TJRN - 0808454-98.2023.8.20.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Berenice Capuxu
Polo Ativo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Polo Passivo
Partes
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
18/04/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0808454-98.2023.8.20.0000 Polo ativo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Polo passivo Em segredo de justiça Advogado(s): IGNO KELLY ARAUJO FERREIRA EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
AÇÃO ORDINÁRIA.
FORNECIMENTO DE TERAPIA PELO MÉTODO ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS).
DECISUM DE PRIMEIRO GRAU QUE CONCEDEU A TUTELA ANTECIPADA.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
I - PREJUDICIAIS DE MÉRITO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA, QUANTO À ALEGADA NECESSIDADE DA IMPOSIÇÃO DE CONTRACAUTELAS.
LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO.
TESE JÁ PACIFICADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
TRATAMENTO A PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA DEVE SER PRESTADO POR TODA A REDE PÚBLICA ASSISTENCIAL.
II - MÉRITO.
PLEITO DE SUSPENSIVIDADE.
REJEIÇÃO.
PACIENTE COM QUADRO CLÍNICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (CID 11 COMO 6A02.Z).
ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PARA O FORNECIMENTO DO TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR.
OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL SOLIDÁRIA.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
APLICAÇÃO DA SÚMULA 34 DESTA CORTE E DA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL FIRMADA NO TEMA 793 DO STF.
GARANTIA DE DIREITO ESSENCIAL.
ART. 2º E 3º DA LEI Nº 12.764/12 - DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TEA.
EXISTÊNCIA DE NOTAS TÉCNICAS, ORIUNDAS DA PLATAFORMA PÚBLICA E-NATJUS, FAVORÁVEIS AO EMPREGO DO TRATAMENTO DA PARTE DEMANDANTE.
MULTA COMINATÓRIA POR EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER.
NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE ACORDO COM A RAZOABILIDADE.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.
ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento parcial ao recurso, apenas, para reduzir o valor da multa para R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO Foi proferida decisão (Id orig. 100385324) no Processo nº 0801473-43.2023.8.20.5112, ajuizado por H.
B.
D.
O (Representado por Barbara Cibele de Oliveira), determinando ao Município de Apodi e ao Estado do Rio Grande do Norte que custeiem e disponibilizem à autora “o acompanhamento multidisciplinar com fonoaudiologia, treino de ADV´s (com terapia ocupacional), psicologia com especialização ABA e psicomotricidade, por tempo indeterminado e enquanto durar o tratamento, em caráter de urgência, independentemente de procedimentos burocráticos, sob pena de aplicação de multa pecuniária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em desfavor dos entes públicos supracitados, sem prejuízos das demais sanções cabíveis (cíveis, criminais, administrativas, etc.)”.
Inconformado, o Estado interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo (Id. 20347532 - Pág. 2) suscitando prejudicial de ilegitimidade passiva, porquanto cabe à União a análise da inclusão de procedimentos não incorporados ao protocolo do SUS, realidade dos autos.
No mérito, pediu a reforma do decidido aduzindo inexistir evidência científica de que a terapia ABA é eficaz ou superior a outro tratamento, sendo que o método pretendido somente é garantido na rede pública nos casos de autismo agressivo, e mais, o seu fornecimento viola o princípio da isonomia, haja vista que o fornecimento resulta no direcionamento de quantia elevada à parte recorrente, prejudicando inúmeras outras demandas na área da saúde, fazendo-se necessária, inclusive, a imposição de medidas contracautelares (ressarcimento de valores, limitação à tabela do SUS caso seja obrigado a arcar com o custeio e reavaliação periódica da paciente).
Intimado para se manifestar sobre a possibilidade de não conhecimento do inconformismo quanto às medidas de contracautela, o Ente Federativo alegou que “uma vez que a tutela foi deferida sem fixação de contracautela alguma, resta evidente que não há surpessão de instância na determinação de que sejam fixadas” (Id. 21054926).
A Liminar restou indeferida (id. 21158256 - Pág. 7).
Parecer ministerial “pelo acolhimento da preliminar de conhecimento parcial do recurso, suscitada por este órgão ministerial; e, neste ponto, pelo provimento do Agravo de Instrumento para que seja reformada a decisão ora recorrida, mantendo-se, dentro da rede de saúde pública, o tratamento à parte ora Recorrida, que atenda à sua real necessidade, a partir de avaliação da paciente por meio de equipe multidisciplinar do SESAP-SUS” (id. 23127664 - Pág. 17). É o relatório.
VOTO Não conheço da irresignação, sob pena de supressão de instância, quanto à alegada necessidade da imposição de contracautelas (restituição de valores, limitação à tabela do SUS e reavaliação periódica da paciente), eis que tais matérias não foram objeto de análise na decisão vergastada, devendo ser apreciadas previamente no juízo originário.
