TJDFT - 0713384-80.2024.8.07.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gabinete do Exmo. Sr. Desembargador Hector Valverde Santanna
Polo Ativo
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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02/08/2024 18:44
Arquivado Definitivamente
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02/08/2024 18:44
Expedição de Certidão.
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18/07/2024 16:29
Transitado em Julgado em 17/07/2024
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18/07/2024 02:17
Decorrido prazo de CARLOS GONCALVES DA CONCEICAO em 17/07/2024 23:59.
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26/06/2024 02:17
Publicado Ementa em 26/06/2024.
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26/06/2024 02:17
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/06/2024
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25/06/2024 00:00
Intimação
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
EMPRÉSTIMOS.
DESCONTOS DIRETOS.
CONTA BANCÁRIA.
AUTORIZAÇÃO.
CANCELAMENTO UNILATERAL.
IMPOSSIBILIDADE. 1.
A cláusula contratual que estabelece o prévio consentimento irretratável e irrevogável em relação aos descontos em conta-corrente não é abusiva por si só.
A prerrogativa de extinção do contrato é garantida ao consumidor mediante a quitação do valor residual. 2.
O Tema Repetitivo n. 1.085 do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu definitivamente a tese de que os descontos de prestações decorrentes de contratos de empréstimos bancários são lícitos, ainda que a conta bancária na qual incidam as cobranças seja a mesma utilizada para o recebimento de salário.
A limitação legal dos contratos de empréstimo consignados em folha de pagamento não incide nessas hipóteses. 3.
A Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) é um ato normativo secundário, editado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que não pode sobrepor-se aos princípios da força obrigatória dos contratos, da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, legalmente estabelecidos.
Art. 421, parágrafo único, do Código Civil, alterado pela Lei n. 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. 4.
Os arts. 6º e 8º da Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) devem ser interpretados em conformidade com os princípios da força obrigatória dos contratos, da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, de forma a concretizar a liberdade contratual como elemento essencial da ordem econômica, conforme o art. 170 da Constituição Federal. 5.
O cancelamento dos débitos automáticos em conta corrente somente é possível nos casos em que o consumidor não reconheça a autorização prévia para a implementação da medida.
O Poder Judiciário deve abster-se de determinar a suspensão de descontos de empréstimos e de dívidas de cartão de crédito em conta-corrente nos casos em que contratualmente previstos e autorizados pelo consumidor. 6.
Agravo de instrumento desprovido. -
24/06/2024 14:57
Expedição de Outros documentos.
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21/06/2024 17:17
Conhecido o recurso de CARLOS GONCALVES DA CONCEICAO - CPF: *84.***.*36-72 (AGRAVANTE) e não-provido
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21/06/2024 17:04
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
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22/05/2024 16:09
Expedição de Outros documentos.
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22/05/2024 16:09
Inclusão do processo para julgamento eletrônico de mérito
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14/05/2024 20:08
Recebidos os autos
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09/05/2024 13:51
Conclusos para Relator(a) - Magistrado(a) HECTOR VALVERDE SANTANNA
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09/05/2024 12:41
Juntada de Petição de contrarrazões
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03/05/2024 02:16
Decorrido prazo de CARLOS GONCALVES DA CONCEICAO em 02/05/2024 23:59.
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10/04/2024 02:16
Publicado Decisão em 10/04/2024.
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10/04/2024 02:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 09/04/2024
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09/04/2024 00:00
Intimação
NÚMERO DO PROCESSO: 0713384-80.2024.8.07.0000 CLASSE JUDICIAL: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: CARLOS GONCALVES DA CONCEICAO AGRAVADO: BRB BANCO DE BRASILIA S.A.
DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão interlocutória proferida nos autos de ação de obrigação de fazer na qual o Juízo de Primeiro Grau indeferiu a tutela de urgência consistente em suspender os descontos de mútuos feneratícios na conta-corrente do autor, ora agravante (id 189361388 dos autos n. 0708803-19.2024.8.07.0001).
O agravante relata que as partes celebraram cinco (5) contratos de empréstimos pessoais com autorização para descontos diretamente em sua conta corrente.
Afirma que enviou notificação extrajudicial com aviso de recebimento ao agravado a fim de revogar a autorização de descontos em conta corrente.
