TJRN - 0818310-89.2021.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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23/10/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0818310-89.2021.8.20.5001 Polo ativo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Polo passivo EDSON BARROSO DE SOUZA Advogado(s): MARJORIE CORTEZ GOMES DE SOUZA Apelação Criminal n.º 0818310-89.2021.8.20.5001 Origem: Juízo de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal /RN Apelante: Ministério Público Apelado: Edson Barroso de Souza Advogada: Marjorie Cortez Gomes de Souza (OAB/RN 7.804-A) Relator: Desembargador Glauber Rêgo Ementa: Penal e Processual Penal.
Absolvição.
Apelação criminal interposta pelo Ministério Público.
Pretensa reforma da sentença para condenar o réu pelos crimes de peculato e falsificação de documento público.
Não acolhimento.
Manutenção da absolvição como medida que se impõe.
Recurso conhecido e desprovido.
I.
Caso em exame 1.
O Ministério Público de primeiro grau pleiteou a condenação do acusado pelos crimes de peculato e falsificação de documento público, sob o argumento de que restaram suficientemente comprovadas a autoria e as materialidades delitivas.
II.
Questão em discussão 2.
Há duas questões em discussão: (i) a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público; e (ii) por consequência da condenação, a determinação de perda do cargo público.
III.
Razões de decidir 3.
Após analisar detidamente todo o conteúdo probatório coligidos nos autos, e em que pese os argumentos elencados pelo Ministério Público, não é possível enxergar outra conclusão senão a adotada pelo Juízo de primeiro grau, entendendo não haver provas cabais de que tenha o recorrido cometido os delitos que lhes foram imputados. 4.
Não é possível concluir, com absoluta certeza, que o réu, valendo-se da função de Escrivão da Polícia Civil do Estado do RN, apropriou-se de dinheiro de que tinha a posse em razão do seu cargo público e, após, objetivando ocultar o delito por ele praticado, falsificou documento público, consistente de comprovante do Banco do Brasil, entidade paraestatal, cujo conteúdo atestava, falsamente, a realização de depósito judicial do dinheiro de que ele tinha se apropriado. 5.
A existência de indícios não é suficiente para atestar que a conduta de um indivíduo incide no preceito primário de um delito.
Não se olvida que os crimes de peculato e falsificação de documento público geralmente ocorrem na clandestinidade, mas ao mesmo tempo é cediço que para haver a condenação de um agente são necessárias provas contundentes de que suas atitudes configuram efetivamente, de modo indiscutível, o cometimento de delitos, o que não restou demonstrado no caso em tela. 6.
Bem concluiu o Juízo a quo que entre o momento em que a guia, acompanhada pelo valor em espécie, sai do domínio apelado e retorna acompanhada de respectivo comprovante de pagamento, para o acusado juntá-la aos autos do IP, outras pessoas teriam condições idênticas a do acusado e poderiam, querendo, promover uma adulteração/falsificação do referido comprovante.
IV.
Dispositivo e tese 7.
Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: 1.
Impossível a condenação do réu pela prática dos crimes de peculato e falsificação de documento público, pois, apesar de haver provas dando conta da materialidade de ambos os crimes, existem dúvidas válidas sobre a autoria delitiva, prevalecendo estas em favor do acusado. 2.
Prejudicado o pedido de perda de cargo público, considerando o não acolhimento do pleito condenatório. ______________________________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 312 e 297, § § 1º e 2º; CPP, art. 386.
VII.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp n. 2.036.209/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 28/8/2023.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em dissonância com o parecer da 1.ª Procuradoria de Justiça, conheceu e negou provimento ao apelo ministerial, restando inalterada a sentença fustigada, tudo nos termos do voto do Relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado pelos Desembargadores DR.
ROBERTO GUEDES (Juiz Convocado- Revisor) e SARAIVA SOBRINHO(Vogal).
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN, que absolveu o acusado Edson Barroso de Souza das imputações contidas na exordial acusatória (ID 26752694).
Em suas razões recursais, o Ministério Público pleiteou a condenação do acusado pelos crimes de peculato e falsificação de documento público, sob o argumento de que restaram suficientemente comprovadas a autoria e as materialidades delitivas.
Ademais, por consequência da condenação, requereu a declaração da perda do cargo público (ID 26752696, p. 02-19).
Em sede de contrarrazões, o recorrido pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso ministerial (ID 26752700).
