TJRN - 0807574-09.2023.8.20.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Amaury Moura Sobrinho
Polo Ativo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
29/09/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0807574-09.2023.8.20.0000 Polo ativo WANY LEYDIANE SOUZA DE ANDRADE Advogado(s): FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO Polo passivo AMIL ASSISTENCIA MEDICA INTERNACIONAL S.A.
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO, LUIZ FELIPE CONDE EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA NA ORIGEM.
NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (ENOXAPARINA SÓDICA).
INDICATIVO PARA MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA PACIENTE.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONTRATADO.
DIREITO A SAÚDE E A VIDA.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE À PESSOA HUMANA.
ARGUMENTO DE EXCLUSÃO DO FÁRMACO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE.
PRESCRIÇÃO MÉDICA QUE DEVE PREVALECER.
PRECEDENTES.
DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC.
REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO ACORDAM os Desembargadores da 3ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em consonância com a 10ª Procuradoria de Justiça, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por WANY LEYDIANE SOUZA DE ANDRADE em face de decisão do Juízo de Direito da 11ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da ação de obrigação ajuizada pela ora Agravante em desfavor de AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A., indeferiu a tutela de urgência pleiteada (id 20080999 – p 64).
Nas razões recursais (id 20080989), a Agravante relata que está grávida e acometida por trombofilia, sendo que “... apresenta 03 (três) falhas de implantação de embriões Euplóides que pode favorecer a ocorrência de uma trombose no curso da gestação, já possuindo um histórico de 02 perdas gestacionais, NECESSITANDO de forma URGENTE fazer uso do fármaco solicitado com a finalidade de evitar eventos tromboembólicos, hipertensão gestacional, crescimento uterino restrito, abortamento e óbito fetal, durante toda gestação e até 45 dias após o parto...” Afirma que o medicamento tem registro na ANVISA, foi incorporado ao SUS desde 2018 (Portaria de nº 10 do SUS), há inequívoca prescrição médica declarando a urgência no uso, bem como inexiste outro do fármaco eficaz ao tratamento da Agravante, porquanto a patologia não permite o uso de anticoagulantes comuns, sendo a enoxaparina sódica essencial à sua sáude e à do feto.
Sustenta que a Lei 9.656/98, em seu art. 35, incisos I e II, aduz, claramente, que o plano de saúde deve prestar, em casos de urgência e emergência, o tratamento necessário para a manutenção da gravidez, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE TRATAMENTO, sendo frágil argumento de “exclusão de cobertura domiciliar”.
Tece considerações acerca do preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC, aduz que a plausibilidade de seu direito e perigo de dano estão está amplamante demonstradas nos autos, assentadas em “... exames e laudo médico que atestam a gravidade da doença que acomete a Agravante e, claro, a necessidade do uso da medicação prescrita.
Portaria de incorporação do medicamento junto ao SUS, demonstração de registro junto à ANVISA, parecer favorável do CONITEC, de modo que demonstram, exaustivamente, a verossimilhança das alegações...” Pugna, liminarmente, “... seja reformada a decisão interlocutória, proferida pelo juízo a quo para fornecer o total de 276 (duzentos e setenta e seis) unidades do medicamento Enoxaparina Sódica, em dosagem inicial de 60 mg, a ocorrer de forma trimestral (90 seringas a cada 3 meses, como de praxe – sendo 30 seringas para cada mês), devendo, nos meses subsequentes, realizar a entrega no dia 10 (dez) a cada 3 (três) meses, sob pena sob pena de imediato bloqueio das contas da empresa no valor de R$ 32.416,20 (trinta e dois mil quatrocentos e dezesseis reais e vinte centavos), e aplicação de multa diária no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento...”.
No mérito, pede o provimento do recurso, com a integral reforma a decisão que concedeu a tutela provisória.
Deferida a antecipação da tutela recursal (id 20093595).
Contrarrazões colacionadas ao id 20405139.
A 10ª Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento (id 20955752). É o relatório.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
O objeto de análise do presente agravo deve se ater à obrigação ou não da Operadora de Saúde Agravada em fornecer o fármaco denominado Enoxaparina Sódica (clexane) durante toda a gestação da Agravante e após o parto.
