TJRJ - 0809540-88.2024.8.19.0003
1ª instância - Angra dos Reis 1 Vara Criminal
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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21/06/2025 19:43
Juntada de Petição de ciência
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17/06/2025 01:16
Publicado Intimação em 17/06/2025.
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17/06/2025 01:16
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 16/06/2025
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14/06/2025 17:39
Expedição de Outros documentos.
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14/06/2025 17:39
Expedida/certificada a intimação eletrônica
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14/06/2025 17:39
Embargos de Declaração Não-acolhidos
-
13/06/2025 12:33
Conclusos ao Juiz
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13/06/2025 12:33
Ato ordinatório praticado
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25/02/2025 03:16
Decorrido prazo de JORGE DECCACHE em 24/02/2025 23:59.
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18/02/2025 17:02
Juntada de Petição de petição
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07/02/2025 13:31
Expedição de Outros documentos.
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07/02/2025 13:31
Expedição de Outros documentos.
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04/02/2025 00:34
Publicado Intimação em 04/02/2025.
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04/02/2025 00:34
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 03/02/2025
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03/02/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Angra dos Reis 1ª Vara Criminal da Comarca de Angra dos Reis Avenida Oswaldo Neves Martins, 32, Sala 313, Centro, ANGRA DOS REIS - RJ - CEP: 23900-030 DECISÃO Processo: 0809540-88.2024.8.19.0003 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) PACIENTE: AURELIANO DIAS BARRETO AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO IMPETRADO: 166 DELEGACIA DE POLÍCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Jorge Deccache, tendo como paciente Aureliano Dias Barreto e autoridade coatora o Delegado de Polícia da 166ª desta Comarca,visando que as autoridades encarregadas de investigar e repreender o tráfico de drogas se abstenham de atentar contra a liberdade de locomoção do paciente, o qual pretende cultivar e colher plantas de Cannabis Sativapara extração de óleo medicinal, bem como sejam os agentes do Estado impedidos de apreender sementes, mudas, plantas e insumos necessários para o cultivo voltado para tratamento terapêutico, até decisão definitiva de mérito.No mérito, pleiteia a concessão de salvo-conduto para o cultivo de até 24plantas de Cannabis Sativa, mensalmente, para fins medicinais (ID161517726).
O feito foi instruído com, entre outros documentos, laudo técnico agronômico referente ao cultivo de Cannabis (fls. 01/03 do ID 161519554), prescrição médica (fls. 04/05 do ID 161519554e 161519582), declaração do médico (fl. 7 do ID 161519582), autorização da Anvisa (fl. 8 do ID 161519582)e receituário simples (ID 161519586).
O Ministério Público manifestou-se favoravelmente à concessão da liminar (ID 167078875). É o relatório.
Decido.
Inicialmente, cabe ressaltar que, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), droga é qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, causando alterações em seu funcionamento.
Por outro lado, é certo que a lista de Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID10), em seu capítulo V (Transtornos Mentais e de Comportamentos), inclui o uso de canabinóides.
Algumas substâncias possuem efeitos terapêuticos e, assim, ao serem utilizadas para o tratamento de doenças, passam a ser consideradas medicamentos.
A propósito, há legislação internacional a respeito da matéria.
A Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada pelo Decreto nº 54.216/64, em seu preâmbulo, reconhece expressamente o uso médico dos entorpecentes como indispensável para o alívio da dor e do sofrimento, e dispõe que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de entorpecentes para tais fins.
No mesmo sentido, a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, incorporada no ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº 79.388/77, também estabelece que o uso de tais substâncias, para fins médicos e científicos, é indispensável, e que a sua disponibilidade para esses fins não deve ser indevidamente restringida.
A Cannabis sativa, planta a partir da qual é feita a maconha, foi incluída como planta medicinal pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na Lista Completa das Denominações Comuns Brasileiras - DCB pela Resolução da Diretoria Colegiada RDC N° 156, de 5 de maio de 2017.
Pela Resolução da Diretoria Colegiada RDC N° 17, de 6 de maio de 2015, a Anvisa permitiu a importação, em caráter de excepcionalidade, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde, de produto industrializado que possua em sua formulação o canabidiol em associação com outros canabinóides, dentre eles o THC.
