TJRJ - 0813942-28.2023.8.19.0205
1ª instância - Campo Grande Regional 7 Vara Civel
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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09/09/2025 19:14
Juntada de Petição de apelação
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28/08/2025 01:04
Publicado Intimação em 28/08/2025.
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28/08/2025 01:04
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 27/08/2025
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26/08/2025 16:28
Expedição de Outros documentos.
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26/08/2025 16:28
Embargos de Declaração Não-acolhidos
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18/08/2025 17:29
Conclusos ao Juiz
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18/08/2025 17:29
Ato ordinatório praticado
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11/06/2025 00:55
Decorrido prazo de PRISCILA SILVA DAS CHAGAS em 10/06/2025 23:59.
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03/06/2025 00:14
Publicado Intimação em 03/06/2025.
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03/06/2025 00:14
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 02/06/2025
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30/05/2025 14:13
Expedição de Outros documentos.
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30/05/2025 14:12
Expedição de Outros documentos.
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09/05/2025 19:37
Juntada de Petição de embargos de declaração
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06/05/2025 22:01
Juntada de Petição de embargos de declaração
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05/05/2025 00:59
Publicado Intimação em 05/05/2025.
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01/05/2025 00:15
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 30/04/2025
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30/04/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital - Regional de Campo Grande 7ª Vara Cível da Regional de Campo Grande Rua Carlos da Silva Costa, 141, Bloco 01 - 6º Andar, Campo Grande, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: 23050-230 SENTENÇA Processo: 0813942-28.2023.8.19.0205 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: PRISCILA SILVA DAS CHAGAS RÉU: BANCO VOTORANTIM S.A., NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA PRISCILA SILVA DAS CHAGAS propôs ação declaratória de inexistência de débito e indenizatória em face de BANCO VOTORANTIM S.A. e NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA.(TMJ VEÍCULOS), alegando, em síntese, aquisição de veículo automotor com vícios.
Alega ter adquirido o automóvel Ford Fiesta Rocam, ano de fabricação 2011, modelo 2012, cor preta, em dezembro de 2022.
Narra que o primeiro réu aprovou o crédito no valor de R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) a serem pagos através de uma entrada no valor de R$12.000,00 (doze mil reais), acrescida de 48 parcelas de R$1.007,74 (mil e sete reais e setenta e quatro centavos), sendo a primeira com vencimento em 31/12/2022.
Alega que o veículo foi encaminhado para manutenção por dez dias após a celebração da compra e venda.
Ressalta o decurso do prazo sem que houvesse a entrega do veículo, sob a justificativa de que outros serviços seriam necessários.
Afirma ter solicitado a rescisão do negócio jurídico devido à possibilidade da existência de graves avarias no veículo e ante a iminência do vencimento da primeira parcela, o que resultou no protocolo de atendimento nº 313757605.
Aduz ter sido privada de utilizar o automóvel como veículo de trabalho na forma de aplicativo de transporte de passageiros.
Alega que o segundo réu recebeu os valores do financiamento, não realizou a devolução e ainda colocou o bem financiado novamente para vender sem cancelar o financiamento em nome da parte autora.
Destaca a existência de cobrança dos valores do financiamento sem jamais ter exercido a posse ou usufruído do bem.
Requer, em sede de tutela provisória de urgência, a suspensão dos efeitos do contrato de financiamento do veículo automotor acima descrito nº 285057437.
No mérito, pugna pela confirmação dos efeitos da liminar, a condenação do réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA. (TMJ VEÍCULOS) a depositar em juízo os valores recebidos pela instituição financeira, o cancelamento do contrato de financiamento e a condenação dos réus ao pagamento de compensação a título de danos morais.
A inicial veio instruída com os documentos expostos entre o id 55564774 e 55566202.
Gratuidade de justiça deferida no id 66664727.
O réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA. (TMJ VEÍCULOS) apresentou contestação no id 73527595, na qual suscitou, como preliminar, impugnação à gratuidade de justiça.
No mérito, defende a regular prestação de serviços sob o argumento de que o veículo se encontra revisado e à disposição da parte autora.
