TJES - 0012116-18.2014.8.08.0012
1ª instância - 2ª Vara Civel, Orfaos e Sucessoes - Cariacica
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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17/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Cariacica - Comarca da Capital - 2ª Vara Cível Rua São João Batista, 1000, Fórum Doutor Américo Ribeiro Coelho, Alto Laje, CARIACICA - ES - CEP: 29151-230 Telefone:(27) 32465643 PROCESSO Nº 0012116-18.2014.8.08.0012 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) PROCURADOR: EDILSON PEREIRA OLIVEIRA AUTOR: IHALLE ROCHA DOS SANTOS SOUZA SOARES REU: CRISTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA Advogado do(a) REU: FABIO FERREIRA - ES11994 SENTENÇA
I - RELATÓRIO Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais c/c Anulação de Negócio Jurídico ajuizada por IHALLE ROCHA DOS SANTOS SOUZA SOARES em face de CRISTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, partes devidamente qualificadas nos autos.
Aduz a parte autora, em síntese, que firmou com a ré, em 09/10/2006, dois contratos de promessa de compra e venda de imóveis (lotes 08 e 09 da quadra 01 do Residencial Ipiranema, Cariacica/ES), tendo quitado integralmente os valores contratados (R$ 1.215,00 por cada lote, totalizando R$ 2.430,00).
Ocorre que, ao tentar a lavratura da escritura definitiva, a autora foi surpreendida com a informação de que os imóveis estavam envolvidos em processo de inventário, razão pela qual não poderia ser transferida sua titularidade.
Alega que não foi informada previamente da existência do óbice, tendo frustrada sua legítima expectativa de aquisição da casa própria, com prejuízos de ordem patrimonial e moral.
Pleiteia, ao final, a anulação do negócio jurídico com a restituição dos valores pagos ou, subsidiariamente, o abatimento do preço, além da condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
Requer, ainda, os benefícios da assistência judiciária gratuita.
A petição inicial (ID 17112472) veio acompanhada de documentos.
Citada, a requerida apresentou contestação, na qual argumenta, em suma, a decadência do direito da autora, a inexistência dos vícios alegados e, caso existentes, que decorreram de mau uso ou falta de manutenção.
Impugna os pedidos de indenização por ausência de comprovação dos danos.
Houve réplica.
Saneado o feito, foi determinada a produção de prova pericial e oral.
A instrução processual se desenvolveu ao longo dos anos, culminando com a realização de audiência (ID 22417770).
Posteriormente à digitalização do processo, a Defensoria Pública, representando a autora, requereu a conclusão dos autos para prolação de sentença (ID 22417770). É o relatório do necessário.
Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO O feito encontra-se em ordem, com partes legítimas, representação regular (conforme saneado no preâmbulo desta decisão), interesse processual e ausência de nulidades a serem declaradas.
Passo à análise do mérito.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor Inicialmente, reconheço que a relação jurídica entre as partes está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90.
A autora, na condição de destinatária final, adquiriu os imóveis com a finalidade de moradia, enquanto a ré é fornecedora de serviços de natureza imobiliária.
Trata-se, portanto, de relação de consumo, o que atrai a incidência dos princípios da boa-fé objetiva, transparência, informação clara e adequada e vulnerabilidade do consumidor, consagrados nos artigos 4º, I e III, e 6º, III, IV e VI do CDC.
A aplicação do CDC impõe o dever de informação prévia e adequada sobre os riscos e impedimentos jurídicos do objeto do contrato.
A ausência dessa informação caracteriza prática abusiva nos termos do art. 6º, III, e art. 31 c/c art. 51, IV do CDC, além de configurar vício do serviço por frustração do fim essencial da contratação.
Da Resolução do Contrato por Inadimplemento da Ré A controvérsia gira em torno do descumprimento do contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes.
A autora demonstrou ter quitado integralmente os valores correspondentes aos dois lotes contratados.
Contudo, a transferência da titularidade dos imóveis não se concretizou por fato imputável à ré: os lotes estavam sob restrição jurídica decorrente de inventário, impedindo o registro da propriedade em nome da autora.
Este cenário revela inadimplemento absoluto, pois houve violação à obrigação fundamental do contrato: a entrega da coisa livre e desembaraçada.
A omissão da ré quanto à existência de restrição registral impede a fruição do objeto contratual e compromete sua própria essência.