Quanto à prejudicial de ilegitimidade passiva, entendo não merecer guarida, posto que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL prolatou a seguinte decisão no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 1.366.243/SC (Tema 1234): EMENTA: REFERENDO NA TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.
TEMA 1.234.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NAS DEMANDAS QUE VERSAM SOBRE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS REGISTRADOS NA ANVISA, MAS NÃO PADRONIZADOS NO SUS.
DECISÃO DO STJ NO IAC 14.
DEFERIMENTO PARCIAL DA MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA. 1.
O julgamento do IAC 14 pelo Superior Tribunal de Justiça constitui fato novo relevante que impacta diretamente o desfecho do Tema 1234, tanto pela coincidência da matéria controvertida – que foi expressamente apontada na decisão de suspensão nacional dos processos – quanto pelas próprias conclusões da Corte Superior no que concerne à solidariedade dos entes federativos nas ações e serviços de saúde. 2.
Reflexões conduzidas desde o julgamento da STA 175, em 2009, inclusive da respectiva audiência pública, incentivaram os Poderes Legislativo e Executivo a buscar organizar e refinar a repartição de responsabilidades no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Reporto-me especificamente (i) às modificações introduzidas pelas Leis 12.401/2011 e 12.466/2010 na Lei 8.080/1990, (ii) ao Decreto 7.508/2011; e (iii) às sucessivas pactuações no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite. 3.
Há um esforço de construção dialógica e verdadeiramente federativa do conceito constitucional de solidariedade ao qual o Poder Judiciário não pode permanecer alheio, sob pena de incutir graves desprogramações orçamentárias e de desorganizar a complexa estrutura do SUS, sobretudo quando não estabelecida dinâmica adequada de ressarcimento.
O conceito de solidariedade no âmbito da saúde deve contemplar e dialogar com o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde. 4.
No julgamento do Tema 793 da sistemática a repercussão geral, a compreensão majoritária da Corte formou-se no sentido de observar, na composição do polo passivo de demandas judiciais relativas a medicamentos padronizados, a repartição de atribuições no SUS.
A solidariedade constitucional pode ter se revestido de inúmeros significados ao longo do desenvolvimento da jurisprudência desta Corte, mas não se equiparou, sobretudo após a reforma do SUS e o julgamento do Tema 793, à livre escolha do cidadão do ente federativo contra o qual pretende litigar. 5.
Tutela provisória concedida em parte para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1.234 da Repercussão Geral, sejam observados os seguintes parâmetros: 5.1. nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual; 5.2. nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo; 5.3. diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, DJe de 5.2.2021); 5.4. ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário. 6.
Tutela provisória referendada. (RE 1366243 TPI-Ref, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/04/2023 – destaques não originais) Ora, o tratamento a pessoa com transtorno do espectro autista deve ser prestado por toda a rede pública assistencial (União, estados e municípios), circunstância que não pode ser confundida com a alegada impossibilidade de disponibilização da terapia pleiteada.
E mais, o tema, não obstante pontuar a necessidade de observância dos critérios de descentralização e hierarquização do SUS, não retirou a conclusão quanto à solidariedade dos entes públicos, eis que o Superior Tribunal de Justiça, em Conflito de Competência, na qual o Juiz Federal não reconheceu sua competência, pontuou o seguinte: […] De acordo com os autos, A F M, representado por sua genitora, ajuizou ação em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de de Cachoeira do Sul, objetivando o fornecimento gratuito de tratamento comportamental pelo método ABA.
A ação foi ajuizada perante a Justiça Estadual, que, ao incluir a União no polo passivo, declinou de sua competência para a Justiça Federal.
Consigne-se que a tese firmada no julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis a quem suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. 6.
Portanto, o julgamento do Tema 793 não modifica a interpretação da Súmula 150/STJ, mormente no presente caso, haja vista que o Juízo Federal não afastou a solidariedade entre os entes federativos, mas apenas reconheceu a existência do litisconsórcio facultativo, tendo considerado inadequada a decisão exarada pela Justiça Estadual que determinou a emenda da petição inicial para que fosse incluída a União no polo passivo da demanda. (CC n. 193.212, Ministra Assusete Magalhães, DJe de 06/12/2022 -destaquei) Assim sendo, fica rejeitada a prefacial.
Mérito Conforme discutido em sede liminar, embora o agravante tenha destacado a necessidade de observância dos entendimento firmado no Tema 106/STJ, registro que a referida temática não diz respeito a tratamento psicológico, e sim a medicamentos, daí porque não se subsumir à realidade dos autos.
Deste modo, não merece acolhida a tese recursal segundo a qual o Estado não é obrigado a disponibilizar a terapia ABA, pois foi indicada (Id orig. 98848474) pelo médico que assiste o paciente, criança atualmente com 03 (três) anos de idade.
