TJCE - 3000021-63.2024.8.06.0058
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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02/10/2024 10:54
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para juízo de origem
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02/10/2024 10:54
Juntada de Certidão
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02/10/2024 10:54
Transitado em Julgado em 20/09/2024
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01/10/2024 16:23
Juntada de Petição de pedido (outros)
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01/10/2024 15:05
Decorrido prazo de JOSE CLERIVAN SABINO VITAL em 20/09/2024 23:59.
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01/10/2024 15:05
Decorrido prazo de PAULO EDUARDO PRADO em 20/09/2024 23:59.
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30/08/2024 00:00
Publicado Intimação em 30/08/2024. Documento: 14062665
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30/08/2024 00:00
Publicado Intimação em 30/08/2024. Documento: 14062665
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29/08/2024 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/08/2024 Documento: 14062665
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29/08/2024 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/08/2024 Documento: 14062665
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29/08/2024 00:00
Intimação
E M E N T A RECURSO INOMINADO.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO.
DÉBITO DE CESTA DE SERVIÇOS BANCÁRIOS.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DO CORRENTISTA.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
PARTE AUTORA COMPROVOU O FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO, COM APRESENTAÇÃO DO EXTRATO DE SUA CONTA-CORRENTE.
DÉBITO DA TARIFA QUESTIONADA.
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO TROUXE AOS AUTOS O CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES.
DÉBITOS IRREGULARES, ANTE AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL.
USO DA CONTA APENAS PARA SAQUE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
AUSÊNCIA DE SERVIÇOS ADICIONAIS, TAIS COMO PIX, TED, PAGAMENTO DE BOLETO E EMPRÉSTIMO PESSOAL.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
SENTENÇA REFORMADA. R E L A T Ó R I O 01.
Dispensado o relatório, nos termos dos arts. 38 e 46 da Lei nº 9.099/95 e Enunciado nº 92 do FONAJE. 02.
MARIA DAS DORES DA SILVA ADELAIDE ingressou com AÇÃO DECLARATÓRIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO/NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO em face do BANCO BRADESCO S/A, arguindo a recorrente em sua peça inicial, que vem sofrendo regulares descontos em sua conta corrente relativamente a tarifa sob a égide "TARIFA BANCÁRIA CESTA B.
EXPRESSO", com valores entre R$ 29,70 (vinte e nove reais e setenta centavos) e R$ 51,60 (cinquenta e um reais e sessenta centavos), referente a serviços bancários a qual informa não ter contratado.
Em razão de tal realidade, pede a extinção do débito, devolução em dobro dos valores e danos morais indenizáveis. 03.
Em sede de contestação (id. 14060539), a instituição financeira promovida requer a improcedência da ação, informando que os descontos foram realizados em exercício regular de direito, não havendo motivos para a procedência dos pedidos inseridos na peça inicial. 04.
Em sentença (id. 14060553), o douto juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos iniciais, entendendo pela legalidade dos débitos em discussão. 05.
Em seu recurso inominado (id. 14060555), a parte autora solicita a procedência total dos pedidos formulados em sua peça inicial, repetindo os argumentos expostos em sede de petição inicial. DECISÃO MONOCRÁTICA 06.
Presentes os requisitos de admissibilidade dispostos no artigo 42 (tempestividade) e 54, parágrafo único (preparo) da Lei nº 9.099/95, conheço do Recurso Inominado. 07.
Anote-se de início, que a matéria posta em análise, se trata, obviamente, de uma relação tipicamente consumerista, situação reconhecida na sentença atacada, impondo-se a inversão do ônus da prova e responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. 08.
Registre-se que consagra o CDC, a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, de acordo com o expresso no art. 14, caput, ou seja, "responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços". 09.
No entanto, ainda que se trate de relação de consumo e de responsabilidade objetiva da ré, não isenta o consumidor de produzir a prova mínima do fato constitutivo de seu direito, consoante artigo 373, I do CPC, comprovando, pois, os elementos ensejadores da responsabilidade civil, a saber, a conduta, o dano e o nexo de causalidade. 10.
Evidenciado o direito da parte autora, cabe a parte promovida provar a existência de fato extintivo desse direito, consoante disposto no art. 373, II, do CPC. 11.
