TJAL - 0809889-40.2025.8.02.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 4ª C Mara Civel
Polo Ativo
Polo Passivo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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02/09/2025 00:00
Intimação
DESPACHO Nº 0809889-40.2025.8.02.0000 - Agravo de Instrumento - Girau do Ponciano - Agravante: Unimed Metropolitana do Agreste - Agravado: José Samuel Calixto dos Santos (Representado(a) por seu Pai) Álvaro Jhonatan dos Santos - 'DECISÃO MONOCRÁTICA/MANDADO/OFÍCIO N. /2025.
Trata-se agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela UNIMED Metropolitana do Agreste com o objetivo de reformar decisão proferida pelo Juízo da Vara de Único Ofício de Girau do Ponciano (fls. 86/89, integrada em fls. 103/104, dos autos originais), que deferiu o pedido de antecipação de tutela e determinou que a ré limite a cobrança de coparticipação a R$ 30,00 (trinta reais) por procedimento, mantendo o plano de saúde do requerente ativo enquanto perdurar a discussão processual.
Em suas razões recursais, a parte agravante argumenta que o plano contratado foi de coparticipação, razão pela qual a parte recorrida paga uma parcela que atua como função moderadora.
Assim, afirma que desde abril/2024 o contratante deixou de adimplir as mensalidades, acumulando débito superior a R$ 37.000,00, conforme notificações encaminhadas e renegociações frustradas.
Em abril/2025, o plano foi suspenso, nos termos do art. 13, II, da Lei 9.656/98.
Aponta que, caso afastada a cláusula de coparticipação, há um desequilíbrio em desfavor da operadora de saúde.
Além disso, defende que não foram comprovados os requisitos para concessão da tutela de urgência.
Com base nisso, pugna pela atribuição de efeito suspensivo, para suspender a decisão interlocutória recorrida.
Ao final, requer o provimento do recurso, para fins de modificação do pronunciamento impugnado. É o relatório, no essencial.
Fundamento e decido.
Por estarem presentes os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade recursal, toma-se conhecimento do recurso e passa-se à análise do pedido de efeito suspensivo. É consabido que, para a concessão de efeito suspensivo recursal, à similitude da tutela de urgência, a pretensão deve vir amparada por elementos que demonstrem, de início, a probabilidade do direito que se busca realizar e o risco de dano grave ou de difícil reparação, nos exatos termos do art. 1.019, I, combinado com o art. 995, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil: Art. 1.019 - Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias: I- poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão; Art. 995 - [...] Parágrafo único.
A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso. (Sem grifos no original) Dessas dicções normativas, depreende-se que os requisitos para a concessão da medida liminar recursal se perfazem na probabilidade do direito e no risco de dano grave de difícil ou impossível reparação.
Nesse momento processual de cognição sumária, resta, portanto, apreciar a coexistência ou não dos referidos pressupostos. É relevante destacar, inicialmente, que a Constituição Federal de 1988 erigiu a saúde a direito fundamental social.
Em verdade, foi o a primeira carta constitucional a consagrar de forma expressa o direito à saúde.
Dessa forma, a saúde está prevista como garantia constitucional de todos, dever do Estado, assegurada mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, regido pelo princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Alguns dos dispositivos constitucionais que tratam sobre a referida norma se encontram abaixo transcritos: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (sem grifos no original) O mencionado direito se encontra inevitavelmente associado à preservação de outros bens constitucionalmente relevantes, como a vida e a dignidade da pessoa humana (este último, inclusive, alçado como um dos pilares que fundamentam a República Federativa do Brasil).
Em virtude de sua relação com essas outras garantias, a saúde integra o núcleo duro dos direitos humanos, pois é a partir de sua efetividade que surge a possibilidade de se usufruir dos outros direitos fundamentais.
Pode-se identificar na redação do artigo constitucional tanto um direito individual quanto um direito coletivo de proteção à saúde.
