TJRJ - 0809723-38.2025.8.19.0031
1ª instância - Marica 2 Vara Civel
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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26/07/2025 01:54
Decorrido prazo de AGUAS DO RIO 1 SPE S.A em 25/07/2025 23:59.
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24/07/2025 14:25
Juntada de Petição de contestação
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07/07/2025 00:05
Publicado Intimação em 07/07/2025.
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06/07/2025 00:33
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 04/07/2025
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04/07/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Maricá 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá Rua Jovino Duarte de Oliveira, S/N, Centro, MARICÁ - RJ - CEP: 24901-130 DECISÃO Processo: 0809723-38.2025.8.19.0031 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: MARCELLY FURTADO DA SILVA RÉU: AGUAS DO RIO 1 SPE S.A Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA.
SERVIÇO ESSENCIAL.
FORNECIMENTO DE ÁGUA.
COBRANÇA INDEVIDA.
MULTA POR SUPOSTA VIOLAÇÃO DO HIDRÔMETRO.
CORTE ILEGAL DO SERVIÇO.
CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA.
GRATUIDADE DE JUSTIÇA E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
PEDIDO DEFERIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais, ajuizada por consumidora em face de concessionária de abastecimento de água, com pedido de tutela antecipada.
A autora alega cobranças indevidas relativas a faturas de período anterior à troca de titularidade do imóvel, imposição de multa por suposta violação do hidrômetro sem devido processo administrativo e ameaça de corte no fornecimento de água.
Postula a abstenção da suspensão do serviço, a exclusão da multa das faturas, reparação por danos e regularização da matrícula.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.Há três questões em discussão: (i) definir se estão presentes os requisitos legais para concessão da tutela de urgência antecipada, a fim de evitar o corte do fornecimento de água e suspender a cobrança da multa impugnada; (ii) estabelecer se a autora faz jus à gratuidade de justiça; (iii) determinar se é cabível a inversão do ônus da prova com base nas normas consumeristas.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.A probabilidade do direito da autora encontra amparo na própria resposta administrativa da ré ao PROCON, que reconhece que os débitos de maio e junho de 2022 não estão vinculados à sua titularidade, conferindo verossimilhança às alegações iniciais. 4.A imposição de multa por suposta violação do medidor, sem procedimento administrativo com garantia de contraditório e ampla defesa, é incompatível com os princípios do devido processo legal e com a legislação consumerista, especialmente o art. 14 do CDC. 5.As faturas com rubricas de corte e religação confirmam que houve interrupção do fornecimento de água, contrariando a alegação da ré no âmbito administrativo e reforçando a ilegalidade do corte por débitos contestados ou de origem incerta. 6.O risco de dano irreparável é evidente diante da possibilidade de novo corte no fornecimento de água, serviço essencial à dignidade da pessoa humana, cuja suspensão indevida pode gerar prejuízos existenciais e sanitários de difícil reparação. 7.A tutela pleiteada consiste em obrigações de não fazer (abstenção de corte e de cobrança de multa), medidas reversíveis que não representam prejuízo irreparável à concessionária e podem ser revertidas em caso de improcedência da demanda. 8.A medida liminar mostra-se proporcional, pois evita dano grave à consumidora e impõe à concessionária apenas a suspensão temporária de cobranças discutidas judicialmente, sem comprometimento de sua atividade econômica ou direito à contraprestação. 9.A hipossuficiência econômica da autora restou comprovada pelos documentos juntados aos autos, justificando a concessão da gratuidade de justiça nos termos do art. 98 do CPC. 10.A verossimilhança das alegações e a vulnerabilidade técnica da consumidora diante da ré, fornecedora de serviço público essencial, autorizam a inversão do ônus da prova com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 11.Tutela de urgência deferida.
Tese de julgamento: 1.A concessionária de serviço público essencial não pode suspender o fornecimento de água com base em débitos de titularidade incerta ou objeto de impugnação judicial, sob pena de prática abusiva. 2.A cobrança de multa por suposta violação do medidor exige a instauração de procedimento administrativo prévio, com observância do contraditório e da ampla defesa. 3.Presentes a verossimilhança das alegações e a vulnerabilidade do consumidor, é cabível a inversão do ônus da prova em ações envolvendo relação de consumo. 4.A tutela de urgência pode ser concedida para impedir o corte de serviço essencial e suspender cobrança indevida, quando demonstrados os requisitos do art. 300 do CPC e ausente risco de irreversibilidade da medida.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV; CDC, arts. 6º, III, VI e VIII; 14 e 22; CPC, arts. 98, 300 e 537; CC, arts. 186 e 927.
