TJCE - 3027427-02.2025.8.06.0001
1ª instância - 31ª Vara Civel da Comarca de Fortaleza
Polo Ativo
Polo Passivo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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20/08/2025 00:00
Publicado Intimação da Sentença em 20/08/2025. Documento: 166595128
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19/08/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 19/08/2025 Documento: 166595128
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19/08/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA 31ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA PROCESSO: 3027427-02.2025.8.06.0001 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] AUTOR: C.
G.
S.
D.
S. REU: BANCO PAN S.A.
SENTENÇA Vistos em inspeção interna anual. 1 Relatório Trata-se de ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e de inexistência de débito, com pedido de tutela de urgência antecipada, cumulada com restituição em dobro dos valores indevidamente descontados e indenização por danos morais, ajuizada por C.
G.
S.
D.
S., menor impúbere, representado por sua mãe, Ana Cristina Galdino dos Santos, em face do Banco PAN S.
A., devidamente qualificados nos autos. Na petição inicial, a parte autora alega que, em março de 2023, buscou o Banco Réu para contratar empréstimo consignado sobre seu benefício de pensão por morte (NB 166.375.204-1).
Na ocasião, foi creditado o valor de R$ 2.216,00 em sua conta, com parcelas mensais de R$ 69,64.
Contudo, ao consultar o sistema Meu INSS, o Autor constatou que a contratação realizada foi, na verdade, de um cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) - modalidade em que os descontos mensais incidem apenas sobre o valor mínimo da fatura, gerando encargos rotativos e perpetuando a dívida.
O Autor alega que possuía margem suficiente para empréstimo consignado comum, mas o Banco Réu optou por contratar a modalidade RMC, sem seu consentimento ou informação adequada, configurando prática abusiva e má-fé.
Ressalta ainda que jamais recebeu o cartão e já teve descontados R$ 1.671,36 a título de fatura mínima, o que compromete sua única fonte de renda, sendo pessoa de poucos recursos.
Diante disso, requer: a) tutela de urgência para cessar os descontos referentes à RMC; b) citação do Réu para contestação e apresentação de documentos comprobatórios; c) prioridade na tramitação por ser menor impúbere; d) declaração de nulidade do contrato de cartão com RMC e reconhecimento da inexistência de débito; e) restituição em dobro dos valores pagos (R$ 3.342,72), corrigidos e com juros; f) indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00; g) inversão do ônus da prova em seu favor; h) concessão da justiça gratuita; i) dispensa da audiência de conciliação; j) condenação do Réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios (20% sobre o valor da condenação); k) procedência total dos pedidos.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.
Instruem a petição inicial os documentos de ID. 151820256-151820267.
Decisão de ID. 155036670 concedeu o benefício da justiça gratuita à parte autora, indeferiu o pedido de tutela de urgência, recebeu a petição inicial e determinou a inversão do ônus da prova em favor da autora.
Ademais, determinou a citação do réu para apresentar contestação, especificar as provas que pretende produzir e, após, a intimação da autora para apresentar réplica e indicar as provas que entender necessárias.
Em sede de contestação, o réu sustenta que a parte autora anuiu expressamente com a contratação do cartão de crédito consignado, conforme contrato nº 769693323, formalizado em 20/01/2023, relacionado ao cartão Visa/Mastercard final 6012.
Argumenta que as informações contratuais, assinadas pela autora, são claras e evidenciam que a contratação foi do produto cartão de crédito consignado, afastando qualquer possibilidade de dúvida ou confusão quanto à natureza do contrato.
Destaca que a autora é plenamente capaz e tinha o dever de ler integralmente o contrato antes de assiná-lo, cujo conteúdo é objetivo e acessível, contendo cláusulas que esclarecem a diferença entre o cartão consignado e o empréstimo consignado.
O réu também aponta que a autora recebeu e assinou o Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado, conforme determinação da Instrução Normativa 100/2018.
Quanto à utilização, o réu afirma que a autora usufruiu do cartão, realizou saques no valor de R$ 1.253,00 (99,48% do limite) e efetuou compras, conforme demonstram as faturas juntadas.
Ressalta ainda que a autora não impugnou a conta bancária onde recebeu o crédito, confirmando a legitimidade da operação.
