TJRJ - 0837524-27.2023.8.19.0021
1ª instância - Duque de Caxias 6 Vara Civel
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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15/09/2025 16:43
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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15/09/2025 16:42
Expedição de Certidão.
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15/09/2025 16:38
Juntada de Petição de extrato de grerj
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22/08/2025 01:09
Decorrido prazo de DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA em 20/08/2025 23:59.
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22/08/2025 01:09
Decorrido prazo de MARILIA KLEM BATISTA em 20/08/2025 23:59.
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29/07/2025 00:22
Publicado Intimação em 29/07/2025.
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29/07/2025 00:22
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 28/07/2025
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29/07/2025 00:22
Publicado Intimação em 29/07/2025.
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29/07/2025 00:22
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 28/07/2025
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25/07/2025 15:21
Redistribuído por prevenção em razão de modificação da competência
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25/07/2025 14:31
Expedição de Certidão.
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25/07/2025 14:30
Expedição de Outros documentos.
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25/07/2025 14:30
Expedição de Outros documentos.
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25/07/2025 14:30
Expedição de Outros documentos.
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02/07/2025 11:43
Recebidos os autos
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02/07/2025 11:43
Juntada de Petição de termo de autuação
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24/06/2025 12:51
Remetidos os Autos (em grau de recurso) para TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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24/06/2025 12:42
Expedição de Certidão.
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06/06/2025 17:11
Juntada de Petição de contra-razões
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15/05/2025 17:16
Juntada de Petição de apelação
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28/04/2025 00:07
Publicado Intimação em 28/04/2025.
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27/04/2025 00:09
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/04/2025
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25/04/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Justiça 4.0 6º Núcleo de Justiça 4.0 - Saúde Privada (Vara Cível) Palácio da Justiça - Avenida Erasmo Braga 115, Centro, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: 20020-903 SENTENÇA Processo: 0837524-27.2023.8.19.0021 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: VALERIA LOPO DA SILVA RÉU: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE Valéria Lopo Da Silvapropôs a Ação de Obrigação de Fazer em face de Sul América Companhia De Seguro Saúde, nos termos da petição inicial de Id. 71509523, que veio acompanhada dos documentos de Id. 71509533/71510471.
Através da decisão no Id 71530049, foi deferida a tutela antecipada.
Citada, a parte ré apresentou sua contestação no Id. 74901243, instruída com os documentos de Id. 74901246/74903067.
Réplica apresentada no Id.79924841.
RELATADOS.
DECIDO.
Inicialmente, urge destacar que, em que pese a parte ter direito de postular pela produção das provas que entender necessárias à comprovação do alegado, cabe ao Juiz, na qualidade de destinatário da prova, decidir sobre a necessidade ou não de sua produção, bem como indeferir aquelas consideradas inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do disposto nos artigos 370 e 371, do Código de Processo Civil/2015.
A instrução probatória tem por finalidade fornecer elementos para fundamentar a convicção do juiz, sendo certo que, se verificada a existência de material suficiente nos autos a permitir a sua conclusão sobre a pretensão autoral, é possível o indeferimento da produção de prova, sem que isso configure cerceamento de defesa.
No vertente caso, diante do farto material probatório carreado aos autos, apresenta-se desnecessária a produção de outros meios de provas impondo-se, por seu turno, o julgamento antecipado da lide, na forma autorizada pelo artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil/2015.
Feitas tais considerações, urge analisar a delicada situação trazida à lume.
Através da presente ação pretende a parte autora alcançar a indenização pelos danos que lhe foram causados por força de comportamento indevido perpetrado pela parte ré.
Segundo exposto na inicial, a autora é usuária do plano de saúde administrado pela empresa ré desde os idos de 2022 e, ao longo dos meses, sempre honrou com o cumprimento de suas obrigações.
Destacou ser portadora de múltiplas comorbidades encontrando-se, quando do ajuizamento da presente ação, com sequelas provenientes do AVE que a vitimou, quais sejam, isquemia com desartia, restrição parcial ao leito, dependência total, insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca, neoplasia maligna não especificada, hipertensão e diabetes mellitus.
Aduziu ter permanecido 73 (setenta e três) dias internada e, quando de sua alta hospitalar, foi prescrito pela equipe médica responsável a continuidade do tratamento em domicílio consistente em diálise a ser realizada 03 (três) vezes por semana, bem como fisioterapia motora e respiratória, acompanhamento médico mensal e de enfermagem semanal.
Contudo, para a sua surpresa, não obstante a solicitação médica e ser totalmente dependente, possuindo, inclusive, dificuldade para deambular, não logrou êxito em alcançar a almejada autorização por parte da empresa ré.
A parte ré, por sua vez, asseverou a ausência de qualquer comportamento indevido, tendo, na realidade, agido respaldada no regular exercício de seu direito.
Neste momento, insta tecer certas considerações acerca da responsabilidade civil.
Analisando minuciosamente a delicada situação trazida à baila, verifica-se que a mesma representa uma nítida relação de consumo, eis que tanto a parte autora, como a parte ré se caracterizam, respectivamente, como consumidora e fornecedora de serviços, nos termos dos artigos 2º e 3º, parágrafos 1º e 2º, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: “Art. 2º: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. “Art. 3º: (...) Parágrafo primeiro–Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Parágrafo segundo- Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Assim, diante da relação jurídica firmada entre as partes, pode-se afirmar que o réu colocou os seus serviços à disposição da Sociedade, razão pelo qual não pode se colocar à margem do Direito do Consumidor, aplicando-se, em sua plenitude, os ditames de ordem pública consagrados no referido diploma legal.
