TJES - 5012472-19.2024.8.08.0030
1ª instância - 2ª Vara Civel - Linhares
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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03/07/2025 01:15
Publicado Sentença em 02/07/2025.
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03/07/2025 01:15
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 01/07/2025
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01/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5012472-19.2024.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA REQUERIDO: SAMP ESPIRITO SANTO ASSISTENCIA MEDICA S.A.
Advogado do(a) REQUERENTE: ANDRE RODRIGUES DE FREITAS - ES29727 Advogado do(a) REQUERIDO: HELIO JOAO PEPE DE MORAES - ES13619 SENTENÇA
I - RELATÓRIO DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA ajuizou a presente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, em face de SAMP ESPÍRITO SANTO ASSISTÊNCIA MÉDICA S.A., alegando ser beneficiária de plano de saúde fornecido pela requerida (ID 51201785).
Narra que, após ser submetida a cirurgia bariátrica, sofreu significativa perda ponderal de aproximadamente 65 kg, o que lhe ocasionou grave flacidez cutânea e excesso de pele nas regiões do abdômen, braços, coxas e mamas.
A autora sustenta que tais alterações corporais acarretam prejuízos relevantes à mobilidade, à higiene pessoal, à saúde dermatológica e à autoestima, configurando quadro de impacto funcional e emocional.
Por essa razão, foram clinicamente indicados, inclusive por médico credenciado à própria operadora, os seguintes procedimentos cirúrgicos reparadores: abdominoplastia, braquioplastia, cruroplastia e mastoplastia com colocação de próteses mamárias.
Afirma que os procedimentos solicitados não possuem caráter estético, mas sim reparador e funcional, configurando desdobramento direto da cirurgia bariátrica previamente coberta pelo plano de saúde.
Alega ainda que tentou obter administrativamente a autorização dos procedimentos, sem sucesso, tendo seu pedido sido indeferido sob o fundamento de ausência de previsão contratual e natureza estética das intervenções.
Com a petição inicial (ID 51201721), a autora anexou documentação médica composta por laudo de cirurgião plástico particular (ID 51201761) e laudo de médico credenciado da rede da operadora (ID 51201768), ambos atestando a indicação clínica dos procedimentos com base nas sequelas pós-bariátricas.
Anexou também orçamentos de procedimentos e materiais (IDs 51201778 a 51201784), fotografias atuais do seu estado físico (ID 51201789), nas quais é possível constatar a presença de abdome em avental e flacidez avançada em coxas e braços, bem como documentação contratual e pessoal (IDs 51201758 a 51201760 e ID 51201785) que demonstram seu vínculo com o plano de saúde.
Trouxe, ainda, comprovações de tratativas administrativas prévias com a operadora (IDs 51201787 a 51201791), indicando que tentou obter a cobertura de forma extrajudicial, mas não obteve êxito.
A autora formulou pedido de tutela antecipada de urgência, para que a ré fosse compelida a autorizar de imediato os procedimentos indicados.
O juízo, por meio da decisão interlocutória de ID 51816260, indeferiu o pedido liminar.
Na fundamentação, destacou que a análise da natureza funcional ou estética dos procedimentos demandava instrução probatória adequada, especialmente prova técnica, sendo inviável a concessão de tutela provisória com base apenas nos documentos apresentados.
Determinou, na mesma oportunidade, a citação da ré para responder à demanda.
A requerida SAMP Espírito Santo Assistência Médica S.A. apresentou contestação (ID 53849712), sustentando que os procedimentos solicitados não possuem cobertura obrigatória, pois não constam do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS e são de natureza estética, conforme previsão contratual e regulamentação da Agência.
Fundamentou a negativa no art. 17, parágrafo único, da RN nº 465/2021 da ANS, que exclui da cobertura os procedimentos com finalidade estritamente estética.
Anexou à defesa parecer técnico de auditoria médica interna (ID 53850413), no qual se afirmou que os pedidos da autora não apresentaram evidência de comprometimento funcional, com exceção da possibilidade de substituição do procedimento de dermolipectomia abdominal (cód. 30101271) por abdominoplastia (cód. 30101272), nos termos da diretriz nº 18 da ANS, desde que preenchidos os critérios clínicos.
