TJBA - 8141226-67.2022.8.05.0001
1ª instância - 2Vara Civel - Salvador
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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02/09/2025 00:00
Intimação
Processo nº: 8141226-67.2022.8.05.0001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Autor: ELISIO RIBEIRO DO CARMO Réu: BANCO BMG SA S E N T E N Ç A
I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO REVISIONAL C/C TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por ELISIO RIBEIRO DO CARMO em face de BANCO BMG SA, objetivando a revisão de contratos de empréstimo pessoal por suposta abusividade na cobrança de juros remuneratórios.
O Autor alega (Id. 235737745) que, por ser pessoa idosa e semianalfabeta, foi induzido a celebrar sucessivos contratos de empréstimo e refinanciamentos com a instituição financeira ré, nos quais foram aplicadas taxas de juros muito superiores à média de mercado, tornando a dívida impagável e gerando onerosidade excessiva.
Postula, em sede de tutela de urgência, a suspensão da exigibilidade das parcelas e a abstenção de negativação de seu nome.
No mérito, requer a declaração de abusividade dos juros, com sua limitação à taxa média do BACEN, a declaração de quitação dos contratos, a repetição do indébito dos valores pagos a maior e a condenação do Réu por danos morais.
A decisão de Id. 249807597 deferiu a gratuidade de justiça ao Autor, inverteu o ônus da prova e postergou a análise do pedido de tutela de urgência para após o contraditório, designando audiência de conciliação.
Realizada a audiência (Id. 362653061), a tentativa de conciliação restou infrutífera ante a ausência da parte autora.
A parte ré requereu a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
O Réu apresentou contestação (Id. 363450059), defendendo a legalidade das taxas de juros pactuadas, com base na liberdade de contratação das instituições financeiras e no risco da operação.
Sustentou a ausência de vício de consentimento, a transparência das cláusulas contratuais e a inocorrência de ato ilícito ou dano moral.
Em pedido de reconvenção, pleiteou a condenação do Autor à devolução dos valores creditados em sua conta em caso de anulação dos contratos.
A parte autora apresentou réplica (Id. 398550681), justificando sua ausência na audiência por motivos de saúde e reiterando os argumentos da inicial, impugnando as alegações e documentos da defesa.
Intimadas a especificarem provas (Id. 439413531), a parte autora requereu o julgamento antecipado da lide (Id. 436282911), enquanto a parte ré reiterou os termos da contestação e pugnou pela improcedência da ação (Id. 440828567). É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, afasto o pedido de aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 334, § 8º, do CPC) formulado pelo Réu.
A parte autora justificou sua ausência à audiência de conciliação por motivos de saúde (Id. 398550681), juntando documentação médica pertinente.
A justificativa apresentada é plausível e afasta a pecha de desídia ou desrespeito ao ato processual.
No que tange à reconvenção apresentada na contestação (Id. 363450059), verifico a ausência de um pressuposto processual de validade.
A instituição financeira ré, que não litiga sob o pálio da gratuidade de justiça, não comprovou o recolhimento das custas processuais atinentes ao pedido reconvencional, em afronta ao disposto no art. 290 do Código de Processo Civil.
A ausência de preparo impõe o não conhecimento da reconvenção, por analogia ao cancelamento da distribuição.
Sem outras preliminares ou questões processuais pendentes de análise, e diante do conjunto probatório formado, passo, doravante, ao exame do mérito.
A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, e da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça.
A revisão judicial das taxas de juros remuneratórios é admitida apenas em situações excepcionais, quando cabalmente demonstrada a sua abusividade em relação à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) para operações da mesma espécie e período.
Nesse sentido, o posicionamento externado pelo STJ no julgamento do REsp. 1.061.530/RS é de que "Só se considera abusiva a taxa de juros remuneratórios se fixada no mínimo uma vez e meia (50%) acima da taxa média de mercado".
No caso concreto, a análise dos contratos impugnados revela que a instituição financeira pactuou taxas de juros remuneratórios de 18,00% a.m. na maioria dos contratos, e de 11,09% a.m. nos demais.