Por intermédio do parecer de ID 27067425, a 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do apelo. É o relatório.
Ao Eminente Des.
Revisor.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta.
Em síntese, o Parquet de primeiro grau, ao pleitear a condenação do réu pelo cometimento dos crimes tipificados nos artigos 312 e 297, § § 1º e 2º do Código Penal, aventou as teses de que: i) “(...)Apesar de negar a autoria do fatos, há vasta prova testemunhal e documental que autorizam a condenação do agente, sendo valioso destacar, além de toda a exposição realizada no tópico anterior, no que se refere à prova da autoria, que EDSON BARROSO DE SOUZA já se envolveu em outras três ocorrências desta mesma natureza (Ação Penal nº 0835095-92.2022.8.20.5001, Inquérito Policial nº 0818336- 87.2021.8.20.50011 e Inquérito Policial n.º 0812956-78.2024.8.20.5001), ou seja, na qual não houve o devido recolhimento de valores apreendidos, ou de valor de fiança, e, ao menos nas fases extrajudiciais, reconheceu sua responsabilidade, providenciando o recolhimento dos valores devidos.(...)”; ii) “(...)é indubitável que EDSON BARROSO detinha a posse do dinheiro apropriado em razão do seu cargo no departamento policial (Escrivão de Polícia Civil), valendo-se dessa qualidade para promover a efetiva apropriação(...)”; e iii) “(...) Os inúmeros elementos informativos que foram amealhadas no decorrer do Inquérito Policial n.º 017/2020 - DECCOR tornaram fora de dúvida a existência de lastro probatório mínimo para o deflagrar da ação penal, que, quando confirmados em juízo, transmuda-se em conjunto probatório suficiente e indene de dúvidas quanto à materialidade e autoria delitiva, apto à prolação de decreto condenatório.(...)”.
Após analisar detidamente todo o conteúdo probatório coligidos nos autos, e em que pese os argumentos elencados pelo Ministério Público, não consigo enxergar outra conclusão senão a adotada pelo Juízo de primeiro grau, entendendo não haver provas cabais de que tenha o recorrido cometido os delitos que lhes foram imputados.
Inicialmente, faz-se premente colacionar os tipos penais pelos quais a acusação pede a condenação do réu: “Peculato (Código Penal): Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Falsificação do documento público (Código Penal): Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro; Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º.
Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte. § 2°.
Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
Da análise minuciosa dos autos, entendo que não é possível concluir, com absoluta certeza, que Edson Barroso de Souza, valendo-se da função de Escrivão da Polícia Civil do Estado do RN, apropriou-se de dinheiro de que tinha a posse em razão do seu cargo público e, após, objetivando ocultar o delito por ele praticado, falsificou documento público, consistente de comprovante do Banco do Brasil, entidade paraestatal, cujo conteúdo atestava, falsamente, a realização de depósito judicial do dinheiro de que ele tinha se apropriado.
Nesse sentido, em que pese tenham-se reunido elementos comprobatórios da materialidade delitiva, tais quais os depoimentos e documentos acostados como a resposta escrita à Corregedoria e o comprovante de depósito da correção monetária, o Relatório de Sindicância Investigativa Preliminar, o Termo de Fiança, o Ofício de encaminhamento do APF e valor da Fiança, o Despacho determinando o depósito da Fiança, a Homologação da Fiança registrada no SAJ/PG-5, o Depósito da Fiança e correção monetária a posteriori, a Guia de Depósito e comprovante de pagamento adulterado, as Informações do Banco do Brasil, e as Declarações de Edson Barroso na delegacia, não restou demonstrada de forma inequívoca a autoria dos crimes de peculato e falsificação de documento público, uma vez que os elementos de prova da fase extrajudicial não se confirmaram em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Para justificar o procedimento que adotava, no exercício do seu cargo de escrivão de polícia civil, ao receber valores em espécie, seja referente ao pagamento de fianças, seja proveniente de apreensões, o réu Edson Barroso de Souza assentou que “(...) era sua a atribuição de confeccionar a guia; que gerava e imprimia a guia no programa do Banco, anexava o dinheiro e passava para o setor de investigação; que nunca delegou essa função a ninguém; que entregava ao chefe de investigação e ele pedia que alguém fizesse o depósito; que, feito o depósito, recebia de volta a guia e o comprovante; que nesse momento olhava o valor e colava a guia e comprovante na folha para fazer as cópias; que da guia constavam o número do IP na delegacia e esperava receber o número gerado no Tribunal de Justiça para adicioná-lo; (...); que só fazia o depósito quando estava com a numeração completa; (...); que a responsabilidade pela emissão da guia como da sua juntada ao processo era do escrivão;” (mídias de ID 26752684 e 26752683 reproduzidas em sentença).