Por fim, o réu conclui que não houve falha na prestação dos serviços e requer a total improcedência da ação (ID. 162964291). Acompanham a contestação os documentos de ID. 162964293-162964300. Por meio do ato ordinatório de ID. 163022804, foi determinada a intimação da parte autora para apresentação de réplica e especificação de provas. Na petição de ID. 164683655, a parte ré requereu a produção de prova oral, mediante a designação de audiência de instrução, com o objetivo de colher o depoimento pessoal da parte autora, a fim de confirmar o levantamento do crédito disponibilizado em seu favor.
Em sede de réplica, a parte autora impugnou especificamente os argumentos trazidos na contestação, reafirmando a veracidade dos fatos articulados na exordial, bem como reiterando integralmente os pedidos formulados, com a consequente pretensão de julgamento de procedência da demanda (ID. 166573494).
Posteriormente, por meio da petição de ID. 166573495, pugnou pelo julgamento antecipado da lide. É o relatório.
Fundamento e decido. 2 Fundamentação 2.1 Do julgamento antecipado do mérito Em conformidade com o dever constitucional de motivação dos atos judiciais (art. 93, IX, da Constituição Federal), é pacífico que o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da persuasão racional, conferindo ao juiz a liberdade de formar seu convencimento com base nas provas constantes dos autos e nas alegações das partes.
Nos termos do artigo 370 do Código de Processo Civil, cabe ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento, as provas que entender necessárias à instrução do feito, podendo, igualmente, indeferir aquelas que considerar desnecessárias, irrelevantes ou meramente protelatórias.
No presente caso, o réu requereu a produção de prova oral, mediante designação de audiência de instrução, com a finalidade de colher o depoimento pessoal da representante legal do autor, menor impúbere.
Contudo, entendo que tal diligência mostra-se desnecessária ao deslinde da controvérsia.
A narrativa constante da petição inicial, reiterada em sede de réplica, apresenta versão clara e coerente dos fatos, especialmente quanto à ausência de consentimento para contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cujos descontos vêm incidindo sobre benefício previdenciário recebido pelo autor.
Ademais, os documentos colacionados aos autos - inclusive os emitidos pela própria instituição financeira - são suficientes para a formação do convencimento judicial acerca da natureza jurídica do contrato celebrado, da ausência de autorização judicial para sua formalização e da condição de absoluta incapacidade do autor ao tempo da contratação.
Assim, à luz do princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas, indefiro o pedido de produção de prova oral formulado pela parte ré, por considerar que os elementos constantes dos autos são aptos a permitir o julgamento da lide, sem necessidade de dilação probatória.
Dessa forma, com fundamento no artigo 355, I, do Código de Processo Civil, julgo antecipadamente o mérito, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito e que as provas documentais já produzidas são suficientes para a solução da controvérsia. 2.2 Preliminarmente 2.2.1.
Da alegação de inépcia da inicial: A parte ré requer o indeferimento da petição inicial, alegando que a autora não juntou o comprovante de residência em seu nome, documento considerado indispensável para a propositura da ação, em suposto descumprimento aos artigos 319, VI, e 320 do CPC.
No entanto, não assiste razão à ré, pois o comprovante de residência não é requisito essencial à validade da petição inicial, conforme o artigo 319 do CPC, que apenas exige que a parte autora declare seu domicílio e residência. Além disso, a autora indicou corretamente seu endereço na petição inicial, procuração judicial e declaração de hipossuficiência.
Portanto, rejeito a preliminar suscitada. 2.2.2 Da alegada ausência de interesse de agir: O direito de ação pressupõe a existência de pretensão resistida, na qual a parte demanda a tutela jurisdicional para proteção de direito alegadamente violado.
Nesse contexto, verifica-se interesse de agir, uma vez que a via eleita é adequada e necessária à tutela pretendida.
