TJRN - 0812309-74.2024.8.20.5004
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 3ª Turma Recursal
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Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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17/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 3ª TURMA RECURSAL Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0812309-74.2024.8.20.5004 Polo ativo IVO FREIRE DE ARAUJO FILHO Advogado(s): BLIDONIO RODRIGUES DE CARVALHO NETO Polo passivo BANCO INTER S.A. e outros Advogado(s): LEONARDO FIALHO PINTO, ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA, DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE, LUIZ GUSTAVO DE OLIVEIRA RAMOS PODER JUDICIÁRIO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA TERCEIRA TURMA RECURSAL 3º GABINETE RECURSO INOMINADO N° 0812309-74.2024.8.20.5004 ORIGEM: 10º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL RECORRENTE: IVO FREIRE DE ARAÚJO FILHO ADVOGADOS (A): BLIDÔNIO RODRIGUES DE CARVALHO NETO – OAB/RN 12.403 RECORRIDO (A): BANCO INTER S.A ADVOGADO (A): LEONARDO FIALHO PINTO – OAB/MG 108654-A RECORRIDO (A): MASTERCARD BRASIL LTDA ADVOGADO (A): DÉCIO FREIRE - OAB/RN 1024- A RECORRIDO (A): MERCADOPAGO.COM REPRESENTAÇÕES LTDA.
ADVOGADO (A): LUIZ GUSTAVO DE OLIVEIRA RAMOS – OAB/SP 128998-A RELATORA: JUÍZA WELMA MARIA FERREIRA DE MENEZES Ementa: RECURSO INOMINADO CÍVEL.
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.
CARTÃO DE CRÉDITO.
COMPRAS NÃO RECONHECIDAS.
GOLPE DO SITE FALSO.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DA PARTE AUTORA.
RECONHECIMENTO DO FORNECIMENTO CONSENTIDO DE DADOS BANCÁRIOS.
FORTUITO EXTERNO.
DEVER DE CUIDADO NÃO OBSERVADO PELA PARTE AUTORA.
TENTATIVA DE CONFIRMAÇÃO DE DADOS BANCÁRIOS DOIS DIAS ANTES DAS OCORRÊNCIAS RECLAMADAS.
AUSÊNCIA DE REPORTE PELO CONSUMIDOR PARA BLOQUEIO PREVENTIVO OU AVERIGUAÇÃO DA OCORRÊNCIA.
INSTITUIÇÕES QUE NADA CONTRIBUÍRAM PARA O PREJUÍZO ALEGADO.
AÇÃO ADMINISTRATIVA DOS BANCOS JUNTO AOS FORNECEDORES.
COMPRAS RECLAMADAS DENTRO DO PADRÃO DE CONSUMO.
DESÍDIA PRÓPRIA DA PARTE AUTORA.
CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO.
RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA.
DANO MORAL E DEVER DE RESTITUIR MATERIALMENTE NÃO CARACTERIZADOS.
PRECEDENTES DO TJRN.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso inominado acima identificado, ACORDAM os Juízes da Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, confirmando a sentença recorrida com os acréscimos desta relatoria, parte integrante deste acórdão.
Condenação em custas processuais e em honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, ponderados os critérios do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, ficando suspensa a exigibilidade em face do disposto no art. 98, § 3º, do mesmo diploma normativo.
RELATÓRIO Trata-se de Recurso Inominado interposto pela parte autora IVO FREIRE DE ARAÚJO FILHO contra a r. sentença de Id. 28306904, proferida pelo 10º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL que julgou improcedente o pedido em desfavor das requeridas BANCO INTER S.A, MASTERCARD BRASIL LTDA e MERCADOPAGO.COM REPRESENTAÇÕES LTDA.
Do que consta nos autos, a sentença recorrida adotou a seguinte fundamentação: [...] IVO FREIRE DE ARAÚJO FILHO ajuizou a presente ação em desfavor de BANCO INTER S.A., MASTERCARD BRASIL LTDA., MERCADOPAGO.COM REPRESENTAÇÕES LTDA, alegando, em síntese, que foi vítima de um golpe virtual, ao acessar o site do Acesso Ticket por um link, no dia 17 de novembro de 2023, com o intuito de comprar um ingresso, em que foram solicitadas informações do seu cartão e uma foto da sua CNH para obtenção do voucher, e, poucos dias depois (a partir de 19/11/2023), várias transações e cadastros em sites de compra na internet foram realizadas com sucesso.