Assim, cabe a(o) autor(a) trazer aos autos a demonstração de fatos constitutivos de seu direito, mas se a ré alega, em contestação, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, atrai para si o ônus de provar tais circunstâncias, sob pena de sucumbir aos articulados da inicial (art. 373 do CPC). 12.
O cerne da controvérsia envolve a definição da legalidade do débito de cesta de serviços bancários na conta corrente da parte promovente. 13.
As contas correntes, também chamadas contas de depósito à vista, podem ser gratuitas ou com mensalidades.
Nas gratuitas, se limitando o correntista ao uso de serviços básicos, não arcará com tarifas.
Nas com mensalidades, arcará com um valor fixo por um pacote pré-estabelecido de serviços. 14.
O BACEN surgiu para atuar como órgão executivo central do sistema financeiro, regulamentando quais são os serviços que os bancos são obrigados a oferecerem gratuitamente e os tipos de pacotes padronizados de serviços. 15.
Assim, ficou definido pelo BACEN que qualquer pessoa física tem o direito de ter os tais serviços essenciais oferecidos, mensalmente, pela sua conta bancária sem pagar nada. 16.
O Banco Central ainda obriga toda instituição bancária a oferecer uma cesta básica de serviços de conta corrente, gratuitamente, mas caso o cliente com essa conta gratuita ultrapasse a quantidade mínima de serviços disponibilizados, será cobrado pelo uso do serviço excedente.
Isso significa que mesmo uma conta corrente gratuita não está livre de cobranças. 17.
A Resolução nº 3.919 do Banco Central do Brasil, de 25/11/2010, que "consolida as normas sobre cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras", em seu art. 1º, §1º, inciso II, classifica os serviços das instituições financeiras como essenciais, prioritários, especiais e diferenciados, vedando em seu art. 2º, caput, "a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais", elencados os tais 10 (dez) serviços no inciso I do seu art. 2º. 18.
No rol de tais serviços essenciais cobrados nas contas de depósito à vista estão o fornecimento de cartão com função débito; realização de até quatro saques ou até duas transferências de recursos entre contas na própria instituição, por mês; fornecimento de até dois extratos, por mês; compensação de cheques; fornecimento de até dez folhas de cheques por mês. 19.
Contudo, o uso de serviço essencial ou serviço não gratuito em quantidade superior ao tido como básico, leva a cobrança de tarifas, que são taxas cobradas pelo banco para prover serviços aos seus clientes. 20.
No tocante as chamadas cestas de tarifas bancárias, exige-se a expressa ou tácita contratação pelo correntista, não sendo necessário o uso mensal dos serviços nele constantes, sendo ainda cobrado pelo eventual uso de serviço em maior quantidade do que o contratado. 21.
Cabe ao correntista analisar com cuidado qual tipo de serviços irá fazer uso, se são gratuitos, e em não sendo decidir pelo pagamento individual da tarifa respectiva ou contratar pacote de serviços.
Se houver uso de transações em número superior a permitidas pelo seu plano atual, pagará taxas por cada transação excedente do custo do pacote mensal. 22.
Assim, em relação ao uso de serviços bancários, o cliente (pessoa natural) tem duas opções: i) pagar tarifas individuais para cada serviço excedente ao essencial; ii) ou contratar pacote de serviços com pagamento de um valor único por um conjunto de serviços disponibilizados, sendo cobrada uma mensalidade fixa, conhecidos como pacotes ou cestas de serviços. 23.
A conta corrente com mensalidade oferece serviços além dos previstos na cesta básica do BC, sendo essa mensalidade variável conforme o banco, o perfil de renda da pessoa e das facilidades que a instituição oferece. 24.
Alguns dos benefícios oferecidos para quem tem corrente com mensalidade podem ser: i) uso de cheque especial sem juros por um período (10 dias por exemplo); ii) aconselhamento financeiro gratuito; iii) descontos em outros produtos financeiros do banco; iv) cartão de crédito mais sofisticado. 25.
