TJSP - 1005475-68.2025.8.26.0704
1ª instância - 02 Civel de Butanta
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
19/09/2025 00:00
Intimação
Processo 1005475-68.2025.8.26.0704 - Procedimento Comum Cível - Tratamento médico-hospitalar - Marcos Paulo Simone - Amil Assistência Médica Internacional S.A. -
Vistos.
Marcos Paulo Simone ajuizou ação de Procedimento Comum Cível em face de Amil Assistência Médica Internacional S.A., ambas devidamente qualificadas.
O Autor narrou ser beneficiário do plano de saúde AMIL BRONZE SP MAIS COPART TP, sob o número de matrícula 094172937, encontrando-se com as mensalidades devidamente quitadas e o contrato em plena vigência.
Relatou que, no final de junho de 2025, começou a apresentar um quadro grave de dor no dorso e abdômen, que rapidamente evoluiu para febre, hematúria, oligúria e complicações renais severas.
Diante da gravidade dos sintomas, buscou atendimento na Unidade Avançada Luz Butantã, onde foi diagnosticado com nefrolitíase bilateral com obstrução urinária grave, o que resultou em insuficiência renal aguda anúrica, hipercalemia de difícil controle e ureia elevada.
Em 02 de julho de 2025, foi emitido um relatório médico detalhado pelo Dr.
Felipe França Manso de Freitas, que atestou a necessidade urgente e inadiável de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com retaguarda de nefrologia e urologia, além de remoção em ambulância UTI, indicando expressamente que tal procedimento era imprescindível para evitar a progressão do quadro clínico para uma situação irreversível e potencialmente fatal.
Apesar da urgência e da gravidade da situação clínica do Autor, o plano de saúde requerido recusou-se a autorizar a internação em UTI, não oferecendo qualquer alternativa viável para o tratamento do quadro agudo que acometia o paciente.
Requereu a concessão de tutela antecipada para que a Ré fosse compelida a autorizar a internação em UTI e o tratamento necessário antes do julgamento final da lide, visando resguardar a integridade física e a vida do Autor, gravemente ameaçadas.
Além disso, pleiteou a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Às fls. 26-28, este Juízo proferiu decisão deferindo a tutela de urgência.
Restou comprovada a situação de emergência médica enfrentada pelo Autor, conforme relatório médico de fls. 30 e 37.
A Ré apresentou contestação às fls. 29-45.
Preliminarmente, arguiu a improcedência do pedido de inversão do ônus da prova, sustentando a ausência de verossimilhança nas alegações autorais e a falta de comprovação de hipossuficiência.
No mérito, a Ré defendeu a legalidade de sua conduta, alegando a ausência de dever de liberação da internação e a validade da imputação de períodos de carência, amplamente conhecidos e aceitos pelo Autor no momento da contratação do plano.
Contrariando o relatório médico e a decisão liminar, a Ré argumentou que não havia qualquer prescrição que indicasse risco de morte ou lesão física à parte autora, asseverando que a gravidade da doença e a urgência não se equivalem, e que o caso do Autor não se qualificava como emergência ou urgência, conforme o artigo 35-C da Lei nº 9.656/98 (fls. 31-35).
Defendeu que o período de carência visa ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de seguro saúde, garantindo-o a partir de um cálculo atuarial complexo, e que permitir a burla aos períodos de carência desequilibraria o racional econômico do contrato, em prejuízo da coletividade de beneficiários.
O Autor apresentou réplica à contestação às fls. 46-53.
Não houve produção de outras provas, considerando que os documentos juntados aos autos foram suficientes para a formação do convencimento deste Juízo, bem como a natureza estritamente documental da controvérsia principal. É o relatório.
Decido.
A presente lide comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria debatida é preponderantemente de direito e os fatos relevantes encontram-se devidamente comprovados pela documentação acostada aos autos, tornando desnecessária a produção de outras provas.
A controvérsia principal gira em torno da interpretação de cláusulas contratuais de plano de saúde e da aplicação de normas consumeristas e da Lei nº 9.656/98 em situação de urgência/emergência médica, com risco à vida do segurado, aspectos que podem ser integralmente dirimidos mediante análise do arcabouço probatório já existente.
Primeiramente, impende salientar que a relação jurídica estabelecida entre o Autor, na qualidade de beneficiário, e a Ré, operadora de plano de saúde, caracteriza-se, de forma indubitável, como uma relação de consumo, sujeitando-se, portanto, às normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
O Autor enquadra-se na definição de consumidor final de serviços, conforme o artigo 2º do CDC, e a Ré, por sua vez, configura-se como fornecedora, nos termos do artigo 3º do mesmo diploma legal, uma vez que oferece no mercado de consumo serviços de assistência à saúde mediante remuneração.
A aplicação das normas consumeristas ao caso concreto implica na proteção do consumidor em face de práticas abusivas e cláusulas contratuais desequilibradas.
O artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor assegura ao consumidor a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, decorrentes de práticas abusivas, ao passo que o artigo 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.
No caso em tela, a prestação do serviço essencial de assistência à saúde está diretamente ligada à vida e à integridade física do consumidor, bens jurídicos de valor inestimável.
