TJRN - 0800221-15.2022.8.20.5120
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Vivaldo Pinheiro
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
24/02/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0800221-15.2022.8.20.5120 Polo ativo INACIO FRANCISCO DA SILVA Advogado(s): MARCOS ANTONIO INACIO DA SILVA Polo passivo BANCO BGN S/A Advogado(s): LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gabinete do Desembargador Vivaldo Pinheiro Terceira Câmara Cível APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800221-15.2022.8.20.5120 Apelante: Inácio Francisco da Silva Advogado: Marcos Antônio Inacio da Silva Apelado: Banco BGN S/A Advogado: Luiz Henrique Cabanellos Schuh Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
CONTRATO FRAUDULENTO.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
RECURSO PROVIDO.
I.
Caso em exame 1.
Apelação cível contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade de contrato de empréstimo, indenização por danos morais e repetição do indébito, sob fundamento de legitimidade do contrato apresentado pela instituição financeira. 2.
Contrato de empréstimo com indícios de fraude, evidenciado por divergências na biometria facial e na assinatura apresentada, além da utilização de documentos falsos.
II.
Questão em discussão 3.
A questão em discussão consiste em saber: (i) se a apresentação de contrato com evidências de fraude invalida a presunção de legitimidade do negócio jurídico; (ii) se é cabível a responsabilização objetiva da instituição financeira por danos morais e materiais decorrentes da fraude; (iii) se a repetição do indébito deve ser realizada em dobro.
III.
Razões de decidir 4.
Constatada a fraude no contrato apresentado pela instituição financeira, configurada por falsificação grosseira e biometria facial, presume-se defeito na prestação do serviço, nos termos do CDC. 5.
Nos casos de fortuito interno, as instituições financeiras são objetivamente responsáveis pelos danos causados ao consumidor, conforme Súmula nº 479 do STJ. 6.
De acordo com o Tema 929/STJ, a repetição do indébito em dobro é aplicável quando verificada cobrança indevida após 30.03.2021, independentemente de má-fé. 7.
O dano moral decorre de descontos sem consentimento do consumidor é considerado dano presumido ou in re ipsa.
IV.
Dispositivo e tese 8.
Recurso provido para: (i) declarar a nulidade do contrato; (ii) condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, corrigidos desde o arbitramento (Súmula nº 362/STJ) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula nº 54/STJ); (iii) determinar a repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados, com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso.
Tese de julgamento: "1.
A apresentação de contrato fraudulento invalida a presunção de legitimidade do negócio jurídico e configura falha na prestação do serviço. 2.
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos morais e materiais causados por fraudes ocorridas em operações bancárias, independentemente de culpa. 3.
A repetição do indébito em dobro é devida para cobranças realizadas após 30.03.2021, conforme Tema 929/STJ." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 6º, VIII; art. 42, parágrafo único; CC/2002, art. 944; CPC/2015, art. 373, II.
Jurisprudência relevante citada: STF, REsp 1.413.542/RS, Rel.
Min.
Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, j. 21.10.2020; STJ, Súmula nº 479; TJRN, Apelação Cível nº 0803179-95.2022.8.20.5112, Rel.
Des.
Cornélio Alves, j. 04.04.2023.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e distribuídos estes autos em que são partes as acima identificadas: Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao presente recurso de Apelação Cível, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por INÁCIO FRANCISCO DA SILVA, em face da sentença (ID 27680932) proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Luís Gomes/RN que, nos autos da presente Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito Consignado (RMC) c/c Indenização por Danos Morais e Repetição do Indébito, julgou improcedente os pedidos da inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, mas suspendendo a exigibilidade por ser a mesma beneficiária da justiça gratuita.
Em suas razões recursais (ID 27680946), o apelante alega que o contrato é fraudulento pois a biometria facial consta outra pessoa.
Defende a ocorrência de falha na prestação do serviço do Banco demandado, o que lhe garante o direito a verba indenizatório a título de danos morais e a devolução do indébito em dobro.