Nesse sentido, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já reconheceu que o direito à saúde se trata de verdadeiro direito público subjetivo, que representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República, tal como preconizado pelo art. 196.
Assim, traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
Nesse contexto, quem assegura a prestação do serviço de saúde no Brasil é o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos privados de assistência médico-hospitalar.
O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.
Desta forma, apesar de ser direito programático, compreendido dentre os de segunda dimensão, a interpretação dessa norma constitucional não pode transformá-la em promessa inconsequente, devendo sua garantia ocorrer de forma imediata.
Deve-se assentar que, no caso em espécie, a relação estabelecida entre as partes aqui litigantes tem cunho consumerista, tendo em vista que a parte autora se enquadra no conceito de consumidor, conforme disciplina o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o plano de saúde, na modalidade apresentada, subsume-se ao conceito de fornecedor, nos termos do art 3º do mesmo diploma legal.
Ademais, a demanda versa sobre prestação de serviço de plano de saúde, de modo que é plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor, nos estritos termos que preconiza o art. 3º, §2º, do CDC e da Súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (sem grifos no original) Súmula nº 608, "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". (sem grifos no original) Assim, observa-se que os contratos estão regulados pela disciplina consumerista, aplicando-se a estes o Código de Defesa do Consumidor, e por conseguinte, as cláusulas devem observar o referido diploma normativo, respeitando-se, de tal sorte, as formas de interpretação e elaboração contratuais, especialmente frente a evidenciada hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor.
Sabe-se que o Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seu artigo 4º, que os consumidores devem ter as necessidades atendidas com respeito à sua dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de vida, transparência e harmonia das relações de consumo, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Ademais, no artigo 6º, o CDC prevê como direito básico do consumidor a obtenção de informação adequada sobre diferentes produtos e serviços, como a especificação correta de quantidade, as características, a composição, a qualidade, os tributos incidentes e o preço, incluindo os eventuais riscos.
Por sua vez, o artigo 31 também estabelece que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas.
A doutrina esclarece o conceito de boa-fé objetiva, nos seguintes termos: A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor.
Desse modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.
A boa-fé objetiva é uma espécie de pré-condição abstrata de uma relação ideal.
Assim, está claro que o princípio da boa-fé objetiva implica a exigência nas relações jurídicas do respeito e da lealdade com o outro sujeito da relação, impondo um dever de correção e fidelidade, assim como o respeito às expectativas legítimas geradas no outro.
Tomando isso como parâmetro, verifica-se que o cerne da controvérsia diz respeito à suposta abusividade da cláusula de coparticipação, tendo em vista que a parte agravante é portadora de transtorno global de desenvolvimento, razão pela qual a cláusula, ao incidir sobre cada sessão individual de terapia, limitaria excessivamente o acesso da parte aos serviços da operadora de saúde.
Importante salientar que os contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão, recebem a incidência das normas consumeristas para a interpretação de suas cláusulas e disposições, devendo observar, sobretudo, os princípios que emanam do Código de Defesa do Consumidor, assim como as disposições protetivas previstas no próprio Código Civil, notadamente o princípio da boa-fé: Art. 422.
Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 423.
Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente Para além da observância ao princípio da boa-fé, a legislação consumerista impõe vedação a obrigações abusivas que coloquem o consumidor em manifesta desvantagem, nos termos do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.
Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; Na trilha dessa intelecção, importante consignar que a cláusula de coparticipação não é, por si só, abusiva.
De acordo com o art. 16, VIII, da Lei nº 9.656/98 c/c art. 6º, III e 54, §§ 3º e 4º da Lei nº 8.078/90, as operadoras de plano de saúde podem prever em seus instrumentos contratuais cláusulas que estipulem o regime de coparticipação nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica, desde que devidamente formulados, com clareza, o percentual deste compartilhamento.
Veja-se: Art. 16.
Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (...) VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; Art. 54.