Aduz que solicitou o estorno das compras junto ao BANCO INTER, bem como apresentou contestação de compras ao MERCADO PAGO, pois não reconhecia nenhuma das transações que estavam em processamento, porém uma compra realizada em 22/11/2023, referente a um relógio TAG HEUER AQUARACER TITÂNIO, no valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), não foi cancelada por omissão e negligência das empresas rés e o fornecedor seguiu com a entrega do produto no endereço informado pelo fraudador.
Por tais motivos, requer a restituição, em dobro, do valor lançado em sua fatura relativo à compra questionada e a condenação solidária das requeridas ao pagamento de indenização a título de danos morais.
As demandadas apresentaram as respectivas contestações, arguindo preliminares como ilegitimidade passiva ad causam e impossibilidade de inversão do ônus da prova.
O réu BANCO INTEER informa que a contestação apresentada pela parte autora foi acatada, sendo concedidos créditos em confiança nos valores de R$ 120,45 e a parcela de R$ 212,50, na fatura vencida em dezembro de 2023, porém, no dia 02/01/2024, a transação no valor de R$ 850,00 (a ser paga em 4x212,50) foi reincluída, em razão da documentação enviada pelo estabelecimento comercial ao contestante apresentar evidências que a transação foi realizada pelo portador do cartão.
No mérito, a parte demandada alega ausência de ato ilícito, assevera ocorrência de fortuito externo, sustenta inexistência de danos indenizáveis e pugna pela improcedência da pretensão autoral.
A parte autora apresentou réplica, na qual reitera os fatos da inicial e rechaça os fundamentos das defesas, e os autos foram remetidos para julgamento antecipado da lide. É o que importa mencionar.
Passo a decidir.
Diante da desnecessidade da produção de provas em audiência, procedo ao julgamento antecipado da lide, com fulcro no artigo 355, I, do novo Código de Processo Civil.
No tocante a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, as condições da ação são examinadas de acordo com a Teoria da Asserção (REsp 1.605.470-RJ, Terceira Turma, DJe 01/12/2016; REsp 1.314.946-SP, Quarta Turma, DJe 09/09/2016), sob pena de a análise se voltar para as provas constantes dos autos, o que obrigaria o julgador a proferir necessariamente sentença com conteúdo de mérito.
Oportuno trazer à baila as lições valiosas de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: As condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo.
Havendo manifesta ilegitimidade para causa, quando o autor carecer de interesse processual ou quando o pedido for juridicamente impossível, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial (art. 295, II e III, e parágrafo único, CPC), com extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, CPC).
Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte, da ausência de interesse do autor ou da impossibilidade jurídica do pedido, há resolução de mérito (art. 269,1, CPC.) Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo, 4. ed.
São Paulo : Revista dos Tribunais, 2012, p. 261).
No mesmo sentido o julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, confira-se: “[...] 2.Segundo a "Teoria da Asserção", adotada pelo nosso Código de Processo Civil, as condições da ação devem ser aferidas a partir das afirmações feitas pelo autor na exordial, de forma hipotética, sob pena de se restringir o direito de ação somente a quem possuir o direito material.
Porém, restando comprovada, durante a instrução processual, a inexistência dessas condições, a sentença será de improcedência do pedido e não de extinção do feito sem resolução do mérito. [...]” (Acórdão n.883902, 20120111994233APC, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor: FÁTIMA RAFAEL, 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 29/07/2015, publicado no DJE: 04/08/2015.
Pág.: 174) (destaquei) Apesar de os réus MASTERCRD e MERCADOPAGO.COM afirmarem que não possuem qualquer relação com o objeto da lide, sob o argumento de que uma trata-se da bandeira do cartão de crédito utilizado e não possui relação contratual com o requerente, enquanto a outra defende que atua como mero meio de pagamento e não participou da cadeia de consumo encartada nos autos, as alegações autorais evidenciam a existência de um liame entre as partes e o objeto da causa, motivo porque deve o processo seguir seu normal desenvolvimento, reservando a análise acerca da existência do direito para o exame de mérito.
