TJRJ - 0817036-84.2023.8.19.0204
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 3ª C Mara de Direito Privado
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
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Polo Passivo
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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25/09/2025 16:50
Baixa Definitiva
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25/09/2025 16:27
Documento
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03/09/2025 00:05
Publicação
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02/09/2025 00:00
Intimação
*** SECRETARIA DA 3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 18ª CÂMARA CÍVEL) *** ------------------------- DECISÃO ------------------------- - APELAÇÃO 0817036-84.2023.8.19.0204 Assunto: Cartão de Crédito / Espécies de Contratos / Obrigações / DIREITO CIVIL Origem: BANGU REGIONAL 3 VARA CIVEL Ação: 0817036-84.2023.8.19.0204 Protocolo: 3204/2025.00622512 APELANTE: BANCO BMG SA ADVOGADO: DR(a).
GIOVANNA MORILLO VIGIL OAB/MG-091567 APELADO: MARCIA IRENE SILVA LINHARES ADVOGADO: RICARDO OLIVEIRA FRANÇA OAB/SP-352308 Relator: DES.
FERNANDA XAVIER DE BRITO DECISÃO: Apelação Cível nº 0817036-84.2023.8.19.0204 Apelante: Banco BMG S.A.
Apelada: Márcia Irene Silva Linhares Relator: Desembargadora FERNANDA XAVIER DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC).
AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES CLARAS E SUFICIENTES SOBRE A OPERAÇÃO.
VÍCIO DE CONSENTIMENTO.
FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
REVISÃO CONTRATUAL.
ADEQUAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO TRADICIONAL.
DEVOLUÇÃO DOBRADA DE EVENTUAL VALOR PAGO A MAIOR.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO NÃO PROVIDO.
I.
Caso em Exame: 1.
A autora relatou que, na condição de pensionista, foi surpreendida com a contratação irregular de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), tendo valores creditados em sua conta e descontados mensalmente de sua folha de pagamento ao longo de 15 anos, sem amortização do valor principal, o que tornou a dívida impagável.
Alegou, ainda, falta de transparência e abusividade das cláusulas contratuais. 2.
Foi proferida sentença de parcial procedência.
II.
Questão em Discussão: 3.
Cinge-se a controvérsia em verificar se a contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) ocorreu de forma regular, com consentimento válido da parte autora e com informações claras e suficientes prestadas no momento da contratação, bem como a análise da possível devolução, em dobro, de eventual crédito em favor da autora e a caracterização de má-fé por parte do banco réu.
III.
Razões de Decidir: 4.
Contrato de empréstimo pessoal e cartão de crédito firmado em 2008.
Configurada a inobservância do dever de informação e a falha na prestação do serviço pela instituição financeira, evidenciadas pela ausência de envio regular das faturas, pela falta de esclarecimentos claros acerca da natureza do serviço contratado e da sistemática de amortização. 5.
Cabível a revisão do contrato, aplicando-se os parâmetros do empréstimo consignado tradicional. 6.
Caso haja saldo credor em favor da autora após a revisão, é devida a restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados. 7.
Não configurada litigância de má-fé por conduta protelatória, pois a simples interposição de recurso não caracteriza abuso do direito de recorrer.
IV.
Dispositivo: 8.
Recurso não provido.
Dispositivos relevantes citados: artigos 2º; 3º e §2º; 12; 14 e §3º; 6º, inciso III; e 42, parágrafo único, do CDC; artigo 85, §11 do CPC; e Súmula nº 297 do STJ.
Jurisprudências relevantes citadas: 0001041-56.2020.8.19.0079 - Apelação.
Des(a).
Natacha Nascimento Gomes Tostes Gonçalves De Oliveira - Julgamento: 10/07/2025 - Décima Sétima Câmara De Direito Privado; 0802532-80.2023.8.19.0040 - Apelação.
Des(a).