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (...) § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Não se desconhece, ademais, que tal modalidade de contrato de plano de saúde traz vantagens econômicas para o aderente.
Isso, porque a mensalidade costuma ser mais barata, tendo em vista que o cálculo atuarial já leva em consideração a contraprestação correspondente à cláusula de coparticipação.
Dessa forma, a cláusula de coparticipação é considerada válida, desde que não implique financiamento integral do tratamento por parte do usuário, ou, ainda, em restrição indevida aos serviços fornecidos pela operadora de saúde.
Nesse sentido, transcreve-se o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA. 1.
Violação ao artigo 1.022 do NCPC não configurada.
Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia de forma ampla e fundamentada, manifestando-se sobre as teses apresentadas pelas partes, sem qualquer vício.
Consoante entendimento desta Corte, não importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota para a resolução da causa fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pela parte recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta.
Precedentes. 2.
Segundo a jurisprudência desta Corte não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, em percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação, desde que a coparticipação não caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços (REsp 1.566.062/RS, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe de 1º/7/2016). 3.
Esta Corte já firmou o entendimento no sentido de que não há se falar na ocorrência de dano moral indenizável quando a operadora se nega a custear tratamento médico com base em previsão contratual que excluía a cobertura da referida terapêutica, ou seja, com base em dúvida razoável. 4. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que os mesmos óbices impostos à admissão do recurso pela alínea a do permissivo constitucional impedem a apreciação do reclamo pela alínea c, ficando prejudicada a análise do dissídio jurisprudencial.
Precedentes. 5.
Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.940.930/SE, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024.) (sem grifos originários) Compulsando os autos de origem, verifica-se que o beneficiário é portador do Transtorno do Espectro Autista, sendo acompanhado por neuropediatra que prescreveu o seguinte tratamento: Atendimento psicológico comportamental - especializado em ABA - 5 sessões semanais (uma hora cada sessão); Atendimento em terapia ocupacional para atividades de vida diária e em integração sensorial especializada - mínimo de 5 sessões semanais (uma hora cada sessão); Atendimento em fonoaudiologia - especializada em linguagem / ABA - 5 sessões semanais (uma hora cada sessão); Aplicação de atividades relacionadas ao comportamento 5 vezes por semana, com base em plano elaborado por analista comportamental (supervisor ABA) - mínimo de 5 horas semanais (fls. 15 dos autos de origem).
Seguindo a lógica da cláusula de coparticipação, o beneficiário teria que arcar com o custo proporcional em relação a todas as sessões do tratamento multidisciplinar.
Conforme as informações do contrato às fls. 16/68 destes autos, a cláusula de coparticipação é de 35% (trinta e cinco por cento), sem qualquer teto.
Assim, conclui-se, por projeção, ao menos neste momento processual, que o tratamento realizado nos termos prescritos supera significativamente o valor da própria mensalidade do plano e, em sendo tratamento continuado, demonstra ainda mais a gravidade dos impactos que podem resultar na inviabilização da continuidade terapêutica, constituindo, assim, um fator restritivo de acesso ao serviço de saúde no caso concreto.
Ressalte-se que, no caso específico dos transtornos globais de desenvolvimento, a própria ANS, por intermédio das Resoluções Normativas n. 539/2022 e 541/2022 passou a privilegiar o tratamento indicado pelo médico assistente, bem como vedar expressamente a limitação das sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.
Portanto, com base nas evidências científicas contemporâneas, a própria Agência Reguladora reconhece a necessidade do fornecimento do tratamento multidisciplinar integral para a pessoa com autismo.
Dessa maneira, o efeito prático da manutenção incólume da cláusula de coparticipação, especificamente no tocante ao tratamento multidisciplinar para transtornos globais de desenvolvimento, é a limitação do número de sessões do tratamento, o que é vedado, tanto nos termos da normativa da ANS, quanto na jurisprudência consolidada da Corte Superior: EMENTA: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA.