Bem assim, o custeio do Sistema Único de Saúde encontra-se expressamente delineado na Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, que dispõe: O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Sobre isso, é cediço que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no art. 196 da Constituição Federal: Art. 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Logo, é dever da Administração Pública garantir o direito à saúde, viabilizando e fomentando a aquisição de medicamentos, tratamentos ou realização de cirurgia a pessoas carentes portadoras de doenças, não sendo crível a imposição de entraves burocráticos, máxime quando se trata de direitos fundamentais assegurados pela própria Carta Magna, quais sejam, a vida, saúde e dignidade humanas.
Vale ressaltar que a Lei nº 8.080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde face às exigências do parágrafo único do art. 198 da CF, reforça a obrigação do Poder Público à política de gestão de aplicação dos recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.
Destarte, o dispositivo constitucional não pode significar apenas uma norma programática, mas deverá surtir seus efeitos concretos, devendo o Poder Público implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade dos destinatários da norma, garantindo a todos o direito à saúde digna e eficaz.
No caso, repito, restou comprovada a necessidade da parte autora da ação à concessão do procedimento para tratamento do autismo pelo método ABA, conforme recomendado pelo laudo médico.
A urgência está retratada no laudo médico, o qual enfatiza que a terapia deve ser contínua e o acompanhamento imediato.
Bom ressaltar que não cabe à parte responsável pelo custeio, quer seja o ente público ou privado, dizer a metodologia mais adequada ao tratamento; a escolha cabe aos profissionais médicos que companham a paciente, que estão mais pormenorizadamente cientes das peculiaridades do caso.
Nesse sentido, destaco precedente desta Corte em situação análoga: “EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
APELAÇÃO CÍVEL.
FORNECIMENTO DE TERAPIA PELO MÉTODO ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS).
PACIENTE COM QUADRO CLÍNICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).
COMPROVAÇÃO POR LAUDO MÉDICO CIRCUNSTANCIADO.
DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
ART. 196 DA CARTA MAGNA E ART. 23, II DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
GARANTIA DE DIREITO ESSENCIAL.
ART. 2º E 3º DA LEI Nº 12.764/12 - DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TEA.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS.
OBRIGAÇÃO DE FORNECER O TRATAMENTO POSTULADO.
DESPROVIMENTO DO APELO.” (TJRN, AC 0824311-56.2022.8.20.5001, 2ª Câmara Cível, Rel.
Des.
Ibanez Monteiro, j. em 25/08/2023).
Grifos acrescidos.
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
RESPONSABILIDADE DO ENTE MUNICIPAL.
FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTO AUTISMO (TEA).
TERAPIA.
METODOLOGIA ABA.
IRRESIGNAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE NÃO OBRIGATORIEDADE DO CUSTEIO.
PRETENSÃO RECURSAL PARA EXCLUSÃO DA OBRIGAÇÃO.
NÃO ACOLHIMENTO.
NECESSIDADE DO TRATAMENTO.
PRESCRIÇÃO MÉDICA EXPRESSA.
NEGATIVA E QUESTIONAMENTO DA EFICÁCIA PELO PODER PÚBLICO.
IMPOSSIBILIDADE.
PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
SENTENÇA MANTIDA.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES. (APELAÇÃO CÍVEL, 0855919-43.2020.8.20.5001, Des.
João Rebouças, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 02/09/2021 – destaquei) Neste contexto, considerando a hipossuficiência da parte em arcar com os custos da pretensão, bem como ausente prestação do fornecimento de tratamentos por quaisquer dos entes da relação litigiosa, há evidente necessidade, pautada no direito fundamental à vida e a saúde (art. 5º, caput c/c art. 24, XII da CF), de concessão dos procedimentos pleiteados em inicial.
Aliás, a norma que instituiu a política nacional de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista confere o direito à parte autora nos serviços públicos e privados, conforme art. 3º, III, da Lei nº 12.764/2012, que assim destaco: Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; Por fim, no tocante à aplicação de multa cominatória por eventual descumprimento da obrigação de fazer, entendo que deve ser mantida, eis que a multa constitui medida coercitiva e acessória e tem por objetivo constranger o devedor ao cumprimento da obrigação determinada judicialmente, sendo que valor deve obediência aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
Assim, o critério mais justo e eficaz para a aferição da proporcionalidade e da razoabilidade da multa cominatória consiste em comparar o valor da multa com a expressão econômica da prestação que deve ser cumprida pelo devedor.
Sendo assim, entendo desarrazoado o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), daí necessária a redução do valor da multa cominada para montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) considerando a natureza da obrigação de fazer determinada.
Com estes fundamentos, dou provimento parcial ao recurso, apenas, para reduzir o valor da multa para R$ 10.000,00 (dez mil reais). É como voto.
