TRF1 - 1000006-82.2021.4.01.4302
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 31 - Des. Fed. Solange Salgado da Silva
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Partes
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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29/04/2025 00:00
Intimação
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1000006-82.2021.4.01.4302 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000006-82.2021.4.01.4302 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MUNICÍPIO DE DUERÉ - TO e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: IGOR BRASIL DE OLIVEIRA - TO7260-A e DIOGO SOUSA NAVES - MG110977-A POLO PASSIVO:NELIO RODRIGUES LOPES DE ARAUJO e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: ROGERIO BEZERRA LOPES - TO4193-A e HUGO HENRIQUE CARREIRO SOARES - TO5197-A RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000006-82.2021.4.01.4302 R E L A T Ó R I O O Exmo Sr Juiz Federal José Magno Linhares Moraes (Relator Convocado): Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE (ID 324687212) e pelo Município de Dueré/TO (ID 324687217) em face da sentença proferida no bojo da Ação de Improbidade Administrativa (ID 324687208), que rejeitou a inicial, nos termos do art. 17, § 6º-B, da Lei 8.429/1992.
O FNDE, em razões recursais (ID 324687212), sustentou a irretroatividade da Lei 14.230/2021, com fundamento no princípio do tempus regit actum e nas diretrizes do direito administrativo sancionador.
Argumentou que a petição inicial imputou ao gestor municipal a omissão na prestação de contas dos recursos repassados pelo FNDE, mesmo após notificação formal, o que configura dolo genérico.
Ao final, reafirmou a prática de atos de improbidade administrativa nos termos da Lei 8.429/1992, aduzindo que o prejuízo ao erário corresponde ao montante reprovado.
O Município de Dueré/TO (ID 324687217), por sua vez, aderiu aos fundamentos da apelação do FNDE, acrescentando que também houve afronta aos princípios da administração pública, em especial os da legalidade, moralidade e eficiência, conforme o art. 11 da Lei 8.429/1992.
Defende que a configuração da improbidade prescinde da demonstração de dano ao erário, bastando a comprovação do dolo genérico.
Contrarrazões no ID 324687221.
A PRR1 opinou pelo conhecimento e não provimento dos recursos de apelação, no ID 339760162. É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1000006-82.2021.4.01.4302 VOTO O Exmo Sr Juiz Federal José Magno Linhares Moraes (Relator Convocado): Constata-se que os recursos são tempestivos, os apelantes estão dispensados do recolhimento de preparo (art. 4º, inciso I, da Lei 9.289/96[1] e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC).
Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, deles conheço.
Ausentes questões preliminares ou prejudiciais, passa-se à análise do mérito.
Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador.
Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/92, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
O paradigma foi assim ementado (destacou-se): CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92).
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF.
INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA.
APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1.
A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2.
O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3.
A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4.
O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5.
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6.
A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7.
O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8.
A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9.
Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10.
A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11.
O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12.
Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13.
A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14.
Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15.
A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado.
A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16.
Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO.
Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão.
Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17.
Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18.
Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min.
EDSON FACHIN. 19.
Recurso Extraordinário PROVIDO.
Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, prevêem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa.
A Lei 14.230/21 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade.
Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[2] e 7043, assim decidiu o STF (destacou-se): O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação direta para: (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não existe "obrigatoriedade de defesa judicial"; havendo, porém, a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia. (Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2023 PUBLIC 28-02-2023) Trata-se de decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação.
Já nos autos da ADI 7236/DF[3] – proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, tendo por objeto o art. 2º da Lei 14.230/2021, na parte em que alterou os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92: (a) art. 1º, §§ 1º, 2º, e 3º, e art. 10; (b) art. 1º, § 8º; (c) art. 11, caput e incisos I e II; (d) art. 12, I, II e III, e §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; (e) art. 12, § 1º; (f) art. 12, § 10; (g) art. 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; (h) art. 17-B, § 3º; (i) art. 21, § 4º; (j) art. 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º; (k) art. 23-C – o Ministro Relator Alexandre de Moraes em 27/12/2022 conheceu parcialmente da referida ação e deferiu parcialmente a medida cautelar para[4]: (I) DECLARAR PREJUDICADOS os pedidos referentes ao art. 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e 10 da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; (II) INDEFERIR A MEDIDA CAUTELAR em relação aos artigos 11, caput e incisos I e II; 12, I, II e III, §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; (III) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, para SUSPENDER A EFICÁCIA dos artigos, todos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021: (a) 1º, § 8º; (b) 12, § 1º; (c) 12, § 10; (d) 17-B, § 3º; (e) 21, § 4º. (IV) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, para CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME ao artigo 23-C, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa.