Fernando Cerqueira Chagas - Julgamento: 24/07/2025 - Vigésima Câmara De Direito Privado; e 0805036-61.2024.8.19.0028 - Apelação.
Des(a).
Alcides Da Fonseca Neto - Julgamento: 01/07/2025 - Sétima Câmara De Direito Privado.
RELATÓRIO Trata-se de ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c inexistência de débito c/c restituição de valores em dobro c/c indenizatória por dano moral, com pedido de tutela antecipada, proposta por MARCIA IRENE SILVA LINHARES contra BANCO BMG S.A.
Em sua peça inaugural, a autora alegou que, na condição de pensionista, recebeu, em 15/09/2008, contato telefônico do réu oferecendo empréstimo consignado tradicional, tendo, no entanto, sido surpreendida com a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sem que houvesse sua anuência expressa ou assinatura contratual válida, tratando-se de modalidade contratual que sequer compreendia.
Afirmou que, embora não tenha solicitado ou recebido cartão físico, tampouco faturas mensais, foi creditado em sua conta o montante de R$830,00 (oitocentos e trinta reais), sendo que, desde então, passaram a incidir descontos mensais em sua folha de pagamento, os quais, até junho de 2023, totalizavam R$19.439,91 (dezenove mil, quatrocentos e trinta e nove reais e noventa e um centavos), sem previsão de quitação.
Sustentou que a dívida se tornou impagável, uma vez que os descontos se referem apenas aos encargos e juros, sem amortização do principal, de forma que o valor originário permanece inalterado após quase 15 (quinze) anos de descontos mensais.
Alegou, ainda, a nulidade do contrato, diante da ausência de informação clara, transparência e manifestação válida de vontade, bem como a abusividade das cláusulas que impõem desvantagem excessiva à consumidora.
Assim, requereu a concessão de tutela de urgência para suspender os descontos referentes ao contrato em questão e, ao final, a declaração de nulidade do ajuste, o reconhecimento da inexistência do débito, a restituição em dobro dos valores pagos indevidamente e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais).
Subsidiariamente, pleiteou a conversão da contratação em empréstimo consignado tradicional, com aplicação da taxa média de juros vigente à época, compensação dos valores pagos e afastamento de cláusulas abusivas.
Despacho, no índice 66298992, concedendo o benefício da justiça gratuita à autora e indeferindo a tutela antecipada.
Contestação apresentada no índice 72049071, na qual o réu sustentou a validade do contrato de cartão de crédito consignado (BMG Card), firmado com a autora mediante assinatura de termo de adesão e autorização para desconto em folha.
Alegou que todas as informações sobre o produto foram prestadas no momento da contratação e que a autora utilizou o cartão para saques, demonstrando ciência da natureza do serviço.
Aduziu que a dívida não é "infinita", mas resultado da opção da autora por pagar apenas o valor mínimo da fatura, o que prolongou a amortização.
Impugnou o pedido de conversão do contrato em empréstimo consignado tradicional, por se tratar de modalidade distinta e juridicamente incompatível.
Requereu a improcedência dos pedidos, inclusive quanto aos danos morais e à devolução em dobro, por ausência de má-fé, e, subsidiariamente, que eventual restituição seja simples e compensada com os valores efetivamente utilizados.
Decisão, no índice 101431863, concedendo a tutela antecipada.
Despacho, no índice 87216517, abrindo prazo para a parte autora apresentar réplica e para que as partes se manifestem sobre as provas.
Petição do réu, no índice 88492739, requerendo a designação de audiência de instrução e julgamento virtual com depoimento da parte autora.
A parte autora não se manifestou, conforme certificado no índice 116406154.
Decisão, no índice 119975442, fixando os pontos controvertidos e deferindo a produção de prova oral.
Réplica apresentada no índice 125495247.
Audiência realizada, conforme assentada no índice 131401863, deferindo prazo para as partes apresentarem alegações finais.