Sendo esse o contexto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam arguida em defesa.
Da leitura dos autos, o caso em tela se enquadra em típica relação de consumo, logo, aplicável a Lei nº 8.078/1990.
A esse respeito, indiscutível hipossuficiência do consumidor perante a parte ré, razão pela qual em favor do primeiro deve ser concedido o benefício processual da inversão do ônus da prova, nos moldes do art. 6º, inc.
VIII do CDC, no que couber.
Importante registrar que o Código de Defesa do Consumidor não é somente um conjunto de artigos que protege o consumidor a qualquer custo.
Antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual.
Isso quer dizer que referida legislação é principiológica, não sendo sua principal função resolver todos os problemas que afetam os consumidores, o que estaria no plano da utopia.
Nela, em verdade, fizeram-se constar princípios fundamentais básicos, como a harmonia entre consumidor e fornecedor, a boa-fé e o equilíbrio nas relações negociais, a interpretação mais favorável do contrato, dentre outros.
Com base nesses preceitos, será realizado o julgamento do caso em tela.
Para afastar as alegações da parte promovente, cabe aos réus o ônus de comprovar alguma das excludentes elencadas no § 3º do art. 14 do CDC, in verbis: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.(...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (Grifos acrescidos) Conforme adverte a doutrina: Fraude, por sua vez, é todo aquele meio enganoso, que tem a finalidade de ludibriar, de alterar a verdade dos fatos ou a natureza das coisas, e deve ser interpretada como gênero, que pode apresentar-se sob várias espécies ou modalidades distintas, tais como artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento [...].
Artifício é toda simulação ou dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, levando-a à percepção de uma falsa aparência de realidade: ardil, por sua vez, é a trama, o estratagema, a astúcia; e qualquer outro meio fraudulento é uma fórmula genérica para admitir qualquer espécie de fraude que possa enganar a vítima. (Crimes contra o sistema financeiro nacional & contra o mercado de capitais. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 42-43).
De longa data os golpistas têm se valido de estratagemas sofisticados e ousados para ludibriar pessoas inocentes e causar-lhes graves prejuízos de ordem econômica e financeira, a citar p.e.
Victor Lustig (célebre golpista do Séc.
XX que, por duas vezes, vendeu de forma fraudulenta a Torre Eiffel).
Nos dias atuais, como exemplo da engenhosidade para o mal dos criminosos, destaca-se o “golpe do falso motoboy”, o qual registrou aumento de 271%[1] nos últimos anos.
São diversas as espécies de estelionato praticados pessoalmente por criminosos e, para além do “golpe do motoboy”, existem também o da troca do cartão e os golpes envolvendo o artifício criminoso denominado engenharia social[2].
Assentadas tais premissas teóricas, as quais considero indispensáveis para o desate da controvérsia, da leitura detida do acervo probatório juntados aos autos pelas partes, não cabe dúvida alguma de que se aplica ao presente caso o fortuito externo, consubstanciado na culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, pelo qual no curso normal das coisas não se tinha como os réus prevenirem de forma absoluta o desfalque criminoso sofrido pela parte autora.
Segundo a doutrina[3], e necessário que se verifique no processo causal, claramente, a relação entre a atuação atribuída ao agente e o dano do que se reclama indenização.
A esse respeito, não há, portanto, como considerar, à luz da teoria da causalidade adequada, a conduta das rés como causa específica e determinante para o evento danoso, pois da leitura detida da sua inicial, a parte requerente confirma que anuiu voluntariamente a todos os pedidos de informações e documentos solicitados pelos golpistas, e a despeito de ser perfeitamente crível que tenha agido de boa-fé, é de se considerar configurado o fortuito externo, isto é, risco não abrangido pela esfera imputável objetivamente aos requeridos.
Vale salientar que não houve erro ou falha graves nos sistemas que realizaram as operações bancárias impugnadas pelo requerente, tendo os réus atuado apenas como intermediários dos pagamentos, estando suas condutas pautadas de acordo com as cláusulas contratuais estabelecidas entre as partes.