Nesse passo, o canabidiol foi incluído na “Lista C1 - Lista das outras substâncias sujeitas a controle especial”, por alteração à Portaria/SVS nº 344, de 12 de maio de 1998.
Posteriormente, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC Nº 327, de 09 de dezembro de 2019, a Anvisa definiu as condições e procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabeleceu requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano.
Já a Lei nº 11.343/06, no parágrafo único do artigo 1º prevê: “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
No artigo 66 preceitua: “Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1° desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998”.
O artigo 2º, por sua vez, estabelece que: “Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar (...)” e, no parágrafo único do mesmo dispositivo legal, consta que “Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo prédeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas”.
No caso dos autos, é incontroverso que Aureliano Dias Barretose vê acometidodas seguintes doenças: transtorno de ansiedade (CID F41.1), reação aguda ao stress (CID F43.0) e distúrbios do sono (CID G47).
Depreende-se dos autos que, por tais motivos, foi prescrito para opaciente os remédios medicinais da prescrição médica constante nos IDs161519554 e 161519582,o que lhe trouxe significativos resultados positivos, conforme aponta relatório médico na fl. 7 do ID 161519582: “Com base em minha avaliação criteriosa e responsabilidades como médico regulamentado pela legislação brasileira e diretrizes éticas da minha prática, concluo que o paciente é apto para o tratamento com cannabis medicinal contendo CBD e THC.
Esta avaliação demonstra que o tratamento não afeta negativamente as capacidades cognitivas ou motoras do paciente.
Assim, permite-lhe conduzir veículos e operar maquinário pesado, sem comprometer a segurança (...).O uso da medicação com CBD e THC não interfere nas atividades diárias do paciente, como dirigir carros ou operar máquinas pesadas.
Além disso, o uso de medicação auxilia no controle de vários fatores que possam interferir nessas atividades corriqueiras do dia a dia, melhorando a qualidade de vida do paciente e garantindo sua segurança e funcionalidade.
O Dr.
Murilo Alves Navarro(CRM 1777992) recomendou a continuidade do tratamento com plantas de Cannabis Sativapara produção da medicação em sua forma oral (fls. 04/05 do ID 161519582).
Há, pois, indicação clínica e expressa recomendação médica para que opaciente continue utilizando o extrato caseiro e a matéria bruta da Cannabis.
Além disso, ficaram evidenciadas as vantagens medicinais do óleo caseiro, tendo sido salientado que o cultivo próprio da planta com a produção do medicamento é a melhor opção disponível para atender às necessidades individuais do paciente, sob risco de comprometimento ainda maior de sua saúde, já debilitado.
Registre-se que o paciente obteve autorização da Anvisa para importar medicamentos à base de substâncias extraídas na Cannabis sativa.
Ou seja, já foi reconhecido que a situação da paciente é excepcional (fls. 08/09 do ID 161519582).
Portanto, diante dos documentos acostados aos autos, a pretensão do impetrante é garantir ao paciente o direito à vida com melhor qualidade possível, possibilitando a ele o acesso a tratamento atual de maior eficácia e indicado pela medicina, e garantindo-lhe condições de vida digna com o mínimo existencial para uma vida saudável.
E não há qualquer tipo de indício ou suspeita acerca da conduta da paciente, de que o ato de semear, cultivar e dispor da planta (maconha) seja compatível com a conduta do crime de tráfico de entorpecentes.Ao contrário, o cultivo da planta decorre de razões médicas e humanitárias, conforme se depreende do relatório médico.
A documentação acostada aos autos indica a urgência e necessidade de obtenção da substância pelo paciente, assim como resta demonstrada sua boa-fé ao fazer uso do presente remédio constitucional para garantia judicial da pretensão e regularização da sua atual situação, em vez de permanecer na clandestinidade.
Outrossim, não se olvida que existem instrumentos legais para que o paciente receba auxílio estatal para a obtenção do medicamento à base de Cannabis por meio de determinação judicial à Fazenda Pública.
