TJRN - 0802905-52.2022.8.20.5300
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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12/07/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0802905-52.2022.8.20.5300 Polo ativo ANA CRISTINA DA SILVA Advogado(s): SHANI DÉBORA ARAÚJO BANDEIRA Polo passivo MPRN - 76ª Promotoria Natal e outros Advogado(s): Apelação Criminal n° 0802905-52.2022.8.20.5300 Apelante: Ana Cristina da Silva Advogado: Dra.
Shani Débora Araújo Bandeira (OAB RN 15874) Apelado: Ministério Público Relator: Desembargador Glauber Rêgo Revisor: Juiz convocado Ricardo Tinôco EMENTA: PENAL.
PROCESSO PENAL.
ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06.
CONDENAÇÃO.
APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA.
PRELIMINAR SUSCITADA PELA PROCURADORIA (JUSTIÇA GRATUITA).
ACOLHIMENTO.
MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO.
PRECEDENTES DESTA CORTE.
MÉRITO.
PLEITO DE NULIDADE DA BUSCA PESSOAL E SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO.
ACOLHIMENTO.
CONTRARIEDADE NO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS A ENSEJAR A NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
ABSOLVIÇÃO.
MEDIDA IMPOSITIVA.
PRECEDENTES DO STF, STJ E DESTA CORTE.
RESTITUIÇÃO DO VALOR APREENDIDO ILEGALMENTE.
ACOLHIMENTO.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. - A justiça gratuita é matéria afeta à execução, de modo a não ser possível o conhecimento do apelo nesse ponto. - A contrariedade nos depoimentos dos policiais responsáveis pela busca pessoal/residencial evidenciou severas dúvidas quanto à sua legalidade, assim como da presença de justa causa, de modo que a nulidade das provas, com a consequente absolvição da apelante é medida impositiva. - Sabendo que a quantia de R$ 899,75 foi a apreendida na abordagem sob análise, imperiosa se faz a sua restituição. - Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido.
ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em acolher a preliminar de não conhecimento parcial do recurso (justiça gratuita), suscitada pela 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça.
Na parte conhecida, pela mesma votação, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, dar provimento ao apelo para reconhecer a violação de domicílio e tornar ilícitas/nulas as provas oriundas desta, com a consequente absolvição da apelante do delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, bem como para que se restitua o valor apreendido R$ 899,75 (oitocentos e noventa e nove reais e setenta e cinco centavos), restando prejudicados os pleitos subsidiários, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto por Ana Cristina da Silva contra a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 12ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN, que, na parte que interessa, a condenou pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, a uma pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de 560 (quinhentos e sessenta) dias-multa.
Nas razões recursais (ID 12194953 - Págs. 1 e ss), a apelante postulou: a) preliminar do direito de recorrer em liberdade; b) reconhecimento da nulidade da abordagem da acusada e da nulidade do ingresso em seu domicílio; c) desclassificação da conduta tipificada no art. 33 para o do art. 28, ambos da lei 11.343/06; d) reforma da pena de multa e e) justiça gratuita.
Em sede de contrarrazões (ID 19344168), o Ministério Público de primeiro grau requereu o conhecimento e desprovimento do apelo.
Com vistas dos autos, a 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, opinou pelo conhecimento parcial do recurso e, no mérito, desprovimento do apelo (ID 19411930). É o relatório.
Ao Eminente Revisor.
VOTO PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO APELO SUSCITADA PELA 1ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA, EM SUBSTITUIÇÃO À 5ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA – PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA – EXAME CABÍVEL AO JUÍZO DA EXECUÇÃO.
Ab initio, verifico que a 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, suscitou preliminar de não conhecimento parcial do recurso, especificamente, no tocante ao pedido de justiça gratuita.
As questões relativas às condições financeiras do acusado (v.g., justiça gratuita, isenção de custas processuais, redução ou exclusão da prestação pecuniária por ausência de condições financeiras) são matérias a serem analisadas perante o juízo da execução da pena, tendo em vista que possui melhores condições para aferir o contexto sócio-econômico do réu e, por conseguinte, decidir com mais propriedade sobre o ponto, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Assim, como sedimentado na jurisprudência desta e.