Igualmente importante destacar o teor da Súmula 608, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.
Outra observação a ser efetuada é que se sobressai o fato de que os serviços da parte ré estão no mercado de consumo, encontrando-se regido pelo Código de Defesa do Consumidor, respondendo pelos danos que tais serviços possam ter causado, nos termos do artigo 6º, VI, do referido diploma legal, in verbis: “Art. 6º.
São direitos básicos do consumidor: (...) VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Também não se pode deixar de mencionar que se aplica à parte ré a Teoria do Risco do Empreendimento.
Assim, todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo de fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente da existência da culpa.
Segundo expõe o ilustre Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 1aEdição – 2aTiragem, Malheiros Editores, “(...) este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas.
A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar a atividade de (...) executar determinados serviços” (p. 318).
Por derradeiro, a parte ré, na qualidade de prestadora de serviços, se obriga a prestá-los de forma adequada e eficiente, de sorte a não causar nenhum tipo de dano ao consumidor, sob pena de ser responsabilizada por eventuais prejuízos causados ao mesmo.
Ainda incidem no vertente caso os ditames do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, impondo à parte ré a responsabilidade de natureza objetiva, onde não se discute a culpa.
Por via de consequência, a sua responsabilidade somente pode ser afastada diante de hipóteses que excluam o nexo causal, hipóteses estas que se encontram disciplinadas no parágrafo terceiro do mesmo dispositivo legal citado.
Desta forma, para que surja tal responsabilidade da parte ré, basta que se demonstre, de forma cabal e induvidosa, a existência do dano, bem como o nexo causal.
O primeiro elemento acima identificado, qual seja, o dano, pode ser conceituado como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico tutelado, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial ou integrante da própria personalidade da vítima.
Sem tal elemento não há de se falar em indenização ou ressarcimento.
Daí se conclui que o dano é o elemento preponderante da responsabilidade civil.
O último elemento, também importante para gerar a responsabilidade civil, é o nexo causal, vale dizer, a relação de causa e efeito entre o comportamento culposo e o dano.
Assim, chega-se à inarredável conclusão de que o dano deve ser consequência direta e imediata do ato culposo que lhe deu causa.
O intuito do legislador, ao consagrar a responsabilidade objetiva se deu diante da notória hipossuficiência do consumidor, parte mais fraca na relação de consumo e diante do fato de que, dentre seus direitos fundamentais, consagrados no Código Protetivo, se encontra o de facilitar o seu acesso aos meios de defesa.
Também há de se destacar a aplicação, ao vertente caso, das normas contidas nos artigos 47 e 54, parágrafos terceiro e quarto, do diploma legal acima mencionado, in verbis: “Art. 47 – As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. “Art. 54(...).
Parágrafo 3o– Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a sua compreensão pelo consumidor.
Parágrafo 4o– As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.
Justifica-se tal preocupação, pois, conforme é de sabença trivial, o contrato de adesão se caracteriza como sendo um contrato-padrão, já impresso, onde as suas cláusulas são estipuladas unilateralmente, vale dizer, por uma das partes contratantes, e submetidas à aceitação da outra parte que, tendo necessidade de contratar, firma o pacto sem dispensar maiores atenções para as disposições contratuais.
Ao mesmo tempo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, caput, definiu o contrato de adesão como sendo “(...) aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo”.
Comentando o dispositivo legal em foco, a respeitável Ada Pellegrini Grinover, em sua obra “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, expõe a sua preocupação no que tange aos contratos de adesão, esclarecendo que “(...) o Código consagrou o princípio da legalidade das cláusulas contratuais.
O dispositivo visa a permitir que o consumidor possa tomar conhecimento do conteúdo do contrato pela simples leitura, sem prejuízo do dever de esclarecimento por parte do fornecedor. (...) A redação em caracteres legíveis possibilita diminuir o âmbito de controle das cláusulas contratuais gerais, qualitativa e quantitativamente, além de consistir em instrumento de segurança das seguranças jurídicas e de liberdade contratual (...)” (p. 553).
Ao citar comentários acerca do disposto no artigo 54, parágrafo quarto, a ilustre Ada Pellegrini Grinover expõe que “(...) toda estipulação que implicar qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar desvantagem ao aderente, deverá vir simplesmente exposta, do ponto de vista físico, no contrato de adesão. (...) Deverá chamar a atenção do consumidor para as estipulações desvantajosas para ele, em nome da boa-fé que deve presidir as relações de consumo (...)” (p. 554).
Pode-se, portanto, afirmar que a empresa ré está obrigada ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe os deveres de informação, cooperação e cuidado com o consumidor.
Levando-se, ainda, em conta a finalidade do contrato em foco, que visa, precipuamente, assegurar ao consumidor e seus dependentes contra os riscos relacionados com a saúde e a manutenção da vida, conclui-se que a sua característica principal é o fato de envolver serviços (de prestação médica ou de seguro) de trato sucessivo, ou seja, contratos de fazer, de longa duração, e que possuem uma grande importância social e individual.