De acordo com o caderno processual, a Agravante é usuária da Agravada, está gestante, foi diagnosticada com trombofilia e, considerando a evolução do seu quadro de saúde, bem como o histórico clínico, a sua médica assistente indicou tratamento contínuo com o medicamento enoxaparina sódica, durante toda a gestação e até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto, com a dosagem inicial de 60 mg (id 20081000 – p 114).
Contudo, o plano de saúde réu negou a solicitação, sob a alegativa de que o fármaco “... não possui cobertura obrigatória pela Operadora conforme dispõe o Art.10 da Lei 9656/98 e o tratamento ambulatorial também não é de cobertura obrigatória...” (id 20081000).
Com o indeferimento da tutela de urgência na origem (id, a parte autora recorre, alegando, basicamente, a urgência do tratamento solicitado, bem como a obrigatoriedade do fornecimento do medicamento pelo plano de saúde réu.
Na hipótese, é incontroverso a necessidade da Usuária quanto ao tratamento indicado, vez que solicitado pelo médico assistente, e ainda mais considerando se tratar de mulher que se encontra em período gestacional e já sofreu 2 (dois) abortos anteriormente.
Nesse contexto, o Poder Judiciário pode até negar pretensões neste sentido, a depender das peculiaridades do caso concreto, mas não possui elementos para contrariar as conclusões do profissional de saúde.
A questão controversa reside, portanto, na possibilidade de obrigar o plano de saúde a custear o fornecimento/tratamento da Recorrente com o medicamento solicitado, mesmo que isso não conste expressamente do rol de procedimentos da ANS.
Como sabido, o contrato de assistência à saúde firmado pelas partes está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive com orientação pacificada no Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula 469: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde".
Ademais, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais moléstias oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que cabe ao profissional da medicina que assiste o paciente, razão pela qual é descabida a negativa de fornecimento do medicamento pela ausência deste na Resolução Normativa nº 387/2015, da ANS.
Da mesma maneira, e mais importante, no caso concreto, está em jogo a vida da pessoa humana, não podendo ser ceifada da agravada a oportunidade de ser tratada adequadamente da doença que a atinge.
Nesse passo, é de bom alvitre enfatizar que a negativa de atendimento, no caso em particular, fere o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, preconizado pelo Constituinte originário como um dos pilares do ordenamento jurídico nacional.
Vale ressaltar que o particular, quando presta serviços na área da saúde, deve prestar ampla cobertura, a fim de salvaguardar a vida do consumidor. É este o risco assumido por sua atividade econômica, inadmitindo-se cláusula limitativa quando se está diante da vida humana.
Portanto, diante do quadro clínico da Agravante, há de se ponderar que, caso não seja disponibilizado o medicamento solicitado, conforme prescrito pela médica assistente, a saúde da gestante e do nascituro será afetada, com alto risco de aborto, em razão da comprovada necessidade do fármaco indicado.
Com efeito, o objetivo precípuo da assistência médica contratada, é o de restabelecer a saúde do paciente através dos meios técnicos existentes que forem necessários, não devendo prevalecer, portanto, limitação ao tipo de tratamento.
Com base nas normas de proteção ao consumidor, esta Corte de Justiça possui jurisprudência firmada: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA AUTORA/APELADA.
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO COM A MEDICAÇÃO CLEXANE.
NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE O CONTRATO EXCLUIR A TERAPÊUTICA DE USO DOMICILIAR.
INADMISSIBILIDADE.
INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DE COBERTURA.
PROCEDIMENTO ATESTADO POR MÉDICO COMO SENDO ADEQUADO À PACIENTE.
TAXATIVIDADE DO ROL DA ANS EXCEPCIONADA PELO STJ NO PRÓPRIO JULGAMENTO DO ERESP 1.889.704/SP.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DIREITO À VIDA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DE BENS OU SERVIÇOS (ART. 14 DO CÓDIGO CONSUMERISTA).
NEGATIVA QUE VIOLA DIREITO DO CONSUMIDOR.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
DEVER DE INDENIZAR.
DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS.
QUANTUM FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
PRECEDENTES.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0844188-16.2021.8.20.5001, Des.
Amaury Moura Sobrinho, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 27/10/2022); CONSUMIDOR.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C PEDIDO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
PLANO DE SAÚDE.