Sustenta que a garantia fornecida deve ser observada enquanto houver uso normal do veículo.
Afirma não existir provas de que o vício oculto tenha sido causado por conduta da concessionária.
Salienta a ausência de provas, nexo de causalidade e atribui culpa exclusiva da parte autora, além da inexistência dos requisitos do dano moral.
Pugna pela improcedência dos pedidos, acostando os documentos expostos no id 73527596 e 73527597.
A tutela provisória de urgência foi deferida através da decisão exposta no id 86986391, oportunidade em que se restringiu a alienação do veículo descrito na inicial, além de promover a solicitação de bloqueio dos valores referentes ao negócio jurídico celebrado (R$ 36.000,00) nas contas da concessionária (id 90014701) sem obter êxito.
BANCO VOTORANTIM S.A apresentou contestação no id 101402521, na qual suscito a preliminar de ilegitimidade passiva.
No mérito, defende a ausência de responsabilidade do banco no evento danoso descrito na inicial, bem como a validade do contrato de financiamento.
Impugna o pedido de restituição dos valores pagos por não ser responsável pela venda do veículo.
Formula pedido de restituição do crédito concedido pelo lojista em caso de eventual condenação.
Pugna pela improcedência dos pedidos, acostando os documentos expostos entre o id 101402523 e 101402526.
Intimados para se manifestarem em provas, as partes não manifestaram interesse na produção conforme exposto na certidão cartorária no id 129270751.
Decisão saneadora proferida no id 132948962, ocasião em que se rejeitou a preliminar, além de se determinar a inversão do ônus da prova.
O despacho proferido no id 159257896 determinou a produção da prova documental suplementar.
O réu BANCO VOTORATIM S.A pugnou pelo julgamento antecipado do feito (id 160710813), enquanto o réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA pugnou pela produção de prova documental suplementar, testemunhal e pericial (id 161863244). É o relatório.
Decido.
Cuida-se de pretensão redibitória e indenizatória onde se pretende apurar a responsabilidade civil da parte ré pelo defeito do produto não sanado no prazo legal e o direito de rescisão do negócio jurídico pelo vício redibitório, bem como a consequência de resolução do contrato acessório de financiamento bancário.
A parte autora invoca responsabilidade civil contratual decorrente da violação de um dever jurídico cuja fonte decorre de um negócio jurídico validamente celerado entre ambas as partes.
Defini-a Savatier como a inexecução previsível e evitável, por uma das partes, de obrigação nascida de contrato, prejudicial à outra parte.
Diante na natureza privada dos negócios jurídicos entabulados, verifica-se que a hipótese se submete aos comandos, preceitos, princípios e normas de ordem pública insertas na Lei 8.078/90, por se tratar de relação contratual de fornecimento de produto entre estabelecimento de venda e revenda de automóveis e consumidor final, e entre instituição financeira e consumidor final, se coadunando com os arts. 2º e 3º do CDC, assumindo assim, especial relevância o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Os arts. 12, 14 e 18 da Lei 8.078/90, dispositivos relacionados aos danos causados aos consumidores por defeitos do produto e da prestação de serviços, consagraram a teoria objetiva com alicerce no risco empresarial ou risco do empreendimento, concernente à responsabilidade civil objetiva do fornecedor, onde não se discute culpa.
Assim, a responsabilidade do fornecedor de produtos e de serviços se consubstancia na Teoria do Empreendimento, que consiste em atribuir responsabilidade a todo aquele que se proponha a desenvolver qualquer atividade no campo do fornecimento de produtos e serviços, pelos fatos e vícios resultantes do risco da atividade, independentemente de culpa.
Com efeito, a responsabilidade civil das rés, na hipótese, deve ser apurada no campo da responsabilidade objetiva, na qual, como é amplamente cediço, não se discute culpa.
Nesse flanco, as rés só afastarão sua responsabilidade se comprovar a inexistência ou rompimento do nexo de causalidade, na medida em que, no campo da responsabilidade objetiva, não se discute culpa.