Alegações finais apresentadas pelo réu no índice 135424529.
A parte autora permaneceu inerte, conforme certificado no índice 154975594.
Sentença, no índice 155212561, julgando procedentes os pedidos autorais, nos seguintes termos: "(...) É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Impõe-se o julgamento da lide por ser desnecessária a produção de outras provas, estando o feito suficientemente instruído com os elementos necessários ao convencimento motivado dessa Julgadora.
Não há questões prévias a serem enfrentadas, razão pela qual passo ao exame do mérito.
A presente questão versa sobre relação de consumo, pois a parte autora enquadra-se no conceito de consumidor descrito no art. 2º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a parte ré no de fornecedor, nos termos do art. 3º, § 2º do mesmo diploma legal, pois aquela é a destinatária final do produto ofertado por esta.
Pela teoria do risco do empreendimento, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes dos seus negócios, independentemente de sua culpa, pois a responsabilidade decorre do simples fato de alguém se dispor a realizar atividade de produzir, distribuir e comercializar ou executar determinados serviços.
Na hipótese, tenho que a parte ré não se desincumbiu do ônus probatório que lhe incumbia, na esteira do artigo 373, II do CPC, deixando de desconstituir os fatos que embasam o direito da parte autora, enquanto essa, por sua vez, logrou êxito em acostar lastro de provas suficientes a constituir o seu direito, na forma do inciso I do mencionado dispositivo legal.
Vejamos.
Da análise dos autos, observo que a parte ré anexa o contrato de adesão assinado (Id 72049604).
Em AIJ, a parte autora: confirma a celebração do contrato; afirma ter se utilizado do cartão por duas ou três vezes apenas; alega não ter feito saques; impugna o contrato vinculado a cartão por ter descoberto, posteriormente, que os descontos não cessavam.
No caso, verifico que a parte ré deixou de juntar aos autos as faturas do cartão de crédito objeto da lide, impedindo que esta magistrada pudesse obter maiores informações acerca da relação estabelecida entre as partes.
Nessa seara, caberia à parte ré comprovar ter esclarecido à autora o tipo de empréstimo tomado.
Pelo Id 64734625, observo que a parte autora já contratou inúmeros empréstimos consignados, não tendo contratado qualquer contrato de cartão consignado a não ser esse objeto dos autos.
Nessa linha, é crível a assertiva da autora de que acreditava estar contratando um empréstimo consignado, com o pagamento em parcelas mensais fixas, descontadas diretamente de seus proventos.
Para elucidar o tema, colaciono um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: (...) Portanto, entendo como caracterizado o vício de vontade da parte autora, razão pela qual deve ser o contrato revisado em conformidade com o empréstimo consignado.
Com relação ao dano moral, é evidente que os incisos V e X do artigo 5º da Constituição da República asseguraram a indenização por dano moral como forma de compensar a agressão à dignidade humana, entendendo-se esta como dor, vexame, sofrimento ou humilhação, angústias e aflições sofridas por um indivíduo, fora dos parâmetros da normalidade e do equilíbrio.
No caso, entendo não serem cabíveis os danos morais.
Não há qualquer comprovação de maiores transtornos, além daqueles inerentes ao cotidiano e, corriqueiramente, sofridos por toda a massa de consumo, os quais, contudo, não permitem reparação por danos morais, cuja violação pressupõe a essência dos direitos da personalidade espelhada no postulado da dignidade da pessoa humana.
Ademais, a parte autora contratou empréstimo junto ao réu no ano de 2008 e somente veio em Juízo impugnar a forma da contratação no ano de 2023, ou seja, quando já ultrapassados aproximadamente 15 anos.
Tal circunstância denota que os fatos objeto da lide não abalaram a esfera emocional da autora.
Portanto, parcial razão assiste à demandante.