NECESSIDADE DA PACIENTE FAZER USO DO MEDICAMENTO CLEXANE.
FÁRMACO NEGADO.
SENTENÇA QUE OBRIGOU O PLANO DE SAÚDE A CUSTEAR O TRATAMENTO.
INCONFORMISMO DA UNIMED.
ALEGAÇÃO DE QUE O MEDICAMENTO É DE USO DOMICILIAR, BEM COMO NÃO CONSTA NO ROL DA ANS.
INTERFERÊNCIA DA OPERADORA NA ATIVIDADE MÉDICA.
IMPOSSIBILIDADE.
DEVER DE COBERTURA.
MÉDICO QUE É O RESPONSÁVEL PELA ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA ADEQUADA.
DANO MORAL MANTIDO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0832493-65.2021.8.20.5001, Dr.
Diego de Almeida Cabral substituindo Des.
Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 28/07/2022).
Em suma, patente a responsabilidade da Agravada em custear a terapêutica indicada pelo profissional que assiste a Agravante, sem obstar cobertura por conta de ausência de previsão no rol de procedimentos elencados pela ANS.
No respeitante à taxatividade do Rol da ANS, ressalto ser do conhecimento deste magistrado a recente conclusão do julgamento dos EREsp’s nº 1.886.929/SP e 1.889.704/SP pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no qual se assentou a taxatividade do Rol de Procedimentos da ANS, “com possibilidades de coberturas de procedimentos não previstos na lista”.
Em verdade, fixou-se de que o rol é prioritário, preferencial, ou seja, trata-se de uma taxatividade não absoluta, mas relativa, com possibilidade de mitigação, mediante algumas condicionantes: "... 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS...". (EREsp n. 1.886.929/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022).
Destarte, além da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito invocado pela autora diante do quadro clínico da agravada, também é notório o perigo de dano em caso de demora na prestação jurisdicional definitiva, de forma que presentes os requisitos autorizadores à concessão da tutela de urgência em seu favor.
Isto posto, em consonância com o parecer da 10ª Procuradoria de Justiça, dou provimento ao recurso para, reformando a decisão agravada, deferir a tutela de urgência e determinar que a AMIL - ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A (AMIL NATAL), ora Agravada, para forneça um total de 276 (duzentos e setenta e seis) unidades do medicamento Enoxaparina Sódica, em dosagem inicial de 60 mg, a ocorrer de imediato e de forma trimestral (90 seringas a cada 3 meses, sendo 30 seringas para cada mês), devendo, nos meses subsequentes, realizar a entrega no dia 10 (dez) a cada 3(três) meses, até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto - conforme descrito na guia de solicitação de internação emitida pela médica assistente (id 20081000 – p 114), no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). É como voto.
Natal, data da sessão.
Desembargador Amaury Moura Sobrinho Relator 8 Natal/RN, 25 de Setembro de 2023. -
05/09/2023 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Terceira Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0807574-09.2023.8.20.0000, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (votação exclusivamente pelo PJe) do dia 25-09-2023 às 08:00, a ser realizada no Terceira Câmara Cível.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 4 de setembro de 2023. -
17/08/2023 21:20
Conclusos para decisão
-
17/08/2023 16:05
Juntada de Petição de parecer
-
25/07/2023 00:06
Decorrido prazo de FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO em 24/07/2023 23:59.
-
25/07/2023 00:06
Decorrido prazo de FLAVIA DA CAMARA SABINO PINHO MARINHO em 24/07/2023 23:59.
-
19/07/2023 00:02
Decorrido prazo de ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO em 18/07/2023 23:59.
-
19/07/2023 00:02
Decorrido prazo de ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO em 18/07/2023 23:59.
-
17/07/2023 13:48
Expedição de Outros documentos.
-
14/07/2023 16:28
Juntada de Petição de contrarrazões
-
27/06/2023 02:40
Publicado Intimação em 27/06/2023.
-
27/06/2023 02:40
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/06/2023
-
26/06/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gab.
Des.