No referido parecer, a perita desempatadora reconhece a presença de abdome em avental, sendo favorável à realização da abdominoplastia sob o código 30101272, por se enquadrar nos critérios estabelecidos pela diretriz mencionada, aplicável a pacientes submetidos à cirurgia bariátrica com perda ponderal significativa.
Em relação aos demais procedimentos — braquioplastia, cruroplastia e mastoplastia com prótese — o parecer foi contrário à cobertura, alegando ausência de demonstração de comprometimento funcional ou deformidade com indicação terapêutica inequívoca.
O parecer técnico também se opôs à cobertura das próteses mamárias, por não estarem relacionadas a tratamento de neoplasias malignas ou traumas, situações nas quais a ANS admite cobertura obrigatória.
A autora apresentou réplica (ID 54568925), impugnando as alegações da ré e reafirmando o caráter reparador das cirurgias, com base no quadro clínico e nos laudos médicos apresentados.
Nessa ocasião, impugnou formalmente o parecer da Junta Médica (ID 61638910), sustentando que o procedimento adotado pela operadora violou as disposições da Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS.
Aduziu que não houve qualquer consulta presencial ou virtual com a paciente, tampouco análise física ou solicitação de exames complementares, sendo o laudo elaborado unicamente com base em documentos previamente anexados aos autos, sem a participação ativa da autora ou do médico assistente.
Argumentou, ainda, que a designação da médica desempatadora ocorreu de forma unilateral pela operadora, em total desrespeito ao princípio da escolha consensual, e que a profissional que assinou o parecer técnico — Dra.
Fabiane Fukuti (CRM 11263/SC) — não integrava a lista previamente enviada à autora, caracterizando vício de origem e comprometimento da imparcialidade.
Em decisão de ID 55953539, o juízo apreciou as impugnações preliminares e delimitou os pontos controvertidos.
Rejeitou a impugnação à gratuidade de justiça, por ausência de elementos capazes de infirmar a presunção da declaração de hipossuficiência da autora.
Também acolheu a impugnação ao parecer da Junta Médica apresentada pela parte autora, ao reconhecer que o procedimento adotado violou a Resolução Normativa ANS nº 424/2017, por não ter havido consulta presencial, tampouco análise de exames ou participação efetiva da paciente no processo pericial, comprometendo sua validade como fundamento autônomo para a negativa de cobertura.
Foram então fixados os seguintes pontos controvertidos: (i) a natureza funcional ou estética dos procedimentos pleiteados; (ii) a necessidade das cirurgias para a continuidade do tratamento de obesidade mórbida e seus impactos físicos e emocionais; (iii) a obrigatoriedade de custeio das cirurgias pela ré, à luz da taxatividade mitigada do Rol da ANS; e (iv) a eventual configuração de dano moral pela recusa da cobertura.
Na mesma decisão, o magistrado determinou a inversão do ônus da prova, com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC e na Súmula 608 do STJ, por se tratar de relação de consumo e diante da hipossuficiência técnica da autora frente à operadora de saúde.
Caberá, portanto, à requerida demonstrar que os procedimentos possuem caráter meramente estético e não se relacionam à continuidade do tratamento da doença preexistente.
Por fim, foi determinada a intimação das partes para especificação de provas, no prazo legal, a fim de viabilizar a instrução probatória.
A autora apresentou petição de ID 56078692, na qual afirmou não ter provas a produzir e requereu o julgamento antecipado da lide, com base no art. 355, I, do CPC, por entender que o processo já se encontrava suficientemente instruído.
A ré requereu a juntada de prova documental suplementar e improcedência dos pedidos autorais (ID 61638905).
Com a instrução concluída e o feito em condições de julgamento, os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO O feito encontra-se em ordem, devidamente saneado.
As partes são legítimas, estão regularmente representadas e foram oportunizadas todas as fases procedimentais essenciais, com plena observância ao contraditório e à ampla defesa.
II.1 - DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE O julgamento antecipado da lide impõe-se, no caso concreto, com base no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Isso porque, após a decisão de saneamento (ID 55953539), foi oportunizado às partes o prazo para especificação de provas, conforme previsto.
A autora, por meio da petição de ID 56078692, manifestou-se expressamente pela desnecessidade de produção de outras provas, requerendo o julgamento imediato da causa.