Ante o exposto, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido para: a) determinar a revisão do contrato firmado entre as partes (Id 72049604) para adequá-lo aos moldes do contrato de empréstimo na modalidade de consignado, aplicando-se as taxas de juros utilizadas pelo mercado na data da contratação, abatendo-se todo o valor pago pela autora desde o início do contrato, cujo valor deverá ser objeto de liquidação de sentença; b) Caso haja saldo devedor para a autora, o réu deverá amortizar todo o valor pago pela autora mencionado na alínea "a", devendo o saldo remanescente ser descontado dos proventos da autora em parcelas mensais; c) Caso haja saldo credor para a autora, o réu deverá ressarci-la, de forma dobrada, aplicando-se ao montante correção monetária a partir de quando o empréstimo deveria ter terminado e com juros mensais de 1% ao mês a partir da citação.
Diante da sucumbência mínima (artigo 86, § único do CPC/2015), condeno a parte ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais, fixados os honorários advocatícios em R$ 800,00 (oitocentos reais).
Certificados o trânsito em julgado, a inexistência de custas pendentes e a inércia das partes, dê-se baixa e remeta-se à Central de Arquivamento do 1º NUR.
P.I.".
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (índices 158653801 e 158743617), sustentando que a contratação se deu de forma lícita e regular, com plena ciência da parte autora acerca das condições pactuadas, tratando-se de operação de crédito pessoal denominada "BMG em Conta", voltada a clientes com restrições de crédito, sem garantias e, portanto, com taxas diferenciadas.
Arguiu que não houve qualquer vício de consentimento, tampouco falha na prestação das informações, destacando que a autora aderiu voluntariamente ao contrato, inclusive utilizando os valores disponibilizados por meio de saque com o cartão.
Relatou ainda que os juros aplicados estão em conformidade com os parâmetros autorizados pelo Banco Central e que a tese da abusividade contratual já foi superada pelo STJ em sede de recurso repetitivo (REsp 1.061.530/RS), não sendo cabível a limitação dos juros remuneratórios.
Ao final, pleiteou a reforma da sentença para afastar a condenação em danos morais e materiais, sob o argumento de que agiu em exercício regular de direito e não houve demonstração de má-fé.
Subsidiariamente, requereu a compensação dos valores a serem eventualmente restituídos com os montantes efetivamente utilizados pela autora, a fim de se evitar enriquecimento sem causa.
Contrarrazões apresentadas pelo autor no índice 191246964, requerendo o desprovimento do recurso e a condenação do réu, ora apelante, por litigância de má-fé. É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR.
Conheço do recurso, eis que preenchidos os seus requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Ausentes quaisquer preliminares para apreciar, passo à análise do mérito recursal.
Cinge-se a controvérsia em verificar se a contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) ocorreu de forma regular, com consentimento válido da parte autora e com informações claras e suficientes prestadas no momento da contratação, bem como a análise da possível devolução, em dobro, de eventual crédito em favor da autora e a caracterização de má-fé por parte do banco réu.
O caso em tela cuida de relação de consumo sobre a qual tem incidência as normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se encontram presentes, no caso em comento, os requisitos legais subjetivos (artigos 2º e 3º da Lei 8078/90) e objetivos (artigo 3º, § 2º, do mesmo diploma legal).
Sabe-se que a teoria do risco do empreendimento foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual estabeleceu a responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer decorrente do fato do produto (CDC, artigo 12), quer do fato do serviço (CDC, artigo 14).
Nessa linha de raciocínio, tem-se que é objetiva a responsabilidade do fornecedor de serviços, conforme dispõe o artigo 14, §3º, do CDC: "Art. 14.
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro." Noutro giro, as instituições bancárias, como prestadoras de serviços especialmente contempladas no artigo 3º, § 2º, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Inteligência do verbete sumular nº 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
No caso em exame, a autora alegou ter sido surpreendida com a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), a partir da qual se iniciaram descontos mensais em sua folha de pagamento a título de encargos e juros, sem a correspondente amortização do valor principal da dívida.