O Banco Central exige que o cliente assine um contrato específico de contratação de pacote de serviços, o qual apresenta preço mais atraente para o correntista que fizer uso de serviços não essenciais, pois ao invés de pagar um certo valor por cada um, paga apenas o valor da tal cesta. 26.
Assim, não há qualquer abuso ou ilegalidade na cobrança de tarifa ou cesta de serviços pelas instituições bancárias, desde que devidamente contatados pelo correntista. 27.
No entanto, ainda que ausente o instrumento de contratação de cesta de serviços, se o correntista fez uso de outros serviços oferecidos pela instituição financeira, além do saque de seus proventos, tais como investimentos, depósitos diversos, cartão de crédito, capitalização, débitos em conta e limite de crédito especial, há o entendimento de estar comprovada, ainda que de forma tácita, a existência de pacto de cobrança de serviços entre as partes. 28.
Ademais, ao verificar tais descontos apontados como irregulares, a parte deve solicitar administrativamente o cancelamento de tais cobranças, visando apontar a sua discordância com o desconto de tais valores em sua conta corrente. 29.
Perlustrando detidamente o arcabouço fático probatório constante nos autos, verifico que a instituição financeira não apresentou o instrumento de contratação da cesta de serviços reclamada. 30.
Verifica-se, ainda, pelos extratos carreados aos autos pela própria parte autora (id.14060521, pág 01-05), que ela não fez uso de outros serviços além do saque de seus proventos/salário, mostrando que não deve ser cobrada por nenhuma tarifa, sendo a sua conta-corrente caracterizada como gratuita. 31.
No tocante à restituição do indébito, havia entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de se exigir a comprovação da má-fé do fornecedor para aplicação do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
Ou seja, deveria ser demonstrado o dolo do fornecedor em cobrar indevidamente determinado valor. 32.
Em mudança de posicionamento, a Corte Especial do STJ sedimentou que a restituição de valores pagos indevidamente pelo consumidor independe da motivação do agente que fez a cobrança, bastando a configuração de conduta contrária à boa-fé objetiva (EAREsp 676608/RS). 33.
Assim, determino que a instituição financeira promova a devolução dos valores descontados do benefício previdenciário da parte autora, relativos ao contrato ora em discussão, de forma simples, se o desconto se deu até março de 2021, e de forma dobrada, se posterior a essa data, conforme contido na decisão da Corte Especial do STJ, no EARESP 676.608/RS, que deu modulação ao seu entendimento para operar efeitos "aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão", datado de 30/03/2021. 34.
Como no presente caso, o desconto da primeira parcela por força do contrato em discussão, se deu em janeiro de 2021, tendo ocorrido descontos seguidos até depois de março de 2021, a restituição do indébito deve se dar de forma simples e dobrada, de acordo com a data do desconto. 35.
Avançando na apreciação da matéria devolvida a este Colegiado, passo a analisar se o ato ilícito praticado pela instituição financeira constitui dano moral indenizável, bem como, em caso positivo, qual o correto valor do seu arbitramento. 36.
Quanto à indenização por danos morais, reconheço que tais fatos são suficientes para causar danos de ordem moral a qualquer homem médio, não sendo diferente com o autor, surpreendido com o irregular negócio jurídico contratado em seu nome, além de ter subtraído, mensalmente, de seus já parcos rendimentos, débitos referentes a tarifa que nunca solicitou, está tendo que buscar o ressarcimento dos valores, indevidamente descontados de sua conta, em juízo, demandando tempo e causando desgaste ao consumidor por um erro na prestação de serviços bancários. 37.
Ademais, a valoração da compensação moral deve ser motivada pelo princípio da razoabilidade, observando-se ainda a gravidade e repercussão do dano, bem como a intensidade e os seus efeitos. 38.
A finalidade compensatória, por sua vez, deve ter caráter didático-pedagógico, evitando o valor excessivo ou ínfimo, objetivando o desestimulo à conduta lesiva. 39.
Por fim, a indenização por dano moral deve, ainda, obedecer aos princípios da proporcionalidade (intensidade do dano, da culpa, dos transtornos), da exemplaridade (desestimulo à conduta) e da razoabilidade (adequação e modicidade). 40.