Trata-se, portanto, de serviços que prometem segurança e qualidade, serviços cuja prestação se protrai no tempo, de trato sucessivo, com uma fase de execução contratual longa e descontínua, de fazer e não fazer, de informar e não prejudicar, de prometer e cumprir, de manter sempre o vínculo contratual e o usuário cativo.
Voltando ao caso concreto, constata-se que a parte ré, quando de sua contestação, confessou a recusa no fornecimento do serviço dehome care sob o fundamento de exclusão de sua cobertura pelo contrato firmado de forma livre e espontânea pela parte autora.
Realmente, analisando a documentação apresentada pela parte ré, verifica-se que, em sua cláusula 16.6, restou estabelecido que estão expressamente excluídas da cobertura as despesas decorrentes de enfermagem particular, seja em ambiente hospitalar ou em residência, assistência domiciliar de qualquer natureza, consultas domiciliares e home care, mesmo que as condições de saúde do segurado exijam cuidados especiais ou extraordinários.
Desta feita, o plano ao qual a autor aderiu não lhe conferiu expressamente o direito a internações de caráter domiciliar.
Entretanto, tratando-se de relação de consumo – notadamente, de plano de saúde, que envolve a saúde e a vida do ser humano – não se pode olvidar que a boa-fé é objetiva e é conduta a ser seguida imperativamente pelos protagonistas da relação jurídica em apreço, sendo indubitável que as cláusulas contratuais devam ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a teor do artigo 47, do Código de Defesa do Consumidor.
Neste sentido, importante citar os enunciados sumulares nº 352, 338 e 340, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que assim dispõem: Enunciado sumular nº 352: “É abusiva a cláusula contratual que exclui internação domiciliar e sua recusa configura dano moral”.
Enunciado sumular nº 338: “É abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde e a vida do segurado”.
Enunciado sumular nº 340: “Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano”.
Inclusive, não se pode deixar de observar que, conforme é de sabença trivial, o serviço de home care é um desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto, não podendo ser limitado pela operadora do plano de saúde, consoante entendimento consolidado no Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Desta feita, ainda que se admita a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano.
O segurado ostenta o statusde parte presumidamente vulnerável face ao fornecedor, que possui um maior e evidente poder na relação havida entre as partes (nos termos do artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor).
Ou seja, há a necessidade de interpretar-se a situação existente privilegiando os princípios da função social e da boa-fé objetiva, da qual se extraem os chamados deveres anexos ou laterais de conduta, tais como os deveres de colaboração, fidúcia, respeito, honestidade e transparência, que devem estar presentes nas relações contratuais como a que ora se examina, com o intuito de reequilibrar-se a relação jurídica entre os ora litigantes.
E mais: os contratos de serviços de saúde não podem conter cláusulas limitativas que ponham em risco a vida e saúde dos pacientes e, portanto, as cláusulas que limitam os serviços home care são consideradas pela jurisprudência como abusivas, pois tais serviços são uma decorrência lógica do tratamento de determinadas doenças, mostrando-se indispensáveis para o bem-estar e manutenção da saúde do paciente.
Não se pode deixar de destacar que, conforme muito bem observado pela ilustre e respeitada Desembargadora MÔNICA MARIA COSTA, com a maestria que lhe é peculiar, quando do julgamento do Agravo de Instrumento número 0069286-60.2023.8.19.000, que tramitou perante a Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, “(...) o pedido médico somente foi atendido após a propositura da presente ação com o deferimento da tutela de urgência.
Patente, portanto, que a conduta da ré colocou em risco o estado de saúde delicado e grave da autora, posto que necessita do serviço de home care de modo a se preservar a integridade física e a vida da paciente para fins de evitar possível piora de seu quadro clínico, visto que é evidente a necessidade de tratamento domiciliar, serviço essencial para garantir a saúde e a vida da segurada/agravada diante da gravidade e fragilidade de seu estado de saúde.
Assevere-se que o entendimento jurisprudencial assente no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, havendo previsão quanto ao tratamento de determinada enfermidade, não podem as cláusulas de contrato de plano de saúde restringir a cobertura dos materiais e procedimentos eleitos pelo médico assistente, ainda que domiciliar, que se afiguram necessários à recuperação do paciente (...)” (ID 90752965).
Neste sentido, eis o seguinte julgado: “DIREITO DO CONSUMIDOR.
COBERTURA DE HOME CARE POR PLANO DE SAÚDE.
No caso em que o serviço de home care (tratamento domiciliar) não constar expressamente do rol de coberturas previsto no contrato de plano de saúde, a operadora ainda assim é obrigada a custeá-lo em substituição à internação hospitalar contratualmente prevista, desde que observados certos requisitos como a indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia supera a despesa diária em hospital.
Isso porque o serviço de home care constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto, serviço este que, a propósito, não pode sequer ser limitado pela operadora do plano de saúde, conforme a Súmula 302 do STJ ("É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado").
Além do mais, nota-se que os contratos de planos de saúde, além de constituírem negócios jurídicos de consumo, estabelecem a sua regulamentação mediante cláusulas contratuais gerais, ocorrendo a sua aceitação por simples adesão pelo segurado.
Por consequência, a interpretação dessas cláusulas contratuais segue as regras especiais de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados, como aquela segundo a qual havendo dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente.