Sustentou, ainda, a ausência de informações claras e adequadas sobre o produto financeiro contratado, bem como a abusividade das cláusulas contratuais incidentes.
Em sua defesa, o réu sustentou a validade da contratação e dos descontos efetivados, alegando que a autora aderiu voluntariamente ao pacto, recebeu os valores acordados e utilizou os serviços decorrentes do ajuste, inexistindo vício de vontade ou qualquer ilicitude que justificasse a revisão do negócio jurídico.
Analisando os autos, verifica-se que o réu acostou cópia do instrumento contratual assinado pela parte autora no ano de 2008, no qual consta que o termo de adesão integra o contrato de empréstimo pessoal e o contrato de cartão de crédito (índice 72049604).
Todavia, a simples existência de contrato firmado não afasta a incidência dos princípios da boa-fé objetiva e do dever de informação, previstos no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.
A fragilidade da contratação resta evidenciada não apenas pela ausência de elementos essenciais à compreensão da operação - como o envio regular de faturas, a explicação clara sobre a natureza do serviço contratado e o esclarecimento quanto à sistemática de amortização -, mas também pelo depoimento pessoal da autora, colhido em audiência (índice 131401862), que, apesar do uso esporádico do cartão (de uma a três vezes), demonstrou desconhecimento sobre o funcionamento do débito.
Ademais, a instituição financeira ré deixou de apresentar, nos autos, as faturas do cartão de crédito, documento essencial à verificação da legalidade dos descontos efetuados.
Tal omissão inviabiliza o controle judicial da relação contratual, dificulta a compreensão da evolução do saldo devedor e reforça a existência de vício de consentimento.
Diante desse contexto, impõe-se a revisão do contrato, nos termos aplicáveis aos contratos de empréstimo consignado tradicional, com a aplicação das taxas de juros praticadas pelo mercado na época da contratação, devendo ser abatidos integralmente os valores pagos pela autora desde o início da relação contratual, conforme corretamente decidido pelo juízo de origem.
Sobre o tema, cumpre destacar os seguintes julgados: "APELAÇÃO.
AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA.
EMPRÉSTIMO.
CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
CONTRATAÇÃO NÃO RECONHECIDA.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE OPERAÇÕES TÍPICAS.
FALHA DO SERVIÇO.
DEVOLUÇÃO DE VALORES NA FORMA SIMPLES.
IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO.
DANO MORAL CONFIGURADO.
I.
Caso em exame: Autora afirma sofrer descontos em razão de empréstimo, na modalidade de cartão de cartão de crédito consignado, não contratado.
A sentença determinou o cancelamento do cartão e declarou a inexistência da dívida, condenando o réu a restituir as quantias descontadas indevidamente, na forma simples, e a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Apelo do réu defendendo a regularidade da contratação.
Requer a improcedência dos pedidos, ou, eventualmente, a restituição na forma simples, a redução da quantia indenizatória e a compensação dos créditos.
II.
Questão em discussão: Analisar a regularidade da contratação, se cabe a restituição dos valores, a possibilidade de compensação, a ocorrência de dano moral e a quantificação do dano.
III.
Razões de decidir: Cartão de crédito consignado.
Saque com ausência de operações típicas.
Informações deficientes sobre a modalidade de contratação.
Contexto que demonstra intenção de contratar empréstimo consignado e não cartão.
Falha do serviço configurada.
Todavia, não é caso de declaração de nulidade, mas de adequação da contratação.
Valor financiado que deverá sofrer os juros e encargos de empréstimo consignado durante o período do contrato.
Dano moral configurado.
Verba indenizatória por dano moral reduzida para R$ 5.000,00, quantia que adequada ao caso em análise e ao desperdício de tempo do consumidor.
IV.
Dispositivo: Recurso parcialmente provido.