Em que pese tais afirmações sejam pouco verossímeis, o que se sobressai é que a guia de recolhimento, gerada pelo apelado nas dependências do cartório da delegacia, permaneceu hígida e não foi objeto de falsificação, a qual restou indubitavelmente verificada tão somente no comprovante de pagamento que fora posteriormente anexado à referida guia.
Dessa forma, bem concluiu o Juízo a quo que entre o momento em que a guia, acompanhada pelo valor em espécie, sai do domínio apelado e retorna acompanhada de respectivo comprovante de pagamento, para o acusado juntá-la aos autos do IP, outras pessoas teriam condições idênticas a do acusado e poderiam, querendo, promover uma adulteração/falsificação do referido comprovante.
Reforçando a fundamentação supra, destaca-se trecho do relato em Juízo do DPC Leonardo Freitas de Moura (mídias dos IDs 26752688 e 26752687 reproduzidas em sentença): "(...) quando se tratava de IP de réu solto, era normal que os documentos fossem juntados até bem próximo do prazo máximo dos trinta dias para relatar; que não tem como precisar em quanto tempo os comprovantes de depósitos eram juntados aos autos, mas acha que não demorava muito; que nunca fazia esse controle e se preocupava apenas com o prazo de 30 dias para relatar o IP; (...)".
Outrossim, é de suma importância mencionar que a existência de indícios não é suficiente para atestar que a conduta de um indivíduo incide no preceito primário de um delito.
Não se olvida que os crimes de peculato e falsificação de documento público geralmente ocorrem na clandestinidade, mas ao mesmo tempo é cediço que para haver a condenação de um agente são necessárias provas contundentes de que suas atitudes configuram efetivamente, de modo indiscutível, o cometimento de delitos, o que não restou demonstrado no caso em tela.
Isso porque examinando os depoimentos prestados em audiência de instrução, mesmo quando comparados aos apresentados no curso das investigações, entendo que estes não atestam a ocorrência inconteste de peculato e falsificação de documento público pelo réu.
O DPC Leonardo Freitas de Moura, quando ouvido em Juízo, informou que: “Que foi o delegado da 9ª DP de 2015 a 2019; que ao receber os autos de outras delegacias, eles passavam pela chefia de investigação, eram registrados em livro e me eram repassados para despacho inicial; que, dado o despacho, os autos eram enviados com todo o material apreendido, inclusive fiança, para o cartório dar cumprimento; (...); que quando a unidade lavrava os próprios flagrantes, essa parte de material e fiança já ficava direto com o cartório; (...); que em casos de embriaguez, por exemplo, as diligências são quase todas cartorárias, como o encaminhamento da fiança para pagamento e a posterior remessa ao delegado para o relatório final; que a praxe para os autos de embriaguez são quase todas de natureza cartorária, raramente exigem oitivas; que o procedimento era passar os objetos apreendidos, as fianças, para o cartório fazer os procedimentos para o depósito; que o Edson era o chefe do cartório e recebia em guarda tanto os objetos quanto as fianças; que ele tinha que elaborar uma guia de fiança, no sistema do Banco do Brasil, e encaminhar essa guia para pagamento; que não lembra se o Edson fazia esses pagamentos, mas, geralmente que fazia o pagamento era o pessoal da investigação; que ele repassava a guia e o valor para ser pago no Banco do Brasil ou em casas lotéricas; que é possível que o Edson tenha feito algum depósito, mas não lembra, pois a praxe era repassar; que o repasse desses valores era feito na confiança; que na delegacia não havia um livro de protocolo onde esses repasses de valores ao setor de investigação fosse registrado; que não tem nenhuma ressalva a fazer quanto a atuação do escrivão Edson; que o seu cartório era muito organizado; que ele não facultava que pessoas transitassem no cartório, posto que ali havia objetos sensíveis como armas, drogas, valores, etc.; que, ao relatar seus inquéritos, folheava novamente os autos, via os comprovantes e não desconfiava que ali poderia ter alguma coisa errada; que os comprovantes era copiados em xerox para evitar que o tempo apagasse o que está escrito no papel termo sensível; que só tomou conhecimento de casos de sumiço de valores quando foi chamado à Corregedoria na apuração dos fatos; que