Nesse diapasão, a alegação da Ré na contestação, quanto à improcedência do pedido de inversão do ônus da prova, não pode prosperar.
O artigo 6º, inciso VIII, do CDC faculta ao juiz a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando for verossímil sua alegação ou quando for ele hipossuficiente.
No presente caso, a verossimilhança das alegações do Autor é manifesta, respaldada pelo relatório médico detalhado que atesta a gravidade de seu quadro clínico e a urgência da internação em UTI.
A hipossuficiência do consumidor em face de uma operadora de plano de saúde é patente, tanto do ponto de vista técnico, em relação à complexidade dos procedimentos e à terminologia médica, quanto informacional e econômico, sendo a operadora detentora de todas as informações contratuais e técnicas relevantes para o caso.
Desse modo, a inversão do ônus da prova seria plenamente justificável para facilitar a defesa dos direitos do consumidor, contudo, a prova documental já é suficiente para comprovar o direito do autor.
A questão central reside na recusa da Ré em autorizar a internação do Autor em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e os tratamentos correlatos, sob a alegação de cumprimento de período de carência, em um cenário de comprovada urgência e emergência médica.
Conforme narrado no relatório, o Autor foi acometido por um quadro clínico gravíssimo, diagnosticado como nefrolitíase bilateral com obstrução urinária grave, que evoluiu para insuficiência renal aguda anúrica, hipercalemia de difícil controle e ureia elevada.
O relatório médico emitido pelo Dr.
Felipe França Manso de Freitas foi categórico ao indicar a necessidade urgente de internação em UTI, com retaguarda de nefrologia e urologia, e remoção em ambulância UTI, sublinhando que tal medida era imprescindível para evitar a progressão do quadro clínico para uma situação irreversível e potencialmente fatal.
Esta descrição não deixa margem para dúvidas quanto à configuração de uma situação de emergência, em que há risco iminente à vida do paciente, e de urgência, decorrente de complicação que impõe tratamento imediato.
A Ré, em sua contestação, buscou desqualificar a natureza emergencial do quadro clínico, alegando que "não há qualquer prescrição que indique risco de morte ou lesão física à parte autora" e que "gravidade e urgência não se equivalem", argumentando que o caso "não se qualifica nem como emergência e nem como urgência" conforme o artigo 35-C da Lei nº 9.656/98.
Tal argumentação, entretanto, não se sustenta diante do robusto conjunto probatório e da própria definição legal.
O artigo 35-C da Lei nº 9.656/98 é claro ao determinar que: Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.
O relatório médico, ao apontar a nefrolitíase bilateral com obstrução urinária grave, insuficiência renal aguda anúrica, hipercalemia de difícil controle e ureia elevada, e a necessidade imprescindível de UTI para evitar progressão irreversível e potencialmente fatal, atesta, de forma inequívoca, a existência de risco imediato de vida para o Autor.
A interpretação da Ré, portanto, se mostra desarrazoada e contraditória à realidade fática e à própria finalidade da norma que busca proteger a vida e a saúde dos beneficiários.
A Lei nº 9.656/98, em seu artigo 12, inciso V, alínea "c", estabelece que o prazo máximo de carência para cobertura de casos de urgência e emergência é de apenas 24 (vinte e quatro) horas.
Além disso, o inciso VI do mesmo artigo dispõe sobre a obrigatoriedade de reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pela operadora.
A recusa da Ré, fundamentada na existência de período de carência, configura prática abusiva e ilegítima, em clara violação ao direito à saúde e à vida do consumidor.
A jurisprudência pátria, tanto em âmbito estadual quanto federal, é uníssona em reconhecer a abusividade de tal conduta.
A Ré também alegou que não estaria obrigada a custear profissionais e/ou estabelecimentos que não pertencessem à sua rede credenciada, salvo em caso de indisponibilidade de prestadores ou em efetiva urgência ou emergência, citando a Resolução Normativa nº 566/2022 da ANS e o artigo 12, inciso VI, da Lei nº 9.656/98.
Ocorre que, justamente, o caso do Autor configura a exceção de "efetiva urgência ou emergência", a qual, em face da recusa inicial da Ré, inviabilizou a busca por prestadores credenciados ou, ao menos, forçou o Autor a buscar a tutela judicial para garantir o tratamento essencial.
A prioridade máxima em situações como a do Autor é a preservação da vida e da saúde, e a operadora não pode se eximir de sua responsabilidade sob o pretexto de limites de rede credenciada quando a urgência da situação assim o exigir.
A própria negativa da Ré de autorizar o tratamento na rede credenciada, nos moldes do que foi relatado pelo Autor, criou a situação que poderia levar à necessidade de busca por atendimento fora da rede.
A tese da Ré sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e o prejuízo à coletividade de beneficiários não encontra guarida quando confrontada com direitos fundamentais como a vida e a saúde.
A manutenção do equilíbrio contratual não pode servir de pretexto para desamparar o consumidor em um momento de extrema fragilidade e risco de morte.