Disso se infere que, ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/92.
Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/92 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/92 trazidas pela Lei 14.230/21 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É sobre esse prisma que serão analisadas a conduta das partes rés/apeladas que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo (já que não se está conhecendo da remessa necessária), o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.
Do caso concreto.
Após detida análise dos autos, não assiste razão às partes apelantes.
Justifica-se.
A ação foi ajuizada pelo Município de Dueré/TO (ID 324686202), em desfavor de NÉLIO RODRIGUES LOPES DE ARAÚJO, ex-prefeito de Dueré/TO, BRASCON CONTRUTORA E ELETRIFICAÇÕES LTDA – ME e JOSÉ CARLOS DE CARVALHO, emendada no ID 339680253, imputando-os do cometimento dos atos de improbidade administrativa.
Em síntese, alegou que, durante a gestão de Nélio Rodrigues Lopes de Araújo, o Município celebrou convênios com o Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação e do FNDE, para a construção de seis salas de aula do Projeto FNDE, no valor de R$ 1.020.112,17 (Convênio 19523/SIAFI), e de uma quadra escolar com vestiário, no valor de R$ 509.522,64 (Convênio 59154).
Relatou que, após a inauguração da obra, uma vistoria técnica realizada pelo FNDE teria identificado irregularidades, incluindo a supressão de itens previstos no projeto, que, apesar de não executados, teriam sido integralmente pagos.
Afirmou que, em razão disso, o Município teria ficado impedido de firmar novos convênios.
Informou que o ex-gestor, Nélio Rodrigues, teria sido notificado para prestar esclarecimentos, porém limitou-se a encaminhar um ofício acompanhado de documentação insuficiente, sem promover a regularização das pendências apontadas.
O Ente Municipal requereu, na emenda à inicial (ID 339680253 e 1493434854), a condenação dos apelados nos atos de improbidade administrativa previstos no artigo 10, incisos IX e XX e no artigo 11 da Lei 8.429/1992.
A petição inicial do Município de Dueré/TO foi rejeitada na sentença (ID 324687208), com fundamento no artigo 17, §6º-B, da Lei 8.429/1992.
O Juízo a quo aplicou de forma retroativa as alterações promovidas na LIA pela Lei 14.230/2021, que passou exigir (i) a demonstração do elemento subjetivo (dolo) nos tipos previstos nos artigos 9º, 10 e 11; (ii) a comprovação do efetivo prejuízo ao erário; e (iii) do fim especial de “ocultar irregularidades” na conduta prevista no inciso VI, do art. 11, da Lei 8.429/1992.
No caso concreto, a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/92 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022.
Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal.
Nessa linha, as questões de natureza material introduzidas na LIA pela Lei 14.230/2021, particularmente nas hipóteses benéficas ao réu, têm aplicação imediata aos processos em curso, em relação aos quais ainda não houve trânsito em julgado.
Na prática, significa dizer que o julgamento de uma ação de improbidade administrativa que esteja em trâmite, necessariamente, levará em conta a superveniência da Lei 14.230/2021, permitindo a aplicação da norma de direito material quando beneficiar o réu.
Ou seja, se as inovações legais recaírem sobre elementos constitutivos do tipo, seja para excluir a ilicitude de certas condutas, seja para abrandar a punição ou, ainda, para recrudescer as condições para o juízo condenatório, a partir de exigências adicionais para a configuração do ato ímprobo, todas essas nuances deverão ser consideradas para o escorreito julgamento da causa.
Registre-se, ainda, que é cabível a aplicação retroativa das disposições da Lei 14.230/2021 ao caso em tela, vez que a sentença apelada não estava preclusa no ato de interposição do recurso sob julgamento.
Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg.
TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos.
Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
ADVENTO DA LEI 14.231/2021.
INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199).
INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1.
A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2.
No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3.
As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4.
Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5.
Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6.
Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos).
Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/1992, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei.
O § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/92, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.
Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/92, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.
Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu.
Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[5] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/92[6], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”.
Na hipótese, os apelantes alegam que há nos autos elementos que demonstram o dolo genérico dos réus/apelados para configuração do tipo de improbidade administrativa insculpido no artigo 10, caput, c/c I e XI, e artigo 11, incisos II e XI da Lei 8.429/92 (ID 324686202, p. 17).
Na emenda à exordial de 29/09/2022, imputou-se a prática de improbidade administrativa insculpido no artigo 10, incisos IX e XX, e artigo 11, da Lei 8.429/92 (ID 324687195, pp. 06 e 09).
E no apelo do FNDE, requer-se "seja reformada por este Eg.
Tribunal a sentença do juízo a quo, para condenar o apelado, em razão da prática do ato de improbidade descrito no art. 10, da Lei Federal n. 8.429/1992, nas penas do Art. 12, inciso II, notadamente, multa civil e ressarcimento ao erário, ambos em favor da pessoa jurídica prejudicada (FNDE).", cujos pleitos foram aderidos pelo município de Dueré/TO em se apelo.
As normas previstas no art. 10, da Lei 8.429/1992, necessitam ser aplicadas sob a ótica da nova redação do seu caput, alterado substancialmente pela Lei 14.230/2021, que agora assim dispõe, in verbis: Seção II Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário Art. 10.
Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: Art. 10.
Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (destacou-se) Como se nota, a Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ou dano ao Erário para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa.
Ainda, inseriu o § 1º no art. 10 da Lei 8.429/92, que prevê que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá a imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Examinando-se os elementos de prova existentes nos autos, verifica-se que não indícios de efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos.
O Município de Dueré/TO não se desincumbiu do ônus de apresentar elementos probatórios mínimos capazes de evidenciar a ocorrência de efetivo prejuízo ao erário, a apropriação indevida de verbas públicas ou a configuração do elemento subjetivo (dolo) por parte dos apelados.
O Ente Municipal se utilizou da tese do dano presumido para imputar ao réu/apelado a obrigação de ressarcimento.
Não obstante, com a vigência da Lei 14.230/21, que alterou significativamente a Lei 8.429/92, o dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo.
Ademais, não há evidência de que os apelados agiram com dolo específico, que existia a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado no art. 10, caput, da Lei 8.429/92, ou que a conduta foi praticada com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro, não bastando a voluntariedade do agente para a configuração do ato ímprobo.
Com relação a norma prevista no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992, imputada pelo Ente Municipal na exordial, necessita ser aplicada sobre ótica da nova redação, com alterações substanciais pela Lei 14.230/2021, que agora assim dispõe, in verbis: Seção III Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública Art. 11.
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Com as alterações promovidas pela Lei 14.230/21 no art. 11, inciso VI, da LIA, passou-se a se exigido o dolo específico em ocultar irregularidades, afastando a tese de que bastava o dolo genérico para configuração do ato ímprobo.
No caso em questão, não há demonstração de que os recursos públicos repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio ou de terceiro, também não há qualquer prova produzida pelo Município de Dueré/TO que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados pelo FNDE.
Na hipótese, o Ente Municiapl pretende a condenação dos apelados apenas pelo fato dele ter deixado de prestar contas ao FNDE.
Não houve, porém, a demonstração do efetivo prejuízo ao Erário ou enriquecimento ilícito do agente.
No que tange ao elemento subjetivo da conduta, a petição inicial e as duas emendas à inicial, prendem-se unicamente dolo genérico, que é insuficiente, à luz das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, para condenação em ato de improbidade administrativa.
Acrescenta-se que a Procuradoria Regional da República da 1ª Região, por meio do ID 339760162, apresentou parecer manifestando-se pelo não provimento das apelações.
Destacam-se, a seguir, trechos do referido parecer: Com efeito, não se vislumbra na exordial da ação civil pública proposta pelo município os requisitos mínimos para a obtenção da responsabilização administrativa dos réus.
Observa-se que o autor aponta a violação, pelos réus Brascon Construtora e Eletrificações LTDA.-ME e José Carlos de Carvalho, do art. 1º da Lei no 8.429/92, mesmo que esse dispositivo não contenha qualquer tipificação por improbidade: "Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei." Não obstante, revela que o réu Nélio Rodrigues Lopes de Araújo incorreu na prática de atos tipificados no art. 10, IX e XII, assim como no art. 11.