Corte Estadual, “as questões relativas às condições financeiras do acusado (v.g., justiça gratuita, redução ou exclusão da prestação pecuniária por ausência de condições financeiras) são matérias a serem analisadas perante o juízo da execução da pena, tendo em vista que possui melhores condições para aferir o contexto sócio-econômico do réu e, por conseguinte, decidir com mais propriedade sobre o ponto, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade” (TJRN.
Apelação Criminal n. 0107811-23.2019.8.20.0001.
Relator: Des.
Glauber Rêgo.
Data: 04/05/2021).
Por esta razão, portanto, acolho a preliminar suscitada pela 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, não conhecendo do apelo neste particular. É como voto.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA PROVA MEDIANTE BUSCA PESSOAL E SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO SUSCITADA PELA DEFESA.
Conforme relatado, a apelante suscitou preliminar de nulidade da prova mediante busca pessoal e violação de domicílio por parte dos Policiais que atuaram em flagrante.
Todavia, por ser análise que demanda o revolvimento fático probatório dos autos, com o desiderato de aferir se houve eventual vilipêndio do asilo constitucionalmente previsto, transfiro seu exame para o mérito.
MÉRITO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.
Consoante relatado, a apelante requereu a nulidade das provas obtidas devido à ilegalidade da sua busca pessoal e à violação de seu domicílio.
No caso, após perscrutar detida e acuradamente o caderno processual, entendo assistir razão a apelante quanto à alegada violação ao art. 5º, XI, da Constituição Federal.
Primeiramente, imperioso assentar que no julgamento do RE 603.616/RO, com repercussão geral conhecida, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, firmou a tese de que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados".
Sobre a mesma matéria o Superior Tribunal de Justiça tem evoluído o seu entendimento, no intuito de emprestar maior eficácia à garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio.
Rogo vênias para transcrever o esclarecedor voto do Min.
Rogério Schietti Cruz, no âmbito do HC /SP, DJe 17/12/2021, que discorreu didaticamente sobre o tema: HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS.
FLAGRANTE.
DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE.
ASILO INVIOLÁVEL.
EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.
INGRESSO NO DOMICÍLIO.
EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA).
CONSENTIMENTO DO MORADOR.
REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO.
NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA.
NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS.
TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.
PROVA NULA.
ABSOLVIÇÃO.
ORDEM CONCEDIDA. 1.
O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2.
O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais.
Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa.
Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown.
It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham.
Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1). 2.
O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência _ cuja urgência em sua cessação demande ação imediata _ é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 2.1.
Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação _ e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio _ justificam o retardo da cessação da prática delitiva. 2.2.
A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação _ amiúde irreversível _ de todo o processo, em prejuízo da sociedade. 3.
O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" (RE n. 603.616/RO, Rel.
Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado. 4.
As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente. 5.
Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou. 5.1.
Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc. 5.2.
Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos _ diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas _ pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local. 5.3.
Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade.
Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial _ meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada _ legitimar a entrada em residência ou local de abrigo. 6.
Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em sua residência _ uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da República para o afastamento da inviolabilidade do domicílio _ outros países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso alheio. 6.1.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de suspeitos de crimes, não pode haver dúvidas sobre a voluntariedade da autorização do morador (in dubio libertas).
O consentimento "deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não contaminado por qualquer truculência ou coerção ("consent, to be valid, 'must be unequivocal, specific and intelligently given, uncontaminated by any duress or coercion'"). (United States v McCaleb, 552 F2d 717, 721 (6th Cir 1977), citando Simmons v Bomar, 349 F2d 365, 366 (6th Cir 1965).
Além disso, ao Estado cabe o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, livre e voluntariamente dado, isento de qualquer forma, direta ou indireta, de coação, o que é aferível pelo teste da totalidade das circunstâncias (totality of circumstances). 6.2.