Ademais, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, é vedada a exclusão da apreciação jurisdicional de lesão ou ameaça a direito, o que afasta a exigência de esgotamento da via administrativa como condição para o ajuizamento. No presente caso, o autor, menor impúbere representado por sua genitora, imputa à instituição financeira descontos mensais indevidos incidentes sobre seu benefício previdenciário, e pleiteia a nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cuja contratação alega jamais ter consentido ou sequer ter ciência, o que configura, em tese, violação a direito subjetivo. Dessa forma, restam presentes os requisitos da necessidade e da adequação da via judicial, sendo desnecessário o exaurimento da esfera administrativa, conforme entendimento consolidado na jurisprudência, especialmente em demandas que envolvem vício na formação do negócio jurídico e a tutela de direitos de menor absolutamente incapaz. Ante o exposto, rejeito a preliminar de ausência de interesse processual suscitada, por não haver óbice ao imediato acesso ao Judiciário no caso concreto. 2.2.3 Da impugnação à gratuidade da justiça: Em sede de contestação, o réu impugnou a concessão dos benefícios da justiça gratuita à parte autora, sob o argumento de que esta estaria sendo representada por advogado particular, o que, em seu entendimento, afastaria a alegada hipossuficiência econômica.
Contudo, tal alegação não merece prosperar.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXIV, assegura o acesso à justiça gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, competindo ao magistrado, no caso concreto, analisar a verossimilhança da alegação de hipossuficiência, conforme seu prudente arbítrio.
No presente caso, trata-se de ação ajuizada por menor absolutamente incapaz, representado por sua genitora.
A jurisprudência pátria é pacífica ao reconhecer que, sendo o autor menor impúbere, presume-se sua hipossuficiência econômica, sendo dispensada a comprovação de rendimentos por parte de seus representantes legais, salvo prova robusta em sentido contrário - a qual, no caso dos autos, não foi produzida.
Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado, cujo teor guarda perfeita sintonia com a hipótese sob exame: "Agravo de Instrumento - ação de obrigação de fazer - justiça gratuita à menor de idade - insurgência - desnecessidade de comprovação dos rendimentos dos genitores já que o benefício é personalíssimo - a hipossuficiência do menor de idade é presumida, ausência de elementos constantes dos autos para afastar a presunção de pobreza atribuída à parte - decisão reformada para que a benesse seja concedida - Recurso provido." (TJSP - AI: 2199418-79.2023.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 11/09/2023) Assim, não tendo o réu apresentado elementos aptos a afastar a presunção legal de hipossuficiência do autor, rejeito a preliminar suscitada quanto à concessão da justiça gratuita, mantendo a benesse deferida na decisão inaugural. 2.3 Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor A relação jurídica entre as partes configura uma típica relação de consumo, na qual a parte autora se qualifica como consumidor e a parte requerida, como fornecedora, conforme os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC). É incontroverso que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplica às operações realizadas por instituições financeiras, entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme estabelecido na Súmula 297, que ratifica a aplicação do CDC a essas instituições.
No caso em questão, considerando a verossimilhança das alegações do consumidor e sua hipossuficiência, foi decretada a inversão do ônus da prova (ID. 155036670).
Ressalte-se, contudo, que a inversão do ônus da prova não exime a parte autora de demonstrar minimamente os fatos constitutivos do seu direito (STJ - AgInt no REsp 1.717.781/RO, Rel.
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018). 2.4 Do mérito Cuidam os autos de ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cumulada com pedidos de inexistência de débito, repetição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais, ajuizada por menor impúbere, representado por sua genitora.
A parte autora sustenta que buscou contratar empréstimo consignado, mas foi surpreendida com a formalização de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sem consentimento ou informação adequada sobre a modalidade.
Alega não ter recebido o cartão, tampouco utilizado os serviços, e afirma que os descontos mensais comprometeram sua única fonte de renda. A instituição financeira, por sua vez, aduz a regularidade formal da contratação, com base em documentos assinados pela autora, inclusive termo de consentimento esclarecido, nos moldes da Instrução Normativa INSS nº 100/2018.
Alega que a contratante usufruiu do produto por meio de saques e transações, o que demonstraria ciência inequívoca acerca da natureza da operação. Assim, a controvérsia dos autos cinge-se à validade da contratação realizada, especialmente diante da condição de menor impúbere da parte autora, o que impõe rigor na verificação do consentimento e na observância das formalidades legais.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, embora sejam amplos os poderes conferidos aos pais para administração dos bens dos filhos, a legislação estabelece limites a tais prerrogativas, com o escopo de resguardar o patrimônio do menor e evitar prejuízos indevidos.
Nesse sentido, dispõe o art. 1.691 do Código Civil: "Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz." Trata-se de regra protetiva com fundamento na absoluta prioridade conferida à criança e ao adolescente pela Constituição Federal.