O art. 421 do Código Civil consagra a função social do contrato, exigindo que sua execução respeite valores como confiança, transparência e segurança jurídica.
O art. 422, por sua vez, impõe às partes a observância da boa-fé objetiva, com lealdade e cooperação desde a fase pré-contratual até o adimplemento final.
A conduta da ré ofendeu frontalmente esses princípios. É incontroverso que a empresa firmou negócio jurídico sabendo ou devendo saber da existência de impedimento jurídico à transferência dos bens, sem qualquer esclarecimento prévio à autora.
Essa omissão configura violação ao dever de informação, elemento essencial à validade e eficácia dos contratos, notadamente em relações assimétricas de consumo.
Além disso, como preceitua o art. 475 do Código Civil, o inadimplemento contratual autoriza a resolução do contrato, com a restituição das partes ao status quo ante e o dever de reparação integral dos prejuízos causados.
No caso, a rescisão do contrato é medida não apenas autorizada, mas necessária para restaurar o equilíbrio rompido e impedir o enriquecimento sem causa da ré (art. 884 do CC).
Da Restituição dos Valores Pagos e Danos Materiais Restou documentalmente comprovado que a autora efetuou o pagamento integral da quantia de R$ 2.430,00, a título de contraprestação pelos contratos de promessa de compra e venda firmados com a ré.
Ocorre que, por culpa exclusiva desta, os imóveis não foram entregues livres e desembaraçados, frustrando a transferência da titularidade à adquirente.
Essa falha na prestação do serviço configura vício de inadimplemento contratual qualificado, conforme previsto no art. 20, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, que assegura ao consumidor, na hipótese de não efetivação do contrato, o direito à restituição imediata da quantia paga, devidamente corrigida e acrescida de juros legais, independentemente de prova de culpa do fornecedor: "Art. 20, §1º – Não sendo o serviço fornecido no prazo estipulado, pode o consumidor, alternativamente e à sua escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obrigação; II – aceitar outro serviço equivalente; ou III – rescindir o contrato, com direito à restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos." Corroborando tal previsão, os arts. 389 e 406 do Código Civil reforçam o dever de indenizar, acrescido de juros moratórios, desde a citação, diante do inadimplemento da obrigação por parte do devedor: Art. 389, CC – "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado." Art. 406, CC – "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional." Portanto, a quantia de R$ 2.430,00 deve ser integralmente devolvida à autora, corrigida monetariamente desde o efetivo desembolso, e acrescida de juros moratórios legais desde a data da citação, nos termos combinados da legislação consumerista e civil.
Ademais, a autora arcou com aluguéis mensais de R$ 300,00 até 2012, e R$ 450,00 após essa data, bem como com IPTU no valor médio de R$ 36,25 por mês.
Tais despesas decorrem diretamente do inadimplemento da ré: a autora permaneceu impossibilitada de exercer posse útil sobre o imóvel que havia adquirido, tendo de continuar em residência alugada e suportar obrigações tributárias sem a correspondente fruição do bem.
Nesse cenário, os gastos com aluguel e IPTU representam danos emergentes efetivos, passíveis de reparação, conforme dispõe o art. 402 do Código Civil, segundo o qual: Art. 402, CC – "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar." Tal dispositivo deve ser interpretado em harmonia com o art. 6º, VI do CDC, que assegura ao consumidor a reparação integral dos danos materiais oriundos da má prestação do serviço, compreendendo não apenas o valor pago, mas também os prejuízos adicionais decorrentes da frustração contratual.
Por essa razão, condena-se a ré à reparação dos danos materiais sofridos pela autora, correspondentes aos valores efetivamente despendidos com aluguel e tributos, cujos montantes serão apurados em sede de liquidação de sentença, mediante documentação comprobatória.
Dos Danos Morais: A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a frustração do direito à moradia, quando decorrente de inadimplemento contratual do fornecedor, especialmente em contratos que envolvem bem essencial como a casa própria, ultrapassa os limites do mero dissabor cotidiano, configurando violação à dignidade da pessoa humana e, portanto, dano moral indenizável.
A autora adquiriu os imóveis com o objetivo de constituir moradia própria, finalidade legítima e essencial no contexto existencial e social de qualquer pessoa.
Quitou integralmente os contratos, confiando na regularidade do negócio.