No direito espanhol, por sua vez, o Tribunal Supremo destaca, entre outros, os seguintes requisitos para o consentimento do morador: a) deve ser prestado por pessoa capaz, maior de idade e no exercício de seus direitos; b) deve ser consciente e livre; c) deve ser documentado; d) deve ser expresso, não servindo o silêncio como consentimento tácito. 6.3.
Outrossim, a documentação comprobatória do assentimento do morador é exigida, na França, de modo expresso e mediante declaração escrita à mão do morador, conforme norma positivada no art. 76 do Código de Processo Penal; nos EUA, também é usual a necessidade de assinatura de um formulário pela pessoa que consentiu com o ingresso em seu domicílio (North Carolina v.
Butler (1979) 441 U.S. 369, 373; People v.
Ramirez (1997) 59 Cal.App.4th 1548, 1558; U.S. v.
Castillo (9a Cir. 1989) 866 F.2d 1071, 1082), declaração que, todavia, será desconsiderada se as circunstâncias indicarem ter sido obtida de forma coercitiva ou houver dúvidas sobre a voluntariedade do consentimento (Haley v.
Ohio (1947) 332 U.S. 596, 601; People v.
Andersen (1980) 101 Cal.App.3d 563, 579. 6.4.
Se para simplesmente algemar uma pessoa, já presa _ ostentando, portanto, alguma verossimilhança do fato delituoso que deu origem a sua detenção _, exige-se a indicação, por escrito, da justificativa para o uso de tal medida acautelatória, seria então, no tocante ao ingresso domiciliar, "necessário que nós estabeleçamos, desde logo, como fizemos na Súmula 11, alguma formalidade para que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das sanções cabíveis" (voto do Min.
Ricardo Lewandowski, no RE n. 603.616/TO). 6.5.
Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal _ analogicamente aplicável para busca e apreensão também sem mandado judicial _ ao dispor que, "[f]inda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º". 7.
São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos.
E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias _ não apenas históricas, mas atuais _, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça. 7.1.
Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação _ como ocorreu no caso ora em julgamento _ de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade. 7.2.
Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar.
Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral _ pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro _ e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado. 8.
Ao Poder Judiciário, ante a lacuna da lei para melhor regulamentação do tema, cabe responder, na moldura do Direito, às situações que, trazidas por provocação do interessado, se mostrem violadoras de direitos fundamentais do indivíduo.
E, especialmente, ao Superior Tribunal de Justiça compete, na sua função judicante, buscar a melhor interpretação possível da lei federal, de sorte a não apenas responder ao pedido da parte, mas também formar precedentes que orientem o julgamento de casos futuros similares. 8.1.
As decisões do Poder Judiciário _ mormente dos Tribunais incumbidos de interpretar, em última instância, as leis federais e a Constituição _ servem para dar resposta ao pedido no caso concreto e também para "enriquecer o estoque das regras jurídicas" (Melvin Eisenberg.
The nature of the common law.
Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 4) e assegurar, no plano concreto, a realização dos valores, princípios e objetivos definidos na Constituição de cada país.
Para tanto, não podem, em nome da maior eficiência punitiva, tolerar práticas que se divorciam do modelo civilizatório que deve orientar a construção de uma sociedade mais igualitária, fraterna, pluralista e sem preconceitos. 8.2.
Como assentado em conhecido debate na Suprema Corte dos EUA sobre a admissibilidade das provas ilícitas (Weeks v.
United States, 232 U.S. 383,1914), se os tribunais permitem o uso de provas obtidas em buscas ilegais, tal procedimento representa uma afirmação judicial de manifesta negligência, se não um aberto desafio, às proibições da Constituição, direcionadas à proteção das pessoas contra esse tipo de ação não autorizada ("such proceeding would be to affirm by judicial decision a manifest neglect, if not an open defiance, of the prohibitions of the Constitution, intended for the protection of the people against such unauthorized action"). 8.3.
A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam a esta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social e econômico, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança. 9.