PLANO DE SAÚDE.
COBERTURA.
RECUSA INDEVIDA.
ANS.
ROL TAXATIVO.
MITIGAÇÃO.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
COBERTURA OBRIGATÓRIA.
COPARTICIPAÇÃO INCABÍVEL.
REVISÃO.
ABUSIVIDADE.
REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.
IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1.
Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, ainda que de forma sucinta, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
A Segunda Seção desta Corte Superior uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios. 3.
Na espécie, os tratamentos indicados estão relacionados com beneficiário portador de transtorno global do desenvolvimento, sendo exemplos o transtorno do espectro autista (TEA), a Síndrome de Asperger e a Síndrome de Rett. 4.
A ANS já reconhecia a Terapia ABA como contemplada nas sessões de psicoterapia do Rol da Saúde Suplementar, havendo considerações da CONITEC a respeito da viabilidade não só desse método no tratamento de determinados graus de TEA, mas também de outros métodos a serem discutidos com o profissional da saúde. 5.
A ANS tornou obrigatória a cobertura, pela operadora de plano de saúde, de qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde responsável para o tratamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, entre os quais o transtorno do espectro autista, a Síndrome de Asperger e a Síndrome de Rett. 6.
A autarquia reguladora também aprovou o fim do limite de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, além de ter revogado as Diretrizes de Utilização (DU) para tais tratamentos (RN-ANS nº 541/2022). 7.
Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, em percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação, desde que não inviabilize o acesso à saúde. 8.
Na hipótese, rever a conclusão firmada pelas instâncias ordinárias, no sentido de que houve abusividade pelo plano de saúde e de que não há falar em coparticipação, e acolher a tese recursal, de que a cláusula contratual que prevê o pagamento da mesma não é onerosa, exigiria o revolvimento de fatos, de provas dos autos e de cláusulas contratuais, providências inviáveis no recurso especial em virtude dos óbices das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 9.
Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.045.203/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.) (sem grifos originários) Feitas essas considerações e ponderando os valores envolvidos, bem como conjugando os precedentes do Superior Tribunal de Justiça que versam sobre coparticipação, entende-se como razoável restringir a coparticipação no caso dos autos, resguardando-se, todavia, o mutualismo inerente ao contrato de plano de saúde.
Afinal, conforme destacado anteriormente, a cláusula de coparticipação foi livremente aderida pelo beneficiário, que, como vantagem, arca com uma prestação mensal inferior em relação a outras modalidades de plano de saúde.
Dessa forma, remover completamente a cláusula de coparticipação desvirtuaria a própria natureza do contrato, bem como poderia causar desequilíbrio financeiro na relação contratual avençada, impondo ônus demasiado ao plano de saúde.
Consequentemente, por imperativo da proporcionalidade, cabe limitar a mencionada cláusula ao valor máximo de duas mensalidades.
Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
PLANO DE SAÚDE.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR.
COPARTICIPAÇÃO.
RESTRIÇÃO DE ACESSO À SAÚDE.
VEDAÇÃO.
SÚMULA 83/STJ.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1.
No caso, o Tribunal de origem entendeu que o percentual de coparticipação, adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), indubitavelmente, inviabilizaria a continuidade da terapêutica, constituindo, assim, um fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. 2.
Esta Corte de Justiça pacificou o entendimento de que não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, desde que não inviabilize o acesso à saúde.
Incidência da Súmula 83/STJ. 3. À luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetem, de maneira significativa, a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares, prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes, como é o caso dos autos. 4.
Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 2.085.472/MT, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023.) (sem grifos no original) Ressalte-se que, ao apreciar a limitação de duas mensalidades pelo Tribunal local, a Corte Superior entendeu que "a decisão da Corte de origem - que considerou abusivo o percentual fixado a título de coparticipação, uma vez que certamente inviabilizaria a continuidade do tratamento do beneficiário do plano, definindo uma limitação da coparticipação em até 2 (duas) vezes o valor da mensalidade - está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".