Em consulta ao Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central, verifica-se que as taxas médias de juros para as operações de "crédito pessoal não consignado" nos períodos das contratações variaram entre 4,69% a.m. e 6,23% a.m.
A simples comparação evidencia que as taxas praticadas pelo Réu superaram, em muito, não apenas a média de mercado, mas também o critério de razoabilidade adotado pelo STJ, configurando uma clara e inequívoca abusividade.
A análise pormenorizada de cada contrato impugnado revela a flagrante abusividade: Ids. 235738015 e 36345006 - Contrato 1774115 (05/02/2020): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 6,23% a.m.
O limite de tolerância (1,5 x taxa média) seria de 9,34% a.m., valor amplamente superado.
Ids. 235738017 e 363450063 - Contrato 2275018 (08/07/2020): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,13% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,69% a.m.
Ids. 235738018 e 363450064 - Contrato 2774003 (03/12/2020): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 4,69% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,03% a.m.
Ids. 235738019 e 363450069 - Contrato 3033741 (04/02/2021): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,23% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,84% a.m.
Ids. 235738021 e 363450071 - Contrato 3445846 (08/06/2021): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,01% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,51% a.m.
Ids. 235738022 e 363450073 - Contrato 3848101 (05/10/2021): Taxa pactuada de 11,09% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,19% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,78% a.m.
Ids. 235738023 e 363450074 - Contrato 4265557 (03/02/2022): Taxa pactuada de 18,00% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,18% a.m.
O limite de tolerância seria de 7,77% a.m.
Ids. 235738024 e 363450075 - Contrato 4669912 (03/06/2022): Taxa pactuada de 11,09% a.m. contra uma taxa média de mercado de 5,37% a.m.
O limite de tolerância seria de 8,05% a.m.
Trata-se o Autor de pessoa idosa (nascido em 1953) e que se declara semianalfabeto.
A sucessão de oito contratos de empréstimo e refinanciamento em um curto período, em que novos créditos eram concedidos para quitar saldos devedores anteriores, com a liberação de valores irrisórios ao consumidor, é um forte indicativo da situação de superendividamento. Essa prática, conhecida como "bola de neve", aprisiona o consumidor em um ciclo de endividamento, comprometendo sua subsistência, o que viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever de proteção ao consumidor vulnerável, especialmente o idoso.
A condição de semianalfabeto agrava essa vulnerabilidade, tornando questionável a plena compreensão sobre a natureza e o alcance das obrigações assumidas, especialmente em contratos de adesão com cláusulas complexas, a exigir do fornecedor um dever de informação qualificado e transparente, o que não parece ter ocorrido, dada a onerosidade excessiva dos contratos.
Como consequência direta do reconhecimento da abusividade, fica descaracterizada a mora do Autor (REsp 1.061.530/RS), o que afasta a incidência de quaisquer encargos moratórios sobre o débito. A devolução do valor eventualmente devido, a ser restituído pela parte ré ao Autor, deve ser em dobro. No caso concreto, a cobrança de juros em patamar quase três vezes superior à média de mercado, de um consumidor idoso e com baixa instrução, por meio de sucessivos refinanciamentos que perpetuam a dívida, configura uma conduta que viola flagrantemente a boa-fé objetiva, que impõe deveres de lealdade, informação e proteção.
Não se trata de engano justificável, mas de uma prática comercial que, objetivamente, lesa o consumidor.
Assim, a restituição em dobro é a medida que se impõe Quanto ao pedido de indenização por danos morais, a imposição de encargos flagrantemente abusivos a um consumidor hipervulnerável (idoso), levando-o a um ciclo vicioso de endividamento, extrapola o mero dissabor contratual.
A conduta do Réu viola a dignidade da pessoa humana e os deveres de lealdade e proteção emanados da boa-fé objetiva.
Assim, arbitro a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por ELISIO RIBEIRO DO CARMO em face de BANCO BMG SA, para: DECLARAR a abusividade das taxas de juros remuneratórios pactuadas nos contratos objeto da lide, limitando-as, para cada contrato, à respectiva taxa média de mercado divulgada pelo BACEN na data de cada contratação, conforme detalhado na fundamentação, determinando o recálculo de toda a dívida; CONDENAR o Réu a restituir ao Autor, a quantia correspondente ao dobro do valor pago indevidamente, conforme cálculo a ser apurado em fase de liquidação, permitida a compensação em caso de eventual saldo devedor em aberto referente aos contratos ora revisados.