Na espécie, não havia elementos objetivos, seguros e racionais que justificassem a invasão de domicílio do suspeito, porquanto a simples avaliação subjetiva dos policiais era insuficiente para conduzir a diligência de ingresso na residência, visto que não foi encontrado nenhum entorpecente na busca pessoa realizada em via pública. 10.
A seu turno, as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes castrenses de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor. 11.
Assim, como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita _ no caso, a apreensão, após invasão desautorizada da residência do paciente, de 600 g de maconha _, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas. 12.
Habeas Corpus concedido, confirmada a liminar, com a anulação da prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio do paciente e consequente restabelecimento da sentença absolutória. (HC n. 705.241/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 17/12/2021.).
Grifei.
Ainda neste âmbito, certa celeuma também causou na jurisprudência a questão referente à justa causa apta a autorizar o ingresso na residência suspeita sem o necessário mandado judicial.
Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por ambas as 5.ª e 6.ª Turmas e com espeque no entendimento do Supremo Tribunal Federal, tem entendido que “[...] consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, mesmo a notícia anônima de crime (ausente nos autos em exame), por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da noticia criminis anônima (v. g., Inq n. 4.633/DF, Rel.
Ministro Edson Fachin, 2ª T., DJe 8/6/2018).
Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade)”. (AgRg no RHC n. 148.736/RN, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 30/11/2021).
Com efeito: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS.
ILICITUDE DAS PROVAS.
INVASÃO DE DOMICÍLIO.
CONSENTIMENTO NÃO COMPROVADO. ÔNUS DO ESTADO.
ILEGALIDADE RECONHECIDA.
AGRAVO NÃO PROVIDO. 1.
Na esteira do decidido em repercussão geral pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616 - Tema 280/STF, no caso em apreço, não foram apontados elementos idôneos aptos a caracterizar a "justa causa", que permitiria o ingresso dos policiais na residência do acusado, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito. 2.
Na hipótese dos autos, após receberem denúncias anônimas que apontavam para a traficância por parte do agravado, os policiais, durante patrulhamento realizado em local conhecido pela mercancia de entorpecentes, avistaram um indivíduo em atitude suspeita que, por sua vez, ao verificar a presença da guarnição, empreendeu fuga para o interior de uma residência.
Em ato contínuo, os agentes foram até o imóvel, no qual foram apreendidas 4 pedras de crack pesando 61 gramas; 80 pedras de crack com peso de 5 gramas; 1 embalagem de crack com peso de 1 grama, além de uma porção de maconha pesando 27 gramas.
Com efeito, o único elemento apontado como legitimador da entrada dos agentes no domicílio do acusado é relativo ao consentimento do réu - que teria franqueado a entrada no imóvel.
Tal declaração foi afirmada pelos policiais responsáveis pela ocorrência; porém, é negada pela defesa. 3.
Conforme orientação mais recente deste Superior Tribunal de Justiça, o ônus de comprovar o consentimento do flagranteado para fins de entrada no domicílio é do Estado, sendo insuficiente a mera declaração dos policiais nesse sentido.
Nesse sentido: HC 598.051/SP, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 2/3/2021, DJe 15/3/2021. 4.
Nesse passo, em suma, havendo controvérsia entre as declarações dos policiais e do flagranteado e inexistindo a comprovação de que a autorização do morador foi livre e sem vício de consentimento, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente (fruits of the poisonous tree). 5.
Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 703.991/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 16/5/2022).
Grifei.
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE DROGAS.
ILICITUDE DAS PROVAS.
INVASÃO DE DOMICÍLIO.
AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES.
DENÚNCIA ANÔNIMA.
PERMISSÃO DE ENTRADA NÃO COMPROVADA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
ILEGALIDADE. 1.
Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio sem autorização judicial, pois ausente, nessas situações, justa causa para a medida. 2.
O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel.
Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS. 3. no presente caso, após denúncia anônima a respeito da prática de tráfico de drogas em determinado endereço, os policiais para lá se dirigiram onde teriam observado grande movimentação de pessoas na residência do agravado e fizeram a abordagem do agravado, que correu para o interior da residência e dispensou a droga no vaso sanitário.
