TJRN - 0800375-73.2023.8.20.5160
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Claudio Santos
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/11/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800375-73.2023.8.20.5160 Polo ativo BANCO BRADESCO CARTOES S.A Advogado(s): LARISSA SENTO SE ROSSI Polo passivo ANTONIA ANA DA SILVA MELO Advogado(s): ALLAN CASSIO DE OLIVEIRA LIMA, JEFFERSON DIEGO DE OLIVEIRA EMENTA: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO INDENIZATÓRIA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS.
PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. 1 - PREJUDICIAL DE MÉRITO DE DECADÊNCIA SUSCITADA PELO APELANTE.
INOCORRÊNCIA.
PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO.
RENOVAÇÃO MENSAL DA IMPUTADA CONDUTA ILÍCITA.
REJEIÇÃO. 2 - PREJUDICIAL DE MÉRITO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL.
NÃO ACOLHIMENTO. 3 - MÉRITO: DESCONTO DE TARIFA BANCÁRIA.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS QUE PERTENCE À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
CONTRATAÇÃO ILEGAL.
DESCONTOS CONSIDERADOS INDEVIDOS.
COBRANÇA IRREGULAR.
INCIDÊNCIA DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA DOBRADA.
JURISPRUDÊNCIA DO STJ QUE SOFREU ALTERAÇÃO AFASTANDO A NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PARA ENSEJAR REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO.
CONDUTA CONTRÁRIA A BOA-FÉ OBJETIVA CONFIGURADA NOS AUTOS.
DESCONTOS DE VALORES ÍNFIMOS.
DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO.
MERO ABORRECIMENTO OU DISSABOR.
PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são as partes acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em rejeitar as prejudiciais de mérito de prescrição e de decadência, ambas suscitadas pelo apelante.
No mérito, pela mesma votação, conhecer e dar parcial provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.
RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta pelo BANCO BRADESCO S.A., por seus advogados, iem face da sentença proferida pelo juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Upanema/RN, que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c indenização por dano moral e material nº 0800375-73.2023.8.20.5160, promovida ao seu desfavor por ANTONIA ANA DA SILVA MELO, julgou procedente, em parte, os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos: "Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de realização de audiência de instrução e julgamento, formulado pela parte autora, o que faço com base no art. 370, parágrafo único, do CPC; REJEITO preliminares suscitadas pelo Réu; e, no mérito, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido deduzido na petição inicial, o que faço com base no art. 487, inciso I, do CPC, apenas para: a) declarar a nulidade das cobranças relativas a título de “CARTÃO CREDITO ANUIDADE” na conta bancária da parte autora; e, b) condenar a parte ré a restituir, em dobro (na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC), os valores efetivamente descontados da conta bancária da parte autora decorrentes da “CARTÃO CREDITO ANUIDADE” os quais foram demonstrados nos autos desde a propositura da presente ação até o cumprimento do item “a” deste dispositivo sentencial.
Sobre esse valor, incidirá correção monetária (INPC), a partir do efetivo prejuízo (súmula 43 do STJ);e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação válida (art. 405 do CC); c) condenar parte ré a pagar a parte autora o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em favor da parte autora, a título de indenização por danos morais.
Sobre esse valor, incidirá correção monetária (INPC) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos a incidir a partir da presente sentença (enunciado sumular n. 362, do Superior Tribunal de Justiça); e, por fim, d) Condeno o banco demandado, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o , levando em consideração a prestação do valor da condenação serviço executado pelo advogado da parte autora, a simplicidade da causa, a inocorrência de audiência de instrução ou perícia; e o lugar da prestação do serviço, tudo de conformidade com a redação do §2º do art. 85 do CPC.(...)" Nas razões recursais, a parte ré argumentou, em síntese: i) prejudicial de mérito de decadência e de prescrição trienal; ii) legalidade das cobranças, pois devidamente pactuado, tendo a consumidora utilizado os serviços; iii) inexistência de responsabilidade civil, pois teria agido em regular exercício de direito; iv) necessária aplicação do dever de mitigar seus próprios prejuízos; v) descaracterização dos danos morais, assim como, subsidiariamente, a necessidade de diminuição do quantum indenizatório.
Por fim, requereu o conhecimento e provimento do presente recurso, para se julgar totalmente improcedentes os pedidos autorais.
A parte apelada apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso.
Deixou-se de remeter os autos ao Ministério Público, por restarem ausente as hipóteses de intervenção ministerial. É o relatório.