Considerando que as relações jurídicas entre as partes são constituídas de vínculos contratuais distintos, apesar de conexos, passo a fundamentar de forma separada a aplicação do direito pertinente a cada uma, para melhor exposição e compreensão da prestação jurisdicional que está sendo prestada.
No que tange ao réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA, tenho que a parte autora comprovou o que alega mediante a prova documental que instrui a inicial, ou ao menos o que podia provar, isto é, o defeito do produto e a impossibilidade de não utilização do bem.
Já a origem do defeito do automóvel, deve ser provada pela ré, sendo seu ônus da prova do que alega, por força do art. 373, II do CPC, ou mesmo por força de sua responsabilidade civil objetiva e notadamente, em razão da inversão do ônus da prova.
Nesse ponto, cabe salientar que os réus foram intimados para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas suplementares, oportunidade em que a instituição financeira pugnou pelo julgamento antecipado, enquanto a concessionária de veículos se quedou inerte.
Nota-se que a decisão saneadora proferida no id 132948962, a qual promoveu a inversão do ônus da prova e reconheceu a ausência de manifestação as partes sobre novas provas, restou preclusa.
No entanto, a manifestação do réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA no id 161863244 se mostrou contraditória com a fase em que o feito se encontrava, porquanto apenas se deferiu a produção de prova documental suplementar, sendo facultado aos réus a juntada.
Logo, não houve abertura de nova fase para produção de provas.
A alegação da autora de que o veículo sequer lhe fora entregue por causa dos vícios existentes encontra amparo no fato de que a concessionária não apresentou justificativa para a ausência de entrega do veículo à parte autora após a compra, porquanto apenas impugnou as alegações autorais sob o argumento de culpa exclusiva por uso indevido.
Ora, a tese defensiva de uso inadequado do veículo pela autora não se sustenta quando não há prova mínima de que o automóvel lhe fora entregue, fato simples de ser demonstrado através de termo de vistoria e entrega do bem, documento usualmente utilizado nessas operações.
Esse efeito negativo à tese defensiva, associado às provas documentais acostadas na inicial, militam em favor da parte autora.
Ademais, resta incontroverso que o automóvel estava na loja da ré para reparos.
Destarte, caberia ao réu trazer aos autos provas das teses defensivas no sentido de que o defeito não existia e, se existiu, foi causado pelo uso inadequado da autora.
Com isso, considerando a inércia na produção de provas, temos que o veículo adquirido da ré apresentou defeito substancial pouco tempo depois da compra, sem que o vício tenha sido sanado.
Não obstante o automóvel não ser novo, diga-se, não ter saído de fábrica, alguns defeitos pelo uso devem ser considerados normais.
Contudo, desarrazoado é que depois da compra o bem apresente vícios, e ainda assim, o consumidor tenha de arcar as despesas de reparo, e ainda com um financiamento sem dispor do bem financiado.
Assim, não é previsível, nem razoável que um produto durável possa conter defeito substancial que impeça seu normal e regular funcionamento, comprometendo o uso para o qual se destina.
Apesar de o réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA não ser o fabricante do veículo, na condição de fornecedor do produto, estava obrigado não colocar no mercado um produto defeituoso, e se o fez, deveria ter sanado o vício oculto no prazo legal de 30 dias, previsto no art. 18 do CDC.
Não o fazendo, fica sujeita ao direito potestativo do consumidor de desfazimento do negócio jurídico.
Estabelece o inciso II do §1º do art. 18 do CDC que se o vício não for sanado no prazo de 30 dias o consumidor pode rescindir o contrato, com a restituição da quantia paga pelo produto.
Considerando que o defeito não foi sanado no prazo legal, tem a autora o direito de redibir o contrato e receber de volta o valor pago, devidamente atualizado. É o que reza a lei, não cabendo ao réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA alegar que a devolução do valor acarretaria enriquecimento sem causa da autora.
A aplicação da lei é imperativa e cogente, assim como deveria o réu ter solucionado o problema adequadamente, e não tendo feito, se submete ao Direito Positivo vigente, como qualquer outro jurisdicionado.