quando se tratava de IP de réu solto, era normal que os documentos fossem juntados até bem próximo do prazo máximo dos trinta dias para relatar; que não tem como precisar em quanto tempo os comprovantes de depósitos eram juntados aos autos, mas acha que não demorava muito; que nunca fazia esse controle e se preocupava apenas com o prazo de 30 dias para relatar o IP; que só agora soube que o Edson havia depositado no banco, apenas em 10/10/2019, o valor referente à fiança prestada; que a primeira vez que foi chamado à Corregedoria, o Edson o telefonou para dizer que o fato se devia a alguma falha, que nunca havia quebrado sua confiança e que iria resolver o problema; (...); que as estagiárias atuavam mais na parte de arquivamento de documentos e auxiliavam nos TCOs; (...); que os chefes de investigação recebiam as guias e o dinheiro e a parte externa era feita por pessoas da investigação; que depois de feitos os pagamentos das guias, elas eram devolvidas com o comprovante dos pagamentos ao cartório para serem anexados aos IPs; (...); que ele tinha pleno controle da localização dos autos e dos respectivos materiais; que ele era rígido com o acesso de pessoas estranhas ao cartório, inclusive policiais; que ele assumiu o cartório em estado de caos e organizou tudo; que havia uma porta do cartório para o seu gabinete e acha que tinha uma cópia da respectiva chave; que o cartório funcionava nos dois horários, mas a estagiária só estava lá em um; que ficava o dia inteiro na delegacia e o Barroso ia almoçar em casa; que a emissão da guia é atribuição do escrivão; que acredita que ele passava a guia e o valor para o setor de investigação, através do chefe ou diretamente aos agentes, sem fazer distinção de qual o agente que receberia a demanda; que também era atribuição do escrivão fazer o controle do recebimento da guia paga, fazer a juntada e a anexação ao processo; (...); que a questão do sumiço das armas e objetos foi anterior à chegada do Edson.” (mídias dos IDs 26752688 e 26752687 reproduzidas em sentença).
Já a testemunha APC Urubatã Pereira de Sena declarou também em audiência que: “Que é chefe de investigações da 9ª DP desde 2018, mas em 2017 já assumiu durante a licença do APC Maia; que quando recebe algum um procedimento, lança no livro e repassa para o cartório; que também recebem expedientes para cumprimento externo, tanto no Judiciário quanto em órgãos da própria polícia, inclusive boletos bancários; que esses boletos podem ser oriundos de fiança, de dinheiro apreendido etc.; que, se tratando de remessa de armas para outros órgãos, a entrega é imediata; que quando recebiam boletos bancários, imediatamente se dirigiam à casa lotérica ou à agência bancária a fim de efetuar ao pagamento; que quando efetuavam o pagamento, repassavam o comprovante para o cartório; que o escrivão passava a guia para o chefe de investigação que o distribuía para um agente fazer o pagamento, no retorno o agente lhe devolvia o comprovante e, então, devolvia ao escrivão no cartório; que ao receber a guia olhava o valor e conferia se o montante era correspondente; (...); que não conferia o código do comprovante com a guia de pagamento; que não conferiam código de barras; (...); que não sabe dizer se o cartório ficava com a porta aberta o dia todo; (...); que o Edson sempre foi muito organizado; que existe uma porta da sala do delegado para o cartório e a tranca é para o lado do cartório; que tinha acesso ao cartório, mas não tinha acesso aos armários ou arquivos; que os agentes não tinham acesso ao material guardado no cartório e tudo só era acessado através do escrivão; (...); que acredita que os casos de desaparecimento de armas foi por volta de 2012; que recebia as guias para pagamento já preenchidas; que não existe cofre, nem armário para a guarda de valores, logo que chegam essas demandas, elas são cumpridas imediatamente; (...); que sabe de menos de dez casos semelhantes; que tais situações se referem a valores de fiança e de valores apreendidos; que tomou conhecimento da ausência de pagamento e da falsificação após a denúncia; (...).” (mídia de ID 26752686 reproduzida em sentença).
Neste ponto, então, tomo como próprios os fundamentos utilizados pelo Juízo a quo na sentença hostilizada, fazendo a transcrição das partes que interessam e se integram ao presente voto.