Oportuno frisar que após perceber uma operação alheia, no dia 19 de novembro de 2024, conforme narrativa da inicial, a parte autora não atuou com a cautela necessária para buscar informações sobre a suposta transação e, de plano, solicitar o bloqueio do cartão de crédito por precaução.
Ademais, não é compatível com o CDC entender que toda e qualquer situação que possa prejudicar o consumidor possa ensejar o dever de indenizar, notadamente em função da a própria vítima ter colaborado de forma efetiva para viabilizar a consumação do delito que a prejudicou.
No ponto, o defeito a que alude o art. 14, § 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança e eficácia que ordinariamente se espera do produto ou serviço.
Assim, o defeito previsto no predito artigo não pode dizer respeito a um risco inerente do serviço ou produto de gerar danos, o qual está presente, em certa medida, na generalidade das operações bancárias, mas a algo que escapa do razoável, discrepante do padrão de outros serviços congêneres ou de outros exemplares do mesmo produto.
In casu, não há se falar em direito à indenização por danos morais e materiais, pois ausente o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, apesar de se lamentar de forma sincera o infortúnio que vitimou a parte demandante.
Dado esse contexto, é crucial que o consumidor tenha cautela com a publicidade veiculada e artifícios de capturas nas redes sociais e sites comerciais, pois nem sempre as informações apresentadas representam fielmente a realidade dos produtos ou serviços anunciados.
Portanto, é fundamental que os usuários adotem uma postura crítica e analítica ao interagir com o conteúdo de anúncios na internet, bem como é urgente que as pessoas se conscientizem sobre a proliferação de crimes cibernéticos e busquem informações e ferramentas para evitar serem vítimas dos golpistas.
Embora os atos das partes rés tenham causado desconforto a parte autora, a sequência de fatos aqui analisada não demonstra a ocorrência de dano in re ipsa, de modo que era ônus da parte autora, na forma do art. 373, inc.
I do Código de Processo Civil, a prova dos prejuízos de ordem moral gerados.
A toda evidência, incontroverso que a parte ré está abrangida pela excludente elencada no inc.
II do § 3º do art. 14 do CDC, já transcrito acima.
Por fim, alerte-se que a inversão do ônus da prova não implica procedência do pedido, mas significa apenas que o Juízo, em razão dos elementos de prova trazidos aos autos e da situação das partes, considera presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência).
DISPOSITIVO Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão autoral, nos termos do art. 487, inc.
I do CPC.
Sem condenação em custas nem honorários advocatícios (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95). [...] Nas razões recursais (Id. 28306909), a parte recorrente objetiva a reforma da sentença, pugnando, em síntese, pela restituição em dobro dos valores não reconhecidos e a concessão de danos morais, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), uma vez que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos da Súmula 479 do STJ.
Contrarrazões apresentadas em Id.328306912, preliminarmente, pela sua ilegitimidade passiva e, no mérito, pelo não provimento do recurso manejado pela recorrente e a manutenção da sentença monocrática em todos os seus termos. É o relatório.
VOTO Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade da justiça, formulado pela recorrente, nos termos dos arts. 98, § 1º, inciso VIII, e 99, § 7º, todos do Código de Processo Civil.
A gratuidade da justiça é corolário do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República.
E o colendo Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que, para a obtenção da gratuidade da justiça, é prescindível a declaração formal de hipossuficiência, tendo em vista que a simples alegação do interessado de que não dispõe de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas processuais é suficiente para comprová-la.
Ademais, há de se observar que, para a concessão do benefício, não se exige o estado de penúria ou de miserabilidade, mas tão somente a pobreza na acepção jurídica do termo, a carência de recursos suficientes para suportar o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, não se admitindo que as custas processuais constituam óbice ao direito de ação, nem ao acesso ao Judiciário.
E somente se admite o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça na hipótese prevista no art. 99, § 2º do Código de Processo Civil.
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade do recurso, e, em sendo assim, a proposição é pelo seu conhecimento.
Com efeito, evidencia-se o cabimento dos recursos, a legitimação para recorrer, o interesse recursal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, bem como a tempestividade, e a regularidade formal, tratando-se de recorrente beneficiária da gratuidade da justiça.