Argumenta que a Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Tema Repetitivo n. 1.085 do Superior Tribunal de Justiça só admitem os descontos em conta corrente enquanto autorizados pelo mutuário.
Ressalta que o objeto da demanda não é a limitação de empréstimos consignados em folha de pagamento, mas a autorização de descontos em conta corrente.
Transcreve jurisprudências a favor de sua tese.
Requer a antecipação dos efeitos da tutela recursal para determinar ao agravado que abstenha-se de realizar qualquer débito em sua conta-corrente e conta salário, inclusive em decorrência dos contratos n. 0157054314, *01.***.*02-14, *01.***.*02-22, *01.***.*02-30, *02.***.*20-45, 2023580000, 2023580093 e 2023580131.
Pede o provimento do agravo de instrumento e a confirmação da tutela requerida.
O preparo não foi recolhido ante a concessão da gratuidade da justiça pelo Juízo de Primeiro Grau (id 189361388 dos autos originários).
Brevemente relatado, decido.
O Relator poderá deferir total ou parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela recursal ao receber o agravo de instrumento, desde que reste evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 1.019, inc.
I, do Código de Processo Civil).
A análise realizada na estreita via de cognição prevista para o processamento e o julgamento do presente recurso demonstra a presença dos supramencionados requisitos.
Os elementos integrantes da relação jurídica de consumo estão presentes, o que atrai as normas do microssistema de Direito do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) e a legislação de consumo extravagante constituem o corpo de normas jurídicas aplicável às relações de consumo.
O microssistema legal de defesa do consumidor permite a aplicação de normas pertencentes a outro microssistema jurídico, desde que não ocorra conflito principiológico com o Código de Defesa do Consumidor.
A defesa do consumidor é um direito fundamental com expressa previsão constitucional.
O art. 5º, inc.
XXXII, da Constituição Federal estabelece que o Estado promoverá a defesa do consumidor na forma da lei.
O princípio da vulnerabilidade significa o reconhecimento da ordem jurídica de que existe desigualdade entre os protagonistas da relação de consumo (fornecedor e consumidor).
O objetivo do Código de Defesa do Consumidor é equilibrar materialmente as forças dos partícipes da relação de consumo e, como decorrência, efetivar o princípio constitucional da igualdade.
As espécies de vulnerabilidade do consumidor são: técnica, econômica e jurídica.
A vulnerabilidade técnica ou informacional refere-se à assimetria de conhecimento acerca da tecnologia e funcionamento do produto ou serviço, o que pode expor o consumidor a riscos à sua saúde e segurança.
A vulnerabilidade econômica é a disparidade de porte econômico entre os sujeitos da relação de consumo.
A vulnerabilidade jurídica vincula-se à questão do acesso aos órgãos administrativos e jurisdicionais.
Representa a dificuldade do consumidor em defender os seus direitos ou o fato de ser exposto a cláusulas contratuais impostas unilateralmente pelo fornecedor, muitas vezes desproporcionais, obscuras e abusivas.
O Código de Defesa do Consumidor adota normas de ordem pública, de imperatividade absoluta, com o propósito de proteger o sujeito vulnerável (consumidor) e coibir prática comercial ou disposição contratual contrária ao regramento jurídico da relação de consumo.
As normas de ordem pública, ao contrário das normas de ordem privada, são de imperatividade absoluta, cogentes, de observância obrigatória pelas partes, vedada a disposição das referidas normas por acordo de vontade das partes. É comum que o consumidor contraia empréstimos a serem descontados diretamente em sua conta bancária, administrada pela própria instituição financeira.
Os descontos poderão ser feitos em folha de pagamento ou em conta corrente, a depender da contratação realizada.
O desconto em folha de pagamento, ou empréstimo consignado, beneficia o mutuário por oferecer condições mais vantajosas, como prazos mais longos e juros reduzidos, além de conferir ao mutuante maior segurança quanto ao adimplemento da obrigação.
Essa forma de contratação possui limites claros nos descontos a serem efetuados, cujos limites são estabelecidos por legislação específica.
O desconto em conta corrente, diferentemente, diz respeito à disponibilidade patrimonial do correntista, que ele gere como bem entender por vigorar a autonomia privada.
