da Saúde, razão pela qual se mostra evidente sua obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras, inclusive em regime ambulatorial ou domiciliar, sobretudo quando houver prescrição médica e comprovação de urgência, como nos presentes autos.
Sustenta que os documentos acostados aos autos evidenciam que a gestação da apelante é de risco e que o uso contínuo do medicamento prescrito é imprescindível para evitar episódios trombóticos que podem comprometer sua vida e a do feto.
Expõe que “o dever de indenizar encontra-se plenamente configurado, eis que o ilícito da Ré está evidenciado com a negativa no fornecimento do fármaco, indispensável ao tratamento da Autora, contrariando a legislação e jurisprudência pátria”.
Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a sentença, “deferindo a condenação da Ré ao fornecimento de 276 (duzentas e setenta e seis) unidades do medicamento denominado enoxaparina sódica em dosagem inicial de 60 mg, mantendo o fornecimento até o final do tratamento médico”, bem como condenar o apelado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 31430360).
O feito não foi remetido ao Ministério Público por não se enquadrar nas hipóteses dos arts. 127 e 129 da Constituição Federal e arts. 176 a 178 do Código de Processo Civil. É o relatório.
VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
O cerne do presente recurso consiste em saber se deve, ou não, ser mantida sentença, que julgou improcedente o pedido inicial, para determinar que o plano de saúde forneça à autora, em caráter definitivo, o medicamento “enoxaparina sódica”, na dosagem de 60 mg, durante todo o período gestacional até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto.
Inicialmente, cumpre consignar que a relação contratual em análise trata-se de uma relação de consumo devidamente regulamentada pela Lei nº 8.078/1990, Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido já sumulou o Superior Tribunal de Justiça: Súmula 608-STJ: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidade de autogestão”.
Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem.
Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.
Volvendo-se o caso dos autos, observa-se que a parte apelante, gestante, foi diagnosticada com trombofilia, já tendo histórico de aborto espontâneo e, em razão disso, foi estabelecido por prescrição médica o uso “urgente e imediato” da enoxaparina sódica dosagem inicial de 60 mg, sendo negado pelo apelado.
Com efeito, conforme termos do laudo emitido pela médica obstetra (Id 31425757), “A realização do tratamento é IMPRESCINDÍVEL PARA MANUTENÇÃO DA SAÚDE MATERNO-FETAL, NÃO PODENDO SER INTERROMPIDO OU PARALISADO”.
Nesse sentido, imperativo ver aplicado o preceito constitucional resguardado no art. 1º, III o qual a dignidade da pessoa humana deve prevalecer ao direito eminentemente pecuniário.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, uma vez coberta pelo plano a moléstia que acomete o segurado, não é possível a operadora limitar o tratamento a ser utilizado, especialmente quando devidamente prescrito pelo médico responsável.
Destarte, tem-se que a cláusula contratual que exclui a cobertura para o tratamento da doença que acomete a beneficiária com utilização do tratamento solicitado pelo seu médico assistente, é abusiva e ilegal, pois frustra o próprio objeto do contrato, que consiste na prestação de procedimentos médico - hospitalares para possibilitar a prevenção e devida proteção à saúde.
Diante disso, há entendimento consolidado na jurisprudência que a recomendação para determinado tratamento é de ordem médica, sendo o profissional quem possui o conhecimento específico em relação ao tratamento a ser utilizado, não cabendo às operadoras substituírem os técnicos nessa situação, sob pena de se colocar em risco a vida do paciente.
Uma vez que a indicação médica foi para fazer uso de “forma urgente e imediata” da medicação enoxaparina sódica, resta claro que esta é a medida mais correta e eficaz ao tratamento da doença.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou: “RECURSO ESPECIAL Nº 1975341 - SC (2021/0372130-8) DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea a, da CF, contra acórdão do TJSC assim ementado (e-STJ fl. 321): APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
GESTANTE COM TROMBOFILIA.
TRATAMENTO DIÁRIO COM FÁRMACO INJETÁVEL.
ENOXOPARINA 40MG.
NEGATIVA DE FORNECIMENTO.
MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR.
IRRELEVÂNCIA.
PLANO QUE ENGLOBA A COBERTURA PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA E DO ESTADO GESTACIONAL.
DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS QUE DEVEM SER INTERPRETADAS DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR (ART. 47 DO CDC).
PRECEDENTES.