Desa.
Berenice Capuxú Relatora VOTO VENCIDO VOTO Não conheço da irresignação, sob pena de supressão de instância, quanto à alegada necessidade da imposição de contracautelas (restituição de valores, limitação à tabela do SUS e reavaliação periódica da paciente), eis que tais matérias não foram objeto de análise na decisão vergastada, devendo ser apreciadas previamente no juízo originário.
Quanto à prejudicial de ilegitimidade passiva, entendo não merecer guarida, posto que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL prolatou a seguinte decisão no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 1.366.243/SC (Tema 1234): EMENTA: REFERENDO NA TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.
TEMA 1.234.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NAS DEMANDAS QUE VERSAM SOBRE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS REGISTRADOS NA ANVISA, MAS NÃO PADRONIZADOS NO SUS.
DECISÃO DO STJ NO IAC 14.
DEFERIMENTO PARCIAL DA MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA. 1.
O julgamento do IAC 14 pelo Superior Tribunal de Justiça constitui fato novo relevante que impacta diretamente o desfecho do Tema 1234, tanto pela coincidência da matéria controvertida – que foi expressamente apontada na decisão de suspensão nacional dos processos – quanto pelas próprias conclusões da Corte Superior no que concerne à solidariedade dos entes federativos nas ações e serviços de saúde. 2.
Reflexões conduzidas desde o julgamento da STA 175, em 2009, inclusive da respectiva audiência pública, incentivaram os Poderes Legislativo e Executivo a buscar organizar e refinar a repartição de responsabilidades no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Reporto-me especificamente (i) às modificações introduzidas pelas Leis 12.401/2011 e 12.466/2010 na Lei 8.080/1990, (ii) ao Decreto 7.508/2011; e (iii) às sucessivas pactuações no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite. 3.
Há um esforço de construção dialógica e verdadeiramente federativa do conceito constitucional de solidariedade ao qual o Poder Judiciário não pode permanecer alheio, sob pena de incutir graves desprogramações orçamentárias e de desorganizar a complexa estrutura do SUS, sobretudo quando não estabelecida dinâmica adequada de ressarcimento.
O conceito de solidariedade no âmbito da saúde deve contemplar e dialogar com o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde. 4.
No julgamento do Tema 793 da sistemática a repercussão geral, a compreensão majoritária da Corte formou-se no sentido de observar, na composição do polo passivo de demandas judiciais relativas a medicamentos padronizados, a repartição de atribuições no SUS.
A solidariedade constitucional pode ter se revestido de inúmeros significados ao longo do desenvolvimento da jurisprudência desta Corte, mas não se equiparou, sobretudo após a reforma do SUS e o julgamento do Tema 793, à livre escolha do cidadão do ente federativo contra o qual pretende litigar. 5.
Tutela provisória concedida em parte para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1.234 da Repercussão Geral, sejam observados os seguintes parâmetros: 5.1. nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual; 5.2. nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo; 5.3. diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, DJe de 5.2.2021); 5.4. ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário. 6.
Tutela provisória referendada. (RE 1366243 TPI-Ref, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/04/2023 – destaques não originais) Ora, o tratamento a pessoa com transtorno do espectro autista deve ser prestado por toda a rede pública assistencial (União, estados e municípios), circunstância que não pode ser confundida com a alegada impossibilidade de disponibilização da terapia pleiteada.
E mais, o tema, não obstante pontuar a necessidade de observância dos critérios de descentralização e hierarquização do SUS, não retirou a conclusão quanto à solidariedade dos entes públicos, eis que o Superior Tribunal de Justiça, em Conflito de Competência, na qual o Juiz Federal não reconheceu sua competência, pontuou o seguinte: […] De acordo com os autos, A F M, representado por sua genitora, ajuizou ação em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de de Cachoeira do Sul, objetivando o fornecimento gratuito de tratamento comportamental pelo método ABA.
A ação foi ajuizada perante a Justiça Estadual, que, ao incluir a União no polo passivo, declinou de sua competência para a Justiça Federal.
Consigne-se que a tese firmada no julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis a quem suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. 6.
Portanto, o julgamento do Tema 793 não modifica a interpretação da Súmula 150/STJ, mormente no presente caso, haja vista que o Juízo Federal não afastou a solidariedade entre os entes federativos, mas apenas reconheceu a existência do litisconsórcio facultativo, tendo considerado inadequada a decisão exarada pela Justiça Estadual que determinou a emenda da petição inicial para que fosse incluída a União no polo passivo da demanda. (CC n. 193.212, Ministra Assusete Magalhães, DJe de 06/12/2022 -destaquei) Assim sendo, fica rejeitada a prefacial.