Por força da Teoria do Risco do Empreendimento, o adequado e satisfatório funcionamento do produto, ao fim a que se destina, é de responsabilidade tanto do fornecedor do produto, como do fabricante, por se relacionar diretamente com o exercício da atividade que desempenham, inerente ao desenvolvimento do negócio explorado, e assim, por estar indissociavelmente ligado à organização da empresa, se correlaciona com os riscos da atividade desenvolvida.
O CDC, ao estabelecer os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo em seu art. 4º, impôs por meio de seu inciso V, a necessidade de criação, pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança dos serviços, assegurando o consumidor obter daquele que lhe presta serviço de qualquer espécie, sobretudo numa relação em que se assevera a sua vulnerabilidade, o serviço adequado, seguro e responsável, consubstanciado no Direito Objetivo.
A inobservância dessa obrigação contratual autoriza o consumidor exercer a faculdade jurídica modelada no inciso II, §1º do art. 18 do CDC, que o contempla com o direito potestativo de rescindir o negócio jurídico mediante a devolução do preço, devidamente atualizado, implicando ainda no dever jurídico de reparação dos danos provocados.
Com efeito, deve ser desfeito o negócio jurídico e restituída a quantia integral paga pelos autores, devidamente atualizada, na medida em que os defeitos retiraram da parte autora o interesse no automóvel, e substancialmente na segurança que dele se esperava. É imperioso observar a nova concepção de contrato, decorrente da nova Teoria Contratual, ao qual não abrange apenas a sua formação, mas deve estar impregnada com boa-fé objetiva e probidade tanto no curso do contrato como em sua conclusão (art. 422 do CPC).
Deve-se interpretar ainda com mais amplitude o aspecto social deste instrumento jurídico que deixa de valorizar exclusivamente o individualismo, para tomar como igualmente importante os efeitos do contrato na sociedade.
Na sociedade moderna, à procura do equilíbrio contratual, o direito destaca o papel da lei como limitadora da autonomia da vontade, valorizando as expectativas, a boa-fé e a função social do contrato decorrente do vínculo jurídico entre as partes.
O legislador infraconstitucional se preocupou em oxigenar as relações jurídicas com a moral e a boa-fé, impondo o benefício econômico como limite ético, com o escopo fazer com que o contrato não promova o enriquecimento exclusivo de um contratante, e ainda contribua para a criação do que se chama de estado do bem-estar social, fazendo com que o individualismo ceda passo ao social.
Nesse contexto, com a introdução da função social como princípio ético em nossa República Federativa, o legislador nada mais fez do que atender ao anseio geral, de colocar como ponto cardeal no novo direito privado, a eticidade, que é a purificação da moral.
Aquele antigo conceito contratual como exortação ética, com a edição do Código Civil de 2002 passou a ser norma de conduta expressa, de observância cogente e imperativa em todos os tipos de contratos.
Assim, deverá ser desfeito o negócio jurídico dos autores com o réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA, mediante a reconstituição ao status quo antee, como corolário, deverá ser devolvido por este o valor recebido da autora como pagamento, devidamente atualizado.
Quanto ao dano moral, é evidente que restou configurado, pelo tempo em que a autora ficou desprovida do automóvel adquirido e, notadamente, pelo tempo em que o impasse não foi devidamente solucionado.
Contudo, quanto ao dano moral, somente o réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA deve ser responsabilizado, vez que os transtornos e aborrecimentos causados aos autores decorreram exclusivamente da conduta daquele, gerando dano de ordem moral, conforme dispõem os arts. 186 e 927 do Código Civil, assim como o art. 6º, VI e 14 do CDC.
Qualquer indivíduo é titular de direito integrantes da personalidade, direitos estes subjetivos e não patrimoniais, que se violados, gera o dever indenizatório.
O dano moral, por ser algo imaterial, está ínsito na própria ofensa, existe in re ipsa, decorre do próprio fato ofensivo.
Destarte, provada a ofensa, demonstrado está o dano a ser reparado, dispensando a efetiva prova do dissabor experimentado.
A reparação dos danos morais afigura-se indispensável para evitar práticas abusivas e irresponsáveis capazes de gerar tormentos psicológicos internos, mas que não são facilmente passíveis de aferição por inexistir um dano patrimonial.