In verbis: “(...) nem a autoridade policial que presidia os Inquéritos sabe precisar quanto tempo o conjunto Guia/Valores/Comprovante ficava fora da guarda e domínio do escrivão Edson Barroso.
Esse fato fortalece o argumento da Defesa técnica de que além Escrivão Edson Barroso outras pessoas também tiveram acesso tanto à guia quanto ao comprovante de pagamento fraudado.
A testemunha APC Urubatã Pereira de Sena, chefe do setor de investigações, tanto no depoimento prestado perante este magistrado (mídia do Id 118577618), quanto no depoimento prestado nos autos da ação penal nº 0835095-92.2022.8.20.5001 (mídia dos Ids 114370987 e 114365291), que tramita perante a 11ª Vara Criminal, vindo a estes autos a pedido do Ministério Público, também expôs que o procedimento adotado para a efetivação dos depósitos dos valores recebidos na delegacia envolvia outros agentes e não apenas o escrivão Edson Barroso.
Disse ele perante este Juízo (mídia do Id 118577618): (...) que quando recebiam boletos bancários, imediatamente se dirigiam à casa lotérica ou à agência bancária a fim de efetuar ao pagamento; que quando efetuavam o pagamento, repassavam o comprovante para o cartório; que o escrivão passava a guia para o chefe de investigação que o distribuía para um agente fazer o pagamento, no retorno o agente lhe devolvia o comprovante e, então, devolvia ao escrivão no cartório; que ao receber a guia olhava o valor e conferia se o montante era correspondente; (...).
Logo, percebe-se que tais declarações são harmônicas com as declarações prestadas nos autos da ação penal nº 0835095-92.2022.8.20.5001 (mídia dos Ids 114370987 e 114365291), que tramita perante a 11ª Vara Criminal: (...) que os boletos eram confeccionados no cartório; que quando recebiam os boletos para pagamento, conferiam o valor em dinheiro e o valor constante do boleto, pois nessa época não havia o nome do réu no boleto, tinha apenas o número do processo; que os policiais faziam o pagamento e devolviam os comprovantes para o cartório; que não havia um policial específico para fazer esses depósitos e a tarefa poderia ser repassada a qualquer um da equipe; (...); que os boletos feitos naquela época não tinham nome de réu, nem tinha número de inquérito, só tinha o número do processo; que nem sempre era possível conferir todos os dados dos boletos; que conferiam o valor em dinheiro e o número do processo; (...).
Some-se a esse cenário o fato relatado por Edson Barroso, nos autos da ação penal nº 0835095-92.2022.8.20.5001, em trâmite na 11ª Vara Criminal de Natal, quando ele descreveu uma situação de tumulto no controle do acervo sob sua guarda.
Na ocasião, disse ele: O Dr.
Dilton distribuiu quase 300, mais de 300 processos para lá, 200 a 300 processos.
Eu sei que tinha agente que tinha 20, 30 processos na guarda dele.
Eu entrei em desespero, porque eu tinha o controle de todos os processos que chegavam, o prazo deles para cumprir as diligências e a saída.
Quem mantinha o controle desses mil e poucos processos era eu.
Eu sabia a numeração, sabia a promotoria, sabia a data de prazo para cumprir de diligência, e eu tinha todos eles catalogados no computador, impresso em papel e na planilha no computador.
Quando o delegado pegou tudo no bolo e saiu distribuindo, eu entrei em desespero porque eu não sabia onde o processo estava.
Eu sabia que estava para lá, mas não sabia com quem estava.
E se alguém chegasse e perdesse e dissesse, não, eu não peguei processo, o responsável como sempre é o escrivão, então ia cair nas minhas costas o sumiço dos processos. (...).
Em outras palavras, nesse momento, os inquéritos policiais que estavam sob sua guarda e responsabilidade não estavam sob o seu domínio.
Dessa forma, em que pese a possibilidade de eventual infração administrativa-disciplinar ao disposto no art. 33 da Lei Complementar Estadual nº 270/2004, que fixa as atribuições e deveres do Escrivão de Polícia Civil, a prova segura e robusta para configurar a autoria dos crimes de peculato e falsificação de documento público em desfavor de Edson Barroso não foi construída nestes autos.
A meu ver, os depoimentos do acusado e das testemunhas Leonardo Freitas de Moura e Urubatã Pereira de Sena se complementam e são capazes de reconstruir em minúcias a rotina do fluxo de ações no âmbito da delegacia.