Ao final, pugna para que a r. sentença seja reformada, a fim de que o apelado seja condenado ao pagamento da indenização por danos morais e materiais; bem como, seja declarado nulo o contrato discutido.
Apesar de intimado, o apelado não apresentou contrarrazões (ID 27680949 – certidão).
Ausente interesse do Ministério Público que justifique sua intervenção. É o relatório.
VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se o pleito recursal em verificar se foi acertada ou não a sentença atacada, que julgou improcedentes os pleitos autorais voltados à declaração de nulidade do contrato de empréstimo e à indenização por danos morais e materiais.
Inicialmente, é entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” (Súmula 297).
Então, por se tratar de relação consumerista, deve ser analisada à luz dos princípios e regras do CDC.
Destacando-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, nos termos do seu art. 6º, VIII, do supracitado Código.
Analisando o comando sentencial, percebo que o principal fundamento utilizado para o julgamento improcedente dos pedidos iniciais consistiu na juntada do contrato, pelo banco apelado, que comprovam a suposta contratação firmada entre as partes.
Verifico, contudo, que o contrato (ID 27680922) apresentado pela instituição contém clara evidência de fraude, pois a biometria facial refere-se a pessoa diversa do autor, e o RG utilizado na contratação, além de exibir a foto de outra pessoa, apresenta uma assinatura grosseiramente divergente daquela constante nos documentos de identificação do autor (ID 27677380 e 27677379).
Registro, que por ser a falsificação óbvia, resta desnecessária a realização de perícia grafotécnica.
A propósito, em casos semelhantes, este Colegiado já se pronunciou: EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR.
ACOLHIMENTO.
PLEITO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES JÁ DETERMINADO NA SENTENÇA.
AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.
MÉRITO.
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
INSTRUMENTO NEGOCIAL ACOSTADO AOS AUTOS.
DIVERGÊNCIA NA ASSINATURA APOSTA NO DOCUMENTO.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.
DESNECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA.
FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EVIDENCIADA.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 479, DO STJ.
DESCONTOS ILEGÍTIMOS.
RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DEDUZIDOS INDEVIDAMENTE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 42, DO CDC.
DANO MORAL CONFIGURADO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN – Apelação Cível nº 0803179-95.2022.8.20.5112 – Primeira Câmara Cível, Relator: Desembargador Cornélio Alves, j. em 04/4/2023) (grifos acrescidos).
Nesse compasso, é de se considerar que a garantia da segurança das operações financeiras realizadas é um dos deveres legitimamente esperados das Instituições financeiras, sendo, por isso, um risco inerente à própria atividade por eles desenvolvida (fortuito interno) o de suportar os prejuízos sofridos pelos consumidores em razão de atos fraudulentos perpetrados por terceiros, uma vez que, nesse caso, estaria presente o defeito do serviço por eles prestado.
Acerca da matéria, importa destacar o enunciado da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias.” Dessa forma, cabia a Instituição Financeira, em decorrência da inversão do ônus probatório, comprovar a legitimidade das transações contestadas pela parte autora.
Todavia, diante da falsificação grosseira, ficou evidente que o apelado não se desincumbiu de provar a ocorrência de fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito da parte autora.
E, tendo o réu procedido com os descontos, reputo que não há como considerar o erro justificável.
Neste sentido: EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA.
PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
ALEGAÇÃO DE FRAUDE NA CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO.
PROVA NEGATIVA. ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU.
ART. 373, II, DO CPC.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.
ACERVO PROBATÓRIO QUE NÃO EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO JURÍDICO ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES.
DIVERGÊNCIA DE ASSINATURA.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.
MERA COMPARAÇÃO ENTRE A ASSINATURA APOSTA NO INSTRUMENTO PROCURATÓRIO E A ASSINATURA DO CONTRATO É SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A FALSIFICAÇÃO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PELOS DANOS GERADOS POR FORTUITO INTERNO RELATIVO À FRAUDES.