Inexiste impedimento legal para que os descontos sejam implementados pelo mutuante com vistas ao abatimento do débito.
O agravante, na petição inicial, pediu a condenação do agravado em abster-se de realizar quaisquer descontos em conta-corrente e conta salário do agravante, inclusive em decorrência dos contratos n. 0157054314, *01.***.*02-14, *01.***.*02-22, *01.***.*02-30, *02.***.*20-45, 2023580000, 2023580093 e 2023580131.
Os instrumentos contratuais não foram acostados aos autos perante o Juízo de Primeiro Grau, porém o agravante reconhece que houve prévio consentimento em relação aos descontos em conta-corrente.
A cláusula, a princípio, não é abusiva.
A autorização dos descontos foi condição essencial para a celebração dos negócios jurídicos e, portanto, não deve ser invalidada pela intervenção judicial.
A prerrogativa de extinção do contrato é garantida ao agravante mediante a quitação do valor residual.
As cláusulas abusivas, conhecidas também por cláusulas opressivas, leoninas, vexatórias, onerosas ou excessivas, estão dispostas em rol exemplificativo em razão da locução entre outras prevista no art. 51, caput, do Código de Defesa do Consumidor.
A cláusula abusiva é o ajuste negocial desfavorável ao consumidor, parte vulnerável da relação jurídica de consumo, motivadora de desequilíbrio no contrato de consumo.
O reconhecimento da abusividade de uma cláusula com base no art. 51, inc.
IV, do Código de Defesa do Consumidor exige que ela seja reputada iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja incompatível com a boa-fé ou a equidade.
A caracterização de vantagem exagerada do fornecedor não demanda dano concreto para o reconhecimento da abusividade de uma cláusula com base no art. 51, inc.
IV, do Código de Defesa do Consumidor, mas exige ameaça ao objeto ou equilíbrio contratual.
Presume-se vantagem exagerada do fornecedor a situação fática que mostre-se excessivamente onerosa para o consumidor. É necessário, para isso, levar em conta a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes, bem como outras circunstâncias peculiares do caso concreto (art. 51, § 1º, inc.
III, do Código de Defesa do Consumidor).
A norma jurídica em questão possibilita ao intérprete uma avaliação global do contrato de consumo quanto à identificação da onerosidade excessiva do consumidor e a vantagem exagerada do fornecedor.
Não verifico abusividade na cláusula impugnada.
O crédito desempenha importante função na economia de mercado e está relacionado diretamente à confiança depositada no cumprimento futuro das obrigações convencionadas entre os sujeitos de direito envolvidos nas diversas modalidades de negócios jurídicos.
O Superior Tribunal de Justiça tem orientação firmada há bastante tempo no sentido de que a cláusula inserida no contrato de empréstimo bancário que autoriza o banco debitar da conta corrente valor suficiente para quitar o saldo devedor não é abusiva.
A cláusula não ofende o princípio da autonomia da vontade e não atinge o equilíbrio contratual ou a boa-fé.
Traduz-se em mero expediente para garantir o adimplemento da dívida e, consequentemente, viabilizar a concessão do crédito ao consumidor a juros menores, que de outro modo talvez não tivesse a oportunidade de celebrar o negócio jurídico.[1] O Superior Tribunal de Justiça considera válida a prática, conforme expressou em diversas ocasiões.[2] O cancelamento da Súmula n. 603 do Superior Tribunal de Justiça poucos meses depois de editada era um forte indicativo da posição daquele Tribunal sobre a matéria.
Os Tribunais passaram, com base na redação da referida súmula, a proibir qualquer desconto em conta corrente, mesmo quando houvesse autorização do correntista.
O Superior Tribunal de Justiça expressou que essa interpretação contrariava o seu entendimento e cancelou o enunciado.
Explicou que a finalidade da criação da súmula seria apenas impedir que o banco efetuasse os descontos unilateralmente, sem autorização anterior do correntista.
A controvérsia instaurada recomendou o cancelamento do enunciado.[3] O Tema Repetitivo n. 1.085 do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu definitivamente a tese de que os descontos de prestações decorrentes de contratos de empréstimos bancários são lícitos, ainda que a conta bancária na qual incidam as cobranças seja a mesma utilizada para o recebimento de salário.