O art. 227 do Texto Constitucional assim estabelece: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade (...), além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." O objetivo, portanto, é assegurar que atos de disposição patrimonial ou de assunção de obrigações em nome de menores estejam sempre vinculados ao seu interesse superior, o que demanda, como regra, a prévia autorização judicial, a ser concedida após rigorosa análise da real necessidade da medida.
No caso concreto, os fatos narrados na petição inicial evidenciam falha na prestação dos serviços por parte da instituição financeira ré, que permitiu a contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) nº *23.***.*40-70 (ID. 162964293) em nome de menor absolutamente incapaz, sem a devida autorização judicial. A contratação foi realizada em 20 de janeiro de 2023, quando o autor tinha apenas 10 anos de idade (ID. 151820256), circunstância que impõe rigorosa observância das formalidades legais para a validade do negócio jurídico.
Tal conduta revela omissão da requerida quanto à adoção de medidas mínimas de segurança, configurando negligência na proteção dos interesses do menor.
Ademais, operações dessa natureza ultrapassam os limites da simples administração e, por isso, exigem autorização judicial prévia, sobretudo porque apresentam risco evidente de prejuízo patrimonial.
Dessa forma, mostram-se potencialmente lesivas e desproporcionais aos interesses do infante, o que reforça a necessidade de cautela na celebração do negócio jurídico.
Importante frisar que o dever da representante legal na administração da pensão do filho menor deve ser exercido em consonância com o princípio da proteção integral, resguardando a dignidade e o sustento do incapaz.
Ainda que não se impute má-fé à genitora, o fato é que a contratação de cartão RMC revela-se inadequada, diante do risco de perpetuação da dívida e comprometimento da subsistência do menor.
Por outro lado, para a validade do negócio jurídico, é necessária a presença de agente capaz, objeto lícito, forma prescrita e observância das normas legais aplicáveis.
O art. 166, I, do Código Civil, expressamente estabelece: "É nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz." E, nos termos do art. 3º, II, do mesmo diploma, são absolutamente incapazes os menores de 16 (dezesseis) anos.
Portanto, a celebração de contrato de cartão consignado em nome de menor impúbere, sem a devida autorização judicial, configura hipótese de nulidade absoluta, passível de reconhecimento de ofício pelo Juízo, nos termos do art. 168, parágrafo único, do Código Civil.
A jurisprudência, inclusive, pacificou entendimento nesse sentido: EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE RMC CONTRATADO EM NOME DE MENOR IMPÚBERE.
NULIDADE DO CONTRATO POR INCAPACIDADE ABSOLUTA.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.
RECURSOS DESPROVIDOS.
I.
CASO EM EXAME Ação revisional de contrato ajuizada por menor impúbere, representado por sua genitora, contra instituição financeira, objetivando a declaração de inexistência da contratação de cartão de crédito consignado na modalidade "Reserva de Margem Consignável - RMC" e, eventualmente, a conversão do contrato em empréstimo consignado tradicional.
O menor alegou ter sido induzido a erro ao acreditar estar contratando empréstimo consignado tradicional, sendo surpreendido com descontos denominados "reserva de margem de cartão de crédito" em seu benefício previdenciário.
A sentença de primeiro grau declarou a nulidade do contrato celebrado em nome do menor por ausência de capacidade do agente, determinando a interrupção dos descontos no benefício previdenciário.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) analisar a validade do contrato de cartão de crédito consignado (RMC) celebrado em nome de menor absolutamente incapaz; (ii) examinar a possibilidade de conversão do contrato RMC em empréstimo consignado tradicional; (iii) verificar a regularidade do provimento jurisdicional de primeiro grau diante das alegações de nulidade por decisão extra petita e ausência de dialeticidade recursal .
III.
RAZÕES DE DECIDIR O contrato celebrado em nome de pessoa absolutamente incapaz é nulo, conforme o art. 166, I, do Código Civil, por ausência de um dos requisitos essenciais de validade do negócio jurídico: a capacidade do agente.
O parágrafo único do art. 168 do Código Civil determina que a nulidade deve ser pronunciada pelo juiz ao tomar conhecimento do negócio jurídico nulo, mesmo que a parte não tenha pleiteado expressamente tal declaração, sendo vedado a o magistrado suprimir ou convalidar a nulidade.