VOTO 1 – PREJUDICIAL DE MÉRITO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL DA PRETENSÃO AUTORAL ARGUIDA PELO APELANTE.
Conforme se deixou antever, arguiu o réu/apelante que incide na situação dos autos a prescrição trienal.
De fato, incidente na situação dos autos hipótese de prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil, porém, na hipótese dos autos os descontos não restaram atingidos pelo instituto da prescrição, porque o contrato de serviços bancários firmado entre as partes é de trato sucessivo cuja prescrição não leva em conta seu início, mas sim do último desconto.
Pelo exame do caderno processual, constata-se a juntada de extratos bancários de 07/04/2022, de sorte que não resta o preenchimento do lapso temporal de 3 (três) anos.
Sendo assim, rejeito a prejudicial. 2 - PREJUDICIAL DE MÉRITO DE DECADÊNCIA DO DIREITO AUTORAL SUSCITADA PELO APELANTE.
Necessário averiguar a possível ocorrência da decadência do direito autoral, como suscitado pela parte ré/apelante.
Como demais consabido, o reconhecimento da anulabilidade do negócio jurídico por erro, como imputada nos autos, induz a atenção do prazo decadencial de 4 anos prevista no art. 178 do Código Civil, que diz que o prazo passa a contar da data da formalização do negócio jurídico.
A despeito disso, a atual jurisprudência, a qual eu me filio, entende que nas relações contratuais de trato sucessivo, como o ora discutido, os descontos periódicos das parcelas fazem renovar a cada mês o prazo decadencial para ajuizamento da demanda, deslocando o termo a quo a decadência decretada para o último mês dos descontos.
Nesse sentido, vejamos: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CERCEAMENTO DE DEFESA E DECADÊNCIA.
PRELIMINARES AFASTADAS.
APLICAÇÃO DO CDC.
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
EQUIPARAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
FORMA SIMPLES.
DANOS MORAIS.
OCORRÊNCIA.
QUANTUM MANTIDO.
HONORÁRIOS. 1.
O julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa, quando evidenciada a desnecessidade de dilação probatória, frente ao teor dos documentos apresentados pelas partes, reputados suficientes para o julgamento da causa. 2.
Não há que se falar em decadência no direito do recorrido, se a todo mês a conduta ilícita se renova com o desconto da referida tarifa, ou seja, não há decadência em prestações de trato sucessivo. 3.
Por ser de consumo a relação jurídica firmada entre a instituição financeira e o Autor, incidindo as disposições do Código de Defesa do Consumidor, resta permitida a relativização o princípio do pacta sunt servanda para a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas no contrato entabulado entre as partes.
Súmula 297/STJ. 4.
O empréstimo concedido sob a modalidade de cartão de crédito consignado é revestido de abusividade, haja vista que a dívida se torna impagável em razão do refinanciamento mensal decorrente do desconto somente da parcela mínima.
Por tal razão, deve receber o tratamento de crédito pessoal consignado (Súmula 63/TJGO). 5.
Quando verificada a cobrança e o pagamento indevido de encargo, a repetição de indébito é admitida na forma simples.
Precedentes do STJ e desta Corte de Justiça. 6.
Reconhecida a patente abusividade do banco ao promover descontos em folha de pagamento do autor, limitados apenas à cobrança de um valor mínimo, acarretando uma dívida impagável, bem como o desgaste sofrido pelo consumidor, que ultrapassou os limites do mero aborrecimento do cotidiano, afigura-se flagrante o dano moral, sendo inconteste o dever de indenizar. 7.
O valor arbitrado a título de danos morais deve observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, evitando-se o enriquecimento injustificado da vítima e,
por outro lado, a excessiva penalização do ofensor.
Estando a quantia fixada em conformidade com essas balizas (R$5.000,00), merece ser mantida. 8.
A verba honorária deve ser compatível com a dignidade da profissão e fixada considerando o caso concreto, de maneira que represente adequada remuneração ao trabalho do profissional.
Fixação mantida conforme critérios do art. 85, § 2º, do CPC (10% do valor da causa). 9.
Não há que se falar em honorários recursais em caso de provimento parcial do recurso. 10.
APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO - Apelação Cível nº 05294525120188090002, 5ª Câmara Cível, Rel: Guilherme Gutemberg Isac Pinto, Data de Julgamento 28/06/2019) (grifos acrescidos) APELAÇÕES - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PREJUDICIAL DE MÉRITO - DECADÊNCIA - OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO - REJEITADA - EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO - DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO - UTILIZAÇÃO DE SALDO DO CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS EM EXCESSO, CASO HAJA COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE - RECURSO DO BANCO DESPROVIDO E RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.