FÁRMACO, ADEMAIS, REGISTRADO NA ANVISA PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA QUE ACOMETE A AUTORA.
DEVER DE CUSTEIO RECONHECIDO.
ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO (TEMA 990).
ABALO ANÍMICO NÃO CONFIGURADO.
NEGATIVA INICIAL EMBASADA EM DIRETRIZ LEGAL QUE NÃO PODE SER TIDA POR ABUSIVA.
RECONHECIMENTO DA OBRIGAÇÃO APÓS INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DO CASO.
MANUTENÇÃO DO DECISUM.
RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. [...].
Conforme o entendimento desta Corte Superior, é "abusiva a recusa de custeio do medicamento prescrito pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que ministrado em ambiente domiciliar" ( AgInt no AREsp 1.433.371/SP, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 24/9/2019).
Do mesmo modo: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
PLANO DE SAÚDE.
MEDICAMENTO DE USO DOMICILIAR.
NEGATIVA DE COBERTURA.
CONDUTA ABUSIVA.
TRATAMENTO PRESCRITO POR PROFISSIONAL HABILITADO.
RECUSA INDEVIDA.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. É possível que o plano de saúde estabeleça as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização, de acordo com o proposto pelo médico.
Precedentes. 2.
A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que é "abusiva a recusa de custeio do medicamento prescrito pelo médico responsável pelo tratamento do beneficiário, ainda que ministrado em ambiente domiciliar" ( AgInt no AREsp 1.433.371/SP, Rel.
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 24/9/2019). 3.
Agravo interno a que se nega provimento. ( AgInt no REsp n. 1.904.349/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/5/2021, DJe de 9/6/2021.) A Corte local condenou a recorrente ao custeio do medicamento descrito na exordial, por ser abusiva a negativa de cobertura de medicação registrada na ANVISA e indicada pelo médico assistente, nos seguintes termos (e-STJ fl. 316): Sob esta ótica, atente-se que a ANVISA já aprovou a utilização do princípio Enoxaparina Sódica para o tratamento de trombose venosa (. ..) Diante deste cenário, efetivamente não há como se eximir a operadora de plano saúde da obrigação de cobertura, especialmente porque, como alhures mencionado, o fármaco indicado pela médica assistente é indispensável à saúde da gestante e do bebê então em gestação.
Estando o acórdão impugnado conforme a jurisprudência assente neste Tribunal Superior, incide a Súmula n. 83/STJ, que se aplica tanto aos recursos interpostos com base na alínea c quanto àqueles fundamentados pela alínea a do permissivo constitucional.” (STJ - REsp: 1975341 SC 2021/0372130-8 - Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira – j. em 30/09/2022 - destaquei).
Além disso, a cobertura do plano de saúde não pode ser negada pelo fato de o procedimento ou exame não estar descrito no rol da ANS, já que, conforme entendimento jurisprudencial, a natureza do rol é meramente exemplificativa, com finalidade de estabelecer os procedimentos mínimos que devem ser observados pelas operadoras de plano de saúde.
Outrossim, a Lei nº 14.307/2022 introduziu nova redação ao disposto no § 10 do art. 10 da Lei dos Planos de Saúde, assim disposto: "Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 10.
As tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), instituída pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, serão incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar no prazo de até 60 (sessenta) dias".
Nesse ínterim, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - CONITEC já emitiu relatório para a incorporação da enoxaparina injetável para a prevenção de tromboembolismo venoso em gestantes com trombofilia no SUS, dada a efetividade do seu uso para fins de prevenção de tromboembolismo venoso em gestantes com trombofilia. (Disponível em - https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2021/20210708_relatorio_627_enoxaparina_trombofilia_p35.pdf- acesso em 24/10/2022).
Em casos semelhantes, esta Egrégia Corte já decidiu: “EMENTA: CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
PLANO DE SAÚDE.
NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ESSENCIAL.
TRATAMENTO ANTICOAGULANTE.
CONTINUIDADE GESTACIONAL.
GESTANTE EM ALTO RISCO.
ABUSIVIDADE.
DANO MORAL PRESUMIDO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.I.
CASO EM EXAME1.
Apelação interposta contra sentença da 16ª Vara Cível da Comarca de Natal que julgou procedentes os pedidos iniciais formulados para determinar o fornecimento do medicamento Clexane e condenar a empresa apelante ao pagamento de compensação por danos morais.
