TJAP - 6013767-68.2025.8.03.0001
1ª instância - 5ª Vara do Juizado Especial Civel - Norte
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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16/07/2025 00:00
Intimação
SENTENÇA 1 – Relatório Trata-se de reclamação cível proposta por José Maria da Silva Alves contra o Banco Pan S/A, por meio da qual, requer o cancelamento da operação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), a suspensão dos descontos mensais em seu benefício previdenciário e a restituição dos valores já descontados, sob o argumento de que se trata de produto abusivo e defeituoso.
Relata o autor que, recebe aposentadoria por incapacidade permanente e que, em operação de crédito junto à instituição financeira ré, foi incluído um cartão de crédito consignado sem que tivesse pleno conhecimento ou intenção de contratar tal modalidade.
Sustenta que os descontos mensais, iniciados em 01/07/2021, se referem ao valor mínimo da fatura, o que gera a perpetuação da dívida com encargos abusivos.
Afirma o autor, ainda, que desconhece o funcionamento da operação RMC e que a forma como os descontos são realizados torna a dívida impagável, razão pela qual pleiteia a restituição integral dos valores pagos e o reconhecimento de falha na prestação do serviço.
A parte ré, embora devidamente citada e intimada, apresentou peça contestatória, mas não compareceu à audiência de conciliação, instrução e julgamento, sendo, portanto, declarada revel. É o breve relato dos fatos. 2 – Mérito A ação é procedente.
Cinge-se a controvérsia em apurar a validade de um contrato bancário celebrado por meio digital com consumidor idoso, cuja vulnerabilidade é acentuada por sua condição de analfabeto digital, e a suficiência da biometria facial (selfie) como prova de um consentimento livre e informado. a) Da revelia e do poder instrutório do juiz Inicialmente, cumpre analisar os efeitos da revelia do réu.
Embora o artigo 344, do Código de Processo Civil estabeleça que a ausência de contestação gera a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, tal presunção é relativa.
Ela não exime o julgador de analisar o conjunto probatório dos autos e buscar a verdade real, princípio norteador do processo civil.
Nesse sentido, o juiz é o destinatário final da prova e possui o poder-dever de determinar, até mesmo de ofício, as diligências necessárias ao julgamento do mérito (arts. 6º, 370 e 371, CPC).
Portanto, mesmo diante da revelia, a análise dos documentos juntados pelo réu, como o contrato em questão, é medida que se impõe para a correta elucidação da controvérsia. b) Do vício de consentimento e do consumidor analfabeto digital Superada a questão processual, adentro ao mérito.
A relação jurídica em tela é de consumo (Súmula nº 297, do STJ), e o autor, por ser pessoa idosa, é classificado como consumidor hipervulnerável, merecedor de proteção especial.
A sua vulnerabilidade, no caso concreto, é agravada pela falta de letramento digital, enquadrando-o na figura do analfabeto digital.
A contratação de serviços bancários por consumidores idosos e analfabetos digitais exige da instituição financeira um dever de cuidado e informação qualificado.
A vulnerabilidade desses consumidores é acentuada, demandando transparência máxima na oferta de crédito.
Na hipótese dos autos, o autor não nega a contratação, entretanto, a defesa do banco réu, amparada exclusivamente na prova da contratação por meio de biometria facial, não se sustenta.
A apresentação de "selfie" (biometria facial) como prova da contratação é insuficiente, por si só, para comprovar a manifestação de vontade livre e consciente do consumidor, além do dever de informação.
Tal tecnologia, de fato, comprova a identidade de quem realiza a operação, mas não demonstra a compreensão das cláusulas contratuais, especialmente em se tratando de um produto complexo como o cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cujas características são de difícil entendimento para o leigo.
Caracteriza, portanto, manifesta falha no dever de informação (art. 6º, III, do CDC) a ausência de prova inequívoca de que o autor, aos 74 anos de idade, foi devidamente esclarecido sobre a diferença entre um empréstimo consignado tradicional, com parcelas fixas, e o produto que lhe foi imposto, com sua sistemática de amortização mínima e juros rotativos, que difere em muito, de um empréstimo consignado comum.
Alie-se a isso, análise das próprias faturas de cartão de crédito juntadas aos autos pela instituição financeira ré corrobora a tese autoral.
Nelas, constata-se que a parte autora não realizou qualquer compra ou transação com o suposto cartão, o que reforça de maneira contundente a alegação de que não desejava contratar tal produto.
As únicas movimentações registradas são os créditos no valor de R$ 3.671,84 e R$ 1.335,00, ambos efetuados em junho de 2021, mês da contratação, evidenciando que a operação teve a natureza de um empréstimo, e não de um cartão de crédito que, de fato, nunca foi utilizado para sua finalidade principal.
A falha do réu, contudo, vai além do dever de informação.
Houve o descumprimento de regras específicas e mandatórias.
A Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28/2008, em seu art. 21-A, tornou obrigatória a utilização de um "Termo de Consentimento Esclarecido" (TCE) como condição de validade para a contratação do Cartão de Crédito Consignado.
Este termo, que deve ser um documento apartado ou um campo de destaque, exige uma manifestação de vontade específica do consumidor sobre as desvantagens do produto, como o fato de não ser um empréstimo comum e a incidência de juros rotativos.
A importância do TCE é tamanha que foi objeto da Ação Civil Pública nº 0106890-28.2015.4.01.3700, cuja decisão, com eficácia nacional, reforçou a obrigatoriedade de sua apresentação.
Ao não comprovar a assinatura efetiva do autor em um Termo de Consentimento Esclarecido válido, o banco réu descumpriu não apenas uma norma administrativa, mas também uma ordem judicial.
Essa omissão é a prova definitiva de que foi concedida ao autor uma modalidade de financiamento não pretendida, viciando seu consentimento na origem.
Nesse sentido: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATAÇÃO DIGITAL COM USO DE "BIOMETRIA FACIAL" - CONSUMIDOR HIPERVULNERÁVEL - PROTEÇÃO ESPECIAL CONFERIDA À PESSOA IDOSA - INBOSERVÂNCIA DE FORMALIDADES INDISPENSÁVEIS À VALIDADE DA CONTRATAÇÃO - RESTITUIÇÃO EM DOBRO - MÁ-FÉ CONFIGURADA - ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, CDC - DANO MORAL - DEMONSTRAÇÃO.
Ao fornecedor incumbe um zelo ainda maior no momento da contratação com consumidor idoso (hipervulnerável), sobretudo, no que diz respeito à prestação de informações claras, ostensivas e verdadeiras.
Ainda que seja reconhecida a possibilidade de contratação digital, com utilização de biometria facial, o fornecedor deve assegurar uma manifestação de vontade livre e consciente ao consumidor hipervulnerável, prestando-lhes todas as informações necessárias à compreensão do objeto do contrato e de suas implicações.
Tem-se por eivada de má-fé a conduta de instituição financeira que se aproveitar da fragilidade e hipervulnerabilidade de consumidor procedendo a empréstimo sem observância das formalidades legais, fazendo incidir a regra do art. 42, parágrafo único do CDC.
O consumidor que tem seu nome indevidamente vinculado a contrato que não celebrou e, em razão disso, suporta descontos em seu benefício previdenciário, sofre efetivo dano de natureza moral.
A indenização por danos morais deve ser arbitrada observando-se os critérios punitivo e compensatório da reparação, sem perder de vista a vedação ao enriquecimento sem causa e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TJ-MG - Apelação Cível: 50274057420228130079 1.0000.22.167490-6/002, Relator.: Des.(a) Mônica Libânio, Data de Julgamento: 01/08/2024, 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/08/2024) Dessa forma, conclui-se, pela nulidade do contrato, não por ausência de forma, mas por vício de consentimento (erro substancial), decorrente da violação direta do dever de informação por parte da instituição financeira ré.
Tal situação implica em restituir os valores descontados indevidamente do benefício do autor. c) Da repetição do indébito em dobro Reconhecida a nulidade do contrato e, por conseguinte, a manifesta irregularidade dos descontos, impõe-se a condenação do réu à restituição dos valores pagos indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor.
A matéria foi definitivamente pacificada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (EAREsp 676.608/RS), que firmou a tese de que a restituição em dobro é a regra, excetuada apenas na hipótese de engano justificável por parte do fornecedor.
Na hipótese dos autos, o contrato foi celebrado em junho de 2021, data posterior ao marco de modulação fixado pelo STJ (30 de março de 2021).
Dessa forma, a totalidade dos descontos indevidos incide sob a nova regra, não havendo qualquer parcela a ser restituída de forma simples.
Ademais, a conduta do banco réu, ao impor um contrato nulo, valendo-se da hipervulnerabilidade do consumidor e violando normativas expressas, afasta por completo qualquer possibilidade de engano justificável.