Não se desconhece que existem julgados do STJ concluindo que o valor da limitação pode ser outro, tal qual o REsp n. 2.001.108/MT, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
Naquela ocasião, entendeu-se como "(...) razoável fixar como parâmetro, para a cobrança da coparticipação, o valor equivalente à mensalidade paga, de modo que o desembolso mensal realizado por força do mecanismo financeiro de regulação não seja maior que o da contraprestação paga pelo beneficiário".
Assim, limitou-se a cobrança da cláusula de coparticipação até uma mensalidade e, quanto ao percentual cobrado por procedimento, o limite máximo de 50% (cinquenta por cento).
Entretanto, em relação ao valor que ultrapassa a mensalidade, aquela eminente Relatora entendeu pela possibilidade de cobrança nas mensalidades subsequentes, até a completa quitação ("quando a coparticipação devida for superior ao valor de uma mensalidade, o excedente deverá ser dividido em parcelas mensais, cujo valor máximo se limita ao daquela contraprestação, até que se atinja o valor total)".
Significa dizer que, em se tratando de tratamento contínuo, o beneficiário terá que sempre arcar com um montante da dívida que mensalmente sofrerá alteração para maior, eis que há um limite máximo tão somente para a cobrança mês a mês.
Consequentemente, essa sistemática não se mostra a mais adequada, por poder inviabilizar o tratamento da parte, que pode não conseguir quitar os valores acumulados ao longo do tempo.
Dessa forma, dispensa-se a inclusão de eventual excedente nas mensalidades subsequentes a serem pagas pela parte consumidora.
Diante dos fundamentos acima, entende-se como razoável a aplicação do fator moderador com limitação a duas mensalidades, conforme pugnado pela agravante, sem, contudo, determinar a quitação do excedente nas mensalidades subsequentes.
Consequentemente, não se vislumbra, ao menos no presente momento, possibilidade de afastar a determinação da manutenção do plano de saúde no curso do processo, eis que o inadimplemento ocorreu em razão do custo desproporcional do fator moderador.
Dito isso, a probabilidade do direito está parcialmente caracterizada, em razão dos argumentos acima.
Igualmente, o perigo de dano resulta na possibilidade da quebra do mutualismo que rege o plano de saúde, com eventual resultante de desorganização da estrutura de fornecimento dos serviços médicos prestados.
Diante do exposto, CONHEÇO do recurso e, no que conheço, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de efeito suspensivo formulado, suspendendo a decisão interlocutória em relação ao capítulo que afastou a cobrança de coparticipação, limitando-a, todavia, ao valor de duas mensalidades, vedada a inclusão de eventual excedente nas mensalidades subsequentes.
Oficie-se o juízo de origem acerca do teor do decisum.
Intime-se a parte agravante para dar-lhe ciência deste pronunciamento jurisdicional, bem como a parte agravada para, querendo, apresentar contraminuta, nos exatos termos do art. 1.019, II, do Código de Processo Civil.
Após, remetam-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para se manifestar, no que entender pertinente, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1.019, III, do Código de Processo Civil.
Utilize-se a cópia da presente decisão como Ofício/Mandado.
Intimem-se.
Publique-se.
Cumpra-se.
Maceió, 28 de agosto de 2025.
Des.
Fábio Ferrario Relator' - Des.
Fábio Costa de Almeida Ferrario - Advs: Marianne Barros Magalhães de Azevedo (OAB: 19212/AL) - Valter José da Silva (OAB: 20360/AL) -
26/08/2025 12:01
Conclusos para julgamento
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26/08/2025 12:01
Expedição de tipo_de_documento.
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26/08/2025 12:01
Distribuído por sorteio
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25/08/2025 20:02
Registrado para Retificada a autuação
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
26/08/2025
Ultima Atualização
02/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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