O fato de o suspeito ao ter visto os policiais ter corrido para o interior da residência não constitui uma situação justificadora do ingresso em seu domicílio, até porque tal comportamento pode ser atribuído a várias causas e não, necessariamente, a portar ou comercializar substância entorpecente ou objetos ilícitos. 4.
Como decidido nos autos do HC 598.051/SP, por analogia, "as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação" (Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021). 5.
De acordo com o mais recente entendimento jurisprudencial desta Corte, é imprescindível a prova do consentimento do paciente para ingresso dos policiais em seu domicílio, o que não se constata na espécie.
Precedentes desta Corte. 6.
Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 684.035/SC, relator Ministro Olindo Menezes (desembargador Convocado do Trf 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 7/4/2022).
Grifei.
Como se pode verificar, a jurisprudência recente e pacífica de ambas as turmas em matéria penal do STJ é no sentido de que necessária seria a justa causa para que a violação do domicílio ocorresse, de modo que nem mesmo a simples denúncia anônima, por si só, poderia ensejar o vilipêndio da garantia constitucional de inviolabilidade de domicílio, devendo ser necessariamente acompanhada de elementos que corroborem a veracidade da denúncia, como diligências prévias ou campanas.
No caso em concreto, restou demonstrado que durante um patrulhamento de rotina, os policiais resolveram abordar a acusada em razão de tê-la visto em atitude suspeita (segundo os policiais, ela teria arremessado uma bolsa em via pública e desviado seu caminho ao avistar a viatura).
Na abordagem policial existiam três agentes na equipe, dentre os quais dois foram ouvidos tanto na fase inquisitorial, quanto na fase judicial.
Em seus relatos em sede policial, ambos apresentaram a mesma versão que, por sua vez, é a referendada acima.
No entanto, na fase instrutória, ao serem ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, os policiais apresentaram versões conflitantes, incapazes de fazer este julgador concluir, com certeza, pela legalidade das buscas realizadas, uma vez que não ficou claro o local em que as provas foram encontradas, se em via pública ou no domicílio da ré.
Isso porque, o Sargento Jerry Jackson Alves Batista (ID. 17837659) afirmou, de forma contundente, que a bolsa foi encontrada no interior de uma casa (5min28seg), tendo ele participado da busca na residência da ré, alegando que nessa ocasião não existia mandado de busca, bem como o fato de não recordar se ela franqueou a entrada deles (11min42seg).
Em versão completamente diferente, o policial Daniel Dantas da Luz (ID. 1783660) relatou não ter realizado as buscas no domicílio da acusada (4min34seg), mas tão somente em via pública, onde, segundo ele, encontrou a bolsa com as provas existentes no processo.
Quando a defesa se insurgiu pela contrariedade dos depoimentos, perguntando se os policiais entraram ou não na residência, respondeu que nenhum dos policiais da equipe dele entrou (9min39seg), mas que se o outro policial tinha afirmado que sim “então ele entrou”.
A apelante, em seu interrogatório, afirmou não reconhecer nem ter conhecimento dessa bolsa, alegando que as provas encontradas pelos policiais estavam dentro da casa dela (segundo ela, as drogas estavam na cama e o dinheiro no interior do seu guarda roupa), não tendo lhes franqueado a entrada.
Somando-se a isso, ainda se tem o fato de que a quantidade de dinheiro encontrada está em consonância com o relato da ré e dos policiais.
Além disso, a recorrente afirma que, no dia anterior havia recebido seu auxílio emergencial, o que, em consonância com o documento de ID. 17837670, em certa medida, traz ainda mais credibilidade ao que foi dito por ela.
Assim, diante dos depoimentos conflitantes das testemunhas, entendo não ser possível concluir com precisão como se deu a busca, se dentro da residência ou em via pública ou, caso eventualmente tenha ocorrido dentro da residência, se houve autorização para ingresso da polícia.
Referido cenário, traz a reboque a conclusão de que o Estado não logrou êxito em provar a sua legalidade.