Não configurada a decadência, porquanto o caso é de obrigação de trato sucessivo, já que há renovação automática do pacto ao longo do tempo, por meio dos descontos realizados mensalmente.
Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de conversão da contratação para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para operações da mesma natureza, condição que enseja a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação.
Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (TJMT – Apelação Cível 1045578-96.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/10/2020, Publicado no DJE 04/11/2020) (grifos acrescidos) Portanto, tenho que não ocorreu na situação em vertente a decadência do direito autoral, razão pela qual rejeito a prejudicial.
VOTO - MÉRITO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.
Cinge-se o mérito recursal em aferir a legalidade da cobrança de tarifa bancária, relacionada a “Cartão de Cred Anuid” em conta corrente destinada ao recebimento da aposentadoria, decaracterizado dano material e moral a ser indenizado, assim como a adequabilidade do quantum indenizatório.
Primeiramente, é de se esclarecer que, no caso dos autos, tem-se por aplicável os dispositivos emanados do Código de Defesa do Consumidor – CDC, haja vista tratar-se de relação jurídico-material em que de um lado a ré figura como fornecedora de serviços, e do outro a autora e se apresenta como sua destinatária.
Insta ressaltar que, mesmo existindo pacto contratual livremente celebrado entre as partes, é assegurado ao Poder Judiciário intervir na relação jurídica, de modo a devolver ao negócio o equilíbrio determinado pela lei e a função social a ele inerente, sem que isso signifique interferência ilegal na autonomia da vontade das partes, ainda mais quando o negócio se encontra regido pelo CDC.
Nessa toada, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, estabeleceu a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores de serviços, na qual, uma vez ocorrido o dano, será investigado tão somente o nexo de causalidade, inexistindo, portanto, aferição de culpa.
Pois bem.
O Código de Processo Civil estabelece, no artigo 373, incisos I e II, o seguinte: “Art. 373.
O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” Observa-se, pois, que ao autor cumpre comprovar o fato constitutivo do direito alegado, cabendo ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de tal direito.
Analisando o caderno processual, verifica-se que a postulante juntou cópia do extrato bancário contendo os efetivos descontos.
Verifica-se que o contrato não foi juntado, nem tampouco ocorreu nenhuma utilização de serviços bancários, apenas saque do benefício previdencário, o que torna inviável a cobrança de tarifa bancária.
Portanto, não comprovou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora.
Verifico demonstrado que os descontos efetuados foram indevidos, ocasionando falha na prestação de serviço, pois a tarifa não fora legalmente contratada pela demandante.
Desse modo, verifica-se que ficou devidamente caracterizado que a conta utilizada pela autora possui como finalidade exclusiva a percepção de seus benefícios previdenciários e, diante disso, caberia ao banco demonstrar a contratação, por parte da apelada, de produtos e serviços que justificassem a origem dos descontos havidos, o que não ocorreu.
Logo, a cobrança desarrazoada de serviços bancários e desconto automático na conta corrente fere o princípio da boa-fé objetiva, além de consistir em vedação legal, pelo que não há se falar que teria a instituição financeira agido em exercício regular de direito.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, elencou práticas consideradas abusivas vedadas ao fornecedor, dentre as quais, no art. 39, III, tem-se a prática de “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.
Pelo exame do caderno processual, restou demonstrado que os descontos efetuados foram indevidos, ocasionando falha na prestação de serviço, pois inexistem provas nos autos de que a tarifa fora contratada pela demandante.
Com efeito, cumpre destacar que a Resolução nº 3.919/2010 do BACEN, que versa sobre a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, em seu art. 1º, exige a previsão contratual ou prévia autorização/solicitação do cliente para que haja a cobrança de qualquer tarifa pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras, conforme destaco a seguir: “Art. 1º A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.” Além disso, referida regulamentação garante aos consumidores, pessoa física e titulares de conta corrente o direito de pelo menos até 4 saques gratuitos por mês no caixa das agências do seu próprio banco ou no Banco24Horas.
Destarte, em se tratando de relação de consumo, a distribuição do ônus probatório inverte-se em benefício do consumidor, consoante previsto no art. 6º do CDC, VIII, do CDC, de modo que a instituição ré não comprovou a necessária autorização contratual ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.