A ré, por sua vez, limitou-se a requerer a juntada de novos documentos (ID 61638905), sem formular pedido de prova pericial ou oral, e sem impugnar o encerramento da fase instrutória.
Dessa forma, não há controvérsia de fato que demande produção probatória adicional.
A causa encontra-se suficientemente instruída com documentos médicos, pareceres técnicos, laudos, impugnações e decisões judiciais que delimitaram com clareza os pontos controvertidos e distribuíram adequadamente os ônus probatórios.
A matéria controvertida é de natureza eminentemente jurídica, e a controvérsia pode ser resolvida com base nas provas documentais já constantes dos autos, prescindindo de dilação probatória.
Assim, atendidos os pressupostos do art. 355, I, do CPC, procede-se ao julgamento antecipado da lide.
II.2 - DO DIREITO À SAÚDE E DA OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DAS OPERADORAS O direito à saúde é consagrado como direito social fundamental pela Constituição Federal de 1988, nos termos dos arts. 6º e 196, impondo a toda a coletividade, e especialmente aos entes privados que exploram a assistência médica suplementar, o dever de garantir a preservação e recuperação da saúde dos consumidores.
No campo infraconstitucional, a prestação de serviços de saúde suplementar é disciplinada pela Lei nº 9.656/1998, que regula a atividade das operadoras de planos de saúde, e pelo Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicação aos contratos de plano de saúde foi expressamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 608, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." No caso em análise, como já reconhecido em decisão de ID 55953539, é plenamente aplicável o regime de proteção consumerista, impondo-se a observância dos princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), da função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e da interpretação mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC).
A negativa de cobertura de procedimentos clinicamente indicados pode configurar prática abusiva vedada pelo art. 51, inciso IV e § 1º, incisos I e II, do CDC, sobretudo quando representa esvaziamento do objeto contratual ou ofensa à proteção da vida e da saúde do consumidor.
A respeito dos limites da cobertura assistencial, o art. 10 da Lei nº 9.656/1998, em sua redação atualizada pela Lei nº 14.454/2022, estabelece que: § 12.
O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022) Assim, o Rol da ANS funciona como parâmetro de referência mínima, sem caráter exaustivo absoluto.
Em reforço, o novo § 13 do mesmo dispositivo dispõe: § 13.
Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022) A legislação reforça, portanto, que a ausência de procedimento no Rol da ANS não autoriza a negativa automática de cobertura, sendo necessário avaliar a indicação médica fundamentada e a comprovação científica da eficácia do tratamento.
Assim, deve-se adotar interpretação teleológica e finalística das normas de proteção à saúde, que priorize a efetividade do direito fundamental à saúde e a dignidade da pessoa humana, em consonância com a função social do contrato e a boa-fé objetiva.
Negar cobertura sem fundamentação adequada, contrariando prescrição médica devidamente justificada, caracteriza conduta ilícita e abusiva, incompatível com a função protetiva do direito do consumidor e com o escopo dos contratos de plano de saúde.
II.3 - DA NATUREZA FUNCIONAL DA ABDOMINOPLASTIA E SUA COBERTURA OBRIGATÓRIA A documentação médica anexada aos autos (IDs 51201761 e 51201768), corroborada por registros fotográficos (ID 51201789), comprova que a autora foi submetida a cirurgia bariátrica, resultando em significativa perda ponderal (aproximadamente 65 kg), com consequente formação de abdome em avental e flacidez severa nas regiões abdominais.
A condição clínica descrita enquadra-se, de forma inequívoca, nas hipóteses previstas pela Diretriz de Utilização nº 18 da ANS, que estabelece os critérios técnicos para a cobertura do procedimento de abdominoplastia (código TUSS 30101272).
Conforme a referida diretriz, a abdominoplastia é de cobertura obrigatória para pacientes que, após cirurgia bariátrica, apresentam abdome em avental associado a complicações médicas, como dermatites recorrentes, assaduras, infecções cutâneas, dificuldades de higienização e prejuízo à mobilidade.
Além disso, tanto o parecer técnico interno da operadora (ID 53850413) quanto o laudo da médica desempatadora (ID 61638910) reconheceram expressamente a presença do abdome em avental e a indicação médica favorável à realização do procedimento, mesmo no âmbito da auditoria interna da própria ré.