Em argumento de reforço, ainda se tem o fato de que tanto a acusada quanto as testemunhas afirmam que da busca pessoal nada foi encontrado com ela, o que por si só, inviabilizaria a entrada dos agentes em seu domicílio.
Nesse ponto, importante se faz apontar que a sentença do douto juízo a quo foi baseada nos referidos depoimentos e nas provas provenientes das referidas buscas, motivo pelo qual entendo ser precário tal édito condenatório, posto que não houve comprovação da existência da necessidade da diligência e, muito menos, onde ela foi realizada (se dentro da casa ou em via pública).
Pois bem.
Isto dito, e parafraseando o Min.
Schietti Cruz no voto citado alhures, “apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência – cuja urgência em sua cessação demande ação imediata – é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio” (HC 705.241/SP, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021) – hipótese que, como se pode observar, não é a dos autos.
Na espécie, consoante se pode inferir das provas orais colacionadas ao processo, com especial destaque para os testemunhos dos Policiais, a única razão que levou os agentes de segurança pública a ingressar na residência da apelante foi o fato dela supostamente ter arremessado uma bolsa e desviado seu caminho, circunstância essa incapaz de justificar a entrada dos policiais em sua residência.
Aceitar entendimento diverso, é preciso que se diga, seria o mesmo que chancelar medidas existentes somente em Estados com práticas antidemocráticas e autoritárias.
Em um Estado Democrático de Direito não é permitido que se aceite situação nem vagamente similar, sendo imperiosa, lado outro, a estrita observância das garantias constitucionais.
De mais a mais, há precedente, de minha Relatoria, em que este d.
Colegiado referendou, à unanimidade, posição semelhante, in verbis: EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
APELAÇÃO CRIMINAL.
ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO QUANTO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS RECURSAIS, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR.
ACOLHIMENTO.
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO AD QUEM.
MATÉRIA RESTRITA À EXECUÇÃO PENAL.
PRELIMINAR DE RECONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO, COM A CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS E ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO, SUSCITADA PELA DEFESA.
ACOLHIMENTO.
ACUSADO QUE NÃO ESTAVA TENDO CONDUTA CONTRÁRIA A LEI NO MOMENTO EM QUE A POLÍCIA DECIDIU ABORDÁ-LO.
APÓS A REVISTA PESSOAL, NADA DE ILÍCITO FOI ENCONTRADO COM ELE.
POLICIAIS QUE FORAM À SUA RESIDÊNCIA TÃO SOMENTE PARA QUE ELE APRESENTASSE UM DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO PESSOAL.
RÉU QUE JÁ TINHA SIDO ABORDADO OUTRAS VEZES PELA POLÍCIA, NADA TENDO SIDO ENCONTRADO COM ELE.
INCONSISTÊNCIAS NOS DEPOIMENTOS EM JUÍZO DAS TESTEMUNHAS.
POUCO PROVÁVEL QUE, NESSE CONTEXTO, O RÉU TENHA AUTORIZADO A ENTRADA DAS AUTORIDADES POLICIAIS EM SUA RESIDÊNCIA, SOBRETUDO POR ESTAR GUARDANDO DROGAS E APETRECHOS LIGADOS AO TRÁFICO NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA.
POLICIAIS QUE ENTRARAM NO DOMICÍLIO DO RÉU SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU DO MORADOR E, POR MAIS QUE ESTIVESSE EM ESTADO DE FLAGRÂNCIA POR SER O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS UM DELITO PERMANENTE, NÃO HAVIA FUNDADAS RAZÕES QUE JUSTIFICASSEM A VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO DO ACUSADO NAQUELE MOMENTO.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
APREENSÃO DAS DROGAS QUE AFIGURA-SE ILÍCITA POR TER SIDO REALIZADA COM VIOLAÇÃO DE GARANTIA DE ENVERGADURA CONSTITUCIONAL.
VIOLAÇÃO QUE NÃO SE CONVALIDA COM A POSTERIOR APREENSÃO DE DROGA.