Artigos legais e precedentes: Art. 373, II, do CPC, art. 37, § 1°, e art. 39, I e IV, do CDC. (0001041-56.2020.8.19.0079 - APELAÇÃO.
Des(a).
NATACHA NASCIMENTO GOMES TOSTES GONÇALVES DE OLIVEIRA - Julgamento: 10/07/2025 - DECIMA SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 26ª CÂMARA CÍVEL)) DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM DESCOMPASSO COM A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL.
PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA.
RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos em ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por danos morais.
A controvérsia refere-se à contratação de empréstimo pessoal que, na prática, operou-se como saque em cartão de crédito consignado, resultando em descontos mensais com encargos próprios de cartão, sem informação adequada ao consumidor.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) saber se houve violação ao dever de informação e prática abusiva por parte da instituição financeira ao disponibilizar crédito via cartão de crédito consignado, sem o conhecimento claro do consumidor; e (ii) se é devida a restituição de valores descontados indevidamente, bem como a indenização por danos morais.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A contratação de cartão de crédito, na forma como apresentada, violou os deveres de transparência e informação previstos no art. 6º, III, do CDC, caracterizando prática abusiva. 4.
Ausência de provas da ciência do consumidor quanto à natureza do contrato, tampouco de utilização do cartão, configurando-se desequilíbrio contratual e onerosidade excessiva. 5.
Verificada a responsabilidade objetiva do fornecedor nos termos do art. 14 do CDC, ensejando a revisão do contrato para adequação à modalidade de empréstimo consignado. 6.
Demonstrado o dano extrapatrimonial decorrente dos descontos indevidos, arbitrada indenização de R$ 5.000,00, conforme jurisprudência do TJRJ.
IV.
DISPOSITIVO 7.
Recurso conhecido e parcialmente provido.
Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III e VII, 14, caput e § 1º, 37, § 1º, 39, incs.
I e IV; CPC, art. 373, II.
Jurisprudência relevante citada: TJRJ, Apelação 0015644-90.2019.8.19.0008, Rel.
Des.
André Luiz Cidra, 11ª Câmara Cível, j. 03.11.2022. (0802532-80.2023.8.19.0040 - APELAÇÃO.
Des(a).
FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS - Julgamento: 24/07/2025 - VIGESIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 11ª CÂMARA CÍVEL))" Caso, após a revisão, reste evidenciado saldo credor em favor da parte autora, será devida a restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ante a ausência de engano justificável e a infringência ao dever de boa-fé pela instituição financeira.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EAREsp 676608/RS, firmou entendimento no sentido de que "a restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva", o que autoriza a devolução nos moldes mencionados.
Tal entendimento é corroborado pelos julgados a seguir: "APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
AÇÃO INDENIZATÓRIA.
CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO.
FALHA NOS DEVERES DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA.
FALTA DE BOA-FÉ CONTRATUAL.
INDUZIMENTO DO CONSUMIDOR EM ERRO.
DANO MORAL.
Caso em Exame: 1.
Trata-se de ação declaratória cumulada com pedido de repetição de indébito e compensação por danos morais ajuizada por consumidor que alegou ter sido induzido a contratar cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM), ao invés de empréstimo consignado tradicional, sem a devida informação.
Afirmou nunca ter desbloqueado ou utilizado o cartão e relatou descontos mensais indevidos de R$ 109,00 desde julho de 2019 em seu benefício previdenciário.
Pleiteou a nulidade do contrato, devolução em dobro dos valores pagos e compensação por danos morais.
Sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos e declarou a nulidade do contrato, determinou a cessação dos descontos e condenou a instituição financeira a restituir de forma simples os valores pagos, deduzido o montante efetivamente utilizado.
Ambas as partes apelaram.
Questões em Discussão 2.
A controvérsia cinge-se a verificar a existência de vício de consentimento na contratação do cartão de crédito com RMC, definir se é devida a restituição em dobro dos valores pagos e analisar a existência de danos morais na hipótese.
Razões de Decidir: 3.