Assim, é patente que a negativa de cobertura, neste ponto, contraria o próprio conjunto probatório constante dos autos, configurando descumprimento da função social do contrato de plano de saúde e violação ao dever de boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil).
No plano normativo, a Lei nº 9.656/1998, que regula a saúde suplementar, impõe às operadoras a obrigação de garantir assistência adequada às necessidades clínicas dos beneficiários.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, aplicável aos contratos de planos de saúde conforme pacífico entendimento do STJ, veda cláusulas que retirem do consumidor a efetividade do objeto do contrato (art. 51, IV e §1º, I e II), especialmente quando se tratar de tratamento de condição de saúde resultante de procedimento previamente autorizado e coberto (como a cirurgia bariátrica).
A abdominoplastia, no contexto pós-bariátrico, portanto, não possui finalidade meramente estética, mas eminentemente reparadora e funcional, visando eliminar complicações clínicas decorrentes do excesso de tecido e restaurar a qualidade de vida e saúde do paciente.
Nesse contexto, a negativa de cobertura não se justifica, seja à luz das diretrizes técnicas da ANS, seja à luz dos princípios contratuais e consumeristas, impondo-se a condenação da requerida à autorização e custeio do procedimento indicado.
II.4 - DA COBERTURA OBRIGATÓRIA DOS DEMAIS PROCEDIMENTOS A documentação médica constante dos autos comprova que a autora foi submetida a cirurgia bariátrica e perdeu aproximadamente 65 kg, fato incontroverso nos autos.
Em decorrência dessa expressiva perda ponderal, desenvolveu quadro de flacidez acentuada nas regiões das mamas, braços e coxas, com repercussões funcionais e dermatológicas.
Tais complicações foram atestadas por laudos médicos (IDs 51201761 e 51201768), inclusive de profissional credenciado à rede da operadora, os quais prescreveram a realização dos procedimentos de braquioplastia, cruroplastia e mastoplastia com prótese como parte da continuidade do tratamento pós-bariátrico.
A parte ré, apesar de intimada a se manifestar após a inversão do ônus da prova (ID 55953539), não se desincumbiu de demonstrar que os referidos procedimentos teriam natureza exclusivamente estética, limitando-se a repetir argumentos genéricos amparados em parecer técnico viciado, elaborado unilateralmente, sem exame clínico, consulta presencial ou contraditório técnico efetivo.
A invalidade do referido parecer já foi reconhecida expressamente na decisão de saneamento, por ofensa à Resolução Normativa ANS nº 424/2017.
Com efeito, em se tratando de continuidade do tratamento de obesidade mórbida, as cirurgias reparadoras das mamas, coxas e braços não podem ser tratadas como simples intervenções cosméticas, mas sim como procedimentos reparadores, voltados à preservação da integridade física, funcional e psicológica da paciente.
Conforme decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, as cirurgias plásticas indicadas a pacientes pós-cirurgia bariátrica, como as ora discutidas (braquioplastia, cruroplastia e mastoplastia com prótese), não podem ser qualificadas como meramente estéticas, mas sim reparadoras e funcionalmente necessárias ao restabelecimento integral da saúde: “A obesidade mórbida é doença coberta pelo plano de saúde, de forma que, as cirurgias plásticas reparadoras não podem ser consideradas como meras cirurgias estéticas, e sim, procedimentos subsequentes ou consequentes do tratamento da cirurgia bariátrica a que se submeteu a Recorrente, cuja realização é necessária para o integral restabelecimento da saúde da paciente. […] Havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não teria previsão contratual, visto que tal terapêutica é fundamental à recuperação integral da saúde do usuário outrora acometido de obesidade mórbida, inclusive com a diminuição de outras complicações e comorbidades, não se configurando simples procedimento estético ou rejuvenescedor.” (TJES, Agravo de Instrumento nº 5004935-33.2022.8.08.0000, 2ª Câmara Cível, Rel.
Des.
Rodrigo Ferreira Miranda, julgado em 25/09/2023) O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1069, também afirmou que, havendo prescrição médica, presume-se a necessidade terapêutica, cabendo à operadora o ônus de demonstrar, de forma técnica e específica, eventual desnecessidade ou natureza exclusivamente estética — ônus que, no presente caso, não foi minimamente atendido.