Para a fixação do quantum, o juiz não pode perder de vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando enriquecimento ilícito do recorrente, como também, tornar inócua a condenação.
Neste ponto, entendo que o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) se mostra adequado, diante dos valores dos descontos e sua respectiva quantidade. 41.
Com estas balizas, existe ambiente fático-processual apto a modificar o entendimento demonstrado pelo juiz monocrático na sentença de mérito ora combatida, consoante orientação firmada por esta 5ª Turma Recursal. 42.
Saliente-se que, nos casos desse jaez, está dentro das atribuições do relator dar provimento ao recurso inominado por decisão monocrática, conforme entendimento do Enunciado 103 do FONAJE, com a seguinte redação: "O relator, nas Turmas Recursais Cíveis, em decisão monocrática, poderá dar provimento a recurso se a decisão estiver em manifesto confronto com Súmula do Tribunal Superior ou Jurisprudência dominante do próprio juizado, cabendo recurso interno para a Turma Recursal, no prazo de 5 dias (alterado no XXXVI Encontro - Belém/PA)" 43.
Aplica-se ainda, por empréstimo, a regra prevista no art. 932, V, "a", parte final, do CPC: "Art. 932.
Incumbe ao relator: (…) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal" 44.
Por todo o exposto, CONHEÇO do recurso para, DANDO-LHE PARCIAL PROVIMENTO, reformar a sentença atacada, para condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a ser atualizado com correção monetária pelo INPC, a contar da sentença (Súmula 362 do STJ), e juros de mora, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do STJ), no percentual de 1% ao mês, bem como DETERMINAR a repetição do indébito de forma simples e dobrada, de acordo com a data do desconto, tomando por base o mês de março de 2021, valores corrigidos monetariamente pelo INPC, a partir do efetivo prejuízo/evento danoso/data do desconto indevido (Súmula 43, STJ) e juros de mora de 1% ao mês, a partir do efetivo prejuízo/evento danoso/data do desconto indevido (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ); 45.
Sem custas e honorários advocatícios, a contrario sensu do artigo 55 da Lei nº 9.099/95. Fortaleza, data registrada no sistema. MARCELO WOLNEY A P DE MATOS Juiz de Direito - Relator -
28/08/2024 11:25
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 14062665
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28/08/2024 11:25
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica Documento: 14062665
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27/08/2024 16:23
Conhecido o recurso de MARIA DAS DORES DA SILVA ADELAIDE - CPF: *06.***.*85-74 (RECORRENTE) e provido em parte
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24/08/2024 15:19
Conclusos para decisão
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24/08/2024 15:19
Cancelada a movimentação processual Conclusos para despacho
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23/08/2024 17:32
Recebidos os autos
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23/08/2024 17:32
Distribuído por sorteio
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02/08/2024 00:00
Intimação
I - RELATÓRIO Vistos etc.
Dispensado o relatório, a teor do art. 38 da Lei 9099/95.
Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c devolução dos valores indevidamente descontados e reparação por danos morais, ajuizada por MARIA DAS DORES DA SILVA ADELAIDE em desfavor de BANCO BRADESCO S/A, por não reconhecer a contratação do serviço. II - FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, verifico a desnecessidade de qualquer tipo de dilação probatória, notadamente por não terem as partes manifestado o desejo de produzirem mais provas em audiência, sendo este, portanto, o caso de julgamento antecipado da lide (ex vi do art. 355, inciso I, do CPC).
DAS PRELIMINARES Rejeito a alegação de prescrição, pois, no caso, aplica-se o prazo prescricional previsto no Art. 27 da legislação consumerista, qual seja, 5 (cinco) anos para reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço. Cumpre destacar que, consoante jurisprudência consolidada no âmbito dos tribunais superiores, o prazo prescricional para o exercício da referia pretensão flui a partir da data do último desconto: AgInt no AREsp1720909/MS, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2020,DJe 24/11/2020; AgInt no AREsp 1673611/RS, Rel.
Ministro ANTONIO CARLOSFERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe 22/09/2020; AgInt no REsp1830015/PR, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,julgado em 09/03/2020, DJe 13/03/2020. No caso em apreço, verifica-se que o último débito ocorreu, segundo extratos juntados pelo autor, em 21/12/2023 .