A relação jurídica entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, o que impõe ao fornecedor o dever de prestar informações claras e adequadas sobre o produto ou serviço oferecido. 4.
Afastada a prejudicial de decadência por se tratar de fato do serviço, razão pela qual aplica-se a prescrição e não a decadência. 5.
Outrossim, deve ser afastada a prejudicial de prescrição, uma vez que a relação jurídica é de trato sucessivo, renovada a cada desconto realizado, o que impede o seu reconhecimento.
Além do mais, o primeiro desconto ocorreu em julho de 2019 e a presente ação foi proposta em maio de 2024, não ultrapassado o prazo de 5 anos. 6.
Fica caracterizado vício de consentimento, erro substancial, conforme artigos 138 e 139, I, do Código Civil, quando o consumidor acredita que contratou empréstimo consignado tradicional, mas, sem a devida informação, o valor tomado é vinculado a cartão de crédito consignado, modalidade notoriamente mais onerosa e de difícil quitação. 7.
A instituição financeira não comprovou a existência de informação clara e precisa sobre o tipo de contrato firmado, tampouco apresentou documentação hábil a demonstrar o consentimento informado do consumidor e, assim, incide o disposto nos artigos 46, 47, 52 e 54, §§ 3º e 4º, do Código de Defesa do Consumidor. 8.
A ausência de transparência, aliada à prática de refinanciamento automático com juros elevados, configura abusividade contratual e vantagem manifestamente excessiva, nos termos do art. 51, IV e § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor. 9.
A nulidade do contrato não deve alcançar integralmente a avença, de forma a preservar o valor efetivamente recebido pelo consumidor e sobre eles aplicar os encargos típicos do empréstimo consignado, sob pena de enriquecimento sem causa. 10. É devida a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente e a maior, à luz do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, ante a inexistência e erro justificável. 11.
Com relação ao dano moral, este ocorreu in re ipsa. 12.
No que tange ao quantum compensatório, foram adotados os critérios de arbitramento equitativo pelo Juízo, com a utilização do método bifásico.
Valorização, na primeira fase, do interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos), fixado o valor de R$ 5.000,00 13.
Consideração, na segunda fase, da situação em concreto.
Situação econômica do ofensor que, na segunda fase, impôs a majoração do valor reparação, de modo a atingir o quantitativo final de R$ 7.000,00, valor que se mostra apto a atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e em consonância com precedentes desta Corte 14.
PROVIMENTO PARCIAL DE AMBOS OS RECURSOS. (0805036-61.2024.8.19.0028 - APELAÇÃO.
Des(a).
ALCIDES DA FONSECA NETO - Julgamento: 01/07/2025 - SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL))" No que se refere aos pedidos de afastamento da condenação em danos morais e da compensação de valores, não há interesse recursal, porquanto não houve decisão desfavorável à parte recorrente nesses pontos.
Por fim, quanto ao pedido de condenação por litigância de má-fé em razão de conduta protelatória, verifica-se que a penalidade não é cabível.
A simples interposição de recurso, ainda que desprovido, não caracteriza abuso do direito de recorrer nem ato atentatório à dignidade da Justiça, não justificando a imposição de sanção processual.
Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença tal como lançada.
Majoro os honorários advocatícios, anteriormente fixados em R$800,00 (oitocentos reais), para R$1.200,00 (mil e duzentos reais), nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro, na data da assinatura eletrônica.
Desembargadora FERNANDA XAVIER Relatora Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara de Direito Privado AP nº 0817036-84.2023.8.19.0204 (A) -
30/08/2025 16:42
Não-Provimento
-
29/07/2025 00:05
Publicação
-
24/07/2025 11:07
Conclusão
-
24/07/2025 11:00
Distribuição
-
23/07/2025 17:22
Remessa
-
21/07/2025 15:36
Recebimento
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
21/07/2025
Ultima Atualização
25/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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