Nesse contexto, merece prosperar o pedido autoral, devendo ser aplicado o princípio da razoabilidade na fixação do valor indenizatório, levando-se em consideração o princípio preventivo-pedagógico, no sentido de que a indenização não há que se restringir ao dano suportado do ponto de vista do lesado apenas, mas principalmente com vistas ao responsável, a fim de inibir a reiteração da conduta lesiva, sempre com vistas ao aprimoramento do serviço prestado.
Quanto ao réu BANCO VOTORANTIM S.A, deve ser observado que a rescisão do contrato foi requerida como prestação jurisdicional final, sendo que a decorrência lógica e direta dos seus efeitos, é a suspensão do pagamento das prestações mensais do financiamento.
Para isso, cumpre analisar a possibilidade do vício do negócio jurídico existente entre o autor e o 2º réu alcançar a relação jurídica da parte autora com o 1º réu, se submetendo esta àquela.
Da análise dos fatos e documentos acostados aos autos, pode-se extrair que o contrato de financiamento bancário firmado entre o demandante e o 1º réu, não passa de um contrato coligado, acessório, atrelado ao contrato principal (de compra e venda com a 2º demandada).
Contratos coligados são contratos conexos cujas vicissitudes de um (como a invalidade ou a ineficácia por causa superveniente) afetam o outro.
A tese dos contratos coligados teve nascedouro na doutrina italiana e francesa e possui tronco comum com a doutrina alemã, quando da introdução do estudo do negócio fiduciário.
Na doutrina brasileira a existência da coligação contratual não escapou ao acúmen de Pontes de Miranda, bem como dos mestres Orlando Gomes e Waldírio Bulgarelli.
Em casos quejandos se percebe que as causas dos contratos não se comunicam, mantendo cada qual sua individualidade - mire-se na compra de um veículo mediante financiamento bancário.
Há dois contratos distintos, quais sejam: o de Compra e Venda do carro entre o consumidor e o 2º réu, e o de Financiamento entre o mesmo consumidor e a financiadora (1º réu).
O que importa de tudo isso é a possibilidade de haver irradiação dos efeitos de um dos contratos coligados ao outro, mesmo em se tratando de contratos com partes distintas, contrariando inclusive o princípio clássico de que o contrato é 'res inter alios acta'.
Merecedora de ênfase o ensinamento do professor Antônio Junqueira de Azevedo, in Negócio Jurídico e Declaração Negocial (Tese para concurso de Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, 1986, p. 225), que foi preciso ao demonstrar a importância da finalidade do negócio jurídico para a interpretação dos negócios coligados: "Somente o fim concreto dá o entendimento das cláusulas negociais e esclarece nos casos de negócios interligados, o sentido de cada um".
Em suma, os contratos coligados se unem por situação econômica singular, mantendo sua individualidade cada coligado.
Ludwig Enneccerus, reproduzido neste particular por Orlando Gomes, referendado pelo professor José Simão (USP), classifica os contratos quanto ao grau de coligação em: União meramente externa, União com dependência e União alternativa.
Somente na União com dependência há a coligação propriamente dita, isto é, os efeitos de um contrato atingem o outro.
A dependência pode ser recíproca ou, unilateral como no caso em apreço, havendo um contrato principal, cujos efeitos refletem no outro, acessório (mas o oposto não ocorre).
O Professor José Fernando Simão apontou exemplos em que se admite tal irradiação, mencionando o financiamento para pagamento de computador: rescindindo-se a compra, por óbvio, rescinde-se o financiamento, eis que este é acessório àquele, ainda que as partes sejam distintas.
Maior colaboração trouxe o professor Francisco Paulo de Crescenzo Marino, mestre e Doutor em Direito pela USP que teve sua tese (Doutorado) publicada recentemente - Contratos Coligados (São Paulo, Saraiva, 1ª edição, 2009).
Esta magnífica obra evidencia desde o início, que "Dentre as hipóteses de estudo mais relevantes, destaca-se a coligação dos contratos de financiamento e venda para consumo", (p. 2).