Todavia, nenhuma luz foi lançada sobre a indicação certeira e inabalável do verdadeiro autor dos crimes aqui apurados.
Entretanto, embora não seja um primor, a tese exculpatória do réu, que alegou desorganização do cartório em virtude de uma distribuição aleatória dos processos para diversos agentes de polícia e vulnerabilidades ao acesso da sala onde se situava o cartório, não é absurda e pode guardar alguma sintonia com a realidade de delegacias de polícia à época dos fatos.
Por outro lado, as demais testemunhas ouvidas em Juízo não trouxeram luzes aos fatos, posto que apenas relataram fatos relativos à rotina da delegacia, que, por sinal, em nada desabonam a conduta do acusado.
Pois bem.
Não se trata de acreditar piamente na versão de inocência trazida pelo réu. É provável que o EPC Edson Barroso de Souza realmente tenha cometido os crimes em questão.
Entretanto, o juízo criminal não pode compactuar com probabilidades.
Para uma condenação segura, há que existir provas cabais da materialidade e da autoria do fato criminoso e este Juízo não ficou suficientemente convencido pela prova amealhada.
Forçoso reconhecer que o conjunto probatório trazido aos autos é inapto para o decreto condenatório.
Após a instrução, remanesce um quadro inconclusivo acerca do dolo e da conduta, cenário este que não permite a formação de um juízo de certeza necessário à condenação. É sabido que o direito penal não se contenta com conjecturas, nem mesmo com probabilidade de autoria. (...)” (ID 26752694).
Não se pode olvidar que a prolação de um édito condenatório demanda certeza absoluta do crime e da autoria, não sendo suficiente apenas probabilidade de que o agente tenha cometido a ação delitiva (art. 386.
VII, do CPP).
E a dúvida beneficia o réu, na verdade determina sua absolvição, em razão do princípio do in dubio pro reo, como propugnado pelo doutrinador Renato Brasileiro de Lima: "(...) o in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas.
Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração das provas: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois o imputado não tem a obrigação de provar que não praticou o delito.
Antes, cabe à parte acusadora (Ministério Público ou querelante) afastar a presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável que o acusado praticou a conduta delituosa cuja prática lhe é atribuída (...)". (Manual de Processo Penal.
Volume Único. 2ª Edição-3ª tiragem.
Editora JusPodivm: 2014, p.51) Sabe-se, pois, que o Direito Penal não pode se contentar com suposições nem conjecturas desfavoráveis ao réu a amparar uma eventual condenação sem comprovação suficiente do cometimento do ilícito por parte dele, sendo certo que “3.
Em atenção ao princípio do in dubio pro reo, as dúvidas porventura existentes devem ser resolvidas em favor do acusado, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, exatamente como compreendeu a instância ordinária.” (AgRg no REsp n. 2.036.209/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023.).
Ressalto, finalmente, que no amplo arcabouço probatório produzido no feito não há qualquer documento, informação, testemunha, transferência bancária ou qualquer outra coisa que possa comprovar, de forma irrefutável, com a certeza jurídica reclamada pelo direito penal, que o réu em comento apropriou-se de dinheiro de que tinha a posse em razão do seu cargo público e, após, a fim de ocultar o delito por ele praticado, falsificou documento público, devendo incidir no caso em tela o princípio in dubio pro reo.
Nesta ordem de considerações, a manutenção da absolvição do réu é medida que se impõe.
Prejudicado o pedido de perda de cargo público, considerando o não acolhimento do pleito condenatório.
Diante do exposto, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conheço e nego provimento ao apelo ministerial, mantendo incólume a sentença hostilizada. É como voto.
Natal/RN, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Glauber Rêgo Relator Natal/RN, 21 de Outubro de 2024. -
24/09/2024 10:27
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Ricardo Procópio na Câmara Criminal
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19/09/2024 20:17
Conclusos para julgamento
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19/09/2024 17:48
Juntada de Petição de parecer
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16/09/2024 14:05
Expedição de Outros documentos.
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16/09/2024 14:04
Juntada de termo
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04/09/2024 17:39
Proferido despacho de mero expediente
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03/09/2024 16:41
Recebidos os autos
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03/09/2024 16:41
Conclusos para despacho
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03/09/2024 16:41
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
03/09/2024
Ultima Atualização
22/10/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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