De início, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo banco recorrido, eis que se apresenta como a bandeira do cartão de crédito do autor e, nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a empresa detentora da bandeira/marca do cartão de crédito pelos danos advindos da cadeia de serviços prestados, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada.
Passo ao mérito.
Cinge-se a controvérsia em verificar se existe responsabilidade dos bancos réus em face da conduta perpetrada por terceiros e, consequentemente, se seria devido a restituição dos valores transferidos e o recebimento de indenização a título de danos morais.
Pois bem.
A peça recursal não comporta acolhimento.
Explico. É fato inconteste que a parte recorrente fora vítima de um golpe aplicado por terceiros de má-fé no dia 17/11/2023, no momento que acessara um suposto site para compra de um ingresso, fornecendo seus dados sigilosos de cartão e documentos pessoais, sem que se evidencie qualquer conduta comissiva ou omissiva dos agentes financeiros ou de seus prepostos na condução do fortuito.
Ainda que assim não fosse, evidencia-se - à própria prova autoral - que em 19/11/2023, alguns dias após a fraude, foi efetuada uma transação de R$ 1,00 (um real) em seu cartão pelos estelionatários, na tentativa de verificar a correção dos dados.
Porém, cautelarmente, a instituição financeira ré efetivou o cancelamento/estorno de segurança (id. 28306857 - pág. 02).
Tal cautela não se verificou do lado da parte recorrente.
Afinal, as compras reclamadas nos presentes autos somente foram concretizadas na noite do dia 22/11/2023.
Isto é, mais de dois dias após o primeiro alerta verificado.
Agindo assim, o recorrente descumpriu seu dever de cautela ao deixar de efetivar o bloqueio do cartão preventivamente via aplicativo ou informar às instituições financeiras a tentativa de possíveis golpes, visando colocá-las no rastro da responsabilidade objetiva.
Todavia, sua omissão própria em deixar de reportar as ocorrências do dia 19/11/2023 é causa dos prejuízos que alega ter acumulado por desídia das recorridas no dia 22/11/2023.
Além do mais, o recorrente colaciona aos autos Boletim de Ocorrência confeccionado tão somente em 15/01/2024 – Id. 28306863, evidenciando, mais uma vez, sua falta de cautela e cuidado com o seu dever primeiro de resguardar seus direitos financeiros.
Oportuno destacar que a situação narrada caracteriza fortuito externo, notadamente porque as instituições recorridas não tiveram participação ou culpa nas referidas compras, mas apenas atuaram como intermediárias dos pagamentos, não se beneficiando dos valores que supostamente adimplidos pelos falsários, tampouco fornecendo seus ambientes digitais para envio de SMS, chamadas telefônicas, disponibilização de links suspeitos, nem ter sido demonstrada eventual falha, nos sistemas da empresa, que tivesse possibilitado aos fraudadores acesso aos dados de seus clientes.
O fortuito externo, caracterizado pela atuação de terceiros fora da esfera de controle das instituições financeiras, exclui a responsabilidade objetiva dos réus, conforme previsto no art. 14, §3º, II, do CDC.
Precedentes do TJRN: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO ANULATÓRIA.
PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DOS EMPRÉSTIMOS CONTRAÍDOS ILEGALMENTE.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INDEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU.
CONHECIDO GOLPE DO "FALSO FUNCIONÁRIO" OU "FALSA CENTRAL DE ATENDIMENTO".
UTILIZAÇÃO DA PRÁTICA DE FALSIFICAÇÃO DE ID DO CHAMADOR OU CALLER ID SPOOFING.
AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIA/CUIDADO DO CORRENTISTA.
DOCUMENTOS NOS AUTOS QUE NÃO DEMONSTRAM, ATÉ O MOMENTO, A RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO RELEVANTE.
INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS CONSTANTES NO ART. 300 DO CPC.
DILAÇÃO PROBATÓRIA.
NECESSIDADE.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES.” (TJRN – AI nº 0807910-13.2023.8.20.0000 - Relator Desembargador João Rebouças - 3ª Câmara Cível – j. em 05/10/2023).
EMENTA: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
IMPROCEDÊNCIA.
LIGAÇÃO REALIZADA POR SUPOSTO FUNCIONÁRIO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA NOTICIANDO ERRO NA CELEBRAÇÃO DE CONTRATO ANTERIOR.