Desse modo, restando comprovada a prescrição médica, a necessidade funcional das cirurgias e a omissão da operadora quanto ao seu dever probatório, é imperativa a condenação da requerida ao custeio integral dos procedimentos de braquioplastia, cruroplastia e mastoplastia com prótese, todos componentes do tratamento reparador pós-bariátrico.
II.5 - DOS DANOS MORAIS No que tange ao pedido de indenização por danos morais, entendo que o pleito merece acolhimento.
A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso X, assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, protegendo-se o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O artigo 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e o artigo 6º prevê o direito à saúde como direito social de todos.
O Código Civil, em seus artigos 186 e 927, disciplina a responsabilidade civil, impondo o dever de reparar aquele que, mediante ação ou omissão, voluntária ou culposa, causa dano a outrem, mesmo que exclusivamente moral.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, impõe a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços.
No presente caso, restou comprovado que a autora, após realizar cirurgia bariátrica e experimentar severa perda ponderal, passou a apresentar flacidez abdominal em avental, quadro clínico que recomendou a realização de procedimento reparador (abdominoplastia) para preservação da saúde física e psicológica.
A requerida, no entanto, recusou a cobertura necessária ao tratamento, sustentando a inexistência de obrigatoriedade, sob a alegação de se tratar de intervenção estética, conduta que revela prática abusiva vedada pelo artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor e desrespeita os princípios da boa-fé objetiva consagrados no artigo 422 do Código Civil.
A recusa indevida de cobertura de procedimento indicado como necessário à preservação da saúde ultrapassa o mero inadimplemento contratual e configura inadimplemento qualificado, com violação de direitos fundamentais, autorizando a compensação por danos morais.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a recusa indevida de cobertura médica gera dano moral in re ipsa, não sendo necessária a demonstração do abalo, em virtude do sofrimento presumido pela prática ilícita.
Ainda, corrobora essa linha interpretativa o Tribunal de Justiça do Espírito Santo: DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL.
PLANO DE SAÚDE.
RECUSA INDEVIDA DE COBERTURA.
DANO MORAL CONFIGURADO .
QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO.
PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
I.
CASO EM EXAME Apelação Cível interposta em face de sentença que condenou operadora de plano de saúde ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência de recusa indevida de cobertura médico-assistencial .
A sentença fixou o valor da indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
A operadora de saúde alega excesso no quantum indenizatório e pede a sua redução.
II .
QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a recusa indevida de cobertura pelo plano de saúde configura dano moral; e (ii) estabelecer se o valor fixado para a indenização por danos morais é adequado e proporcional às circunstâncias do caso.
III.
RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a recusa indevida de cobertura por plano de saúde gera dano moral in re ipsa, uma vez que agrava o sofrimento psíquico do usuário, especialmente em situações de fragilidade de saúde, não se configurando mero inadimplemento contratual (AgInt no AREsp n. 2 .441.772/PE, rel.
Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva) .
A Súmula 597 do STJ dispõe que é abusiva a cláusula de plano de saúde que prevê carência superior a 24 horas em situações de emergência ou urgência, o que reforça a caracterização da ilicitude na negativa de cobertura.
No que se refere ao quantum indenizatório, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em casos análogos, tem fixado valores inferiores a R$ 15.000,00, usualmente estabelecendo a indenização por danos morais em torno de R$ 5.000,00 (TJES, Apelação Cível n . 0003498-63.2020.8.08 .0048; Apelação Cível n. 5008241-35.2022.8 .08.0024).
Considerando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como a inexistência de consequências mais graves à saúde do apelado, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para reparar o abalo moral e cumprir a função pedagógica da condenação .
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento: 1.
A recusa indevida à cobertura médico-assistencial por plano de saúde configura dano moral in re ipsa . 2.
O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de acordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto e a jurisprudência consolidada.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; CC, art . 186; CDC, art. 14; STJ, Súmula 597.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2 .441.772/PE, rel.
Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j . 26.08.2024; STJ, AgInt no AREsp 1.573 .618/GO, Rel.
Min.