Portanto, exigível a restituição.
Por fim, rejeito a arguição de incompetência, ante a desnecessidade de prova pericial para motivar o convencimento deste juízo, sendo suficientes os documentos já constantes dos autos.
Registro, ademais, que a prova técnica não vincula o julgador, à luz do disposto no art. 479 do novo Código de Processo Civil. DO MÉRITO A presente demanda cuida de ação de inexistência c/c repetição de indébito em dobro c/c danos morais na qual alega a parte autora que é cliente do Banco demandado, e que, foram indevidamente retirados de sua conta, pela parte requerida, sem sua prévia autorização, valores referentes a serviços de "TARIFA BANCÁRIA CESTA B.
EXPRESSO" com início em janeiro de 2021.
Afirma a parte demandante que é cliente do Banco e, e que vem pagando os mencionados serviços sem haver contratado.
Ora, se a parte requerente já vinha pagando a cobrança durante 3 anos, somente passou ela a se importar com o suposto pagamento indevido, o qual estava usufruindo, após decorrido todo esse tempo? Com efeito, a parte autora consentiu com a cobrança do respectivo serviço.
Como é sabido, todo aquele que adere à contratação de um serviço tem ciência dos custos decorrentes da negociação.
Não se pode alegar desconhecimento ou ignorância, visto que é do conhecimento de todos que não existe nada gratuito, sobretudo no mercado de consumo.
Sendo assim, se nada há de gratuito nas relações de consumo, o que dizer então das negociações travadas com as instituições financeiras? Ora, os Bancos lucram exatamente por cobrarem pelos serviços prestados.
Desta forma, aquele que mantem uma conta em um Banco sabe ou deveria saber que não se trata de atividade voluntária de uma instituição financeira.
Neste contexto, o Banco Central do Brasil regula a cobrança de tarifas por meio da Resolução 3.919/2010.
Nesta, há a classificação em quatro modalidades dos tipos de serviços prestados às pessoas físicas (naturais) pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central: serviços essenciais, serviços, prioritários, serviços especiais e serviços diferenciados.
Outrossim, a adesão do cliente/consumidor a pacotes de serviços tarifários longe de ser prejudicial ao mesmo, constitui na verdade um bônus a sua disposição, eis que mediante o pagamento de uma valor determinado, o consumidor terá acesso a diversos serviços ilimitados em sua conta, tais como transferências, emissão de extratos, saldos, emissão de cheques, pagamentos mediante débito em conta etc.
A esse respeito, dispõe a Resolução 3.919/2010 do Banco Central: Pacotes de serviços Art. 6º É obrigatória a oferta de pacote padronizado de serviços prioritários para pessoas naturais, na forma definida na Tabela II anexa a esta resolução. § 1º O valor cobrado mensalmente pelo pacote padronizado de serviços mencionado no caput não pode exceder o somatório do valor das tarifas individuais que o compõem, considerada a tarifa correspondente ao canal de entrega de menor valor. § 2º Para efeito do cálculo do valor de que trata o § 1º: I - deve ser computado o valor proporcional mensal da tarifa relativa a serviço cuja cobrança não seja mensal; e II - devem ser desconsiderados os valores das tarifas cuja cobrança seja realizada uma única vez. § 3º A exigência de que trata o caput aplica-se somente às instituições que oferecem pacotes de serviços aos seus clientes vinculados a contas de depósitos à vista ou de poupança.
Art. 7º É facultado o oferecimento de pacotes específicos de serviços contendo serviços prioritários, especiais e/ou diferenciados, observada a padronização dos serviços prioritários, bem como a exigência prevista no § 1º do art. 6º.
Depreende-se dos autos, portanto, que a parte requerida agiu dentro do seu exercício regular de direito, uma vez que atuou amparada pela legislação que rege a matéria.
In casu, reitera-se: a parte autora afirma que vem sofrendo descontos alusivos a serviços de tarifa bancária, os quais não contratou.
Todavia, causa estranheza ter se insurgido contra a suposta cobrança indevida depois de transcorrido todo esse período alegado.