Jurisprudência relevante citada: TJRJ, Súmula nº 192.
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais e Materiais com Tutela de Urgência Antecipada, proposta por MARCELLY FURTADO DA SILVA em face de ÁGUAS DO RIO S.A. (identificada na certidão como ÁGUAS DO RIO 1 SPE S.A.), sob o rito comum.
BREVE RELATO A parte autora narra que é usuária dos serviços de abastecimento de água prestados pela ré, sob a matrícula nº 102638408-4 e hidrômetro nº Y22SG374032 (posteriormente identificado como Y23G317155 na resposta ao PROCON).
Alega que o imbróglio com a ré teve início em julho de 2022, data em que houve a troca de titularidade da unidade consumidora para o seu nome.
Sustenta que a ré vem efetuando a cobrança de faturas referentes aos meses de maio e junho de 2022, valores que, segundo a autora, não lhe cabem, pois à época da suposta inadimplência, não possuía qualquer relação contratual com a ré para aquela unidade consumidora.
Informa que, em diversas ocasiões, a ré compareceu à sua residência sob a alegação de contas vencidas, com o intuito de proceder ao corte do abastecimento de água.
Diante disso, a autora relata ter aberto protocolos de reclamação (20.***.***/0153-89; 20.***.***/0164-87) para averiguar a situação, uma vez que suas faturas se encontram regularmente quitadas.
Aduz que, em uma dessas oportunidades, a ré efetivamente procedeu ao corte no registro da unidade consumidora, causando a quebra do piso.
Relata, ainda, que quando da religação e troca do hidrômetro, a ré lhe atribuiu uma suposta violação no medidor, aplicando-lhe uma multa parcelada em 24 vezes de R$ 125,60.
Menciona que realizou reclamação junto ao PROCON, ocasião em que a própria ré teria constatado a inexistência de quaisquer débitos em aberto vinculados à matrícula da autora.
Contudo, a ré teria negado a ocorrência de qualquer corte de serviços na unidade consumidora.
A autora, por sua vez, afirma que suas faturas comprovam a falha na prestação de serviços da ré, que lhe atribui valores indevidos e procede ao corte de serviço essencial.
A autora acredita que a ré esteja fazendo confusão com as faturas de outras residências existentes no mesmo local, com outros medidores, mas ressalta que não pode arcar com a falha na prestação de serviços da ré, tendo em vista que, de boa-fé, arca com os débitos que lhe são impostos, mesmo que indevidos.
Diante do exposto, a autora busca reparação pelos danos materiais e morais sofridos, decorrentes da falha na prestação de serviços, descaso, negligência e incompetência da ré.
Formula pedido de tutela de urgência antecipada para que a ré se abstenha de suspender o abastecimento de água no imóvel da requerente e se abstenha de efetuar a cobrança da multa imposta em suas faturas de consumo, sob pena de multa diária (astreinte) de R$ 100,00.
Requer, ainda, a concessão da gratuidade de justiça, a citação da ré, a inversão do ônus da prova, a procedência total dos pedidos para confirmar a tutela, regularizar a matrícula, declarar inexistentes os débitos de maio e junho de 2022, condenar a ré ao pagamento de danos materiais no importe de R$ 6.254,34 (já em dobro) e danos morais no importe de R$ 20.000,00, além de honorários sucumbenciais.
Atribuiu à causa o valor de R$ 26.254,34. É o breve relatório.
Decido.
DA ANÁLISE DOS REQUISITOS DA TUTELA ANTECIPADA O Código de Processo Civil, em seu artigo 300, estabelece os requisitos para a concessão da tutela de urgência, que pode ser de natureza antecipada ou cautelar.
A tutela antecipada, especificamente, visa adiantar os efeitos da própria tutela final pretendida, total ou parcialmente, quando presentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sua finalidade precípua é mitigar os efeitos deletérios da demora na prestação jurisdicional, assegurando que o tempo do processo não inviabilize ou torne ineficaz a satisfação do direito material postulado.
A concessão da tutela de urgência exige a demonstração cumulativa de dois pressupostos essenciais: a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Além disso, o § 3º do mesmo artigo 300 veda a concessão da tutela de urgência de natureza antecipada quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Passo à análise detida de cada um desses requisitos à luz dos fatos e documentos apresentados pela parte autora.