Todavia, não apresenta qualquer especificação ou correlação do ato supostamente cometido - consciente e voluntariamente autorizar pagamento integral do convênio em proveito da empresa requerida, sem que a obra estivesse finalizada – com as indicadas tipificações da Lei de Improbidade Administrativa.
Como relatado na sentença, o autor não se desimcumbiu de trazer aos autos elementos mínimos que pudessem individualizar a conduta dos requeridos, e, mesmo intimado a sanar essas lacunas, o autor quedou-se inerte. É dizer, a petição inicial deixou de observar o disposto no art. 17, §6º I, II e §10-D da Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei no 14.230/2021. (...) Assim, acertada a decisão que rejeita a inicial da ação civil pública de improbidade administrativa quando o autor não demonstra de forma minimamente satisfatória a existência do fato ímprobo e a individualização da conduta de cada requerido.
Ademais, a extinção do processo sem resolução não impede a propositura de nova ação lastreada em um conjunto de provas adequado ao regular processamento do feito.
Com isso, conclui-se que não merece reforma a sentença que, após analisar de forma detida os autos, julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, I, do CPC.
Ante o exposto, nego provimento às apelações do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE e do Município de Dueré/TO.
Descabe a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios, posto que não existente má-fé (inteligência do §2º do artigo 23-B da Lei 8.429/92, com a redação incluída pela Lei 14.230, de 2021)[7]. É o voto.
Juiz Federal JOSÉ MAGNO LINHARES MORAES Relator Convocado [1]Art. 4° São isentos de pagamento de custas: I - a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações; (...) III - o Ministério Público; IV - os autores nas ações populares, nas ações civis públicas e nas ações coletivas de que trata o Código de Defesa do Consumidor, ressalvada a hipótese de litigância de má-fé. [2]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [3]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [4]https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=*53.***.*53-96&ext=.pdf [5] No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [6]Art. 11.
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [7]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 1000006-82.2021.4.01.4302 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000006-82.2021.4.01.4302 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: MUNICÍPIO DE DUERÉ - TO e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: IGOR BRASIL DE OLIVEIRA - TO7260-A POLO PASSIVO: NELIO RODRIGUES LOPES DE ARAUJO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ROGERIO BEZERRA LOPES - TO4193-A e HUGO HENRIQUE CARREIRO SOARES - TO5197-A E M E N T A ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
LEI 8.429/1992.
LEI 14.230/2021.
TEMA 1199.
ART. 17, §6º-B, DA LIA.
REJEIÇÃO DA INICIAL.
NÃO COMPROVAÇÃO DO EFETIVO DANO.
DOLO NÃO DEMONSTRADO.
APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. 1.
Recursos de apelação em face da sentença proferida no bojo da Ação de Improbidade Administrativa, que rejeito a inicial, nos termos do art. 17, § 6º-B, da Lei 8.429/1992. 2.
A Lei 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal foi alterada pela Lei 14.230/2021, provocando dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. 3.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), ao analisar a eventual (ir) retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e (ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses: (I) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; (II) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; (III) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; e (IV) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. 4.
A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5.
O dano in re ipsa, ou seja, aquele presumido em razão de eventuais ilegalidades no processo licitatório, não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. 6.
A norma prevista no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992 necessita ser aplicada sobre ótica da nova redação, com alterações substanciais pela Lei 14.230/2021, que passou a exigir o dolo específico de deixar de prestar contas com o fim de ocultar irregularidades, afastando a tese de que bastava o dolo genérico para configuração do ato ímprobo. 7.
A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 do CPC, bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º do art. 17 da Lei 8.429/92, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado (§ 6º-B desse art. 17). 8.
Recursos de apelação do FNDE e do município de Dueré/TO não providos.
A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do voto do relator.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
Juiz Federal JOSÉ MAGNO LINHARES MORAES Relator Convocado -
10/07/2023 10:10
Recebidos os autos
-
10/07/2023 10:10
Recebido pelo Distribuidor
-
10/07/2023 10:10
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/07/2023
Ultima Atualização
29/04/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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