Contudo, viu-se privada da concretização do direito de propriedade, sendo surpreendida com a informação de que os lotes estavam sujeitos a inventário, fato omitido pela fornecedora desde o início da relação contratual.
A situação experimentada pela consumidora foi agravada pela manutenção prolongada do vínculo contratual inválido, que a obrigou, por anos, a arcar com aluguéis e tributos enquanto aguardava solução para um impasse que lhe era totalmente alheio.
Este contexto de incerteza, angústia, frustração e impotência comprometeu seu projeto de vida, afetando a estabilidade emocional, econômica e pessoal da requerente.
Trata-se de violação direta aos direitos da personalidade, sobretudo à confiança legítima na relação contratual e à dignidade da consumidora, valores protegidos pelo art. 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor, que assegura a reparação integral dos danos morais e patrimoniais decorrentes da má prestação dos serviços: Art. 6º, VI, CDC – São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Acresce que a violação ao princípio da boa-fé objetiva, consagrado nos arts. 4º, III, e 6º do CDC e art. 422 do Código Civil, é manifesta, pois a ré se manteve silente quanto à existência de restrição jurídica essencial, impedindo a fruição plena do bem prometido.
O fornecedor, ao induzir o consumidor a celebrar contrato sem transparência quanto à viabilidade jurídica do objeto, incorre em conduta reprovável, merecendo censura judicial e responsabilização civil.
A jurisprudência pátria tem reconhecido a incidência do dano moral in re ipsa nesses casos, dada a relevância do bem jurídico tutelado (moradia) e a inequívoca frustração das legítimas expectativas do consumidor, sem necessidade de produção probatória específica do abalo emocional.
Trata-se de responsabilidade objetiva do fornecedor, nos moldes do art. 14 do CDC, bastando a demonstração do defeito na prestação do serviço e do nexo causal.
Por todos esses fundamentos, e à luz dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e função punitivo-pedagógica da indenização civil, entendo que o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) atende de forma adequada à dupla finalidade da reparação moral: compensar o sofrimento experimentado pela parte autora e desestimular práticas lesivas no mercado de consumo, sem implicar enriquecimento sem causa.
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por IHALLE ROCHA DOS SANTOS SOUZA SOARES, com fundamento nos artigos 6º, 14, 20, 31 e 51 do Código de Defesa do Consumidor, bem como nos artigos 389, 395 e 475 do Código Civil, para: DECLARAR rescindidos os contratos de promessa de compra e venda firmados com CRISTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, referentes aos lotes 08 e 09, quadra 01, do Residencial Ipiranema, no município de Cariacica/ES; CONDENAR a ré à restituição integral da quantia de R$ 2.430,00, com correção monetária desde o pagamento e juros legais desde a citação; CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos materiais, consistentes nos valores comprovadamente pagos a título de aluguel e IPTU, os quais deverão ser apurados em liquidação de sentença; CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária a partir da presente sentença (Súmula 362/STJ) e juros moratórios desde a citação; CONDENAR a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, conforme art. 85, §2º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
CARIACICA-ES, ato proferido na data de movimentação no sistema.
FELIPE BERTRAND SARDENBERG MOULIN Juiz de Direito -
16/07/2025 16:52
Expedição de Intimação eletrônica.
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16/07/2025 16:52
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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14/07/2025 19:09
Julgado procedente o pedido de IHALLE ROCHA DOS SANTOS SOUZA SOARES - CPF: *04.***.*54-03 (AUTOR).
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07/06/2024 17:56
Juntada de Certidão
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21/05/2024 14:12
Processo Inspecionado
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30/06/2023 14:33
Conclusos para despacho
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30/06/2023 14:30
Expedição de Certidão.
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28/06/2023 17:54
Processo Inspecionado
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28/06/2023 17:54
Proferido despacho de mero expediente
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07/03/2023 12:50
Juntada de Petição de Petição (outras)
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26/01/2023 14:43
Juntada de Petição de Petição (outras)
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25/01/2023 18:12
Juntada de Petição de Petição (outras)
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25/01/2023 15:21
Conclusos para despacho
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25/01/2023 15:20
Expedição de intimação - diário.
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25/01/2023 15:20
Expedição de intimação eletrônica.
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23/01/2023 16:22
Juntada de Certidão
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
15/07/2014
Ultima Atualização
17/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
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