DA PROBABILIDADE DO DIREITO (FUMUS BONI IURIS) A probabilidade do direito, como requisito para a concessão da tutela de urgência, não exige uma certeza absoluta acerca da existência do direito alegado, mas sim um juízo de verossimilhança, uma plausibilidade que decorre da análise superficial das alegações e das provas apresentadas na fase inicial do processo. É a "fumaça do bom direito", que indica a razoável chance de sucesso da pretensão autoral ao final da demanda.
Essa análise preliminar deve ser realizada com cautela, ponderando os elementos fáticos e jurídicos trazidos aos autos, sem, contudo, exaurir o mérito da causa, que será objeto de cognição exauriente na sentença.
No caso em tela, a parte autora fundamenta sua pretensão na relação de consumo existente com a ré, concessionária de serviço público essencial, invocando as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A aplicação do CDC é pertinente, conforme dispõe o artigo 3º, § 2º, ao considerar serviço a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza pública.
A ré, na qualidade de fornecedora de serviço essencial de abastecimento de água, submete-se às regras consumeristas, em especial à responsabilidade objetiva pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, independentemente da existência de culpa, nos termos do artigo 14 do CDC.
As questões de fato relevantes para a análise da probabilidade do direito, neste momento processual, centram-se em três pontos principais: a) a legitimidade da cobrança das faturas de maio e junho de 2022; b) a validade da multa por suposta violação do medidor; e c) a ocorrência e a legalidade dos cortes no fornecimento de água.
A autora alega que as faturas de maio e junho de 2022 são indevidas, pois se referem a período anterior à troca de titularidade para o seu nome em julho de 2022.
Embora as contas anexadas (index 197352525) sob a matrícula da autora (102638408-4) apresentem os meses de maio e junho de 2022 como "ABERTO", a própria resposta da ré à reclamação no PROCON, conforme relatado na petição inicial (index 197349966), indica que tais débitos "se encontra[m] vinculado ao contrato de nº 298031 com situaçã[o] Assim as faturas em aberto não possuem vínculos com o contrato da [reclamante]".
Essa informação, emanada da própria ré em sede administrativa, confere significativa probabilidade à alegação da autora de que os débitos de maio e junho de 2022 não lhe pertencem, apesar de constarem sob a matrícula da unidade consumidora.
Quanto à multa por suposta violação do medidor, a autora alega que lhe foi atribuída quando da religação e troca do hidrômetro, sendo parcelada em 24 vezes de R$ 125,60.
As faturas anexadas (index 197352525) de outubro, novembro e dezembro de 2023, e janeiro e fevereiro de 2024, de fato, apresentam a rubrica "PARCELAMENTO NOTIFICACA" no valor de R$ 125,60.
A autora contesta a validade dessa multa, atribuindo-a a uma "suposta violação".
Embora a autora não apresente prova da inexistência da violação neste momento, a imposição unilateral de multa por concessionária de serviço público, sem a observância do devido processo legal administrativo, que garanta ao consumidor o direito ao contraditório e à ampla defesa, incluindo a possibilidade de perícia no medidor, é questionável sob a ótica do direito do consumidor e dos princípios que regem os serviços públicos.
A jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido da necessidade de procedimento formal para apuração de irregularidades em medidores, não bastando a simples constatação unilateral pela concessionária.
Assim, a probabilidade de que essa cobrança seja indevida, ao menos em sua forma de imposição, também se mostra presente.
Por fim, no que tange aos cortes no fornecimento de água, a autora alega que a ré compareceu diversas vezes para cortar o serviço e que, em uma oportunidade, o corte foi efetivado, com quebra de piso.
A ré, na resposta ao PROCON (conforme relato na inicial), negou a ocorrência de corte em 04/08/2023.
Contudo, as faturas anexadas (index 197352525) de fevereiro de 2023 e julho de 2022 (sob a matrícula da autora) contêm as rubricas "CORTE NO CAVALETE" (R$ 12,53) e "RELIGACAO NO CAVALETE" (R$ 12,53), o que corrobora a alegação da autora de que cortes e religações ocorreram na unidade consumidora.
A questão de direito relevante aqui é a legalidade do corte de serviço essencial por débitos pretéritos ou por débitos contestados judicialmente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que não é lícito o corte no fornecimento de serviço essencial por dívida antiga, devendo a concessionária utilizar os meios ordinários de cobrança.