Dessa forma, resta configurada a falha do réu na prestação de serviços, a ensejar a sua responsabilização civil, ou seja, a devolução dos valores indevidamente descontados.
Válido destacar que houve o reconhecimento da inexistência e consequente inexigibilidade dos valores descontados pelo demandado, de modo que é devida a restituição, em dobro, do montante indevidamente debitado do benefício da autora, sobretudo porque existe Resolução do BACEN expressamente vedando a cobrança de tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização de serviços prestados em contas abertas unicamente para receber benefício previdenciário, como ocorre no caso em questão.
Ressalte-se que a cobrança indevida não foi provocada por engano justificável da instituição bancária, mas pela prestação de um serviço defeituoso.
Logo, o dano material configurado pela cobrança irregular executada pela instituição apelante conduz à responsabilidade desta em restituir em dobro o valor pago a mais pela Suplicante, consoante estatuído no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
No que pertine à discussão se a repetição dos valores indevidamente adimplidos devem ser na forma simples ou em dobro, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça, uniformizou o entendimento do tribunal sobre a questão, estabelecendo que a devolução dobrada é devida "quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva", nos termos do aresto que destaco a seguir: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO.
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC.
REQUISITO SUBJETIVO.
DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA.
IRRELEVÂNCIA.
PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA.
ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. [...] TESE FINAL 28.
Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29.
Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão.
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30.
Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada.
Impõe-se a devolução em dobro do indébito.
CONCLUSÃO 31.
Embargos de Divergência providos.” (STJ - EREsp: 1413542 RS 2013/0355826-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 21/10/2020, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 30/03/2021) (grifos acrescidos) (grifos acrescidos) Desse modo, verifica-se que a repetição do indébito em dobro prevista no art. 42, parágrafo único do CDC se demonstra cabível independentemente da demonstração de má-fé por parte do fornecedor.
Na espécie, me alinho ao novel entendimento jurisprudencial adotado pelo STJ e, uma vez demonstrada nos autos a culpa pelo fornecedor decorrente da cobrança indevida, vislumbro admissível a repetição do indébito em dobro no caso concreto, pelo que cabível de reforma a sentença nesse aspecto.
No tocante ao dano moral, registre-se que não se necessita da demonstração do prejuízo, e sim da prova do fato que deu ensejo ao resultado danoso à moral da vítima, fato esse que deve ser ilícito e guardar nexo de causalidade com a lesão sofrida.
Observa-se, pois, que no caso em tela se trata de danum in re ipsa, o qual prescinde de prova da ocorrência de prejuízo concreto.
No entanto, na questão em debate, observa-se que houve descontos mensais em valores módicos, sendo o maior no montante de R$ 16,75 (dezesseis reais e tenta e cinco centavos), que, por si só, é considerado ínfimo, não revelando violação aos direitos da personalidade aptos a ensejar em dever de reparar por danos morais.
Isso porque a simples constatação de que houve desconto indevido relativo ao serviço mencionado apenas uma vez mensalmente, em valor ínfimo, não traduz, obrigatoriamente, a necessidade de a demandada indenizar em quantum desproporcional ou desarrazoado com relação à situação exposta.
Sendo assim, entendo cabível a reforma da sentença nesse tocante.
Esse foi o entendimento perfilhado pelo STJ: “AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS.
RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
DESCONTO INDEVIDO.
VALOR ÍNFIMO.
DANO MORAL INEXISTENTE.
MERO ABORRECIMENTO.
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
RECURSO DESPROVIDO. 1.
Esta Corte Superior entende que a caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade.
A fraude bancária, nessa perspectiva, não pode ser considerada suficiente, por si só, para a caracterização do dano moral? ( AgInt nos EDcl no AREsp 1.669.683/SP, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/11/2020, DJe de 30/11/2020). 2.
O Tribunal de origem concluiu que o desconto indevido de R$ 70,00 (setenta reais) no benefício previdenciário da agravante não acarretou danos morais, considerando que foi determinada a restituição do valor, que a instituição financeira também foi vítima de fraude e que não houve inscrição do nome da agravante em cadastros de proteção ao crédito, de modo que ficou configurado mero aborrecimento. 3. "A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando a falha na prestação de serviços, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente, como ocorreu na presente hipótese". (AgInt no AREsp 1.354.773/MS, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe de 24/04/2019). 4.
Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt nos EDcl no REsp n° 1948000 SP – Relator Ministro Raul Araújo – 4ª Turma – j. 23/05/2022).