No entanto, é de se considerar que os trâmites burocráticos e a morosidade para o alcance da pretensão justificam, no caso concreto, o pedido formulado para extração artesanal do óleo necessário, evitando-se eventual interrupção do tratamento em virtude dos entraves para obtenção do medicamento.Ademais, no caso específico dos autos, a obtenção do óleo artesanal é benéfica e especificamente indicada ao tratamento.
No mais, a concessão do salvo-conduto ao paciente, por certo, não impede a responsabilização criminal em caso de eventual descumprimento da ordem judicial e desvirtuamento dos fins da autorização judicial, que se destina única e exclusivamente para a realização do tratamento de sua saúde, incumbindo-lhe as consequências penais cabíveis.
Ressalte-se que há diversas decisões proferidas no Brasil que asseguram a fruição de direito semelhante ao pleiteado neste habeas corpus, conforme se depreende, a título exemplificativo, do seguinte julgados proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL.
CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS.
HABEAS CORPUS PREVENTIVO.
RISCO PERMANENTE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
SALVO-CONDUTO.
POSSIBILIDADE.
REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA.
DESNECESSIDADE.
ANVISA.
AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA.
ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA.
PRINCÍPIO DA LESIVIDADE.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1.
O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". 2.
A definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
A Cannabis sativa integra a "Lista E" da referida portaria, que, em última análise, a descreve como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. 3.
Uma vez que é possível, ao menos em tese, que os pacientes (ora recorridos) tenham suas condutas enquadradas no art. 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, punível com pena privativa de liberdade, é indiscutível o cabimento de habeas corpus para os fins por eles almejados: concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis sativa, da qual se pode extrair a substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde. 4.
Também há o risco, pelo menos hipotético, de que as autoridades policiais tentem qualificar a pretendida importação de sementes de Cannabis no tipo penal de contrabando (art. 334-A do CP), circunstância que reforça a possibilidade de que os recorridos se socorram do habeas corpus para o fim pretendido, notadamente porque receberam intimação da Polícia Federal para serem ouvidos em autos de inquérito policial.
Ações pelo rito ordinário e outros instrumentos de natureza cível podem até tratar dos desdobramentos administrativos da questão trazida a debate, mas isso não exclui o cabimento do habeas corpus para impedir ou cessar eventual constrangimento à liberdade dos interessados. 5.
Efetivamente, é adequada a via eleita pelos recorridos habeas corpus preventivo haja vista que há risco, ainda que mediato, à liberdade de locomoção deles, tanto que o Juiz de primeiro grau determinou a apuração dos fatos narrados na inicial do habeas corpus pela Polícia Federal, o que acabou sendo expressamente revogado pelo Tribunal a quo, ao conceder a ordem do habeas corpus lá impetrado. 6.
A análise da questão trazida a debate pela defesa não demanda dilação probatória, consistente na realização de perícia médica a fim de averiguar se os pacientes realmente necessitam de tratamento médico com canabidiol.
A necessidade de dilação probatória circunstância, de fato, vedada na via mandamental foi afastada no caso concreto, tendo em vista que os recorridos apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, provas essas consideradas suficientes para a concessão do writ pelo Tribunal de origem, dentre as quais a de que os pacientes estavam autorizados anteriormente pela Anvisa a importar, com objetivo terapêutico, medicamento com base em extrato de canabidiol, para tratamento de enfermidades também comprovadas por laudos médicos, devidamente acostados aos autos. 7.
Se para pleitear aos entes públicos o fornecimento e o custeio de medicamento por meio de ação cível, o pedido pode ser amparado em laudo do médico particular que assiste aparte (STJ, EDclno REsp n. 1.657.156/RJ, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, 1ª S., DJe21/9/2018), não há razão para se fazer exigência mais rigorosa na situação dos autos, em que a pretensão da defesa não implica nenhum gasto financeiro ao erário. 8.
Há, na hipótese, vasta documentação médica atestando a necessidade de o tratamento médico dos pacientes ser feito com medicamentos à base de canabidiol, inclusive com relato de expressivas melhoras na condição de saúde deles e esclarecimento de que diversas vias tradicionais de tratamento foram tentadas, mas sem sucesso, circunstância que reforça ser desnecessária a realização de dilação probatória com perícia médica oficial. 9.