Mérito Conforme discutido em sede liminar, embora o agravante tenha destacado a necessidade de observância dos entendimento firmado no Tema 106/STJ, registro que a referida temática não diz respeito a tratamento psicológico, e sim a medicamentos, daí porque não se subsumir à realidade dos autos.
Deste modo, não merece acolhida a tese recursal segundo a qual o Estado não é obrigado a disponibilizar a terapia ABA, pois foi indicada (Id orig. 98848474) pelo médico que assiste o paciente, criança atualmente com 03 (três) anos de idade.
Bem assim, o custeio do Sistema Único de Saúde encontra-se expressamente delineado na Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, que dispõe: O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Sobre isso, é cediço que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no art. 196 da Constituição Federal: Art. 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Logo, é dever da Administração Pública garantir o direito à saúde, viabilizando e fomentando a aquisição de medicamentos, tratamentos ou realização de cirurgia a pessoas carentes portadoras de doenças, não sendo crível a imposição de entraves burocráticos, máxime quando se trata de direitos fundamentais assegurados pela própria Carta Magna, quais sejam, a vida, saúde e dignidade humanas.
Vale ressaltar que a Lei nº 8.080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde face às exigências do parágrafo único do art. 198 da CF, reforça a obrigação do Poder Público à política de gestão de aplicação dos recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.
Destarte, o dispositivo constitucional não pode significar apenas uma norma programática, mas deverá surtir seus efeitos concretos, devendo o Poder Público implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade dos destinatários da norma, garantindo a todos o direito à saúde digna e eficaz.
No caso, repito, restou comprovada a necessidade da parte autora da ação à concessão do procedimento para tratamento do autismo pelo método ABA, conforme recomendado pelo laudo médico.
A urgência está retratada no laudo médico, o qual enfatiza que a terapia deve ser contínua e o acompanhamento imediato.
Bom ressaltar que não cabe à parte responsável pelo custeio, quer seja o ente público ou privado, dizer a metodologia mais adequada ao tratamento; a escolha cabe aos profissionais médicos que companham a paciente, que estão mais pormenorizadamente cientes das peculiaridades do caso.
Nesse sentido, destaco precedente desta Corte em situação análoga: “EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
APELAÇÃO CÍVEL.
FORNECIMENTO DE TERAPIA PELO MÉTODO ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS).
PACIENTE COM QUADRO CLÍNICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).
COMPROVAÇÃO POR LAUDO MÉDICO CIRCUNSTANCIADO.
DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
ART. 196 DA CARTA MAGNA E ART. 23, II DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
GARANTIA DE DIREITO ESSENCIAL.
ART. 2º E 3º DA LEI Nº 12.764/12 - DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TEA.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS.
OBRIGAÇÃO DE FORNECER O TRATAMENTO POSTULADO.
DESPROVIMENTO DO APELO.” (TJRN, AC 0824311-56.2022.8.20.5001, 2ª Câmara Cível, Rel.
Des.
Ibanez Monteiro, j. em 25/08/2023).
Grifos acrescidos.
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
RESPONSABILIDADE DO ENTE MUNICIPAL.
FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTO AUTISMO (TEA).
TERAPIA.
METODOLOGIA ABA.
IRRESIGNAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE NÃO OBRIGATORIEDADE DO CUSTEIO.
PRETENSÃO RECURSAL PARA EXCLUSÃO DA OBRIGAÇÃO.
NÃO ACOLHIMENTO.
NECESSIDADE DO TRATAMENTO.
PRESCRIÇÃO MÉDICA EXPRESSA.
NEGATIVA E QUESTIONAMENTO DA EFICÁCIA PELO PODER PÚBLICO.
IMPOSSIBILIDADE.
PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
SENTENÇA MANTIDA.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES. (APELAÇÃO CÍVEL, 0855919-43.2020.8.20.5001, Des.
João Rebouças, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 02/09/2021 – destaquei) Neste contexto, considerando a hipossuficiência da parte em arcar com os custos da pretensão, bem como ausente prestação do fornecimento de tratamentos por quaisquer dos entes da relação litigiosa, há evidente necessidade, pautada no direito fundamental à vida e a saúde (art. 5º, caput c/c art. 24, XII da CF), de concessão dos procedimentos pleiteados em inicial.
Aliás, a norma que instituiu a política nacional de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista confere o direito à parte autora nos serviços públicos e privados, conforme art. 3º, III, da Lei nº 12.764/2012, que assim destaco: Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; Por fim, no tocante à aplicação de multa cominatória por eventual descumprimento da obrigação de fazer, entendo que deve ser mantida, eis que a multa constitui medida coercitiva e acessória e tem por objetivo constranger o devedor ao cumprimento da obrigação determinada judicialmente, sendo que valor deve obediência aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
Assim, o critério mais justo e eficaz para a aferição da proporcionalidade e da razoabilidade da multa cominatória consiste em comparar o valor da multa com a expressão econômica da prestação que deve ser cumprida pelo devedor.