Nesse sentido, ainda que o serviço de home care não conste expressamente no rol de coberturas previstas no contrato do plano de saúde, havendo dúvida acerca das estipulações contratuais, deve preponderar a interpretação mais favorável ao consumidor, como aderente de um contrato de adesão, conforme, aliás, determinam o art. 47 do CDC ("As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor"), a doutrina e a jurisprudência do STJ em casos análogos ao aqui analisado” (STJ, REsp 1.378.707-RJ, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino).
Este também é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Confira-se: “APELAÇÃO.
OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. “HOME CARE.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA ACERTADA. 1.
Plano de saúde.
Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
Súmula 608 do STJ. 2.
Abusividade da cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar, quando este se fizer essencial para garantir a saúde e a vida do segurado”, conforme indicação médica.
Súmula nº 338 deste Tribunal de Justiça; 3. “Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano." (Súmula nº 340 do TJRJ). 4.
Necessidade do tratamento comprovada nos autos, através de perícia médica submetida ao contraditório. 5.
Dano evidenciado.
Reparação que se mostra exagerada, devendo ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 6.
Incidência das súmulas 352 e 343 deste TJERJ. 7.
Recurso parcialmente provido” (TJRJ, Apelação Cível n. 0037289-53.2019.8.19.0209, Quarta Câmara de Direito Público, Relator: Desembargador RICARDO COUTO DE CASTRO).
In casu, verifica-se, pelo teor do relatório médico que instruiu a inicial (ID 71510467), que a autora, à época do ajuizamento da presente ação, apresentava sequela de AVE isquemia com disastria, com progressiva piora de deambulação com restrição parcial ao leito, piora da função renal com desenvolvimento de proteinúria nefrótica, associada à necessidade de início de terapia renal substitutiva com colocação de cateter perm cath, razão pela qual foi constatada a necessidade de suporte domiciliar com realização de fisioterapia motora e respiratória 04 (quatro) vezes por semana, além da visita de enfermagem pontual e visita médica mensal.
Daí ter restado cabalmente demonstrado, no entender desta magistrada, a necessidade de atendimento domiciliar.
Ademais, aconduta perpetrada pela parte ré ao não autorizar o serviço home care, desconsiderando a prescrição médica e o estado de saúde da autora à época (muito bem relatado quando do relatório médico que instruiu a inicial – ID 71510467), afronta a legislação que rege a matéria, bem como as normas consumeristas, sendo evidente a falha na prestação de seu serviço, nos termos do já mencionado artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor.
Outra observação a ser efetuada é que se apresenta inconcebível que a parte ré assuma o risco pelo tratamento de determinada doença e restrinja ou exclua sua responsabilidade quanto a determinado procedimento ou atendimento que, pelas circunstâncias do quadro clínico do consumidor, se mostra mais adequado e indispensável para a manutenção de sua saúde, conforme expressa recomendação médica, sob pena de comprometer o objeto do contrato ou o equilíbrio das prestações ajustadas.
Diante de tais considerações, afigura-se inadmissível a recusa do plano de saúde réu de autorização do serviçohome care.
Repita-se que o sistema home care equivale a uma internação, na qual se proporciona ao paciente tratamento semelhante ao que receberia se estivesse nas dependências do hospital, distinguindo-se quanto ao fato de que o paciente é removido para seu domicílio, no qual é mantido com cuidados médicos a um custo menor e sem riscos adicionais à saúde.
Outra questão ventilada pela parte ré, quando de sua contestação, seria a ausência de previsão do rol da ANS.
Conforme é cediço, ao apreciar os Embargos de Divergência nos Recursos Especiais n.º 1.889.704 e 1.886.929, o Colendo Superior Tribunal de Justiça definiu que o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo, podendo haver, excepcionalmente, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente não prevista no referido rol.
Confira-se: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE.
DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS DE DIREITO PRIVADO ACERCA DA TAXATIVIDADE OU NÃO DO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS.
ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, INEQUIVOCAMENTE ESTABELECIDA NA SUA PRÓPRIA LEI DE CRIAÇÃO.
ATO ESTATAL DO REGIME JURÍDICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO AO QUAL SE SUBMETEM FORNECEDORES E CONSUMIDORES DA RELAÇÃO CONTRATUAL DE DIREITO PRIVADO.
GARANTE A PREVENÇÃO, O DIAGNÓSTICO, A RECUPERAÇÃO E A REABILITAÇÃO DE TODAS AS ENFERMIDADES.
SOLUÇÃO CONCEBIDA E ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR PARA EQUILÍBRIO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL.
ENUNCIADO N. 21 DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CNJ.
CDC.
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA À RELAÇÃO CONTRATUAL, SEMPRE VISANDO O EQUILÍBRIO.
HARMONIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA E SEGUNDA SEÇÕES NO SENTIDO DE VELAR AS ATRIBUIÇÕES LEGAIS E A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA AUTARQUIA ESPECIALIZADA.
FIXAÇÃO DA TESE DA TAXATIVIDADE, EM REGRA, DA RELAÇÃO EDITADA PELA AGÊNCIA, COM ESTABELECIMENTO DE PARÂMETROS OBJETIVOS PARA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AO JUDICIÁRIO. 1.
A Lei n. 9.961/2000 criou a ANS, estabelecendo no art. 3º sua finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
Já o art. 4º, III, elucida que compete à ANS elaborar o Rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades. 2.