Não há falar que a defesa pretende, mediante o habeas corpus, tolher o poder de polícia das autoridades administrativas.
Primeiro, porque a própria Anvisa, por meio de seu diretor, afirmou que a regulação e a autorização do cultivo doméstico de plantas, quaisquer que sejam elas, não fazem parte do seu escopo de atuação.
Segundo, porque não se objetiva nesta demanda obstar a atuação das autoridades administrativas, tampouco substituí-las em seu mister, mas, apenas, evitar que os pacientes/recorridos sejam alvo de atos de investigação criminal pelos órgãos de persecução penal. 10.
Embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006; art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.368/1976), fato é que até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo quiçá por razões morais ou políticas com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação. 11.
Em 2019, a Diretoria Colegiada da Anvisa, ao julgar o Processo n. 25351.421833/2017-76 que teve como objetivo dispor sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, decidiu pelo arquivamento da proposta de resolução.
Ficou claro, portanto, que o posicionamento da Diretoria Colegiada da Anvisa, à época, era o de que a autorização para cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, entre elas a Cannabis sativa, é da competência do Ministério da Saúde, e que, para atuação da Anvisa, deveria haver uma delegação ou qualquer outra tratativa oficial, de modo a atribuir a essa agência reguladora a responsabilidade e a autonomia para definir, sozinha, o modelo regulatório, a autorização, a fiscalização e o controle dessa atividade de cultivo. 12.
O Ministério da Saúde, por sua vez, a quem a Anvisa afirmou competir regular o cultivo doméstico de Cannabis, indicou que não pretende fazê-lo, conforme se extrai de Nota Técnica n. 1/2019- DATDOF/CGGM/GM/MS, datada de 19/8/2019, em resposta à Consulta Dirigida sobre as propostas de regulamentação do uso medicinal e científico da planta Cannabis, assinada pelo ministro responsável pela pasta.
O quadro, portanto, é de intencional omissão do Poder Público em regulamentar a matéria. 13.
Havendo prescrição médica para o uso do canabidiol, a ausência de segurança, de qualidade, de eficácia ou de equivalência técnica e terapêutica da substância preparada de forma artesanal como se objeta em desfavor da pretendida concessão do writ torna-se um risco assumido pelos próprios pacientes, dentro da autonomia de cada um deles para escolher o tratamento de saúde que lhes corresponda às expectativas de uma vida melhor e mais digna, o que afasta, portanto, a abordagem criminal da questão.
São nesse sentido, aliás, as disposições contidas no art. 17 da RDC n. 335/2020 e no art. 18 da RDC n. 660/2022 da Anvisa, ambas responsáveis por definir "os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde". 14.
Em 2017, com o advento da Resolução n. 156 da Diretoria Colegiada da Anvisa, a Cannabis Sativa foi incluída na Lista de Denominações Comuns Brasileiras DCB como planta medicinal, marco importante em território nacional quanto ao reconhecimento da sua comprovada capacidade terapêutica.
Em dezembro de 2020, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes UNODC acolheu recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde sobre a reclassificação da Cannabis e decidiu pela retirada da planta e da sua resina do Anexo IV da Convenção Única de 1961 sobre Drogas Narcóticas, que lista as drogas consideradas como as mais perigosas, e a reinseriu na Lista 1, que inclui outros entorpecentes como a morfina para a qual a OMS também recomenda controle , mas admite que a substância tem menor potencial danoso. 15.
Tanto o tipo penal do art. 28 quanto o do art. 33 se preocupam com a tutela da saúde, mas enquanto o § 1º do art. 28 trata do plantio para consumo pessoal ("Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica"), o § 1º, II, do art. 33 trata do plantio destinado à produção de drogas para entrega a terceiros. 16.
A conduta para a qual os recorridos pleitearam e obtiveram salvo-conduto no Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública). 17.
O que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento potencialmente causador de dependência próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta.
Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros. 18.
Outrossim, a hipótese dos autos também não se reveste de tipicidade penal aqui em sua concepção material , porque a conduta dos recorridos, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo e tem aptidão concreta para isso a partir da extração de produtos medicamentosos; isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006. 19.