Amaury Moura Sobrinho na Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0807574-09.2023.8.20.0000 Origem: 11ª Vara Cível da Comarca de Natal (0832391-72.2023.8.20.5001) Agravante: WANY LEYDIANE SOUZA DE ANDRADE Advogada: Flávia da Câmara Sabino Pinho Marinho Agravada: AMIL - ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A (AMIL NATAL) Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por ANA CLAUDIA GONDIM FILGUEIRA DE PAULA em face de decisão do Juízo de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da ação de obrigação ajuizada pela ora Agravante em desfavor de UNIMED NATAL – SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, indeferiu a tutela de urgência pleiteada (id 20080999 – p 64).
Nas razões recursais (id 20080989), a Agravante relata que está grávida, estando acometida por trombofilia e “... apresenta 03 (três) falhas de implantação de embriões Euplóides que pode favorecer a ocorrência de uma trombose no curso da gestação, já possuindo um histórico de 02 perdas gestacionais, NECESSITANDO de forma URGENTE fazer uso do fármaco solicitado com a finalidade de evitar eventos tromboembólicos, hipertensão gestacional, crescimento uterino restrito, abortamento e óbito fetal, durante toda gestação e até 45 dias após o parto...” Afirma que o medicamento tem registro na anvisa, foi incorporado ao SUS desde 2018 (Portaria de nº 10 do SUS), há inequívoca prescrição médica declarando a urgência no uso, bem como inexiste outro do fármaco eficaz ao tratamento da Agravante, porquanto a patologia não permite o uso de anticoagulantes comuns, sendo a enoxaparina sódica essencial à sua sáude e à do feto.
Sustenta que a Lei 9.656/98, em seu art. 35, incisos I e II, aduz, claramente, que o plano de saúde deve prestar, em casos de urgência e emergência, o tratamento necessário para a manutenção da gravidez, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE TRATAMENTO, sendo frágil argumento de “exclusão de cobertura domiciliar”.
Tece considerações acerca do preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC, aduz que a plausibilidade de seu direito e perigo de dano estão está amplamante demonstradas nos autos, assentadas em “... exames e laudo médico que atestam a gravidade da doença que acomete a Agravante e, claro, a necessidade do uso da medicação prescrita.
Portaria de incorporação do medicamento junto ao SUS, demonstração de registro junto à ANVISA, parecer favorável do CONITEC, de modo que demonstram, exaustivamente, a verossimilhança das alegações...” Pugna, liminarmente, “... seja reformada a decisão interlocutória, proferida pelo juízo a quo para fornecer o total de 276 (duzentos e setenta e seis) unidades do medicamento Enoxaparina Sódica, em dosagem inicial de 60 mg, a ocorrer de forma trimestral (90 seringas a cada 3 meses, como de praxe – sendo 30 seringas para cada mês), devendo, nos meses subsequentes, realizar a entrega no dia 10 (dez) a cada 3 (três) meses, sob pena sob pena de imediato bloqueio das contas da empresa no valor de R$ 32.416,20 (trinta e dois mil quatrocentos e dezesseis reais e vinte centavos), e aplicação de multa diária no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento...”.
No mérito, pede o provimento do recurso, com a integral reforma a decisão que concedeu a tutela provisória. É o relatório.
A possibilidade de deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal na via do agravo de instrumento decorre do contido no artigo 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, situação em que o relator deverá realizar a análise dos requisitos necessários à concessão da tutela provisória.
Em 18 de março de 2016, com o início da vigência da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), a matéria recebeu tratamento legal diverso do anteriormente previsto, tendo o legislador nos artigos 294 a 311 disciplinado o tema concernente à análise de pedidos liminares, de modo a apontar a existência de um grande gênero denominado tutela provisória, com duas espécies, a saber: a tutela de urgência e a tutela de evidência.
Nessa linha de pensamento, o artigo 300 do novo CPC disciplina que a concessão da tutela de urgência (nesta compreendida tanto a tutela antecipada, quanto a tutela cautelar) ocorrerá quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano.
Volvendo-me ao caso vertente, em sede de juízo sumário, constato que há elementos que evidenciam a probabilidade do direito invocado pela Agravante, além do perigo de dano.