Os valores devem ser corrigidos monetariamente desde cada desembolso e acrescidos de juros de mora a partir da citação; CONDENAR o Réu a pagar ao Autor a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigida monetariamente a partir da data desta sentença (Súmula 362, STJ) e acrescida de juros de mora a partir da citação.
Defiro a tutela de urgência para determinar que o Réu se abstenha de efetuar novos descontos na conta do Autor referentes aos contratos discutidos nesta ação, bem como para que se abstenha de inscrever ou, caso já tenha inscrito, que promova a baixa do nome do Autor dos cadastros de proteção ao crédito em relação a este débito, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Considerando a sucumbência mínima do Autor, condeno o Réu ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação (soma dos valores da repetição do indébito e do dano moral), nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Outrossim, NÃO CONHEÇO da reconvenção apresentada, por ausência de recolhimento das custas processuais.
Intimem-se e cumpra-se.
Salvador/BA, data e assinatura eletrônicas.
Tadeu Ribeiro de Vianna Bandeira.
Juiz de Direito -
01/09/2025 06:50
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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22/08/2025 10:27
Julgado procedente em parte o pedido
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21/01/2025 09:04
Juntada de Petição de renúncia de mandato
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02/08/2024 12:46
Conclusos para julgamento
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25/05/2024 17:53
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 22/04/2024 23:59.
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25/05/2024 12:36
Decorrido prazo de ELISIO RIBEIRO DO CARMO em 22/04/2024 23:59.
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27/04/2024 01:40
Publicado Despacho em 15/04/2024.
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27/04/2024 01:40
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 12/04/2024
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21/04/2024 14:30
Juntada de Petição de petição
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19/03/2024 21:38
Juntada de Petição de petição
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14/03/2024 09:29
Proferido despacho de mero expediente
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06/10/2023 12:19
Conclusos para despacho
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16/08/2023 14:20
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 25/07/2023 23:59.
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09/07/2023 17:12
Juntada de Petição de outros documentos
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09/07/2023 16:37
Juntada de Petição de petição
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05/07/2023 19:03
Publicado Despacho em 03/07/2023.
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05/07/2023 19:03
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 05/07/2023
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30/06/2023 11:06
Disponibilizado no DJ Eletrônico em #Não preenchido#
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29/06/2023 20:45
Proferido despacho de mero expediente
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25/06/2023 20:45
Decorrido prazo de ELISIO RIBEIRO DO CARMO em 25/10/2022 23:59.
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14/06/2023 14:39
Conclusos para despacho
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06/05/2023 09:27
Decorrido prazo de BANCO BMG SA em 25/10/2022 23:59.
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16/02/2023 13:11
Juntada de Petição de petição
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10/02/2023 17:16
Juntada de Petição de contestação
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08/02/2023 21:05
Juntada de ata da audiência
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07/02/2023 19:43
Juntada de Petição de petição
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02/12/2022 10:42
Expedição de citação.
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24/10/2022 15:19
Publicado Decisão em 07/10/2022.
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24/10/2022 15:19
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 24/10/2022
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17/10/2022 11:24
Juntada de Petição de petição
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06/10/2022 10:44
Disponibilizado no DJ Eletrônico em #Não preenchido#
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05/10/2022 19:16
Juntada de Petição de petição
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05/10/2022 14:21
Concedida a Assistência Judiciária Gratuita a ELISIO RIBEIRO DO CARMO - CPF: *14.***.*74-00 (AUTOR).
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04/10/2022 22:47
Audiência VÍDEOCONCILIAÇÃO designada para 08/02/2023 14:30 2ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR.
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19/09/2022 16:36
Conclusos para despacho
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18/09/2022 15:49
Inclusão no Juízo 100% Digital
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18/09/2022 15:48
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
18/09/2022
Ultima Atualização
02/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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