Ademais, a suspensão do serviço por débitos cuja exigibilidade é objeto de discussão judicial séria também é considerada ilegítima.
Considerando a probabilidade de que os débitos de maio e junho de 2022 sejam indevidos (conforme a própria informação da ré no PROCON) e a contestação da multa, a ameaça ou efetivação de corte com base nesses valores configura, em tese, conduta abusiva e ilegal por parte da concessionária.
As questões de direito relevantes, portanto, envolvem a aplicação das normas do CDC (responsabilidade objetiva, proteção contra cobranças indevidas, essencialidade do serviço), a teoria do risco da atividade, a ilicitude do ato (Art. 186 CC) e o dever de reparar (Art. 927 CC), bem como a interpretação da legislação e da jurisprudência acerca dos requisitos e limites para a suspensão do fornecimento de serviços essenciais.
A autora invoca expressamente o artigo 22 do CDC, que impõe aos fornecedores de serviços essenciais a obrigação de fornecê-los de forma contínua, e o parágrafo único desse artigo, que prevê a compulsoriedade do cumprimento da obrigação e a reparação dos danos em caso de descumprimento.
A Súmula nº 192 do TJRJ, citada pela autora, reforça a configuração do dano moral pela indevida interrupção de serviços essenciais.
A probabilidade do direito, neste cenário, afigura-se presente em relação à ilegitimidade dos débitos de maio e junho de 2022 e à ilegalidade dos cortes ou ameaças de corte baseados nesses débitos e na multa contestada, justificando uma análise favorável à autora em sede de cognição sumária.
DO PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO (PERICULUM IN MORA) O perigo de dano, ou periculum in mora, consiste na iminência de um prejuízo grave, de difícil ou impossível reparação, que a parte possa sofrer caso a tutela jurisdicional não seja concedida de imediato.
Não se trata de um dano hipotético ou remoto, mas sim de um risco concreto e atual que, se concretizado, poderá comprometer a própria utilidade do provimento final.
O tempo do processo, inerente à busca pela verdade real e ao respeito ao contraditório, não pode se tornar um fardo insuportável para a parte que demonstra a probabilidade de seu direito e a urgência na sua proteção.
No caso em análise, o perigo de dano reside na possibilidade concreta de a parte autora ter o fornecimento de água em sua residência suspenso pela ré.
A água é um serviço essencial à vida, à saúde, à higiene e à dignidade da pessoa humana.
Sua interrupção abrupta e indevida causa transtornos gravíssimos que vão muito além do mero aborrecimento, afetando diretamente a qualidade de vida e o bem-estar da consumidora e de sua família.
A falta de água impede a realização de tarefas básicas do cotidiano, como cozinhar, limpar, tomar banho, utilizar instalações sanitárias, comprometendo a própria habitabilidade do imóvel.
A ameaça de corte, por si só, já gera um estado de apreensão e insegurança na consumidora, que se vê compelida a arcar com valores que considera indevidos para evitar a suspensão de um serviço vital.
A autora relata ter aberto protocolos e recorrido ao PROCON, demonstrando suas tentativas de resolver a questão administrativamente, sem sucesso.
A persistência da cobrança dos débitos contestados e da multa, aliada às visitas da ré com o propósito de cortar o serviço, conforme narrado na inicial e corroborado pelas rubricas de corte/religação nas faturas, configura um risco real e iminente de dano irreparável ou de difícil reparação.
O perigo da demora é ainda mais acentuado pela natureza do serviço.
A interrupção do fornecimento de água não é um dano que possa ser facilmente reparado a posteriori.
O período sem acesso à água potável e ao saneamento básico acarreta prejuízos à saúde e à dignidade que não são integralmente compensados pela eventual reparação pecuniária ao final do processo.
A urgência da medida se justifica, portanto, pela necessidade de garantir a continuidade do serviço essencial enquanto se discute a legalidade das cobranças e dos procedimentos adotados pela concessionária.
As questões de fato que evidenciam o perigo de dano são as alegações de cobranças indevidas persistentes (débitos de 2022 e multa) e as ameaças e efetivações de corte do serviço essencial de água.
A questão de direito relevante é a proteção do consumidor contra práticas abusivas de cobrança e suspensão de serviços essenciais, conforme o CDC e a jurisprudência.
A demora na concessão da tutela pode resultar na privação do acesso à água, configurando um dano de natureza existencial e patrimonial de difícil reversão, o que justifica a intervenção judicial imediata.