A saúde suplementar, por sua natureza, lida com riscos e emergências, e a previsibilidade de tais eventos deve estar contemplada no cálculo atuarial, de modo a garantir o atendimento em situações extremas.
Portanto, é inafastável a obrigação da Ré de custear integralmente a internação do Autor em UTI e todos os procedimentos médicos necessários, conforme prescrição médica, sem qualquer restrição de carência, tornando definitiva a tutela de urgência anteriormente concedida.
A negativa indevida de cobertura por parte da operadora de plano de saúde em uma situação de urgência ou emergência, que coloca em risco a vida e a integridade física do beneficiário, transcende o mero inadimplemento contratual para configurar um dano moral in re ipsa, ou seja, um dano que se presume pela própria ilicitude do ato e pela aflição a que é submetido o consumidor.
A angústia, o temor e o sofrimento psicológico decorrentes da incerteza quanto à obtenção de um tratamento vital em um momento de grave vulnerabilidade não podem ser classificados como simples dissabores do cotidiano.
A Ré, ao negar a cobertura, alegou a ausência de ato ilícito, de culpa/dolo, de dano e de nexo causal, argumentando que apenas exerceu um direito contratual e que a negativa não ensejaria dano moral in re ipsa.
No entanto, a conduta da operadora em negar o tratamento essencial, desconsiderando a gravidade do quadro clínico atestado pelo médico assistente e o risco iminente à vida do Autor, é manifestamente ilícita e abusiva, caracterizando falha na prestação do serviço e violando os direitos fundamentais do consumidor.
O nexo causal entre a negativa da Ré e o sofrimento experimentado pelo Autor é direto e inegável.
O valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) se mostra adequado e razoável, pois reflete a gravidade da conduta da Ré em negar um tratamento essencial em momento de risco iminente à vida, a angústia e o sofrimento desnecessário impostos ao Autor.
Não se trata de valor exorbitante que enseje enriquecimento sem causa, tampouco irrisório que não cumpra a função punitiva e desestimuladora de condutas abusivas.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, resolvendo o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: I) Confirmar e tornar definitiva a tutela de urgência anteriormente concedida, determinando que a Ré custeie integralmente a internação do Autor em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como todos os procedimentos e tratamentos médicos correlatos indicados pelos profissionais responsáveis, conforme relatórios acostados aos autos, sem a imposição de qualquer restrição de carência, mantendo-se a multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais); II) Condenar a Ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor do Autor no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais).
Sobre este valor, deverão incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, e correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir da data da prolação desta sentença (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça).
Condeno a Ré ao pagamento das custas processuais e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios em favor do patrono do Autor, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação atualizado, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
P.R.I. - ADV: RICARDO YAMIN FERNANDES (OAB 345596/SP), CESAR HENRIQUE URBINA BIANCO (OAB 405819/SP) -
26/08/2025 10:35
Conclusos para julgamento
-
26/08/2025 09:09
Certidão de Publicação Expedida
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26/08/2025 00:00
Intimação
Processo 1005475-68.2025.8.26.0704 - Procedimento Comum Cível - Tratamento médico-hospitalar - Marcos Paulo Simone - Amil Assistência Médica Internacional S.A. -
Vistos.
Fls. 394/395 e 396: tornem os autos conclusos para sentença.
Intime-se. - ADV: CESAR HENRIQUE URBINA BIANCO (OAB 405819/SP), RICARDO YAMIN FERNANDES (OAB 345596/SP) -
25/08/2025 13:41
Remetidos os Autos (;7:destino:Remessa) para destino
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25/08/2025 13:08
Proferidas outras decisões não especificadas
-
25/08/2025 11:21
Conclusos para decisão
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22/08/2025 22:10
Juntada de Petição de Petição (outras)
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21/08/2025 10:39
Juntada de Petição de Petição (outras)
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14/08/2025 07:40
Certidão de Publicação Expedida
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13/08/2025 20:01
Remetidos os Autos (;7:destino:Remessa) para destino
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13/08/2025 19:07
Proferidas outras decisões não especificadas
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13/08/2025 09:33
Conclusos para decisão
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12/08/2025 02:50
Juntada de Petição de Réplica
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18/07/2025 06:04
Juntada de Aviso de recebimento (AR)
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18/07/2025 01:36
Certidão de Publicação Expedida
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17/07/2025 13:06
Remetidos os Autos (;7:destino:Remessa) para destino
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17/07/2025 12:18
Ato ordinatório - Intimação para Andamento - Autor
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17/07/2025 12:03
Juntada de Petição de contestação
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08/07/2025 10:53
Juntada de Petição de Petição (outras)
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04/07/2025 06:22
Juntada de Certidão
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04/07/2025 03:35
Certidão de Publicação Expedida
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03/07/2025 13:40
Remetidos os Autos (;7:destino:Remessa) para destino
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03/07/2025 13:10
Expedição de Carta.
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03/07/2025 13:10
Concedida a Antecipação de tutela
-
03/07/2025 10:40
Conclusos para decisão
-
03/07/2025 01:00
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
03/07/2025
Ultima Atualização
19/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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