A limitação legal dos contratos de empréstimo consignados em folha de pagamento não incide nessas hipóteses.[4] O reconhecimento da legalidade dos descontos diretos em conta bancária consentidos pelo consumidor permite concluir que é razoável condicionar a conclusão do negócio jurídico à aceitação da cláusula de irrevogabilidade dessa autorização quando ela for condição essencial para a concessão do empréstimo.
O direito contratual é informado pelos princípios clássicos da autonomia da vontade, da força obrigatória do contrato e da relatividade dos efeitos do contrato, bem como pelos princípios modernos da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
Os referidos princípios contratuais clássicos e modernos são aplicáveis igualmente aos contratos de consumo, observadas as particularidades do microssistema jurídico de proteção do consumidor.
O princípio da força obrigatória do contrato tem origem no Direito Romano.
Expressa-se por intermédio do brocardo de que os acordos devem ser mantidos (pacta sunt servanda), decorrente do princípio da autonomia da vontade.
As partes decidem livremente pela formação do vínculo contratual, garantida a plena liberdade para fixarem o conteúdo do contrato, apenas limitado pela lei, pelas questões de ordem pública, pelos bons costumes e pela função social do contrato.
Uma vez formado regularmente, reconhece-se o contrato como lei entre as partes, conforme previsto em diversos ordenamentos jurídicos (art. 1.134 do Código Civil francês de 1804, art. 702 do Código Civil português de 1867 e art. 1.091 do Código Civil espanhol de 1889).
As cláusulas do contrato formado com observância dos requisitos de validade equiparam-se a preceitos normativos imperativos, são dotadas de intangibilidade. É vedada a revisão ou extinção pelo magistrado e a retratabilidade pelas partes contratantes.
Admite-se a alteração do conteúdo contratual somente mediante um novo acordo de vontade das partes contratantes.
A força obrigatória do contrato objetiva conferir segurança jurídica ao vínculo obrigacional estabelecido pelas partes contratantes.[5] A formação do contrato constitui uma limitação à liberdade individual.
As partes contratantes assumem livremente obrigações de dar, fazer ou não fazer e a sociedade, em razão da legítima expectativa de segurança, espera que haja o cumprimento efetivo de todo o conteúdo contratual.
O descumprimento das obrigações contratuais autoriza a parte prejudicada a buscar a proteção estatal pela via jurisdicional a fim de dar cumprimento ao contrato ou buscar a indenização por perdas e danos contra o contratante inadimplente.[6] A segurança jurídica que legitima a força obrigatória do contrato contempla a estabilidade das obrigações pactuadas na medida em que haverá o cumprimento independentemente do arbítrio das partes ou de qualquer mudança das circunstâncias de fato que motivaram a formação do respectivo vínculo jurídico.
A previsibilidade representa outro elemento da força obrigatória porque as obrigações contratuais assumidas projetam-se para o futuro.
Regula os comportamentos dos contratantes em momento posterior à formação do contrato, que devem observar todo o programa contratual.[7] O princípio da força obrigatória do contrato admite excepcionalmente a relativização.
A superação do Estado Liberal e a implementação do Estado Social criam condições à intervenção judicial para aplicar a lei de ordem pública em proveito da coletividade, alterar a economia do contrato no sentido de modificar as cláusulas contratuais desproporcionais ou liberar o contratante prejudicado das obrigações que representem violação ao equilíbrio ou justiça contratuais.[8] O microssistema jurídico instituído pelo Código de Defesa do Consumidor autoriza a modificação das cláusulas contratuais quando houver a desproporcionalidade entre a prestação e a contraprestação desde a formação do contrato de consumo.
O requisito objetivo do instituto da lesão consiste apenas na desproporcionalidade das prestações pactuadas e deve ser demonstrado pelo consumidor para que ocorra a modificação do contrato de consumo que foi formado de maneira desequilibrada.[9] O caso concreto não demonstra desequilíbrio ou vantagem exagerada.
O agravante autorizou expressamente os descontos como forma de obter o empréstimo em condições mais vantajosas, o qual não seria concedido nos mesmos moldes caso os descontos não pudessem ser efetuados.