Por inequívoca opção do legislador, extrai-se tanto do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 quanto do art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000 que é atribuição dessa agência elaborar o Rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde.
Nessa toada, o Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ propugna que se considere, nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n. 9.656/1998, o Rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas. 3.
Por um lado, a Resolução Normativa ANS n. 439/2018, ora substituída pela Resolução Normativa ANS n. 470/2021, ambas dispondo sobre o rito processual de atualização do Rol, estabelece que as propostas de sua atualização serão recebidas e analisadas mediante critérios técnicos relevantes de peculiar complexidade, que exigem alto nível de informações, quais sejam, utilização dos princípios da avaliação de tecnologias em saúde – ATS, princípios da saúde baseada em evidências – SBE, manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Por outro lado, deixando claro que não há o dever de fornecer todas e quaisquer coberturas vindicadas pelos usuários dos planos de saúde, ao encontro das mencionadas resoluções normativas da ANS, a Medida Provisória n. 1.067, de 2 de setembro de 2021, incluiu o art. 10- D, § 3º, I, II e III, na Lei 9.656/1998 para estabelecer, no mesmo diapasão do regramento infralegal, a instituição da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, à qual compete assessorar a ANS nas atribuições de que trata o § 4º do art. 10, devendo apresentar relatório que considerará: I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, do produto ou do procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para o registro ou a para a autorização de uso; II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quando couber; e III – a análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar. 4.
O Rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, a preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável economicamente da população.
Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo – devendo, ademais, a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas – tem o condão de efetivamente padronizar todos os planos e seguros de saúde e restringir a livre concorrência, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado, o que representaria, na verdade, suprimir a própria existência do “Rol mínimo” e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população. 5.
A par de o Rol da ANS ser harmônico com o CDC, a Segunda Seção já pacificou que “as normas do CDC aplicam-se apenas subsidiariamente nos planos de saúde, conforme previsão do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998.
De qualquer maneira, em casos de incompatibilidade de normas, pelos critérios da especialidade e da cronologia, há evidente prevalência da lei especial nova” (EAREsp n. 988.070/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 8/11/2018, Dje de 14/11/2018).
Dessa maneira, ciente de que o Rol da ANS é solução concebida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual buscada nas relações consumeristas, também não caberia a aplicação insulada do CDC, alheia às normas específicas inerentes à relação contratual. 6.
Não se pode perder de vista que se está a discutir direitos e obrigações da relação contratual que envolvem plano de saúde e usuário, e não o estabelecimento de obrigação de fazer ou de não fazer a terceiro, que nem mesmo integra a lide.
A ANS, ao contrário do médico-assistente da parte litigante, analisa os procedimentos e eventos sob perspectiva coletiva, tendo em mira a universalização do serviço, de modo a viabilizar o atendimento do maior número possível de usuários.
Mesmo o correto e regular exercício profissional da Medicina, dentro das normas deontológicas da profissão, usualmente possibilita ao profissional uma certa margem de subjetividade, que, por vezes, envolve convicções pessoais ou melhor conveniência, mas não pode nortear a elaboração do Rol. 7.
Conforme adverte a doutrina especializada, muito além de servir como arrimo para precificar os valores da cobertura básica e mínima obrigatória das contratações firmadas na vigência da lei de Planos de Saúde, o Rol de procedimentos, a cada nova edição, delineia também a relevante preocupação do Estado em não expor o consumidor e paciente a prescrições que não encontrem respaldo técnico estudado e assentado no mundo científico, evitando-se que virem reféns dos interesses – notadamente econômicos – da cadeia de fornecedores de produtos e serviços que englobam a assistência médico-hospitalar e odontológica suplementar. 8.
Legítima é a confiança que está de acordo com o direito, despertada a partir de circunstâncias objetivas.
Com efeito, o entendimento de que o Rol – ato estatal, com expressa previsão legal e imperatividade inerente, que vincula fornecedores e consumidores – deve ser considerado meramente exemplificativo em vista da vulnerabilidade do consumidor, isto é, lista aberta sem nenhum paralelo no mundo, ignora que é ato de direito administrativo, e não do fornecedor de serviços, assim como nega vigência a diversos dispositivos legais, ocasionando antisseleção, favorecimento da concentração de mercado e esvaziamento da competência atribuída à ANS pelo Poder Legislativo para adoção de medidas regulatórias voltadas a equilibrar o setor de saúde suplementar de forma ampla e sistêmica, com prejuízo para toda a coletividade envolvida.
Afeta igualmente a eficácia do direito constitucional à saúde (art. 196 da CF), pois a interferência no equilíbrio atuarial dos planos de saúde privados contribui de forma significativa para o encarecimento dos produtos oferecidos no mercado e para o incremento do reajuste da mensalidade no ano seguinte, dificultando o acesso de consumidores aos planos e seguros, bem como sua mantença neles, retirando-lhes a confiabilidade assegurada pelo Rol de procedimentos, no que tange à segurança dos procedimentos ali elencados, e ao Sistema Único de Saúde (SUS), que, com esse entendimento jurisprudencial, reflexamente teria sua demanda aumentada. 9.