SÚMULA Nº 479 DO STJ.
DANO MORAL CONFIGURADO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO CORRETAMENTE.
RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN – Apelação Cível nº 0800697-98.2020.8.20.5160 – Primeira Câmara Cível – Gab.
Des.
Dilermando Mota, Relator: Juiz Convocado Dr.
Ricardo Tinoco de Góes, j. em 24/08/2022) (grifos acrescidos).
Compreende-se, assim, a existência de ilegalidade praticada no contrato entabulado entre as partes, sendo cabível a indenização pleiteada e a cessação da cobrança ilegal, demonstrando-se necessária a reforma total da r. sentença.
Passando à discussão se a repetição dos valores indevidamente adimplidos deve ser na forma simples ou em dobro, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao concluir o julgamento dos Embargos de Divergência 1.413.542, uniformizou o entendimento do tribunal sobre a questão no Tema 929, sedimentando que, mediante cobrança indevida do consumidor, a repetição do indébito em dobro prevista no art. 42 do CDC não carece mais da demonstração da má-fé, mas, apenas, da configuração de conduta contrária à boa-fé.
Importa ressaltar, que o EREsp 1.413.542/RS (Tema 929 STJ) teve seus efeitos modulados para a repetição do indébito em dobro, independente de má-fé, somente para as cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão, que se deu em 30/03/2021.
Senão vejamos: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO.
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC.
REQUISITO SUBJETIVO.
DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA.
IRRELEVÂNCIA.
PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA.
ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA [...] MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29.
Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. [...]” (EREsp n. 1.413.542/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021).
Sendo assim, conclui-se que, para as cobranças indevidas anteriores à publicação do supratranscrito Acórdão, subsiste a necessidade da demonstração da efetiva violação da boa-fé objetiva.
Dessa forma, considerando que a suposta contratação (15/06/2021) se deu após a publicação do supracitado paradigma, a repetição em dobro deve ser aplicada relativamente a todas as parcelas indevidamente cobradas, consoante restou definido na modulação dos efeitos em destaque acima.
No que tange ao pleito para a condenação do apelado a título de danos morais, entendo que ele merece acolhimento, pois os descontos indevidos ocorridos ocasionaram a redução do valor de seu benefício previdenciário, gerando relevantes constrangimentos, especialmente em razão da diminuição de sua renda.
Vale ressaltar que o dano moral decorrente da realização de contrato sem o consentimento do titular da conta, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é presumido, ou seja, in re ipsa, dispensando a prova do prejuízo.
Para sua configuração, basta a ocorrência dos descontos indevidos.
Ao analisar o valor da indenização, é necessário fixar um montante que não onere a parte ré, mas que ao mesmo tempo compense o sofrimento da vítima e desestimule a prática de atos semelhantes, conforme disposto no art. 944 do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Assim, considerando as particularidades do caso em tela, o quantum indenizatório deve ser fixado no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por entender que tal montante atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Ademais, essa quantia mostra-se apta a cumprir com seu caráter indenizatório, punitivo e pedagógico, estando em consonância com os valores fixados por esta Corte em casos análogos.
Ante o exposto, conheço e dou provimento à Apelação Cível, reformando totalmente a sentença para: a) Declarar nulo o contrato discutido; b) Condenar o réu a indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária pelo INPC/IBGE desde esta data (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) por se tratar de relação extracontratual. c) Determinar a repetição do indébito em dobro, acrescido de correção monetária pelo INPC/IBGE e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ).
Diante do provimento do recurso deve as custas e honorários sucumbenciais serem suportados integralmente pelo réu, ora recorrido, no percentual de 10% sobre o valor da condenação. É como voto.
Natal/RN, data registrada pelo sistema.