No mesmo sentido, já se pronunciaram os Tribunais pátrios, incluindo o TJRN: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
RELAÇÃO CONTRATUAL NÃO COMPROVADA PELA PARTE RÉ.
TARIFA BINCLUB SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO NÃO CONTRATADA. ÚNICA EFETIVAÇÃO DE DESCONTO NA CONTA CORRENTE DA PARTE APELANTE.
VALOR ÍNFIMO.
DANO MORAL IMPROCEDENTE.
MERO ABORRECIMENTO OU DISSABOR.
DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (...) (TJ-RN - APL: 0800364-95.2023.8.20.5143 RN, Relator: Desembargador João Rebouças, Data de Julgamento: 04/11/2023, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 09/11/2023) CONSUMIDOR.
APELAÇÃO.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
DESCONTO INDEVIDO.
TARIFAS BANCÁRIAS.
VALOR ÍNFIMO.
DANOS MORAIS.
NÃO CONFIGURAÇÃO.
APELAÇÃO DESPROVIDA. 1.
Trata-se de feito no qual o consumidor ingressou em juízo alegando que teriam sido realizados descontos indevidos em sua conta corrente. 2.
Tendo em vista o valor ínfimo dos descontos no caso concreto, não há demonstração de violação dos direitos da personalidade, motivo pelo qual incabível a condenação em danos morais. 3.
Apelação desprovida. (TJ-PE - APL: 5306009 PE, Relator: Sílvio Neves Baptista Filho, Data de Julgamento: 19/06/2019, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 01/07/2019) EMENTA - APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO ANULATÓRIA DE TARIFAS BANCÁRIAS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – DESCONTOS INDEVIDOS DE TARIFAS BANCÁRIAS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA – PLEITO DO BANCO PARA QUE SE RECONHEÇA COMO LEGAIS AS REFERIDAS COBRANÇAS - PRETENSÃO IMPROCEDENTE, ANTE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO ENTRE AS PARTES PARA ESSE FIM – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – MERO ABORRECIMENTO, RECURSO PROVIDO NO PONTO – PLEITO PARA NÃO SE RESTITUIR O INDÉBITO – MATÉRIA PREJUDICADA, FACE O RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DOS DESCONTOS INDEVIDO DAS TARIFAS BANCÁRIAS – PERCENTUAL DO ÔNUS SUCUMBENCIAL MANTIDO, ANTE A PROCEDÊNCIA MINIMA DOS PEDIDOS DO BANCO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO NO PONTO EM QUE AFASTOU O DEVER DE INDENIZAR POR DANOS MORAIS.
Quando a instituição financeira efetua descontos de tarifas em conta destinada para recebimento de beneficio previdenciário, sem comprovar contratualmente a anuência do aposentado, impõe-se o reconhecimento de vício na relação de consumo com a obrigação de devolver o indébito.
Se o dano sofrido pela parte, em seu beneficio previdenciário, não é causa suficiente para ensejar a existência de dor, sofrimento ou humilhação, ante a existência de cobranças de tarifas bancárias discutíveis e, em valor abaixo de R$ 20,00 (vinte reais), não há que se falar em danos morais in re ipsa.
Uma vez ratificada, no recurso, a falha na relação de consumo, consistente em cobranças indevidas de tarifas bancárias, impõe-se manter a obrigação de restituir o indébito, e conforme consignado na sentença, fls. 153, na forma simples.
Os honorários advocatícios fixados pela sentença em 15% (quinze por cento), revelam-se adequados e proporcionais ao caso, isso porque, mesmo com o provimento parcial do recurso da instituição financeira a mesma ainda restou vencida na maioria dos pedidos. (TJ-MS - APL: 08050712320188120029 MS 0805071-23.2018.8.12.0029, Relator: Des.
Claudionor Miguel Abss Duarte, Data de Julgamento: 06/06/2019, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/06/2019) Face ao exposto, conheço do recurso e dou parcial provimento ao apelo, reformando a sentença, para afastar a condenação por danos morais.
Em consequência, divido os ônus sucumbenciais proporcionalmente entre as partes, devendo cada uma arcar com 50%, fixando os honorários advocatícios no percentual de 10% do valor da causa. É como voto.
Desembargador CLAUDIO SANTOS Relator Natal/RN, 20 de Novembro de 2023. -
26/10/2023 15:25
Recebidos os autos
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26/10/2023 15:25
Conclusos para despacho
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26/10/2023 15:25
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
26/10/2023
Ultima Atualização
27/11/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
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