A conversão do contrato RMC em empréstimo consignado tradicional é juridicamente inviável, pois depende de elementos contratuais não pactuados pelas partes e ultrapassa os limites do pedido inicial, conforme o art. 460 do CPC de 1973 (atual art. 492 do CPC/2015) .
A alegação de decisão extra petita não prospera, uma vez que a nulidade do contrato foi declarada com base em dispositivo legal expresso e nos elementos dos autos, sem extrapolar os limites da lide.
A preliminar de ausência de dialeticidade recursal arguida pelo segundo Apelante também é afastada, pois os argumentos apresentados no recurso do primeiro Apelante evidenciam a impugnação específica à sentença de primeiro grau, atendendo ao princípio da dialeticidade.
IV.
DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos .
Tese de julgamento: A contratação de cartão de crédito consignado (RMC) em nome de menor absolutamente incapaz é nula, nos termos do art. 166, I, do Código Civil.
A nulidade do negócio jurídico deve ser declarada de ofício pelo magistrado quando constatada, conforme o art. 168, parágrafo único, do Código Civil .
Não é possível a conversão de contrato nulo em modalidade diversa, sob pena de violação ao princípio da autonomia da vontade e extrapolação dos limites da lide. (TJ-MG - Apelação Cível: 50209692720238130027, Relator.: Des.(a) Evangelina Castilho Duarte, Data de Julgamento: 07/03/2025, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/03/2025) APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C.C.
INDENIZATÓRIA - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTO DE PARCELAS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - MENOR INCAPAZ - AUSENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - DANOS MATERIAIS E MORAIS - QUANTUM - I - Sentença de procedência - Apelo da ré - II - Autora, menor incapaz, que é portadora de autismo em grau severo e recebe benefício assistencial de prestação continuada no valor de um salário mínimo - Empréstimo consignado no benefício previdenciário da autora buscado pela sua genitora e concedido pela ré sem a necessária outorga judicial - Valor do empréstimo que não beneficiou a autora, que foi retirada do convívio familiar por estar sendo submetida a maus tratos e total abandono, atualmente mantida em instituição de acolhimento - Entidade consignatária que, ao conceder o empréstimo sem a autorização judicial, terá responsabilidade por eventual reparação - Empréstimo consignado firmado ao arrepio da lei, em violação ao art. 1 .691 do CC - Falha na prestação de serviços - Responsabilidade objetiva da ré - Existência de fortuito interno - Inteligência do art. 14 do CDC - Contrato que deve ser desfeito, com a devolução de todas as parcelas descontadas do benefício previdenciário da autora - III - Descontos irregulares em benefício previdenciário de pessoa menor e deficiente - Situação que foge da normalidade, daquilo que se entende tolerável na vida cotidiana - Danos morais caracterizados - Indenização devida, devendo ser fixada com base em critérios legais e doutrinários - Indenização bem fixada pela sentença em R$10.000,00, ante as peculiaridades do caso, quantia que se mostra suficiente para indenizar a autora e, ao mesmo tempo, coibir a ré de atitudes semelhantes - IV - Eventual restituição da quantia emprestada pela ré que há de ser perseguida em face da genitora da autora, terceira que se locupletou do valor do empréstimo - Ação procedente - Sentença mantida pelos próprios fundamentos - Art. 252 do Regimento Interno do TJSP - V - Honorários advocatícios majorados, nos termos do art . 85, § 11, do NCPC, para 15% sobre o valor da causa - Apelo improvido. (TJ-SP - Apelação Cível: 10068483420238260566 São Carlos, Relator.: Salles Vieira, Data de Julgamento: 19/08/2024, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2024) Nesse contexto, considerando a celebração do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) em nome de menor impúbere, sem a necessária autorização judicial, e diante da vulnerabilidade inerente à condição do autor, deve ser reconhecida a nulidade absoluta do referido contrato, com a consequente inexigibilidade dos débitos dele decorrentes. Ressalva-se, contudo, a faculdade da parte ré de se valer dos meios legais cabíveis para eventual cobrança dos valores diretamente à genitora, caso entenda configurados os requisitos legais para tanto. 2.4.1.