Em recentes precedentes específicos envolvendo a supressão das atribuições legais da ANS, as duas Turmas de Direito Público decidiram que, “segundo entendimento firmado neste Superior Tribunal de Justiça, até prova cabal em contrário, deve prevalecer a presunção de legitimidade dos atos administrativos praticados pelas agências reguladoras”, “sendo inviável qualquer discussão acerca do próprio mérito administrativo” (AgInt nos Edcl no Resp n. 1.834.266/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/3/2021, Dje de 25/3/2021).
Ademais, assentaram que não é papel do Judiciário promover a substituição técnica por outra concepção defendida pelo julgador, sendo “incabível substituição da discricionariedade técnica pela discricionariedade judicial” (AgInt no Resp n. 1.823.636/PR, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/9/2021, Dje de 16/9/2021). 10.
Diante desse cenário e buscando uma posição equilibrada e ponderada, conforme o entendimento atual da Quarta Turma, a cobertura de tratamentos, exames ou procedimentos não previstos no Rol da ANS somente pode ser admitida, de forma pontual, quando demonstrada a efetiva necessidade, por meio de prova técnica produzida nos autos, não bastando apenas a prescrição do médico ou odontólogo que acompanha o paciente, devendo ser observados, prioritariamente, os contidos no Rol de cobertura mínima.
Deveras, como assentado pela Corte Especial na esfera de recurso repetitivo, Resp n. 1.124.552/RS, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto.
Ressaltou-se nesse precedente que: a) não é possível a ilegítima invasão do magistrado em seara técnica à qual não é afeito; b) sem dirimir a questão técnica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendido da prova dos autos; c) nenhuma das partes pode ficar ao alvedrio de valorações superficiais. 11.
Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 – o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 – a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 – é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 – não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS. 12.
No caso concreto, a ação tem o pedido mediato de obtenção da cobertura de tratamento multidisciplinar pelo método ABA (Applied Behavoir Analysis) para autismo – reputado, nos embargos de divergência, não previsto no Rol da ANS -, sem limitação do número de sessões de terapia ocupacional e de fonoaudiologia.
Em vista da superveniente mudança promovida pela ANS – Resolução n. 469/2021, que altera o Anexo II (Diretrizes de Utilização) da Resolução Normativa n. 465/2021 (vigente Rol da ANS), publicada em 12/7/2021 – e da própria manifestação da parte recorrente, na primeira sessão de julgamento, no sentido da subsequente perda do interesse recursal, há uma diretriz que tornou ilimitado o número de consultas com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para tratamento de autismo.
Caso a operadora possua, em sua rede credenciada, profissional habilitado em determinada técnica ou determinado método, tal como a ABA, tal abordagem terapêutica poderá ser empregada pelo profissional no atendimento ao beneficiário, durante a realização dos procedimentos cobertos, como sessão de psicólogo e/ou terapeuta ocupacional (com diretriz de utilização) ou sessão com fonoaudiólogo. 13.
Embargos de divergência a que se nega provimento” (STJ, EREsp n. 1.889.704/SP, Segunda Seção, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO).
Daí se depreende que a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista.
Igualmente se extrai que, na hipótese de inexistir substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico assistente, desde que haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina.
No caso sub judice, verifica-se, pelo teor do laudo acostado aos autos (ID 71510467) que o tratamento solicitado pela equipe médica responsável pela internação da autora quando dos fatos se apresenta imprescindível diante da gravidade do quadro que, lamentavelmente, a acometeu.
Importante repetir que, acerca de tal questão, a ilustre e respeitada Desembargadora MÔNICA MARIA COSTA, quando do julgamento do Agravo de Instrumento número 0069286-60.2023.8.19.000, que tramitou perante a Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, muito bem destacou que “(...) a conduta da ré colocou em risco o estado de saúde delicado e grave da autora, posto que necessita do serviço de home care de modo a se preservar a integridade física e a vida da paciente para fins de evitar possível piora de seu quadro clínico, visto que é evidente a necessidade de tratamento domiciliar, serviço essencial para garantir a saúde e a vida da segurada/agravada diante da gravidade e fragilidade de seu estado de saúde.
Assevere-se que o entendimento jurisprudencial assente no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, havendo previsão quanto ao tratamento de determinada enfermidade, não podem as cláusulas de contrato de plano de saúde restringir a cobertura dos materiais e procedimentos eleitos pelo médico assistente, ainda que domiciliar, que se afiguram necessários à recuperação do paciente (...)” (ID 90752965).
E, na medida em que o plano possui cobertura para a doença, não há como se limitar o procedimento/tratamento expressamente indicado pelo médico assistente e com eficácia cientificamente reconhecida.
Não se pode deixar de enfatizar que o objetivo primordial de qualquer contrato de seguro de assistência médico-hospitalar é o de garantir a saúde do segurado e que a prescrição médica é de uso exclusivo do profissional que assiste diretamente o paciente.
Assim, o plano de saúde não tem o direito de negar o tipo de cuidado requisitado pelo profissional, como ocorreu nesta lide, até porque não se mostra ético ou de acordo com os princípios da boa-fé e da confiança questionar a necessidade da utilização dos serviços quando se está em jogo a integridade física ou a vida de um ser humano.