Ressalta o insigne professor, às fls. 282, que o CDC "inclui o financiador, instituição financeira, ou não, sob a categoria ampla de fornecedor.
De fato, o art. 3º, § 2º do CDC inclui, dentre as modalidades de serviço, as atividades financeira e creditícia.
E o art. 52 trata especificamente do 'fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor'".
Na hipótese, a 2ª demandada (vendedora) e a 1ª demandada (financeira) se associaram no desenvolvimento das respectivas atividades, de modo a tirarem proveito comum dos negócios realizados - venda de automóveis financiados, onde não raro se perfaz no interior da própria loja vendedora de veículos, embora não seja o caso dos autos.
Contudo, deve-se aclarar que esse fato não retira o caráter de acessoriedade do contrato de financiamento, uma vez que a intenção da consumidora era financiar o veículo adquirido junto à loja.
A doutrina de Cláudia Lima Marques, na sua já consagrada obra "Contratos no Código de Defesa do Consumidor'', (São Paulo, Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2004, p. 497), expõe que: "O consumidor comum, ao realizar uma compra e venda em prestações, não tem presente o fato de estar fechando também um contrato de financiamento.
A sociedade atual caracteriza-se por estas relações complexas, triangulares, envolvendo não só o fornecedor-direto e o consumidor, mas outros fornecedores auxiliares, como no caso da comum compra e venda de bens de consumo com alienação fiduciária".
Tais elementos evidenciam que a contratação do financiamento, embora em momento diverso, não se deu de forma independente à compra e venda.
O financiamento feito pelo consumidor foi feito com intenção de compra do bem, bastante comum no comércio atual.
Destarte, na espécie, a rescisão do contrato principal com espeque no inciso II, do § 1º, do artigo 18 do CDC irá se refletir no outro contrato (acessório), sendo indene de dúvida que o financiamento firmado com a primeira demandada somente foi finalizado em função da compra e venda avençada com a segunda demandada.
Nesse contexto, merece prosperar a pretensão autoral, também em relação ao 1º réu.
Por fim, considerando que as partes não informaram sobre a atual situação fática, se o automóvel ainda se encontra com o réu, se foram pagas as demais prestações do financiamento e quantas, não há outra alternativa senão determinar o retorno ao status quo ante.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a pretensão autoral para declarar rescindido o contrato de compra e venda, e de financiamento do veículo, e consequentemente, declarar a inexistência de débitos porventura em aberto em nome da parte autora, referente ao negócio jurídico de compra, venda e financiamento do veículo a que alude a presente demanda, e determino ao autor a devolver o automóvel objeto da lide à 1ª ré.
Por conseguinte, CONDENO o 2ª réu (estabelecimento comercial) a devolver à autora o valor dado na compra do automóvel, tudo corrigido pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça (Súmula 562 do STF) a partir de cada pagamento efetuado, e acrescido de juros legais de 1% ao mês (art. 406 CC/02 c/c 161, § 1º do CTN) desde a citação, na forma do art. 405 do C.C. e art. 240 do CPC.
CONDENO o 1º réu (banco) a ressarcir à autora as prestações efetivamente pagas a título de financiamento do veículo, devendo todas as quantias retro mencionadas ser corrigidas monetariamente pelos índices da Corregedoria (súmula 562 do STF) a partir de cada desembolso, incidindo sobre estas, juros legais de 1% a.m. (art. 406 CC/02 c/c 161, § 1º do CTN), a contar da citação, com esteio no art. 405 do C.C. e 240 do CPC.
Em razão da rescisão, DETERMINO o restabelecimento da situação ao 'status quo ante', qual seja, o retorno do automóvel ao 2º réu, devendo este devolver ao 1º réu (banco) as quantias recebidas pela venda financiada do automóvel.
Por derradeiro, CONDENO ainda o réu NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA a pagar ao autor indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de dano moral, corrigido monetariamente pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça, a partir desta sentença, à luz das súmulas 362 do STJ e 97 do TJERJ, acrescida de juros de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 CC/02 c/c 161, § 1º do CTN), a partir da citação, na forma do art. 405 do C.C. e da interpretação a contrário senso da súmula 54 do STJ e 129 do TJERJ, por se tratar de relação contratual.