De acordo com o caderno processual, a Agravante é usuária da operadora de plano de saúde Agravada, está gestante e foi diagnosticada com trombofilia e, considerando a evolução do seu quadro de saúde, bem como o histórico clínico, a sua médica assistente indicou tratamento contínuo com o medicamento enoxaparina sódica, durante toda a gestação e até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto, com a dosagem inicial de 60 mg (id 20081000 – p 114).
Contudo, o plano de saúde réu negou a solicitação, sob a alegativa de que o fármaco “... não possui cobertura obrigatória pela Operadora conforme dispõe o Art.10 da Lei 9656/98 e o tratamento ambulatorial também não é de cobertura obrigatória...” (id 20081000).
Com o indeferimento da tutela de urgência na origem (id, a parte autora recorre, alegando, basicamente, a urgência do tratamento solicitado, bem como a obrigatoriedade do fornecimento do medicamento pelo plano de saúde réu.
Na hipótese, é incontroverso a necessidade da Usuária quanto ao tratamento indicado, vez que solicitado pelo médico assistente, e ainda mais considerando se tratar de mulher que se encontra em período gestacional e já sofreu 2 (dois) abortos anteriormente.
Nesse contexto, o Poder Judiciário pode até negar pretensões neste sentido, a depender das peculiaridades do caso concreto, mas não possui elementos para contrariar as conclusões do profissional de saúde.
A questão controversa reside, portanto, na possibilidade de obrigar o plano de saúde a custear o fornecimento/tratamento da recorrida com o medicamento solicitado, mesmo que isso não conste expressamente do rol de procedimentos da ANS.
Como sabido, o contrato de assistência à saúde firmado pelas partes está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive com orientação pacificada no Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula 469: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde".
Ademais, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais moléstias oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que cabe ao profissional da medicina que assiste o paciente, razão pela qual é descabida a negativa de fornecimento do medicamento pela ausência deste na Resolução Normativa nº 387/2015, da ANS.
Da mesma maneira, e mais importante, no caso concreto, está em jogo a vida da pessoa humana, não podendo ser ceifada da agravada a oportunidade de ser tratada adequadamente da doença que a atinge.
Daí, é de bom alvitre enfatizar que a recuso quanto ao custeio de tratamento, no caso em particular, fere o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, preconizado pelo Constituinte originário como um dos pilares do ordenamento jurídico nacional.
Portanto, diante do quadro clínico da Agravante, há de se ponderar que, caso não seja disponibilizado o medicamento solicitado, conforme prescrito pela médica assistente, a saúde da gestante e do nascituro será afetada, com alto risco de aborto, em razão da comprovada necessidade do fármaco indicado.
Em casos bastante semelhantes, vem decidindo reiteradamente esta Corte de Justiça: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ DA AUTORA/APELADA.
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO COM A MEDICAÇÃO CLEXANE.
NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE O CONTRATO EXCLUIR A TERAPÊUTICA DE USO DOMICILIAR.
INADMISSIBILIDADE.
INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DE COBERTURA.
PROCEDIMENTO ATESTADO POR MÉDICO COMO SENDO ADEQUADO À PACIENTE.
TAXATIVIDADE DO ROL DA ANS EXCEPCIONADA PELO STJ NO PRÓPRIO JULGAMENTO DO ERESP 1.889.704/SP.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DIREITO À VIDA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DE BENS OU SERVIÇOS (ART. 14 DO CÓDIGO CONSUMERISTA).
NEGATIVA QUE VIOLA DIREITO DO CONSUMIDOR.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
DEVER DE INDENIZAR.
DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS.
QUANTUM FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
PRECEDENTES.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0844188-16.2021.8.20.5001, Des.
Amaury Moura Sobrinho, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 27/10/2022); CONSUMIDOR.
AÇÃO ORDINÁRIA C/C PEDIDO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
PLANO DE SAÚDE.
NECESSIDADE DA PACIENTE FAZER USO DO MEDICAMENTO CLEXANE.
FÁRMACO NEGADO.
SENTENÇA QUE OBRIGOU O PLANO DE SAÚDE A CUSTEAR O TRATAMENTO.
INCONFORMISMO DA UNIMED.
ALEGAÇÃO DE QUE O MEDICAMENTO É DE USO DOMICILIAR, BEM COMO NÃO CONSTA NO ROL DA ANS.