Se o Direito Penal é um mal necessário não apenas instrumento de prevenção dos delitos, mas também técnica de minimização da violência e do arbítrio na resposta ao delito, sua intervenção somente se legitima "nos casos em que seja imprescindível para cumprir os fins de proteção social mediante a prevenção de fatos lesivos" (SILVA SANCHEZ, Jesus Maria.
Aproximaciónal derechopenal contemporâneo.
Barcelona: Bosch, 1992, p. 247, tradução livre). 20.
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas (Art. 196. "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"). 21.
No caso, uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso , não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos. 22.
Se o Direito Penal, por meio da "guerra às drogas", não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta , pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis sativa para fins exclusivamente medicinais. 23.
Recurso especial do Ministério Público não provido, confirmando-se o salvo-conduto já expedido em favor dos ora recorridos. (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio SchiettiCruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJede 30/6/2022).
Por fim, a autorização está limitada a esta Comarca, não podendo o cultivo se dar em qualquer outro lugar que não a residência do paciente localizada naRua Carlos Drummond de Andrade, n. 673, Casa 1, Parque Perequê, Angra dos Reis/RJ.
Ante o exposto, CONCEDO LIMINARMENTE oHabeas Corpusimpetrado em favor dopaciente AURELIANO DIAS BARRETO,a fim de autorizar ao recorrente o cultivo, uso, e posse das plantas de Cannabis Sativa L., em quantidade necessária para a produção do óleo imprescindível para o seu tratamento de saúde; bem como para obstar a atuação de qualquer órgão de persecução penal, tais como Polícias Civil, Militar e Federal, Ministério Público estadual ou Ministério Público Federal, que vise turbar ou embaraçar o plantio de Cannabis Sativa L.em quantidade suficiente para o tratamento médico do paciente, para uso exclusivo próprio, nos termos da prescrição médica e do parecer técnico constantes dos autos, até o julgamento do mérito desta insurgência ou até a regulamentação do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, o que ocorrer primeiro.
Consigno que fica o paciente autorizado a semear e cultivar a planta apenas e tão somente em seu domicílio (Rua Carlos Drummond de Andrade, n. 673, Casa 1, Parque Perequê, Angra dos Reis/RJ) e na quantidade de cultivo de 26 (vinte e seis) plantas de Canabis Sativa acada 6 meses, para fins medicinais exclusivamente, autorizando-se o porte e transporte de um frasco contendo 30 (trinta) ml do extrato caseiro, também somente nesta Comarca do Rio de Janeiro/RJ.
A presente decisão tem caráter personalíssimo.
Desse modo, o paciente Aureliano Dias Barreto será a único beneficiadocom o extrato produzido, não podendo ser concedido a terceiros.
Deverá o paciente informar imediatamente a este Juízo em caso de eventual e futura desnecessidade da medida para o tratamento, não sendo a presente decisão uma autorização sem prazo.
Fixo o prazo de 1 (um) ano para que o paciente, nestes autos, apresente relatório médico atualizado que contenha a expressa indicação da necessidade de continuação do tratamento, a fim de obter a renovação do salvo-conduto.
Comunique-se, com a máxima urgência, o inteiro teor desta decisão à Autoridade Policial, solicitando as informações necessárias, sobretudo sobre apossível instauração de inquérito policial em desfavor do paciente, as quais deverão ser encaminhadas, preferencialmente, por ofício, por meio de e-mail.Serve essa sentença como ofício.
Decorrido o prazo para interposição de recursos voluntários sem provocação das partes, submeta-se a presente sentença ao reexame necessário, remetendo-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 574, inciso I, do Código de Processo Penal.
Custas na forma da lei.
Ciência ao Ministério Público.
Publique-se.
Intimem-se.
ANGRA DOS REIS, 31 de janeiro de 2025.
MONALISA RENATA ARTIFON Juiz Titular -
31/01/2025 14:47
Expedição de Outros documentos.
-
31/01/2025 14:47
Concedida a Medida Liminar
-
23/01/2025 12:40
Conclusos para decisão
-
21/01/2025 16:48
Juntada de Petição de petição
-
11/12/2024 17:08
Expedição de Outros documentos.
-
10/12/2024 16:56
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/12/2024
Ultima Atualização
21/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Sentença • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
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