Sendo assim, entendo desarrazoado o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), daí necessária a redução do valor da multa cominada para montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) considerando a natureza da obrigação de fazer determinada.
Com estes fundamentos, dou provimento parcial ao recurso, apenas, para reduzir o valor da multa para R$ 10.000,00 (dez mil reais). É como voto.
Desa.
Berenice Capuxú Relatora Natal/RN, 1 de Abril de 2024. -
11/03/2024 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Segunda Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0808454-98.2023.8.20.0000, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (votação exclusivamente pelo PJe) do dia 01-04-2024 às 08:00, a ser realizada no 2ª CC Virtual (NÃO HÍBRIDA).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 8 de março de 2024. -
02/02/2024 06:39
Conclusos para decisão
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31/01/2024 10:38
Juntada de Petição de Sob sigilo
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21/01/2024 19:51
Expedição de Outros documentos.
-
21/01/2024 19:49
Expedição de Certidão.
-
14/11/2023 00:02
Decorrido prazo de Sob sigilo em 13/11/2023 23:59.
-
14/11/2023 00:02
Decorrido prazo de Sob sigilo em 13/11/2023 23:59.
-
14/11/2023 00:01
Decorrido prazo de Sob sigilo em 13/11/2023 23:59.
-
20/10/2023 00:32
Decorrido prazo de Sob sigilo em 19/10/2023 23:59.
-
15/09/2023 03:10
Publicado Intimação em 15/09/2023.
-
15/09/2023 03:10
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 14/09/2023
-
14/09/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gab.
Desª.
Maria Zeneide Bezerra Agravo de Instrumento 0808454-98.2023.8.20.0000 Agravante: Estado do Rio Grande do Norte Procurador: Gabriel Kubrusly Gonçalves Agravado: H.
B.
D.
O (Representado por Barbara Cibele de Oliveira) Relatora: Desa.
Maria Zeneide Bezerra DECISÃO Foi proferida decisão (Id orig. 100385324) no Processo nº 0801473-43.2023.8.20.5112, ajuizado por H.
B.
D.
O (Representado por Barbara Cibele de Oliveira), determinando ao Município de Apodi e ao Estado do Rio Grande do Norte que custeiem e disponibilizem à autora “o acompanhamento multidisciplinar com fonoaudiologia, treino de ADV´s (com terapia ocupacional), psicologia com especialização ABA e psicomotricidade, por tempo indeterminado e enquanto durar o tratamento, em caráter de urgência, independentemente de procedimentos burocráticos, sob pena de aplicação de multa pecuniária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em desfavor dos entes públicos supracitados, sem prejuízos das demais sanções cabíveis (cíveis, criminais, administrativas, etc.)”.
Inconformado, o Estado interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo (Id. 20347532 - Pág. 2) suscitando prejudicial de ilegitimidade passiva, porquanto cabe à União a análise da inclusão de procedimentos não incorporados ao protocolo do SUS, realidade dos autos.
No mérito, pediu a reforma do decidido aduzindo inexistir evidência científica de que a terapia ABA é eficaz ou superior a outro tratamento, sendo que o método pretendido somente é garantido na rede pública nos casos de autismo agressivo, e mais, o seu fornecimento viola o princípio da isonomia, haja vista que o fornecimento resulta no direcionamento de quantia elevada à parte recorrente, prejudicando inúmeras outras demandas na área da saúde, fazendo-se necessária, inclusive, a imposição de medidas contracautelares (ressarcimento de valores, limitação à tabela do SUS caso seja obrigado a arcar com o custeio e reavaliação periódica da paciente).
Intimado para se manifestar sobre a possibilidade de não conhecimento do inconformismo quanto às medidas de contracautela, o Ente Federativo alegou que “uma vez que a tutela foi deferida sem fixação de contracautela alguma, resta evidente que não há surpessão de instância na determinação de que sejam fixadas” (Id. 21054926). É o relatório.
DECIDO.
Não conheço da irresignação, sob pena de supressão de instância, quanto à alegada necessidade da imposição de contracautelas (restituição de valores, limitação à tabela do SUS e reavaliação periódica da paciente), eis que tais matérias não foram objeto de análise na decisão vergastada, devendo ser apreciadas previamente no juízo originário.
Quanto à prejudicial de ilegitimidade passiva, entendo não merecer guarida, posto que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL prolatou a seguinte decisão no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 1.366.243/SC (Tema 1234): EMENTA: REFERENDO NA TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.
TEMA 1.234.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NAS DEMANDAS QUE VERSAM SOBRE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS REGISTRADOS NA ANVISA, MAS NÃO PADRONIZADOS NO SUS.