A avaliação da vantagem exagerada deve levar em conta a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes, bem como outras circunstâncias peculiares do caso concreto.
A cláusula de irrevogabilidade da autorização é justificável no contexto dos autos, como garantia de adimplemento do empréstimo concedido, portanto não deve ser considerada abusiva.
Não há vantagem exagerada nos negócios celebrados.
A exigência de garantia para adimplemento de uma dívida ou concessão de um empréstimo é uma tradição que remonta à antiguidade.
A pretensão de cancelamento da autorização de desconto em conta-corrente configura ofensa à boa-fé objetiva e à proibição de comportamento contraditório.
A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto com probidade, honestidade e lealdade.
A boa-fé é, essencialmente, fidelidade e empenho de cooperação.
A boa-fé objetiva abre espaço para que a finalidade ética e a econômica do contrato entrelacem-se.[10] A proibição de comportamento contraditório é um dos deveres parcelares da boa-fé objetiva (nemo potest venire contra factum proprium).
Trata-se de modalidade de abuso de direito que decorre da função integrativa da boa-fé objetiva nos termos do art. 422 do Código Civil.[11] A proibição de comportamento contraditório insere-se na teoria dos atos próprios, segundo a qual entende-se que a ninguém é dado fazer valer um direito em contradição a sua anterior conduta.
A doutrina dos atos próprios, decorrente da boa-fé e da confiança, proíbe que um dos contratantes, que por seus atos e comportamentos anteriores gerou uma legítima expectativa no outro contratante, adote posteriormente um comportamento contrário.
Impede que alguém exerça um direito em contradição com sua conduta anterior.[12] A possibilidade de cancelamento da autorização de débitos deve ser realizada com cautela para evitar comportamento contraditório por parte do consumidor.
A cláusula geral de boa-fé impõe aos contratantes um padrão de conduta ético, probo e leal durante a formação e execução do contrato (art. 422 do Código Civil).
O princípio jurídico da boa-fé, aplicável a todos os integrantes da relação obrigacional em geral, deve ser observado pelos sujeitos da relação de consumo, ainda que não previsto expressamente no contrato do consumo (art. 4º, inc.
III, do Código de Defesa do Consumidor).
O disposto na Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) não é apto a infirmar as conclusões acima expostas.
Confira-se a redação dos arts. 6º e 9º do referido ato normativo: Art. 6º É assegurado ao titular da conta o direito de cancelar a autorização de débitos.
Parágrafo único.
O cancelamento da autorização de débitos em conta pode ser formalizado na instituição depositária ou por meio da instituição destinatária. (...).
Art. 9º O cancelamento da autorização de débitos referente a operações de que trata o art. 4º deve ser solicitado pelo titular por meio da instituição destinatária, observado o disposto no caput do art. 6º.
Parágrafo único.
O cancelamento de que trata o caput pode ser realizado na instituição depositária, caso o cliente declare que não reconhece a autorização.
Referida resolução é um ato normativo secundário, editado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que não pode sobrepor-se aos princípios da força obrigatória dos contratos, da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, legalmente estabelecidos.
Faz-se necessário interpretar os arts. 6º e 8º da Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) em conformidade com os princípios da força obrigatória dos contratos, da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, de forma a concretizar a liberdade contratual como elemento essencial da ordem econômica, conforme o art. 170 da Constituição Federal.[13] Assim, somente é possível o cancelamento dos débitos automáticos em conta-corrente nos casos em que o consumidor não reconheça a autorização prévia para a implementação da medida.
A Oitava Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios confere interpretação sistemática ao art. 9º, parágrafo único, da Resolução n. 4.790/2020 do Conselho Monetário Nacional (CMN) para ressalvar que o cancelamento dos débitos automáticos somente pode ser requerido pelo consumidor nos casos em que não reconheça a autorização prévia para implantação da medida.
A interpretação objetiva impedir que o Poder Judiciário intervenha de maneira não justificada em relações particulares legitimamente estabelecidas.