ILÍCITA A OBTENÇÃO DA PROVA QUE SUSTENTA A IMPUTAÇÃO FEITA NA DENÚNCIA, O DESATE ABSOLUTÓRIO É MEDIDA QUE SE IMPÕE, TORNANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DO PLEITO SUBSIDIÁRIO.
PRECEDENTES DO STF E STJ.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, ACOLHIDA A PRELIMINAR DEFENSIVA. (APELAÇÃO CRIMINAL, 0800811-68.2021.8.20.5300, Dr.
GLAUBER ANTONIO NUNES REGO, Gab.
Des.
Glauber Rêgo na Câmara Criminal, ASSINADO em 13/01/2022).
Grifei.
Nesse cenário, a apreensão das drogas afigura-se ilícita porque realizada com violação de garantia de envergadura constitucional, deflagrada sem a necessária e exigida justa causa, violação esta que não se convalida com a posterior apreensão de droga, conforme o reiterado entendimento das Cortes Superiores.
Ratificando os argumentos supracitados, colaciono aresto paradigma do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
PROCESSO PENAL.
TRÁFICO DE DROGAS.
NULIDADE.
INVASÃO DE DOMICÍLIO.
AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou o entendimento de que a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados". 2.
O Ministro R ogerio Schietti Cruz, ao discorrer acerca da controvérsia objeto desta irresignação no REsp n. 1.574.681/RS, bem destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar" (SEXTA TURMA, julgado em 20/4/2017, DJe 30/5/2017). 3.
No caso em tela, a diligência que resultou na apreensão de 349, 40g (trezentos e quarenta e nove gramas e quarenta centigramas) de maconha e 14 munições apoiou-se em meras denúncias anônimas e no fato de o recorrente ter sido surpreendido na posse de 3 porções de maconha, circunstâncias que não justificam, por si sós, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial. 4.
Esta Sexta Turma tem diversos julgados no sentido de que a apreensão de drogas em posse de um agente não torna prescindível a necessidade de mandado judicial para a invasão ao domicílio, porquanto o fato de o suspeito estar com restrição ambulatorial - ainda que momentaneamente, uma vez que detido em flagrante - afasta qualquer possibilidade de que esteja, naquele momento, causando risco à investigação. 5.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.010.320/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 16/2/2023).
Grifei.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO.
VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
DENÚNCIAS ANÔNIMAS.
PATRULHAMENTO.
FUGA DO SUSPEITO.
AUTORIZAÇÃO DA ENTRADA.
LIVRE E SEM VÍCIO DE CONSENTIMENTO.
NÃO COMPROVAÇÃO.
ILICITUDE DAS PROVAS DAÍ DECORRENTES.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.
Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel.
Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016). 2.
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 3.
A existência de denúncia anônima de tráfico de drogas no local associada ao avistamento de um indivíduo correndo para o interior de sua residência não constituem fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que, na residência em questão, estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não.
Necessária a prévia realização de diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na residência").
Precedentes do STJ: AgRg no RHC n. 149.964/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021; HC n. 609.955/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 8/2/2021. 4.
Na hipótese, não houve qualquer referência à prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, havendo, apenas, a descrição de uma denúncia anônima sobre eventual traficância no local e a suspeita policial em razão do suposto nervosismo do acusado que teria fugido para dentro de sua residência ao avistar a guarnição policial, de maneira que não se configurou o elemento "fundadas razões" a autorizar o ingresso no domicílio em questão.
Ainda, segundo a narrativa dos policiais militares, após a realização da abordagem ao paciente, este teria confessado que tinha drogas e uma arma de fogo dentro do imóvel, bem como teria autorizado a entrada da equipe policial em sua residência. 5.
Nessa linha de intelecção, ausente a comprovação de que houve autorização para a entrada e que esta foi livre e sem vício de consentimento, deve ser reconhecida a ilegalidade da busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente (fruits of the poisonous tree) (AgRg no RHC 149.964/SC, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021 6.
Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente, sem mandado judicial e sem qualquer indício concreto de que ali estivesse sendo cometido crime permanente, a prova colhida na ocasião - dois tabletes de maconha (com massa total de 1,400kg) e um revólver calibre .38 e quatro munições de mesmo calibre, de uso permitido - deve ser considerada ilícita.