Desembargador Vivaldo Pinheiro Relator |12| VOTO VENCIDO VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se o pleito recursal em verificar se foi acertada ou não a sentença atacada, que julgou improcedentes os pleitos autorais voltados à declaração de nulidade do contrato de empréstimo e à indenização por danos morais e materiais.
Inicialmente, é entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” (Súmula 297).
Então, por se tratar de relação consumerista, deve ser analisada à luz dos princípios e regras do CDC.
Destacando-se a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, nos termos do seu art. 6º, VIII, do supracitado Código.
Analisando o comando sentencial, percebo que o principal fundamento utilizado para o julgamento improcedente dos pedidos iniciais consistiu na juntada do contrato, pelo banco apelado, que comprovam a suposta contratação firmada entre as partes.
Verifico, contudo, que o contrato (ID 27680922) apresentado pela instituição contém clara evidência de fraude, pois a biometria facial refere-se a pessoa diversa do autor, e o RG utilizado na contratação, além de exibir a foto de outra pessoa, apresenta uma assinatura grosseiramente divergente daquela constante nos documentos de identificação do autor (ID 27677380 e 27677379).
Registro, que por ser a falsificação óbvia, resta desnecessária a realização de perícia grafotécnica.
A propósito, em casos semelhantes, este Colegiado já se pronunciou: EMENTA: CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO, SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR.
ACOLHIMENTO.
PLEITO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES JÁ DETERMINADO NA SENTENÇA.
AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.
MÉRITO.
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
INSTRUMENTO NEGOCIAL ACOSTADO AOS AUTOS.
DIVERGÊNCIA NA ASSINATURA APOSTA NO DOCUMENTO.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.
DESNECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA.
FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EVIDENCIADA.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 479, DO STJ.
DESCONTOS ILEGÍTIMOS.
RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DEDUZIDOS INDEVIDAMENTE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 42, DO CDC.
DANO MORAL CONFIGURADO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN – Apelação Cível nº 0803179-95.2022.8.20.5112 – Primeira Câmara Cível, Relator: Desembargador Cornélio Alves, j. em 04/4/2023) (grifos acrescidos).
Nesse compasso, é de se considerar que a garantia da segurança das operações financeiras realizadas é um dos deveres legitimamente esperados das Instituições financeiras, sendo, por isso, um risco inerente à própria atividade por eles desenvolvida (fortuito interno) o de suportar os prejuízos sofridos pelos consumidores em razão de atos fraudulentos perpetrados por terceiros, uma vez que, nesse caso, estaria presente o defeito do serviço por eles prestado.
Acerca da matéria, importa destacar o enunciado da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias.” Dessa forma, cabia a Instituição Financeira, em decorrência da inversão do ônus probatório, comprovar a legitimidade das transações contestadas pela parte autora.
Todavia, diante da falsificação grosseira, ficou evidente que o apelado não se desincumbiu de provar a ocorrência de fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito da parte autora.
E, tendo o réu procedido com os descontos, reputo que não há como considerar o erro justificável.
Neste sentido: EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA.
PROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
ALEGAÇÃO DE FRAUDE NA CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO.
PROVA NEGATIVA. ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU.
ART. 373, II, DO CPC.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.
ACERVO PROBATÓRIO QUE NÃO EVIDENCIA A EXISTÊNCIA DE VÍNCULO JURÍDICO ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES.
DIVERGÊNCIA DE ASSINATURA.
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.
MERA COMPARAÇÃO ENTRE A ASSINATURA APOSTA NO INSTRUMENTO PROCURATÓRIO E A ASSINATURA DO CONTRATO É SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A FALSIFICAÇÃO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PELOS DANOS GERADOS POR FORTUITO INTERNO RELATIVO À FRAUDES.
SÚMULA Nº 479 DO STJ.
DANO MORAL CONFIGURADO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO CORRETAMENTE.
RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN – Apelação Cível nº 0800697-98.2020.8.20.5160 – Primeira Câmara Cível – Gab.
Des.
Dilermando Mota, Relator: Juiz Convocado Dr.