A Oitava Turma Cível considera que o pagamento creditado diretamente na conta bancária garante vantagens ao consumidor por permitir que a instituição financeira pratique juros menores por confiar na diminuição do risco de inadimplemento.[14] A Oitava Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios adotou o entendimento de que o cancelamento dos descontos em conta corrente é incabível quando foram expressamente autorizados pelo correntista por representar conduta incompatível com a boa fé e propiciar o indesejável comportamento contraditório (venire contra factum proprium).[15] Concluo que, em respeito aos princípios da força obrigatória dos contratos, da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, o Poder Judiciário deve abster-se de determinar a suspensão de descontos de empréstimos e de dívidas de cartão de crédito em conta-corrente nos casos em que contratualmente previstos e autorizados pelo consumidor.
Ressalto que a prerrogativa de extinção do contrato é garantida ao agravante mediante a quitação do valor residual.
Ausente a probabilidade de provimento recursal, desnecessário falar-se em perigo da demora, pois são requisitos cumulativos.
Ante o exposto, indefiro o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela recursal.
Comunique-se ao Juízo de Primeiro Grau, que fica dispensado de prestar informações. À parte agravada para, caso queira, apresentar resposta ao recurso.
Intimem-se.
Brasília, 5 de abril de 2024.
Desembargador Héctor Valverde Santanna Relator [1] STJ, REsp 258.103/MG, Quarta Turma, Rel.
Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 7.4.2003, p. 289. [2] STJ, AgInt no REsp 1.922.486/CE, Terceira Turma, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, DJe 30.9.2021; STJ, AgInt no AREsp 1.527.316/DF, Quarta Turma, Rel.
Min.
Raul Araújo, DJe 13.2.2020; STJ, AgInt no REsp 1.805.709/RS, Quarta Turma, Rel.ª Min.ª Maria Isabel Gallotti, DJe 9.12.2019. [3] STJ, REsp 1.555.722/SP, Segunda Seção, Rel.
Min.
Lázaro Guimarães (Desembargador convocado), DJe 25.9.2018. [4] STJ, REsp 1.863.973/SP, Segunda Seção, Rel.
Min.
Marco Aurélio Bellizze, DJe de 15.3.2022. [5] GOMES, Orlando.
Contratos. 27. ed.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019. p. 32. [6] RODRIGUES, Silvio.
Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 29. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 12. v. 3. [7] LÔBO, Paulo.
Direito civil: contratos. 3. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2017. p. 60. [8] GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 49-50 [9] MARTINS, Fernando Rodrigues.
Princípio da justiça contratual. 2. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 397-398. [10] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código de Processo Civil Comentado. 4. ed. em e-book baseada na 18. ed. impressa.
São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. [11] Art. 422.
Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. [12] NERY Junior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código Civil comentado. 11. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 800-812. [13] Confira-se a seguinte lição doutrinária nesse sentido: Em uma linguagem mais próxima do perfil civil-constitucional, sendo o contrato o mecanismo mais propício de concretização da ordem econômica edificada na lei maior (art. 170, CF), a força obrigatória do contrato simboliza um ambiente social de confiança na segura circulação de bens.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Curso de direito civil: contratos. 6. ed.
Salvador: Juspodium, 2016, p. 163. [14] TJDFT, APC 0724300-26.2022.8.07.0007, Oitava Turma Cível, Rel.
Des.
Jose Firmo Reis Soub, DJe 4.12.2023; APC 0736119-75.2022.8.07.0001, Rel.
Des.
Diaulas Costa Ribeiro, Oitava Turma Cível, DJe 16.8.2023. [15] TJDFT, AGI 0717985-66.2023.8.07.0000, Oitava Turma Cível, Rel.ª Des.ª Carmen Bittencourt, DJe 7.8.2023. -
08/04/2024 08:33
Expedição de Outros documentos.
-
05/04/2024 19:15
Não Concedida a Medida Liminar
-
03/04/2024 14:27
Recebidos os autos
-
03/04/2024 14:27
Remetidos os Autos (outros motivos) da Distribuição ao 2ª Turma Cível
-
02/04/2024 22:49
Remetidos os Autos (outros motivos) para Distribuição
-
02/04/2024 22:49
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
02/04/2024
Ultima Atualização
25/06/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Ofício • Arquivo
Ofício • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Documento de Comprovação • Arquivo
Documento de Comprovação • Arquivo
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