Considerando que o autor decaiu da menor parte dos pedidos, condeno os réus ao pagamento das respectivas custas e honorários de sucumbência que fixo em 10% sobre o valor total da condenação, com esteio no §2º do art. 85 do CPC.
Transitada em julgado, promova-se o desbloqueio do veículo automotor através do convênio RENAJUD e recolhidas as custas eventualmente pendentes, procedam-se às anotações e comunicações pertinentes, e após, dê-se baixa e arquive-se.
P.I.
RIO DE JANEIRO, 29 de abril de 2025.
KARLA DA SILVA BARROSO VELLOSO Juiz Titular -
29/04/2025 16:13
Expedição de Outros documentos.
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29/04/2025 16:13
Pedido conhecido em parte e procedente em parte
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18/03/2025 18:57
Conclusos ao Juiz
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18/03/2025 18:55
Ato ordinatório praticado
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11/12/2024 18:36
Juntada de Petição de petição
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06/12/2024 11:09
Juntada de Petição de petição
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03/12/2024 00:45
Publicado Intimação em 03/12/2024.
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03/12/2024 00:45
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 02/12/2024
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29/11/2024 16:15
Expedição de Outros documentos.
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29/11/2024 16:15
Proferido despacho de mero expediente
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16/10/2024 10:10
Conclusos para despacho
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11/10/2024 21:56
Expedição de Certidão.
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29/07/2024 00:07
Publicado Intimação em 29/07/2024.
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28/07/2024 00:02
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 26/07/2024
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26/07/2024 14:53
Expedição de Outros documentos.
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26/07/2024 14:53
Decisão de Saneamento e de Organização do Processo
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05/07/2024 16:12
Conclusos ao Juiz
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05/07/2024 16:11
Ato ordinatório praticado
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04/06/2024 00:45
Decorrido prazo de PRISCILA SILVA DAS CHAGAS em 03/06/2024 23:59.
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04/06/2024 00:45
Decorrido prazo de NGF VEICULOS E COMERCIO DE PECAS LTDA em 03/06/2024 23:59.
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13/05/2024 15:47
Juntada de Petição de petição
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29/04/2024 16:14
Expedição de Outros documentos.
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15/02/2024 15:43
Juntada de Petição de contestação
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14/12/2023 16:56
Expedição de Outros documentos.
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07/12/2023 00:12
Publicado Intimação em 07/12/2023.
-
07/12/2023 00:12
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 06/12/2023
-
05/12/2023 16:54
Expedição de Outros documentos.
-
05/12/2023 16:54
Proferido despacho de mero expediente
-
14/11/2023 00:42
Publicado Intimação em 14/11/2023.
-
14/11/2023 00:42
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 13/11/2023
-
10/11/2023 18:34
Conclusos ao Juiz
-
10/11/2023 16:20
Expedição de Outros documentos.
-
10/11/2023 16:20
Concedida a Medida Liminar
-
22/09/2023 11:14
Juntada de Petição de petição
-
20/09/2023 17:44
Conclusos ao Juiz
-
20/09/2023 17:42
Ato ordinatório praticado
-
22/08/2023 16:51
Juntada de Petição de petição
-
16/08/2023 00:40
Decorrido prazo de PRISCILA SILVA DAS CHAGAS em 15/08/2023 23:59.
-
28/07/2023 16:32
Juntada de Petição de diligência
-
11/07/2023 19:20
Expedição de Mandado.
-
11/07/2023 13:45
Expedição de Outros documentos.
-
10/07/2023 21:15
Proferido despacho de mero expediente
-
16/06/2023 15:51
Conclusos ao Juiz
-
11/06/2023 12:38
Juntada de Petição de petição
-
09/05/2023 17:02
Juntada de Petição de petição
-
27/04/2023 11:21
Expedição de Outros documentos.
-
27/04/2023 11:16
Expedição de Certidão.
-
26/04/2023 13:33
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
26/04/2023
Ultima Atualização
09/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Despacho • Arquivo
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