DA AUSÊNCIA DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA O artigo 300, § 3º, do Código de Processo Civil estabelece que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Este requisito impõe ao magistrado o dever de ponderar se a concessão da medida liminar criará uma situação fática que não poderá ser desfeita caso a sentença final seja desfavorável à parte que obteve a tutela.
A irreversibilidade, nesse contexto, refere-se à impossibilidade de retorno ao status quo ante, de modo que a execução provisória da tutela antecipada cause um dano irreparável ou de difícil reparação à parte adversa.
No caso em tela, a tutela antecipada pleiteada pela autora consiste em determinar que a ré se abstenha de suspender o abastecimento de água e de efetuar a cobrança da multa imposta.
Analisando a natureza dessas obrigações de não fazer, verifica-se que a sua concessão não acarreta perigo de irreversibilidade para a concessionária ré.
A determinação para que a ré se abstenha de suspender o fornecimento de água implica, tão somente, na manutenção do serviço em caráter provisório.
Caso, ao final do processo, a sentença julgue improcedente o pedido da autora e reconheça a legalidade dos débitos e da multa, a ré poderá, observados os procedimentos legais, efetuar a cobrança dos valores devidos e, em caso de inadimplência, proceder ao corte do serviço.
O eventual prejuízo para a ré, nesse cenário, seria de natureza financeira, decorrente do atraso no recebimento dos valores, acrescidos dos encargos legais.
Contudo, prejuízos de ordem pecuniária são, em regra, reversíveis, pois podem ser compensados ao final da demanda, seja pela cobrança dos valores devidos, seja pela execução de eventual condenação em perdas e danos.
Da mesma forma, a determinação para que a ré se abstenha de cobrar a multa imposta também não gera irreversibilidade.
Se a multa for considerada legal na sentença final, a ré poderá retomar a cobrança das parcelas vincendas e cobrar as parcelas que deixaram de ser pagas durante o trâmite processual, com os devidos acréscimos.
A suspensão temporária da cobrança não extingue o débito, apenas posterga sua exigibilidade até o julgamento definitivo da lide.
Em contrapartida, a não concessão da tutela antecipada, permitindo que a ré suspenda o fornecimento de água com base em débitos cuja probabilidade de ilegitimidade foi demonstrada em sede de cognição sumária, causaria à autora um dano de difícil, senão impossível, reparação, como já exaustivamente demonstrado na análise do perigo de dano.
A privação de um serviço essencial afeta a saúde, a dignidade e a própria subsistência da consumidora, cujos efeitos negativos não são integralmente reparáveis pela mera recomposição financeira posterior.
Portanto, a medida pleiteada pela autora, de abstenção de corte e de cobrança da multa, é plenamente reversível para a ré, ao passo que a sua não concessão pode gerar danos irreversíveis ou de difícil reparação para a autora.
A ponderação entre os interesses em conflito, sob a ótica da irreversibilidade, favorece a concessão da tutela de urgência para garantir a continuidade do serviço essencial e suspender a cobrança dos valores contestados, sem prejuízo da análise exauriente do mérito ao final do processo.
DA PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA A concessão da tutela de urgência deve observar o princípio da proporcionalidade, que impõe um juízo de ponderação entre os bens jurídicos em conflito. É necessário avaliar se a medida pleiteada é adequada para atingir o fim almejado, se é necessária (ou seja, se não há meio menos gravoso para alcançar o mesmo resultado) e se é proporcional em sentido estrito (se as vantagens da medida superam as desvantagens).
No contexto da tutela antecipada, a proporcionalidade exige que se compare o risco de dano para o autor com o risco de dano para o réu, bem como a probabilidade do direito alegado.
No caso em tela, a medida pleiteada – abstenção de corte no fornecimento de água e de cobrança da multa – é adequada para proteger o direito da autora à continuidade do serviço essencial e evitar a cobrança de valores que, em análise preliminar, mostram-se provavelmente indevidos. É também necessária, pois a única forma de garantir o acesso contínuo à água e evitar a cobrança da multa, diante da postura da ré, é a intervenção judicial.
Não há, neste momento, outro meio menos gravoso que assegure esses resultados.
Em sentido estrito, a medida é proporcional.
De um lado, temos o direito fundamental da autora ao acesso à água, serviço essencial para sua vida e dignidade, e a proteção contra cobranças abusivas e cortes ilegais, com base em uma probabilidade razoável de que os débitos contestados (faturas de 2022 e multa) sejam ilegítimos.