Por outro lado, é, no mínimo, estranho a demandante afirmar que está sofrendo fraude por parte do Banco promovido, de serviços, sem que salte aos olhos a necessidade de perquirir acerca da boa-fé objetiva.
Nesse contexto, mister destacar o princípio da boa-fé objetiva, por meio do qual é estabelecida a exigência de um padrão ético de conduta para as partes nas relações contratuais, de forma que devem prevalecer a lealdade, a honestidade, a probidade e a cooperação.
O princípio da boa-fé objetiva é, por conseguinte, o dever imposto a quem tome parte em relação negocial de agir com lealdade e cooperação, evitando-se condutas que possam esvaziar as legítimas expectativas da outra parte. É um princípio fundamental no direito contratual que, para ser observado, independe de previsão expressa no instrumento contratual, sendo preceito de ordem pública e interesse social, não podendo ser afastado pela vontade das partes.
Pertinente a doutrina a respeito: "A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independente da vontade, e por isso a extensão e o conteúdo da relação obrigacional já não se mede somente nela (vontade) e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dinamismo que escapa ao controle das partes." (AGUIAR, Ruy Rosado de.
Revista de Direito do Consumidor, nº 14, p. 24) O Código de Defesa do Consumidor foi fundamental na consagração desse princípio na ordem jurídica nacional, ao prevê-lo expressamente em alguns artigos, dentre os quais se destaca o artigo 4º, III: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) III- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; O Código Civil de 2002 também passou a dispo-lo explicitamente em alguns de seus artigos, assim como o novo Código de Processo Civil de 2015, esse último dispondo em seu 489, § 3º, que "A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé." Nesse diapasão, conferiu-se a tal princípio o exercício de quatro importantes funções: interpretativa, corretiva, criadora ou integrativa, e limitativa de direitos subjetivos.
A função interpretativa está claramente prevista no artigo 113, do Código Civil vigente, que dispõe "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração." Mencionada função subdivide-se em subjetiva (investigação da intenção dos contratantes) e objetiva, esta concernente ao dever de agir com lealdade e cooperação.
A função corretiva opera-se como mecanismo de correção de eventuais desequilíbrios existentes nas relações contratuais.
Já a função criadora ou integrativa corresponde a possibilidade de criar deveres não previstos expressamente no pacto contratual, denominados deveres anexos, acessórios ou laterais, que se impõem antes, durante e depois da relação contratual, amparada pelo artigo 422, do Código Civil, o qual discorre: Art. 422.
Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
No que pertine à função limitativa de direitos subjetivos, esta limita o exercício abusivo dos direitos subjetivos, extraindo-se dela algumas teorias, dentre as quais se revela importante para o presente julgado "a teoria dos atos próprios".
Vale frisar que, atualmente, o abuso de direito é ato ilícito que enseja responsabilidade objetiva, conforme disposição do artigo 187, do CC/2002: Art. 187.
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A Teoria do Atos Próprios protege as expectativas legitimamente criadas à luz de valores como cooperação e lealdade.
Cuida-se da proibição de comportamento contraditório que doutrina o postulado nemo potest venire contra factum proprium ("ninguém pode vir contra os próprios atos"), ou seja, impõe o dever de não agir em contradição com os próprios atos.
Além do venire contra factum proprium, a boa-fé objetiva apresenta outros postulados que a efetivam, os quais são convergentes e dialogam entre si.
A propósito, observe-se o Enunciado nº 412, das Jornadas de Direito Civil, segundo o qual "As diversas hipóteses de exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva, tais como supressio, tu quoque, surrectio e venire contra factum proprium, são concreções da boa-fé objetiva." No presente caso, imprescindível a análise do instituto da Supressio, consistente na perda de determinado direito por parte de seu titular em decorrência de sua inércia em exercê-lo.
Isso ocorre porque se gera a legítima expectativa de que tal direito não mais seria exercido à luz da boa-fé objetiva.
Em arremate, em situação correlata, o instituto da Surrectio, face da mesma moeda da Supressio, compreende o surgimento de direitos subjetivos ou situações jurídicas a partir de determinada prática social.