Assim, mantém-se a decisão que concedeu a ordem, de ofício, para absolver o paciente, em razão da ilicitude das provas apreendidas no referido ato. 7.
Agravo regimental do Ministério Público do Estado de Goiás a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 770.572/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022).
Grifei.
Portanto, ilícita/nula a obtenção da prova que sustenta a imputação feita na denúncia, o desate absolutório é medida que se impõe.
No que tange ao pleito de restituição do valor apreendido, observo que deve ser acolhido, no entanto, não no valor suscitado pela defesa, uma vez que a própria acusada, em sede de instrução, afirmou ter na sua casa o valor de R$ 900,00, de modo que este foi o valor encontrado pelos policiais (R$ 899,75), sendo este o valor a ser restituído.
Assim, verifico estar prejudicada a análise dos demais pleitos subsidiários.
Diante do exposto, em consonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, conheço parcialmente do apelo e, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, em substituição à 5ª Procuradoria de Justiça, dou-lhe provimento, reconhecendo a violação de domicílio e tornando ilícitas/nulas as provas oriundas desta, com a consequente absolvição da apelante do delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, bem como pela restituição do valor apreendido R$ 899,75 (oitocentos e noventa e nove reais e setenta e cinco centavos), restando prejudicados os pleitos subsidiários. É como voto.
Natal/RN, data da assinatura do sistema.
Desembargador GLAUBER RÊGO Relator Natal/RN, 10 de Julho de 2023. -
20/06/2023 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Câmara Criminal Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0802905-52.2022.8.20.5300, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (votação exclusivamente pelo PJe) do dia 10-07-2023 às 08:00, a ser realizada no Sala de Sessão da Câmara Criminal.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 19 de junho de 2023. -
07/06/2023 14:50
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Gilson Barbosa na Câmara Criminal
-
08/05/2023 09:33
Conclusos para julgamento
-
08/05/2023 08:39
Juntada de Petição de parecer
-
03/05/2023 15:34
Expedição de Outros documentos.
-
03/05/2023 15:24
Recebidos os autos
-
03/05/2023 15:24
Juntada de contrarrazões
-
17/04/2023 11:59
Remetidos os Autos (em diligência) para Primeiro Grau
-
17/04/2023 11:59
Juntada de termo de remessa
-
16/04/2023 09:37
Proferido despacho de mero expediente
-
12/04/2023 11:13
Juntada de Petição de razões finais
-
11/04/2023 13:59
Conclusos para despacho
-
11/04/2023 13:53
Juntada de Certidão
-
30/03/2023 16:32
Mandado devolvido não entregue ao destinatário
-
30/03/2023 16:32
Juntada de Petição de diligência
-
06/03/2023 14:27
Expedição de Mandado.
-
01/03/2023 15:25
Proferido despacho de mero expediente
-
01/03/2023 13:22
Conclusos para despacho
-
26/02/2023 12:50
Expedição de Certidão.
-
26/02/2023 12:49
Desentranhado o documento
-
26/02/2023 12:49
Cancelada a movimentação processual
-
24/02/2023 17:14
Publicado Intimação em 27/01/2023.
-
24/02/2023 17:14
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/01/2023
-
15/02/2023 00:10
Decorrido prazo de SHANI DÉBORA ARAÚJO BANDEIRA em 14/02/2023 23:59.
-
15/02/2023 00:10
Decorrido prazo de SHANI DÉBORA ARAÚJO BANDEIRA em 14/02/2023 23:59.
-
25/01/2023 17:42
Expedição de Outros documentos.
-
25/01/2023 17:40
Juntada de termo
-
23/01/2023 10:17
Proferido despacho de mero expediente
-
17/01/2023 11:21
Recebidos os autos
-
17/01/2023 11:21
Conclusos para despacho
-
17/01/2023 11:21
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
17/01/2023
Ultima Atualização
10/07/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO / DESPACHO • Arquivo
OUTROS DOCUMENTOS • Arquivo
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