DECISÃO DO STJ NO IAC 14.
DEFERIMENTO PARCIAL DA MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA. 1.
O julgamento do IAC 14 pelo Superior Tribunal de Justiça constitui fato novo relevante que impacta diretamente o desfecho do Tema 1234, tanto pela coincidência da matéria controvertida – que foi expressamente apontada na decisão de suspensão nacional dos processos – quanto pelas próprias conclusões da Corte Superior no que concerne à solidariedade dos entes federativos nas ações e serviços de saúde. 2.
Reflexões conduzidas desde o julgamento da STA 175, em 2009, inclusive da respectiva audiência pública, incentivaram os Poderes Legislativo e Executivo a buscar organizar e refinar a repartição de responsabilidades no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Reporto-me especificamente (i) às modificações introduzidas pelas Leis 12.401/2011 e 12.466/2010 na Lei 8.080/1990, (ii) ao Decreto 7.508/2011; e (iii) às sucessivas pactuações no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite. 3.
Há um esforço de construção dialógica e verdadeiramente federativa do conceito constitucional de solidariedade ao qual o Poder Judiciário não pode permanecer alheio, sob pena de incutir graves desprogramações orçamentárias e de desorganizar a complexa estrutura do SUS, sobretudo quando não estabelecida dinâmica adequada de ressarcimento.
O conceito de solidariedade no âmbito da saúde deve contemplar e dialogar com o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde. 4.
No julgamento do Tema 793 da sistemática a repercussão geral, a compreensão majoritária da Corte formou-se no sentido de observar, na composição do polo passivo de demandas judiciais relativas a medicamentos padronizados, a repartição de atribuições no SUS.
A solidariedade constitucional pode ter se revestido de inúmeros significados ao longo do desenvolvimento da jurisprudência desta Corte, mas não se equiparou, sobretudo após a reforma do SUS e o julgamento do Tema 793, à livre escolha do cidadão do ente federativo contra o qual pretende litigar. 5.
Tutela provisória concedida em parte para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1.234 da Repercussão Geral, sejam observados os seguintes parâmetros: 5.1. nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual; 5.2. nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo; 5.3. diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, DJe de 5.2.2021); 5.4. ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário. 6.
Tutela provisória referendada. (RE 1366243 TPI-Ref, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/04/2023 – destaques não originais) Ora, o tratamento a pessoa com transtorno do espectro autista deve ser prestado por toda a rede pública assistencial (União, estados e municípios), circunstância que não pode ser confundida com a alegada impossibilidade de disponibilização da terapia pleiteada.
E mais, o tema, não obstante pontuar a necessidade de observância dos critérios de descentralização e hierarquização do SUS, não retirou a conclusão quanto à solidariedade dos entes públicos, eis que o Superior Tribunal de Justiça, em Conflito de Competência, na qual o Juiz Federal não reconheceu sua competência, pontuou o seguinte: […] De acordo com os autos, A F M, representado por sua genitora, ajuizou ação em desfavor do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de de Cachoeira do Sul, objetivando o fornecimento gratuito de tratamento comportamental pelo método ABA.
A ação foi ajuizada perante a Justiça Estadual, que, ao incluir a União no polo passivo, declinou de sua competência para a Justiça Federal.
Consigne-se que a tese firmada no julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença e às regras de ressarcimento aplicáveis a quem suportou o ônus financeiro decorrente do provimento jurisdicional que assegurou o direito à saúde. 6.
Portanto, o julgamento do Tema 793 não modifica a interpretação da Súmula 150/STJ, mormente no presente caso, haja vista que o Juízo Federal não afastou a solidariedade entre os entes federativos, mas apenas reconheceu a existência do litisconsórcio facultativo, tendo considerado inadequada a decisão exarada pela Justiça Estadual que determinou a emenda da petição inicial para que fosse incluída a União no polo passivo da demanda. (CC n. 193.212, Ministra Assusete Magalhães, DJe de 06/12/2022 -destaquei) Assim sendo, fica rejeitada a prefacial.
Seguindo, para a concessão do efeito suspensivo é indispensável a presença dos requisitos dispostos no Código de Processo Civil, a saber: Art. 995.
Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.
Parágrafo único.
A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.
De pronto, embora o agravante tenha destacado a necessidade de observância dos entendimento firmado no Tema 106/STJ, registro que a referida temática não diz respeito a tratamento psicológico, e sim a medicamentos, daí porque não se subsumir à realidade dos autos.
No caso, não merece acolhida a tese recursal segundo a qual o Estado não é obrigado a disponibilizar a terapia ABA, pois foi indicada (Id orig. 98848474) pelo médico que assiste o paciente, criança atualmente com 03 (três) anos de idade.