Ratifique-se que a autora é beneficiária do contrato de plano de assistência à saúde administrado pela empresa ré, fazendo jus à cobertura de tratamento contra a doença da qual está acometida, razão pela qual, tratando-se de moléstia coberta pelo plano de saúde, não caberia à operadora a limitação e/ou escolha do tratamento, vez que o paciente está sob a responsabilidade do médico que a assiste.
Por conseguinte, não cabe ao réu imiscuir-se nesta seara (notadamente diante da ampla cobertura do plano de saúde em questão e o cumprimento, por parte da autora, de suas obrigações contratuais).
Assim, pelo que se depreende do conjunto probatório carreado aos autos, restou evidenciada e comprovada a falha em que incorreu a parte ré, deixando o consumidor ao desamparo quando mais necessitou do plano de saúde por ele contratado e num delicado momento de sua vida.
Inclusive, no entender desta magistrada, tal situação, por si só, é capaz de ensejar o surgimento dos danos morais, suscetíveis de compensação.
Valendo-se das sábias lições do ilustre e culto Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 1aEdição – 2aTiragem, Editora Malheiros, “(...) só pode ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar (...)” (p. 76).
Ora, de acordo com a narrativa da parte autora, somada à prova carreada aos autos, salta aos olhos o abalo psicológico ao qual o ilustre Desembargador fez menção em sua notável obra, abalo este, conforme já mencionado ao longo deste trabalho, se presume diante da própria situação descrita.
Os dissabores experimentados pela parte autora extrapolaram, sem sombra de dúvida, a seara do mero aborrecimento, vez que não é justo que o consumidor pague as mensalidades do plano de saúde com vistas a obter uma assistência efetiva, e quando dele necessita, tenha seu tratamento recusado.
Sem dúvida a recusa da empresa ré em autorizar o serviço home care/atendimento domicilair - que era necessário ao restabelecimento da saúde da autora - causou angústia que extrapola o mero descumprimento contratual.
No mesmo sentido versa a Súmula nº 209, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Súmula nº 209- Enseja dano moral a indevida recusa de internação ou serviços hospitalares, inclusive home care, por parte do seguro saúde somente obtidos mediante decisão judicial”.
Igualmente relevante trazer à lume a Súmula nº 339, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que assim dispõe: “A recusa indevida ou injustificada, pela operadora de plano de saúde, de autorizar a cobertura financeira de tratamento médico enseja reparação a título de dano moral”.
Repita-se que, no caso em comento, a recusa injustificada de fornecimento do serviço dehome caresolicitado para a autora, nos moldes da prescrição médica (ID 71510467), enquanto cumpridora de todas as suas obrigações contratuais, inclusive financeiras, inegavelmente, feriu a dignidade da pessoa humana na relação de consumo, com grave ofensa a direito da personalidade.
Desta sorte, o defeito na prestação do serviço feriu a integridade psíquica do usuário do serviço, colocando em risco sua a saúde e seu bem-estar, com violação do sossego e da paz de espírito.
Realmente, é desesperador quando, no momento em que mais se precisa de um plano de saúde, o qual se filiou depositando confiança e esperando segurança, seja, o consumidor, frustrado em tal expectativa por uma situação que lhe é estranha.
Torna-se imperioso ressaltar queo dano moral, em situações como a do caso em tela se presume, de modo que, à parte autora, basta a alegação, ficando à cargo da outra parte a produção de provas em contrário, o que, no vertente caso, não ocorreu.
Neste particular, o ilustre Rui Stoco, em sua obra “Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial”, 4aEdição – 2aTiragem, Editora Revista dos Tribunais, esclarece que “(...) a causação de dano moral independe de prova, ou melhor, comprovada a ofensa moral o direito à indenização desta decorre, sendo dela presumido. (...) Significa, em resumo, que o dever de reparar é corolário da verificação do evento danoso, dispensável ou mesmo incogitável, a prova do prejuízo (...)” (p. 722).
Também não se pode deixar de trazer à baila a lição esposada pela ilustre e respeitável Maria Helena Diniz, em sua obra intitulada “Curso de Direito Civil Brasileiro”, 7º volume, 9ª Edição, Editora Saraiva, ao tratar do dano moral, ressalva que a reparação tem sua dupla função, a penal “(...) constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa (integridade física, moral e intelectual) não poderá ser violado impunemente (...)”, e a função satisfatória ou compensatória, pois “(...) como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa a proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada (...)”.
Impõe-se, por conseguinte, o reconhecimento do dano moral, decorrente da própria situação descrita na inicial, surgindo, portanto, para o réu, a obrigação de compensar, a parte autora, pelo inegável abalo sofrido.
Neste diapasão, impõe-se o acolhimento da pretensão autoral por ser a expressão da mais límpida e cristalina justiça.
Isto posto,JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, tornando definitiva a tutela antecipada concedida (ID 71530049).
Condeno a parte ré, ao pagamento, em favor da parte autora, da indenização a título de danos morais, na importância de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescida dos juros legais desde a efetiva citação e monetariamente corrigida a partir da presente data.
Condeno a parte ré, como decorrência da sucumbência, ao pagamento das custas processuais, devidas por força de lei, bem como dos honorários advocatícios, aos quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
P.R.I.
RIO DE JANEIRO, 16 de abril de 2025.
FLAVIA GONCALVES MORAES BRUNO Juiz Titular -
24/04/2025 18:02
Expedição de Outros documentos.