O Código Civil traz uma hipótese de surrectio no seu artigo 330, ao prever que "O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato." Elucidativas as colocações da doutrina: "Se o locador por muitos anos permite que sua locatária dê aulas de dança na casa alugada, embora o imóvel esteja alugado para uso exclusivo residencial e, a teor de cláusula contratual, não permita o desenvolvimento de atividade econômica alguma no interior do imóvel.
Cremos que surgiu (surrectio), no caso, direito subjetivo, à luz da boa-fé objetiva, a continuar a ministrar as aulas de dança no imóvel, dentro de certa proporcionalidade." (Braga Netto, Felipe Peixoto.
Manual de Direito do Consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 13. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: Ed.
JusPodivm, 2018, pg. 418) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente quanto à aplicação dos postulados da boa-fé objetiva nas relações contratuais, a exemplo do precedente abaixo, no qual, aplicando-se a supressio, negou-se a pretensão de se exigir retroativamente valores que, em contratos de trato sucessivo, não foram cobrados anteriormente, constatemos: CIVIL.
CONTRATOS.
DÍVIDAS DE VALOR.
CORREÇÃO MONETÁRIA.
OBRIGATORIEDADE.
RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE.
COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO.
NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS.
SUPRESSIO. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato.
Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos.
Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual. 2.
A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação.
Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa.
Precedentes. 3.
Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.
Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular. 4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos.
A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. 5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. 6.
Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1202514 RS 2010/0123990-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/06/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/06/2011).
Desse modo, pode-se observar a incidência dos postulados da Supressio e da Surrectio na presente lide, já que o tempo em que a parte autora vem tendo descontos em sua conta bancária, sem qualquer reclamação, é considerável para que se entenda a presença de contratação e o surgimento da legítima expectativa por parte do banco demandado.
Tais institutos apontam a preocupação em tutelar as expectativas legitimamente criadas, à luz da boa-fé objetiva, haja vista que a proteção da confiança veda condutas abruptas e comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium).
Manifesta-se aqui tal instituto, visto que esse comportamento da parte autora quanto à aceitação ou ao não questionamento dos reiterados descontos, independente da juntada aos autos ou até mesmo da própria existência de contrato escrito, fez nascer, para a outra parte, a legítima expectativa de confiança quanto à permanência da situação que se consolidou no tempo, de modo que improcede o pedido inicial sob todas as perspectivas analisadas.
Reitera-se, ao longo de mais de 3 anos, com descontos de serviços de tarifas, conforme narrado na exordial, a autora vem sofrendo deduções em sua conta bancária relativos a esses serviços, o que gera a legítima expectativa de renúncia da demandante quanto a tais valores.
Mesmo tendo conhecimento de tais deduções, já que tinha acesso livre aos extratos bancários, a parte autora não as interpelou ao Banco requerido e somente ingressou na Justiça 3 anos depois do início de aludidos descontos, de forma que é inevitável reconhecer a existência da boa-fé por parte da instituição bancária demandada e se presumir a anuência, por parte da requerente, da cobrança dos serviços ora questionados.
Convém, ainda, mencionar a ausência da boa-fé da parte autora, ao se isentar do dever de mitigar o próprio prejuízo, o que enseja a aplicação do duty to mitigate the loss ("dever de mitigar o prejuízo"), outro postulado da boa-fé objetiva que incide nesse caso, pois que, por propositada inércia, a parte autora permitiu os descontos em sua conta, aumentando as próprias perdas, para depois cobrá-las da instituição bancária, inclusive com pedido de danos morais.
Nesse sentido manifestou-se as Jornadas de Direito Civil, no seu enunciado 169, o qual assim dispôs: "O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo".
Por tudo isso, outra não é a melhor solução a não ser o julgamento de improcedência do pedido.
III - DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, pelo que EXTINGO o presente feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC.
Sem custas e honorários (art. 55 da Lei nº 9.099/95).
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitada em julgado, ARQUIVE-SE, com as cautelas legais.
Cariré, data informada no sistema. Suetônio de Souza Valgueiro de Carvalho Cantarelli Juiz
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
23/08/2024
Ultima Atualização
27/08/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Intimação da Sentença • Arquivo
Intimação da Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Ata de audiência com sentença/decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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