A controvérsia envolve a recusa da operadora de plano de saúde em fornecer medicamento prescrito para gestante em alto risco, sob a alegação de que o tratamento não consta do rol da ANS e seria de uso domiciliar.II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) Definir se a negativa da operadora de saúde, baseada na taxatividade do rol da ANS e na caracterização do medicamento como de uso domiciliar, é legítima. (ii) Estabelecer se a negativa enseja compensação por danos morais.III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
O Código de Defesa do Consumidor se aplica aos contratos de plano de saúde, vedando cláusulas abusivas que limitem direitos fundamentais à saúde e à dignidade da pessoa humana.4.
A jurisprudência dominante considera o rol da ANS meramente exemplificativo, admitindo a obrigatoriedade de cobertura de tratamentos ou medicamentos imprescindíveis ao paciente, ainda que não previstos no rol. 5.
No caso concreto, comprovou-se por laudo médico a necessidade do medicamento para prevenir eventos tromboembólicos em gestante de alto risco, o que torna abusiva a negativa de cobertura.6.
A recusa injustificada em fornecer o medicamento essencial acarretou sofrimento e abalo emocional à gestante, configurando dano moral presumido.7.
O quantum compensatório fixado em R$ 5.000,00 respeita os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, havendo sido observados os parâmetros de julgamentos deste Tribunal de Justiça em casos semelhantes.IV.
DISPOSITIVO E TESE8.
Recurso desprovido.Tese de julgamento:1.
A negativa de fornecimento de medicamento essencial prescrito para tratamento de gestante em alto risco, mesmo sob a justificativa de que o medicamento não consta do rol da ANS e é de uso domiciliar, caracteriza prática abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor.2.
A recusa injustificada de cobertura enseja a reparação por danos morais, presumíveis em razão do sofrimento causado ao consumidor.Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 5º, X; CDC, art. 54, § 4º; Lei nº 9.656/98, art. 10, § 13; Lei nº 14.454/22.
Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, Segunda Seção, j. 08.06.2022; TJRN, Apelação Cível nº 0810643-03.2023.8.20.5124, j. 20.11.2024; TJRN, Apelação Cível nº 0804060-02.2023.8.20.5124, j. 11.11.2024.” (TJRN – AC nº 0812735-95.2024.8.20.5001 - Relatora Desembargadora Sandra Elali – 2ª Câmara Cível – j. em 19/12/2024 - destaquei). “EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL.
PLANO DE SAÚDE.
NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO.
GESTANTE COM TROMBOFILIA.
NECESSIDADE DE USO DO MEDICAMENTO ENOXAPARINA SÓDICA 60MG.
GESTAÇÃO DE ALTO RISCO PARA A GESTANTE E O FETO.
PACIENTE COM HISTÓRICO DE ABORTO.
ALEGAÇÃO DE QUE O CONTRATO EXCLUI A COBERTURA DE REMÉDIOS DE USO DOMICILIAR.
INADMISSIBILIDADE.
O PLANO DE SAÚDE NÃO ESTÁ AUTORIZADO A FAZER A ESCOLHA DO MEDICAMENTO A SER UTILIZADO PARA TRATAR ENFERMIDADE.
ATRIBUIÇÃO DO PROFISSIONAL MÉDICO HABILITADO.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO DO MEDICAMENTO NO ROL DA ANS PARA OS FINS PRETENDIDOS.
DESCABIMENTO.
NECESSIDADE COMPROVADA POR LAUDO DE ESPECIALISTA.
RECUSA INDEVIDA.
DANOS MORAIS CARACTERIZADOS.
REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.
CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.” (TJRN – AC nº 0832675-80.2023.8.20.5001 - Relatora Desembargadora Lourdes Azevedo – 2ª Câmara Cível – j. em 14/06/2024 – destaquei). “EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C DANOS MORAIS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
DEMANDANTE EM ESTADO DE GRAVIDEZ COM DIAGNÓSTICO DE TROMBOFILIA.
INDICAÇÃO MÉDICA DE ADMINISTRAÇÃO DO MEDICAMENTO CLEXANE 80 MG (ENOXAPARINA SÓDICA).
NEGATIVA DE COBERTURA PELA COOPERATIVA DEMANDADA POR NÃO ESTAR O REFERIDO MEDICAMENTO INSERIDO NO ROL DA ANS.
DESCABIMENTO.