Assim, impõe-se a condenação do réu à restituição, na forma dobrada, de todos os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do autor, a serem apurados em liquidação de sentença. 3 - Dispositivo ISSO POSTO, com base na fundamentação acima e pelo livre convencimento que formo, JULGO PROCEDENTES os pedidos consubstanciados na petição inicial para: a) DECLARAR a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado nº 347641085-1 e, por conseguinte, a inexigibilidade dos débitos decorrentes da citada operação bancária; b) DETERMINAR o cancelamento definitivo dos descontos realizados no benefício previdenciário do autor referente ao contrato de cartão de crédito consignado nº 347641085-1, sob pena de arbitramento de multa por cada desconto indevido; c) CONDENAR o réu a restituir na forma dobrada os valores descontados pelo réu no benefício previdenciário da parte autora, concernente ao contrato nº 347641085-1, acrescidos de atualização monetária pelo INPC, a contar do efetivo prejuízo (cada desembolso) até o dia 27/8/2024 e, a partir do dia 28/8/2024, juros de mora, a contar da citação, calculados com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o IPCA do período e atualização monetária com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de cada desembolso, nos termos das regras dos artigos 389, parágrafo único, e 406, ambos do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 14.905/2024; d) AUTORIZAR, a fim de evitar o enriquecimento ilícito e promover o retorno das partes ao status quo ante, que o réu compense/deduza do valor final da condenação o montante de R$ 5.006,84 (cinco mil, seis reais e oitenta e quatro centavos), referente aos créditos efetivamente disponibilizado na conta corrente do autor em junho de 2021, sem atualização monetária, já que o autor não deu causa para o evento.
Decido o processo na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Sem custas e honorários advocatícios, em observância ao disposto nos artigos 54 e 55, da Lei nº 9.099/1995.
Publique-se.
Intimem-se. -
15/07/2025 10:53
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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15/07/2025 10:53
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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14/07/2025 14:44
Julgado procedente o pedido
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10/07/2025 09:30
Conclusos para julgamento
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09/07/2025 11:21
Proferido despacho de mero expediente
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07/07/2025 08:15
Conclusos para despacho
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07/07/2025 08:15
Cancelada a movimentação processual Conclusos para decisão
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05/07/2025 09:25
Audiência de instrução e julgamento realizada conduzida por Juiz(a) em/para 04/07/2025 08:30, 5º Juizado Especial Cível da Zona Norte de Macapá.
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05/07/2025 09:25
Expedição de Termo de Audiência.
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05/07/2025 09:25
Proferido despacho de mero expediente
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03/07/2025 09:44
Juntada de Petição de contestação (outros)
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25/06/2025 01:23
Confirmada a comunicação eletrônica
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25/06/2025 01:23
Não confirmada a citação eletrônica
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18/06/2025 08:20
Expedição de Carta.
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16/06/2025 00:04
Confirmada a comunicação eletrônica
-
16/06/2025 00:04
Confirmada a comunicação eletrônica
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30/05/2025 00:57
Decorrido prazo de FILADELFO GOMES DOS REIS JUNIOR em 29/05/2025 23:59.
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23/05/2025 00:20
Confirmada a comunicação eletrônica
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23/05/2025 00:20
Confirmada a comunicação eletrônica
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16/05/2025 00:19
Confirmada a comunicação eletrônica
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16/05/2025 00:19
Confirmada a comunicação eletrônica
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08/05/2025 00:56
Decorrido prazo de FILADELFO GOMES DOS REIS JUNIOR em 07/05/2025 23:59.
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05/05/2025 19:39
Confirmada a comunicação eletrônica
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05/05/2025 19:39
Confirmada a comunicação eletrônica
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02/05/2025 18:02
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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02/05/2025 18:02
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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02/05/2025 18:02
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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02/05/2025 17:59
Expedição de Outros documentos.
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02/05/2025 17:59
Expedição de Outros documentos.
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02/05/2025 17:58
Audiência de instrução e julgamento designada conduzida por #Não preenchido# em/para 04/07/2025 08:30, 5º Juizado Especial Cível da Zona Norte de Macapá.
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22/04/2025 12:19
Não Concedida a tutela provisória
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22/04/2025 09:53
Conclusos para decisão
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15/04/2025 18:16
Juntada de Petição de petição
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07/04/2025 11:07
Confirmada a comunicação eletrônica
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07/04/2025 10:29
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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07/04/2025 10:21
Determinada a emenda à inicial
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05/04/2025 08:04
Classe retificada de PETIÇÃO CÍVEL (241) para PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
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04/04/2025 14:39
Conclusos para decisão
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26/03/2025 02:54
Decorrido prazo de FILADELFO GOMES DOS REIS JUNIOR em 25/03/2025 23:59.
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18/03/2025 08:45
Redistribuído por sorteio em razão de incompetência
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17/03/2025 22:18
Determinada a distribuição do feito
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17/03/2025 09:31
Conclusos para decisão
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16/03/2025 10:00
Confirmada a comunicação eletrônica
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15/03/2025 15:49
Recebidos os autos
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15/03/2025 15:49
Remetidos os Autos (outros motivos) para 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá
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15/03/2025 15:48
Expedida/certificada a comunicação eletrôinica
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15/03/2025 15:46
Declarada incompetência
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15/03/2025 12:08
Conclusos para decisão
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15/03/2025 12:03
Recebidos os autos
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15/03/2025 12:03
Remetidos os Autos (outros motivos) para Plantão Macapá
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15/03/2025 12:03
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
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15/03/2025 12:03
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
18/03/2025
Ultima Atualização
16/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Termo de Audiência • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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