O dano decorrente da privação de água é grave e de difícil reparação.
De outro lado, temos o direito da concessionária à contraprestação pelos serviços prestados e à cobrança de valores devidos.
Contudo, a medida não impede a ré de cobrar os valores incontroversos, nem a impede de buscar a cobrança dos valores contestados pelas vias próprias ao final do processo, caso sua pretensão seja acolhida.
O dano para a ré, caso a tutela seja revogada, é meramente financeiro e reversível.
A ponderação entre o risco de privação de um serviço essencial para a consumidora e o risco de atraso na cobrança de valores contestados para a concessionária, em um cenário onde a probabilidade do direito da autora é razoável, pende claramente para a concessão da tutela.
A manutenção do serviço de água e a suspensão da cobrança da multa, em caráter provisório, representam a solução mais equilibrada e proporcional, preservando o bem jurídico de maior relevância (a vida e a dignidade da consumidora) sem causar dano irreversível à ré.
EPÍLOGO Diante de todo o exposto, verifico que os requisitos autorizadores para a concessão da tutela de urgência antecipada encontram-se presentes nos autos, em sede de cognição sumária.
A probabilidade do direito da autora em relação à ilegitimidade dos débitos de maio e junho de 2022 e da multa imposta, bem como a ilegalidade dos cortes ou ameaças de corte baseados nesses valores, é razoável, conforme a análise dos documentos e alegações iniciais.
O perigo de dano é evidente e grave, considerando a essencialidade do serviço de abastecimento de água e os transtornos decorrentes de sua interrupção.
A medida pleiteada, por sua vez, não se mostra irreversível para a ré, ao passo que a sua não concessão poderia acarretar danos de difícil reparação para a autora.
A proporcionalidade da medida também favorece a autora, ponderados os interesses em conflito.
Ademais, defiro o pedido de gratuidade de justiça formulado pela parte autora, uma vez que a declaração de hipossuficiência e os contracheques apresentados (index 197350804 e 197350833) demonstram que ela percebe renda mensal que, em princípio, a impede de arcar com as custas e despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento e de sua família, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil.
Por fim, defiro a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, considerando a verossimilhança das alegações iniciais e a hipossuficiência técnica e econômica da consumidora em relação à concessionária ré, detentora dos meios de prova relativos à prestação do serviço e à origem dos débitos.
Pelo exposto: 1.DEFIRO o pedido de gratuidade de justiça formulado pela parte autora. 2.DEFIRO o pedido de inversão do ônus da prova em favor da parte autora. 3.DEFIRO o pedido de tutela de urgência antecipada para determinar que a ré, ÁGUAS DO RIO S.A. (ou ÁGUAS DO RIO 1 SPE S.A.): a) Se abstenha de suspender o fornecimento de água na unidade consumidora da autora, sob a matrícula nº 102638408-4, com base nos débitos referentes aos meses de maio e junho de 2022 e na multa por suposta violação do medidor ("PARCELAMENTO NOTIFICACA") objeto desta lide, até ulterior decisão judicial. b) Se abstenha de efetuar a cobrança da multa por suposta violação do medidor ("PARCELAMENTO NOTIFICACA") nas faturas de consumo da autora, até ulterior decisão judicial. c) Fica a ré advertida de que o descumprimento desta decisão implicará na incidência de multa diária (astreinte) no valor de R$ 100,00 (cem reais), limitada, por ora, a 30 (trinta) dias-multa, sem prejuízo de majoração ou aplicação de outras medidas coercitivas, nos termos do artigo 537 do CPC. 4.CITE-SE a parte ré, por via eletrônica, conforme certificado nos autos (index 197362959), para, querendo, comparecer à audiência de conciliação ou mediação, nos termos do artigo 334 do CPC, e oferecer contestação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato. 5.Intimem-se as partes desta decisão.
MARICÁ, 2 de julho de 2025.
FABIO RIBEIRO PORTO Juiz Titular -
03/07/2025 12:22
Expedição de Outros documentos.
-
02/07/2025 22:03
Expedição de Outros documentos.
-
02/07/2025 22:03
Concedida a Antecipação de tutela
-
02/06/2025 14:24
Juntada de Petição de petição
-
02/06/2025 13:59
Conclusos ao Juiz
-
02/06/2025 13:58
Expedição de Certidão.
-
02/06/2025 13:42
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
02/06/2025
Ultima Atualização
26/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Decisão • Arquivo
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