ENVIO DE PIX.
FRAUDE VIRTUAL.
PHISHING.
CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E ATUAÇÃO DE TERCEIRO.
FATOS QUE NÃO GUARDAM QUALQUER RELAÇÃO DE CAUSALIDADE COM A ATIVIDADE DO FORNECEDOR.
INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO.
AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BANCO.
ARTIGO 14, § 3º, II, DO CDC.
FORTUITO EXTERNO.
INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 479 DO STJ.
SENTENÇA MANTIDA.
PRECEDENTES.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (TJRN - AC nº 0812845-21.2021.8.20.5124 – Relator Desembargador Dilermando Mota – 1º Câmara Cível - j. em 16/06/2023).
Ainda que assim não fosse, descabe ao recorrente alegar que houve estorno de diversas outras compras, pendendo apenas o lançamento da compra TAG HEUER AQUARACER TITÂNIO no valor de R$ 850,00 parcelado em 4x.
Afinal, os demais estornos feitos em confiança estão dentro do âmbito de liberalidade das instituições financeiras que, ao acessarem as contestações de seus clientes, agem junto aos fornecedores para evidenciar potenciais riscos, o que não ocorreu para a compra em questão.
Em verdade, os recorridos não permitiram que o recorrente fosse lesado, mas, sim, o próprio recorrente por sua desídia primeira em não observar a validade dos domínios eletrônicos e posteriormente o seu dever de cautela ao informar transações não reconhecidas no dia 19/11/2023.
Outrossim, destaque-se que não se está diante de violação do dever de cautela e observância do padrão de consumo da parte recorrente pelas instituições financeiras, pois – conforme narrado e comprovado através das faturas colacionadas – o crédito disponível em prol da cliente e utilizado mensalmente é acima do padrão usual, sendo possível verificar a existência de diversas compras em valores aproximados e superiores, em meses subsequentes, estabelecendo a compra reclamada dentro do padrão médio de utilização.
Por tudo quanto apresentado, não vislumbro como responsabilizar os bancos recorridos por fato de terceiro, aliado ao descuido do autor.
Os recorridos em nada contribuíram para a ocorrência do golpe sofrido pelo autor, já que nitidamente este forneceu voluntariamente seus dados bancários para terceiros.
Ante ao exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter incólume a sentença monocrática.
Condeno o recorrente no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, tendo em vista o tempo de dedicação à demanda e a simplicidade do feito, porém, a exigibilidade dessa verba ficará suspensa, em razão da justiça gratuita concedida. É o voto.
Submeto, nos termos do art. 40 da Lei nº. 9.099/95, o presente projeto de acórdão para fins de homologação por parte do Juiz de Direito.
Após, publique-se, registre-se e intimem-se.
Natal/RN, data do sistema.
BARBARA PAULA RESENDE NOBRE Juíza Leiga HOMOLOGAÇÃO Com arrimo no art. 40 da Lei nº. 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de acórdão para que surta seus jurídicos e legais efeitos.
Natal/RN, data do sistema.
WELMA MARIA FERREIRA DE MENEZES Juíza Relatora Natal/RN, 3 de Junho de 2025. -
20/05/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte 3ª Turma Recursal Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0812309-74.2024.8.20.5004, foi pautado para a Sessão VIDEOCONFERÊNCIA (Plataforma TEAMS) do dia 03-06-2025 às 14:00, a ser realizada no SESSÃO POR VIDEOCONFERÊNCIA EM 03/06/25.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 19 de maio de 2025. -
01/05/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte 3ª Turma Recursal Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0812309-74.2024.8.20.5004, foi pautado para a Sessão Ordinária do dia 13-05-2025 às 08:00, a ser realizada no PLENÁRIO VIRTUAL, PERÍODO: 13 a 19/05/25.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 30 de abril de 2025. -
11/12/2024 19:13
Juntada de Petição de contrarrazões
-
28/11/2024 12:21
Juntada de Petição de contrarrazões
-
28/11/2024 11:47
Recebidos os autos
-
28/11/2024 11:47
Conclusos para julgamento
-
28/11/2024 11:47
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
28/11/2024
Ultima Atualização
13/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
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Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Sentença • Arquivo
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Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
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