INTERFERÊNCIA DA OPERADORA NA ATIVIDADE MÉDICA.
IMPOSSIBILIDADE.
DEVER DE COBERTURA.
MÉDICO QUE É O RESPONSÁVEL PELA ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA ADEQUADA.
DANO MORAL MANTIDO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0832493-65.2021.8.20.5001, Dr.
Diego de Almeida Cabral substituindo Des.
Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 28/07/2022).
Em suma, patente a responsabilidade da agravante em custear a terapêutica indicada pelo profissional que assiste a agravada, sem obstar cobertura por conta de ausência de previsão no rol de procedimentos elencados pela ANS.
No respeitante à taxatividade do Rol da ANS, ressalto ser do conhecimento deste magistrado a recente conclusão do julgamento dos EREsp’s nº 1.886.929/SP e 1.889.704/SP pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no qual se assentou a taxatividade do Rol de Procedimentos da ANS, “com possibilidades de coberturas de procedimentos não previstos na lista”.
Em verdade, fixou-se de que o rol é prioritário, preferencial, ou seja, trata-se de uma taxatividade não absoluta, mas relativa, com possibilidade de mitigação.
Destarte, além da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito invocado pela autora, também é notório o perigo de dano em caso de demora na prestação jurisdicional definitiva, de forma que presentes os requisitos autorizadores à concessão da tutela de urgência em seu favor.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, para reformar a decisão agravada e determinar que a AMIL - ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A (AMIL NATAL), ora Agravada, para fornecer um total de 276 (duzentos e setenta e seis) unidades do medicamento Enoxaparina Sódica, em dosagem inicial de 60 mg, a ocorrer de imediato e de forma trimestral (90 seringas a cada 3 meses, sendo 30 seringas para cada mês), devendo, nos meses subsequentes, realizar a entrega no dia 10 (dez) a cada 3(três) meses, até 45 (quarenta e cinco) dias após o parto - conforme descrito na guia de solicitação de internação emitida pela médica assistente (id 20081000 – p 114), no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Comunique-se ao Juízo a quo do inteiro teor desta para o devido cumprimento.
Intime-se a parte agravada, por seu Advogado, para que responda o agravo de instrumento no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso (art. 1.019, II, CPC/2015).
Independentemente de novo ordenamento, cumpridas as determinações, remetam-se ao Ministério Público para que se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1019, III, CPC/2015).
Publique-se.
Intime-se.
Natal, data da assinatura eletrônica.
Desembargador Amaury Moura Sobrinho Relator 8 -
23/06/2023 13:24
Juntada de documento de comprovação
-
23/06/2023 11:19
Expedição de Ofício.
-
23/06/2023 08:51
Expedição de Outros documentos.
-
22/06/2023 16:00
Concedida a Antecipação de tutela
-
21/06/2023 16:17
Conclusos para decisão
-
21/06/2023 16:17
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
21/06/2023
Ultima Atualização
29/09/2023
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
ACÓRDÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
DOCUMENTO DE COMPROVAÇÃO • Arquivo
OUTROS DOCUMENTOS • Arquivo
DOCUMENTO DE COMPROVAÇÃO • Arquivo
OUTROS DOCUMENTOS • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 0801132-89.2019.8.20.5101
Maria do Carmo Medeiros Pereira
Diego Dias da Nobrega
Advogado: Fernando Augusto Fernandes Azevedo
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 27/03/2019 13:51
Processo nº 0800017-14.2022.8.20.5138
Banco do Nordeste do Brasil SA
Elimari Regio de Medeiros - ME
Advogado: Pedro Jose Souza de Oliveira Junior
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 14/01/2022 15:02
Processo nº 0859837-84.2022.8.20.5001
Gilmar Medeiros Camara
Severina de Medeiros Camara
Advogado: Edivaldo Cesar Menezes de Oliveira
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 11/08/2022 10:13
Processo nº 0915925-45.2022.8.20.5001
Cintia Marinho de Cerqueira Gomes
Banco do Brasil S/A
Advogado: Wilson Sales Belchior
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 01/12/2022 13:15
Processo nº 0811636-27.2023.8.20.5001
Maria das Dores Torres Rocha
Advogado: Renato Cirne Leite
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 09/03/2023 14:13