Dos danos materiais Nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 676.608/RS, consolidou o entendimento de que a repetição do indébito em dobro independe da demonstração de má-fé do fornecedor, bastando que a cobrança indevida decorra da prestação de serviço não contratado. Entretanto, conforme deliberado no referido precedente, de observância obrigatória, a devolução em dobro aplica-se apenas às cobranças realizadas a partir da publicação do acórdão que fixou a tese repetitiva, em 30 de março de 2021, sendo devida, para os valores cobrados anteriormente a essa data, apenas a restituição simples. No caso em exame, os descontos impugnados tiveram início em março de 2023 (ID. 151820261).
Assim, os valores pagos indevidamente devem ser restituídos em dobro, em conformidade com a jurisprudência aplicável. 2.4.2.
Dos danos morais A configuração do dano moral, em regra, exige a presença de ato ilícito, a ocorrência do dano e o nexo de causalidade entre ambos.
Contudo, nas relações de consumo, a jurisprudência pátria reconhece que a cobrança indevida em benefício previdenciário, decorrente de contratação não reconhecida pelo consumidor, configura dano moral in re ipsa, prescindindo, assim, da comprovação do abalo sofrido. No presente caso, restou evidenciado que a parte ré não comprovou a validade da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) nº *23.***.*40-70, tampouco demonstrou a anuência efetiva do autor - menor impúbere - à operação, sendo certo que não foi observado requisito essencial relacionado à capacidade civil da parte contratante.
Ademais, foram realizados descontos mensais em seu benefício previdenciário sem seu consentimento ou ciência, comprometendo a legitimidade do negócio jurídico e configurando clara falha na prestação do serviço bancário.
Tais circunstâncias são aptas a gerar violação à dignidade do consumidor, que, além da surpresa e insegurança provocadas pelos descontos indevidos, sofre abalo financeiro e psicológico, especialmente quando se trata de beneficiário do INSS, pessoa hipossuficiente e vulnerável. Dessa forma, estando evidenciada a prática abusiva da instituição financeira e o nexo de causalidade entre a conduta da ré e os prejuízos suportados pelo autor, impõe-se o reconhecimento do dever de indenizar. Quanto ao valor da indenização por danos morais, este deve ser fixado observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a cumprir a dupla função de compensar a vítima e desestimular condutas semelhantes por parte do fornecedor.
Considerando as peculiaridades do caso concreto - especialmente a natureza do vício, a extensão do dano e a condição socioeconômica das partes -, arbitra-se o valor da indenização por danos morais em R$ 2.000,00 (dois mil reais). 3 Dispositivo Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na petição inicial, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) Declarar a nulidade absoluta do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) n.º *23.***.*40-70, celebrado em nome do menor C.
G.
S.
D.
S., com o Banco PAN S.A.; b) Condenar o promovido a devolver o valor cobrado indevidamente com incidência em dobro, corrigido monetariamente pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, contados a partir de cada desconto indevido; c) Condenar o demandado ao pagamento de 2.000,00 (dois mil reais) em favor da parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescidos com juros de 1% ao mês, a partir da citação, e correção monetária, conforme o INPC, a partir da data de publicação desta sentença.
Em virtude da sucumbência mínima da parte autora, condenar a parte promovida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que desde já fixo em 10 UAD's, conforme o artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil.
Ficam as partes advertidas de que a interposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios poderá resultar na imposição de multa conforme o artigo 1.026, §2º, do CPC.
Intime-se o Ministério Público, nos termos do art. 178, II, do CPC, para ciência da presente sentença, considerando tratar-se de interesse de menor impúbere.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se.
Fortaleza, data da assinatura digital.
RICCI LOBO DE FIGUEIREDO Juíza de Direito -
18/08/2025 09:53
Expedida/certificada a comunicação eletrônica Documento: 166595128
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31/07/2025 07:58
Juntada de Petição de parecer
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30/07/2025 13:35
Confirmada a comunicação eletrônica
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30/07/2025 11:48
Expedição de Outros documentos.
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28/07/2025 10:35
Julgado procedente em parte do pedido
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27/07/2025 21:52
Conclusos para julgamento
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27/07/2025 21:52
Cancelada a movimentação processual Conclusos para despacho
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26/07/2025 02:40
Decorrido prazo de CRISTHIAN GABRIEL SANTOS DA SILVA em 25/07/2025 23:59.