FÁRMACO COM EFICÁCIA COMPROVADA INTERNACIONALMENTE, CONSOANTE LITERATURA MÉDICA, PARA TRATAMENTO DE GESTANTES COM TROMBOFILIA.
LESÃO DE CUNHO MORAL CONFIGURADA (DANO IN RE IPSA).
DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE.
VALOR REPARATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS JULGADOS SIMILARES DESTA CORTE E AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
SENTENÇA REFORMADA.
CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.” (TJRN – AC nº 0851343-02.2023.8.20.5001 - Relator Desembargador Cláudio Santos – 1ª Câmara Cível– j. em 19/06/2024 - destaquei).
Dessa forma, ao negar o fornecimento da medicação enoxaparina sódica à apelante, a apelada impede a expectativa legítima da prestação dos serviços de saúde contratados, em afronta a prescrição médica.
DANO MORAL Quanto à condenação ao pagamento de indenização por danos morais, também vislumbro razões para a reforma da sentença.
Ora, ainda que o descumprimento não acarrete necessariamente a ocorrência de danos morais, estes são reconhecidos no caso porque a recusa injustificada de cobertura agrava a aflição psicológica e a angústia no espírito da segurada, que já se encontra abalada e fragilizada com o risco de perder mais uma gestação. É inegável que a negativa do Plano de saúde em não fornecer o fármaco solicitado configura ato ilícito, o qual deve ser compensado em razão do abalo moral suportado pelo autor, uma vez que é pacífico o entendimento jurisprudencial de que configura dano moral na modalidade in re ipsa a negativa injustificada do plano em autorizar procedimento prescrito por profissional que acompanha o segurado.
In casu, diante das circunstâncias presentes e considerando o parâmetro adotado por esta Corte em casos análogos, entendo que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), observa os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pertinentes aos danos experimentados no caso.
Em casos semelhantes esta Egrégia Corte já decidiu: “EMENTA: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA AUTORA/APELADA.
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO COM A MEDICAÇÃO CLEXANE.
NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE O CONTRATO EXCLUIR A TERAPÊUTICA DE USO DOMICILIAR.
INADMISSIBILIDADE.
INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DE COBERTURA.
TRATAMENTO ATESTADO POR MÉDICO COMO SENDO ADEQUADO À PACIENTE.
TAXATIVIDADE DO ROL DA ANS EXCEPCIONADA PELO STJ NO PRÓPRIO JULGAMENTO DO ERESP 1.889.704/SP.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DIREITO À VIDA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DE BENS OU SERVIÇOS (ART. 14 DO CÓDIGO CONSUMERISTA).
NEGATIVA QUE VIOLA DIREITO DO CONSUMIDOR.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
DEVER DE INDENIZAR.
DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS.
SENTENÇA REFORMADA.
PRECEDENTES.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ” (TJRN - AC nº 0837768-92.2021.8.20.5001 - Relator Desembargador Amaury Moura Sobrinho - 3ª Câmara Cível – j. em 07/12/2022 - destaquei).
Nessa linha de raciocínio, evidente o dano moral sofrido pelo demandante que, diante a necessidade de assistência continuada, teve que passar pela angústia e constrangimento de não obter o atendimento indicado pelo profissional habilitado para restabelecimento da sua saúde.
Face ao exposto, conheço e dou provimento ao recurso, para condenar a Humana Assistência Médica a fornecer à apelante o medicamento “enoxaparina sódica”, na dosagem de 60 mg, durante todo o período gestacional até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto, bem como ao pagamento em indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Diante disso, em razão da total procedência do pedido autoral, inverto o ônus da sucumbência, condenando a parte apelada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. É como voto.
Natal, data da sessão de julgamento.
Juiz Convocado Cícero Macedo Relator Natal/RN, 12 de Agosto de 2025. -
08/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0819653-18.2024.8.20.5001, foi pautado para a Sessão HÍBRIDA (Presencial / videoconferência) do dia 12-08-2025 às 08:00, a ser realizada no 2ª CC (HÍBRIDA).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 7 de agosto de 2025. -
29/05/2025 11:24
Conclusos para decisão
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29/05/2025 11:24
Redistribuído por prevenção em razão de modificação da competência
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28/05/2025 20:33
Determinação de redistribuição por prevenção
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28/05/2025 09:10
Recebidos os autos
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28/05/2025 09:10
Conclusos para despacho
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28/05/2025 09:10
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
29/05/2025
Ultima Atualização
15/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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