-
24/04/2025 18:02
Julgado procedente o pedido
-
12/03/2025 23:31
Conclusos para julgamento
-
12/03/2025 23:31
Expedição de Certidão.
-
12/02/2025 16:32
Juntada de Petição de petição
-
05/02/2025 11:16
Juntada de Petição de petição
-
30/01/2025 00:19
Publicado Intimação em 30/01/2025.
-
30/01/2025 00:19
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/01/2025
-
28/01/2025 18:35
Expedição de Outros documentos.
-
28/01/2025 18:35
Proferido despacho de mero expediente
-
24/01/2025 09:53
Conclusos para despacho
-
24/01/2025 09:53
Expedição de Certidão.
-
08/10/2024 12:34
Juntada de Petição de petição
-
03/10/2024 00:18
Publicado Intimação em 03/10/2024.
-
03/10/2024 00:18
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 02/10/2024
-
01/10/2024 16:50
Expedição de Outros documentos.
-
01/10/2024 16:50
Proferido despacho de mero expediente
-
27/09/2024 02:21
Conclusos ao Juiz
-
26/09/2024 17:23
Juntada de Petição de petição
-
12/09/2024 00:02
Publicado Intimação em 12/09/2024.
-
12/09/2024 00:02
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 11/09/2024
-
10/09/2024 17:31
Expedição de Outros documentos.
-
10/09/2024 17:31
Proferido despacho de mero expediente
-
09/09/2024 22:34
Conclusos ao Juiz
-
01/07/2024 15:31
Juntada de Petição de petição
-
05/06/2024 00:05
Publicado Intimação em 05/06/2024.
-
05/06/2024 00:05
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 04/06/2024
-
03/06/2024 16:32
Expedição de Outros documentos.
-
03/06/2024 16:31
Proferido despacho de mero expediente
-
28/05/2024 15:47
Juntada de Petição de petição
-
28/05/2024 14:12
Conclusos ao Juiz
-
27/05/2024 00:02
Publicado Intimação em 27/05/2024.
-
26/05/2024 00:06
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 24/05/2024
-
24/05/2024 11:43
Redistribuído por sorteio em razão de incompetência
-
23/05/2024 17:44
Expedição de Certidão.
-
23/05/2024 17:43
Expedição de Outros documentos.
-
23/05/2024 17:43
Expedição de Certidão.
-
23/05/2024 17:43
Cancelada a movimentação processual
-
10/04/2024 18:16
Juntada de Petição de petição
-
09/04/2024 16:58
Juntada de Petição de petição
-
08/04/2024 00:02
Publicado Intimação em 08/04/2024.
-
07/04/2024 00:05
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 05/04/2024
-
05/04/2024 13:45
Expedição de Outros documentos.
-
05/04/2024 13:45
Declarada incompetência
-
04/04/2024 13:35
Conclusos ao Juiz
-
18/03/2024 18:47
Juntada de Petição de petição
-
10/01/2024 18:22
Juntada de Petição de petição
-
04/12/2023 09:42
Juntada de acórdão
-
04/12/2023 09:33
Juntada de decisão monocrática segundo grau
-
03/12/2023 00:12
Decorrido prazo de SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE em 01/12/2023 09:50.
-
29/11/2023 14:07
Juntada de Petição de diligência
-
28/11/2023 15:52
Expedição de Mandado.
-
21/11/2023 00:02
Publicado Intimação em 21/11/2023.
-
19/11/2023 00:08
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 17/11/2023
-
16/11/2023 17:55
Expedição de Outros documentos.
-
16/11/2023 17:55
Proferido despacho de mero expediente
-
16/11/2023 08:03
Conclusos ao Juiz
-
16/11/2023 08:03
Expedição de Certidão.
-
06/10/2023 01:15
Decorrido prazo de DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA em 05/10/2023 23:59.
-
28/09/2023 20:15
Juntada de Petição de petição
-
28/09/2023 20:09
Juntada de Petição de petição
-
20/09/2023 14:23
Juntada de Petição de petição
-
06/09/2023 17:14
Expedição de Outros documentos.
-
06/09/2023 17:14
Expedição de Outros documentos.
-
06/09/2023 16:55
Proferido despacho de mero expediente
-
06/09/2023 09:18
Conclusos ao Juiz
-
06/09/2023 09:18
Expedição de Certidão.
-
06/09/2023 09:15
Juntada de decisão monocrática segundo grau
-
29/08/2023 17:04
Juntada de Petição de contestação
-
20/08/2023 00:16
Decorrido prazo de MARILIA KLEM BATISTA em 18/08/2023 23:59.
-
18/08/2023 18:18
Juntada de Petição de petição
-
18/08/2023 00:13
Decorrido prazo de SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE em 17/08/2023 23:59.
-
10/08/2023 17:40
Juntada de Petição de diligência
-
09/08/2023 12:03
Expedição de Mandado.
-
09/08/2023 12:03
Expedição de Outros documentos.
-
09/08/2023 06:59
Concedida a Antecipação de tutela
-
08/08/2023 16:39
Conclusos ao Juiz
-
08/08/2023 16:39
Expedição de Certidão.
-
08/08/2023 16:02
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
25/07/2025
Ultima Atualização
02/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Despacho • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Decisão Monocrática Segundo Grau • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão Monocrática Segundo Grau • Arquivo
Decisão • Arquivo
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