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25/07/2025 22:14
Juntada de Petição de Petição (outras)
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25/07/2025 22:07
Juntada de Petição de Réplica
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10/07/2025 16:59
Juntada de Petição de Petição (outras)
-
04/07/2025 00:00
Publicado Ato Ordinatório em 04/07/2025. Documento: 163022804
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03/07/2025 15:37
Decorrido prazo de BANCO PAN S.A. em 25/06/2025 23:59.
-
03/07/2025 14:31
Ato ordinatório praticado
-
03/07/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 03/07/2025 Documento: 163022804
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03/07/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA 31ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA 3027427-02.2025.8.06.0001 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] AUTOR: C.
G.
S.
D.
S.
REU: BANCO PAN S.A. ATO ORDINATÓRIO Conforme disposição expressa nos arts. 129 a 133 do Provimento nº 02/2021, publicado às fls. 24/99 do DJ-e que circulou em 28/01/2021, emanado da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Ceará, para que possa imprimir andamento ao processo, intime-se a parte autora para réplica, no prazo de 15 (quinze) dias.
Na réplica, a parte autora deverá especificar as provas que pretende produzir, justificando sua pertinência em relação ao fato a ser provado, sob pena de preclusão.
Fortaleza/CE, data da assinatura digital.
Servidor de Gabinete de 1º Grau -
02/07/2025 09:30
Expedida/certificada a comunicação eletrônica Documento: 163022804
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01/07/2025 16:49
Juntada de Petição de contestação
-
27/06/2025 03:49
Decorrido prazo de ANDRE LUIZ SILVA FRANKLIN DE QUEIROZ em 26/06/2025 23:59.
-
03/06/2025 00:00
Publicado Intimação em 03/06/2025. Documento: 155036670
-
02/06/2025 03:38
Confirmada a citação eletrônica
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02/06/2025 03:38
Confirmada a comunicação eletrônica
-
02/06/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 02/06/2025 Documento: 155036670
-
30/05/2025 12:41
Expedida/certificada a comunicação eletrônica Documento: 155036670
-
30/05/2025 12:41
Expedida/certificada a citação eletrônica
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18/05/2025 21:10
Não Concedida a tutela provisória
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09/05/2025 13:25
Conclusos para decisão
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30/04/2025 14:25
Juntada de Petição de petição
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30/04/2025 00:00
Publicado Despacho em 30/04/2025. Documento: 152085782
-
29/04/2025 00:00
Intimação
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA 31ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA PROCESSO: 3027427-02.2025.8.06.0001 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Empréstimo consignado, Cartão de Crédito] AUTOR: C.
G.
S.
D.
S.
REU: BANCO PAN S.A.
DESPACHO
Vistos.
Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC) e Inexistência de Débito, cumulada com Pedido de Tutela de Urgência Antecipada, Restituição de Valores em Dobro e Indenização por Dano Moral, ajuizada por C.
G.
S.
D.
S., representado por sua genitora Ana Cristina Galdino dos Santos, em face de Banco Pan S.A. Verifica-se que a petição inicial foi dirigida ao Juizado Especial Cível da Comarca de Fortaleza, entretanto o feito foi distribuído ao Juízo Cível Comum Residual. Diante do exposto, intime-se a parte autora, por seu advogado, para que, no prazo de 5 (cinco) dias, manifeste-se, especificando o juízo - Juizado Especial Cível ou Juízo Cível Comum Residual - no qual pretende ver processado o presente feito.
Recebida a manifestação, ou decorrido o prazo sem manifestação, voltem os autos conclusos para exame de competência.
Intime-se.
Expedientes necessários.
Fortaleza/CE, data da assinatura digital.
TULIO EUGENIO DOS SANTOS Magistrado (a) -
29/04/2025 00:00
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 29/04/2025 Documento: 152085782
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28/04/2025 10:30
Expedida/certificada a comunicação eletrônica Documento: 152085782
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28/04/2025 10:11
Proferido despacho de mero expediente
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23/04/2025 09:28
Conclusos para decisão
-
23/04/2025 09:28
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
23/04/2025
Ultima Atualização
19/08/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Intimação da Sentença • Arquivo
Intimação da Sentença • Arquivo
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Sentença • Arquivo
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Ato Ordinatório • Arquivo
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Despacho • Arquivo
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Documento de Comprovação • Arquivo
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