Luis Felipe Salomão, j. 22 .06.2020; TJES, Apelação Cível n. 0003498-63.2020 .8.08.0048; TJES, Apelação Cível n. 5008241-35 .2022.8.08.0024.(TJ-ES - APELAÇÃO CÍVEL: 50078471020228080030, Relator.: MARIANNE JUDICE DE MATTOS, 1ª Câmara Cível) Ressalte-se que a Súmula 597 do Superior Tribunal de Justiça também reforça o caráter abusivo das práticas restritivas de cobertura em hipóteses de emergência ou de comprovada necessidade médica.
Quanto à fixação do quantum indenizatório, o artigo 944 do Código Civil dispõe que a indenização deve ser proporcional à extensão do dano, devendo ainda respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se a natureza da ofensa, a capacidade econômica do ofensor e a finalidade pedagógica da sanção.
Observando a orientação firmada no julgamento da Apelação Cível n. 5007847-10.2022.8.08.0030, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que, em casos semelhantes, estabeleceu o valor da indenização por danos morais em R$ 5.000,00, e ponderando que, no presente caso, embora configurado o dano, não se constatou agravamento clínico severo, reputo adequado fixar a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA em face de SAMP ESPÍRITO SANTO ASSISTÊNCIA MÉDICA S.A., para: DECLARAR a nulidade do parecer técnico unilateral constante do ID 61638910, para fins de justificar a exclusão de cobertura, por afronta à Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS, diante da ausência de consulta presencial, de exame clínico e de contraditório técnico qualificado.
CONDENAR a requerida a autorizar e custear integralmente os seguintes procedimentos cirúrgicos reparadores, indicados para continuidade do tratamento de obesidade mórbida pós-cirurgia bariátrica, todos devidamente prescritos por profissionais médicos: a) Abdominoplastia (TUSS 30101272); b) Braquioplastia; c) Cruroplastia e; d) Mastoplastia com colocação de próteses mamárias.
A autorização e cobertura deverão ser efetivadas no prazo de até 20 (vinte) dias úteis, contados da intimação da presente sentença, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada ao montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), nos termos dos arts. 497 e 537 do CPC e do art. 3º, V, da RN ANS nº 259/2011; CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA desde a presente sentença (Súmula 362/STJ), e acrescido de juros moratórios à taxa SELIC desde a data da citação, vedada a cumulação de índices; Diante da sucumbência majoritária da parte ré, CONDENO a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios da parte autora, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ficam as partes advertidas de que a interposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais, ou com intuito meramente infringente, poderá ensejar aplicação de multa, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC.
Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, observando-se as anotações de praxe.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Linhares/ES, data registrada no sistema.
EMÍLIA COUTINHO LOURENÇO Juíza de Direito -
30/06/2025 13:29
Expedição de Intimação Diário.
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29/06/2025 22:04
Julgado procedente o pedido de DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA - CPF: *25.***.*03-97 (REQUERENTE).
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01/04/2025 23:45
Conclusos para julgamento
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21/01/2025 17:51
Juntada de Petição de Petição (outras)
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09/12/2024 10:51
Juntada de Petição de Petição (outras)
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06/12/2024 15:36
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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05/12/2024 22:37
Decisão de Saneamento e de Organização do Processo
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18/11/2024 15:04
Conclusos para decisão
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18/11/2024 14:58
Decorrido prazo de SAMP ESPIRITO SANTO ASSISTENCIA MEDICA S.A. em 06/11/2024 23:59.
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13/11/2024 07:40
Juntada de Petição de réplica
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01/11/2024 13:08
Juntada de Petição de Petição (outras)
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01/11/2024 12:58
Juntada de Petição de contestação
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10/10/2024 00:16
Mandado devolvido entregue ao destinatário
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10/10/2024 00:16
Juntada de Certidão
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03/10/2024 12:57
Expedição de Mandado - citação.
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01/10/2024 17:21
Não Concedida a Medida Liminar a DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA - CPF: *25.***.*03-97 (REQUERENTE).
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01/10/2024 17:21
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a DANIELA APARECIDA RODRIGUES DE SOUZA - CPF: *25.***.*03-97 (REQUERENTE).
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24/09/2024 14:19
Conclusos para decisão
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24/09/2024 13:40
Expedição de Certidão.
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22/09/2024 17:02
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
22/09/2024
Ultima Atualização
03/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão - Carta • Arquivo
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