Ricardo Tinoco de Góes, j. em 24/08/2022) (grifos acrescidos).
Compreende-se, assim, a existência de ilegalidade praticada no contrato entabulado entre as partes, sendo cabível a indenização pleiteada e a cessação da cobrança ilegal, demonstrando-se necessária a reforma total da r. sentença.
Passando à discussão se a repetição dos valores indevidamente adimplidos deve ser na forma simples ou em dobro, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao concluir o julgamento dos Embargos de Divergência 1.413.542, uniformizou o entendimento do tribunal sobre a questão no Tema 929, sedimentando que, mediante cobrança indevida do consumidor, a repetição do indébito em dobro prevista no art. 42 do CDC não carece mais da demonstração da má-fé, mas, apenas, da configuração de conduta contrária à boa-fé.
Importa ressaltar, que o EREsp 1.413.542/RS (Tema 929 STJ) teve seus efeitos modulados para a repetição do indébito em dobro, independente de má-fé, somente para as cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão, que se deu em 30/03/2021.
Senão vejamos: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO.
PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC.
REQUISITO SUBJETIVO.
DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA.
IRRELEVÂNCIA.
PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA.
ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA [...] MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29.
Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. [...]” (EREsp n. 1.413.542/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021).
Sendo assim, conclui-se que, para as cobranças indevidas anteriores à publicação do supratranscrito Acórdão, subsiste a necessidade da demonstração da efetiva violação da boa-fé objetiva.
Dessa forma, considerando que a suposta contratação (15/06/2021) se deu após a publicação do supracitado paradigma, a repetição em dobro deve ser aplicada relativamente a todas as parcelas indevidamente cobradas, consoante restou definido na modulação dos efeitos em destaque acima.
No que tange ao pleito para a condenação do apelado a título de danos morais, entendo que ele merece acolhimento, pois os descontos indevidos ocorridos ocasionaram a redução do valor de seu benefício previdenciário, gerando relevantes constrangimentos, especialmente em razão da diminuição de sua renda.
Vale ressaltar que o dano moral decorrente da realização de contrato sem o consentimento do titular da conta, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é presumido, ou seja, in re ipsa, dispensando a prova do prejuízo.
Para sua configuração, basta a ocorrência dos descontos indevidos.
Ao analisar o valor da indenização, é necessário fixar um montante que não onere a parte ré, mas que ao mesmo tempo compense o sofrimento da vítima e desestimule a prática de atos semelhantes, conforme disposto no art. 944 do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Assim, considerando as particularidades do caso em tela, o quantum indenizatório deve ser fixado no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por entender que tal montante atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Ademais, essa quantia mostra-se apta a cumprir com seu caráter indenizatório, punitivo e pedagógico, estando em consonância com os valores fixados por esta Corte em casos análogos.
Ante o exposto, conheço e dou provimento à Apelação Cível, reformando totalmente a sentença para: a) Declarar nulo o contrato discutido; b) Condenar o réu a indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescidos de correção monetária pelo INPC/IBGE desde esta data (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) por se tratar de relação extracontratual. c) Determinar a repetição do indébito em dobro, acrescido de correção monetária pelo INPC/IBGE e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ).
Diante do provimento do recurso deve as custas e honorários sucumbenciais serem suportados integralmente pelo réu, ora recorrido, no percentual de 10% sobre o valor da condenação. É como voto.
Natal/RN, data registrada pelo sistema.
Desembargador Vivaldo Pinheiro Relator |12| Natal/RN, 3 de Fevereiro de 2025. -
27/01/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Terceira Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0800221-15.2022.8.20.5120, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 03-02-2025 às 08:00, a ser realizada no Terceira Câmara Cível.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 22 de janeiro de 2025. -
23/10/2024 14:56
Recebidos os autos
-
23/10/2024 14:56
Conclusos para despacho
-
23/10/2024 14:56
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
23/10/2024
Ultima Atualização
07/02/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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