Ora, o custeio do Sistema Único de Saúde encontra-se expressamente delineado na Constituição Federal, em seu art. 198, § 1º, que dispõe: O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Sobre isso, é cediço que a saúde é um direito público subjetivo indisponível, assegurado a todos e consagrado no art. 196 da Constituição Federal: Art. 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Logo, é dever da Administração Pública garantir o direito à saúde, viabilizando e fomentando a aquisição de medicamentos, tratamentos ou realização de cirurgia a pessoas carentes portadoras de doenças, não sendo crível a imposição de entraves burocráticos, máxime quando se trata de direitos fundamentais assegurados pela própria Carta Magna, quais sejam, a vida, saúde e dignidade humanas.
Vale ressaltar que a Lei nº 8.080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde face às exigências do parágrafo único do art. 198 da CF, reforça a obrigação do Poder Público à política de gestão de aplicação dos recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.
Destarte, o dispositivo constitucional não pode significar apenas uma norma programática, mas deverá surtir seus efeitos concretos, devendo o Poder Público implementar políticas públicas capazes de transformar a realidade dos destinatários da norma, garantindo a todos o direito à saúde digna e eficaz.
No caso, repito, restou comprovada a necessidade da parte autora da ação à concessão do procedimento para tratamento do autismo pelo método ABA, conforme recomendado pelo laudo médico.
A urgência está retratada no laudo médico, o qual enfatiza que a terapia deve ser contínua e o acompanhamento imediato.
Bom ressaltar que não cabe à parte responsável pelo custeio, quer seja o ente público ou privado, dizer a metodologia mais adequada ao tratamento; a escolha cabe aos profissionais médicos que companham a paciente, que estão mais pormenorizadamente cientes das peculiaridades do caso.
Nesse sentido, destaco precedente desta Corte em situação análoga: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
RESPONSABILIDADE DO ENTE MUNICIPAL.
FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTO AUTISMO (TEA).
TERAPIA.
METODOLOGIA ABA.
IRRESIGNAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE NÃO OBRIGATORIEDADE DO CUSTEIO.
PRETENSÃO RECURSAL PARA EXCLUSÃO DA OBRIGAÇÃO.
NÃO ACOLHIMENTO.
NECESSIDADE DO TRATAMENTO.
PRESCRIÇÃO MÉDICA EXPRESSA.
NEGATIVA E QUESTIONAMENTO DA EFICÁCIA PELO PODER PÚBLICO.
IMPOSSIBILIDADE.
PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
SENTENÇA MANTIDA.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES. (APELAÇÃO CÍVEL, 0855919-43.2020.8.20.5001, Des.
João Rebouças, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 02/09/2021 – destaquei) Neste contexto, considerando a hipossuficiência da parte em arcar com os custos da pretensão, bem como ausente prestação do fornecimento de tratamentos por quaisquer dos entes da relação litigiosa, há evidente necessidade, pautada no direito fundamental à vida e a saúde (art. 5º, caput c/c art. 24, XII da CF), de concessão dos procedimentos pleiteados em inicial.
Aliás, a norma que instituiu a política nacional de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista confere o direito à parte autora nos serviços públicos e privados, conforme art. 3º, III, da Lei nº 12.764/2012, que assim destaco: Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; Diante do exposto, ausente a probabilidade de provimento do recurso, indefiro o pleito suspensivo.
Intimar a agravada para apresentar contrarrazões em 15 (quinze) dias.
Depois, vista ao Ministério Público para opinar.
Desembargadora Maria Zeneide Bezerra Relatora -
13/09/2023 08:33
Expedição de Outros documentos.
-
04/09/2023 18:32
Recebido o recurso Sem efeito suspensivo
-
24/08/2023 13:27
Conclusos para decisão
-
23/08/2023 20:00
Juntada de Petição de Sob sigilo
-
19/07/2023 02:16
Publicado Intimação em 19/07/2023.
-
19/07/2023 02:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 18/07/2023
-
18/07/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gab.
Desª.
Maria Zeneide Bezerra Processo: 0808454-98.2023.8.20.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE AGRAVADO: H.
B.
D.
O.
Relator(a): DESEMBARGADOR(A) MARIA ZENEIDE BEZERRA DESPACHO Em face do princípio da não surpresa, intimar o agravante para em 10 (dez) dias se manifestar sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso quanto aos pedidos de contracautela, que não foram objeto de análise na instância inferior.
Findo o prazo, conclusos para apreciação do pleito suspensivo.
Desembargadora Maria Zeneide Bezerra Relatora -
17/07/2023 12:30
Expedição de Outros documentos.
-
17/07/2023 11:58
Proferido despacho de mero expediente
-
11/07/2023 17:07
Conclusos para decisão
-
11/07/2023 17:07
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
11/07/2023
Ultima Atualização
18/04/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
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